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O Homem como ser moral

O homem é um ser moral porque é um ser de consciência, isto é, que tem consciência, um ser
de convivência e um ser de liberdade.
É necessário, antes de mais, que o homem se assuma como um sujeito, uma individualidade
irredutível a outras individualidades, uma existência diferente e diferenciada. O núcleo central
da moralidade é o eu, mas não um eu encerrado sobre si mesmo, autista, reduzido a uma
prisão aquário, antes um eu aberto ao exterior, curioso e em trânsito.
Aquilo que me permite saber-me como sujeito e constituir-me como indivíduo é a consciência.
Este eu de que me apercebo através da consciência não se limita a um corpo ou um conjunto
de sensações mas também não se reduz ao espírito. Se não posso ou não devo considerar os
sentidos e os sentimentos como ilusões também não posso esquecer a importância do
pensamento como instrumento precioso de investigação da realidade. Este eu de que me
apercebo através da consciência não é uma identidade estática, inalterável, mas uma
complexidade, um edifício em construção. O eu não é uma pousada ou um eremitério, um
refúgio, mas um caminho, delineado passo a passo, um percurso tão sinuoso quanto as
circunstâncias e os projectos. O eu não é uma mónada, mas uma existência que edifica o seu
sentido e significado na abertura, no contacto e no diálogo autêntico.
É pela consciência que o homem se distingue do animal, é pela consciência que o homem se
define como ser moral. É mediante a consciência que alguns actos do homem se convertem
em acções significativas e transformadoras do próprio homem. É a consciência que possibilita
quer uma visão retrospectiva quer projectiva da realidade e das nossas acções e desta forma
ultrapassar a sensação do imediato, tornando-nos seres de horizontes amplos.
Se, porém, cada homem é individual, único e irrepetível, um eu que necessita de se afirmar e
de se realizar, isso não significa que cada um de nós se possa isolar na sua esfera de auto-
consciência e ficar imune aos outros.
Os outros não são apenas o pano de fundo da minha existência ou objectos do cenário onde
represento a minha vida, mas a condição necessária da minha afirmação e do meu ser. Os
outros não são apenas os meus limites, um mal necessário, o purgatório justificado pelas
vantagens que eventualmente possa ter, mas ocasião e fonte de partilha, diálogo, descoberta
daquilo que sou e represento. Os outros são a minha contingência mas também o espelho em
que me revejo na minha alteridade.
Só por intermédio da convivência me sei diferente e reconheço nos outros as diferenças que
os constituem e os tornam seres independentes de mim e auto-justificados. Só por intermédio
dos outros descubro a minha humanidade e me afirmo como homem entre homens, como ser
em formação e desenvolvimento, como ser verdadeiramente moral.
Assim se excluem quer o egoísmo, a exacerbação de um eu que exclui os outros e que, por
isso, se torna vazio e estéril, quer a aceitação passiva dos códigos sociais num esforço de nos
tornarmos boas ovelhas do rebanho.

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Esta relação com os outros não é, no entanto, uma relação de harmonia pré-estabelecida. Os
outros completam-me mas também me limitam, impedem-me de concretizar todos os meus
desejos. Os outros não podem, no entanto, ser as desculpas que justificam a passividade, o
fatalismo, a desistência dos projectos, a abdicação da liberdade.
Por isso, o conflito e a procura de consensos que não excluam as diferenças estão na base da
moralidade. Por isso, o domínio da moral não é o domínio da indiferença, do tanto faz, do
encolher de ombros. Por isso o domínio da moral não coincide com o da legalidade social,
tantas vezes caracterizado por um conformismo e um pragmatismo feitos de hipocrisias e
compromissos.
Eu não sou sem os outros nem os outros são sem mim. É esta relação de reciprocidade,
alicerçada no respeito mútuo, que constitui o plano da moralidade, só esta relação permite o
desenvolvimento integral e conjunto dos homens. Há, pois, que passar do eu ao nós, não um
nós rebanho, massificado e massificador, mas um colectivo de homens que crescem
conjuntamente e que não só preservam as diferenças e especificidades de cada um como as
constituem como motor do enriquecimento mútuo. Este é concerteza um ideal que contrasta
com a realidade mas são afinal os ideais que dão sentido à vida dos homens.
A condição fundamental da moralidade é a liberdade. Uma moral da submissão pode ser muito
conveniente e desejável para os poderes instalados e para aqueles que se constituem como
seus arautos e defensores, mas não é uma verdadeira moral porque nega aos homens, a cada
homem, a possibilidade e a capacidade de escolherem por si próprios.
A liberdade é escolha e destino humano; escolha porque fundamentadora de todas as opções
e destino porque única possibilidade de afirmação do homem. A liberdade é sonho e realidade,
meta e vivência, a liberdade não é a reprodução de uma qualquer ilusão perdida ou nunca
encontrada, mas uma incessante procura e uma urgência. A liberdade tem as cores do desejo e
as contingências próprias do ser humano.Toda a liberdade é circunstancial e provisória porque
os homens abstractos e as qualidades abstractas só existem no papel e nos raciocínios
estéreis, encerrados em horizontes de pura formalidade.Toda a liberdade é existencial e só
depois essencial e ainda assim porque existencial, porque real e vivenciada se bem que
também sonhada e projectada.
Sou livre porque humano, incompleto, inseguro, insatisfeito, projecto e acção, superação,
percurso e construção. Sou livre porque e enquanto assumo cada um dos meus actos e em
especial aqueles que me comprometem porque revelam os meus valores ou, melhor, a minha
escala de valores e denunciam os meus princípios morais. Sou livre porque sei que, apesar de
diferente, pelo facto de ser homem partilho de algo de comum com todos os homens e igualo-
me a eles sem deixar de ser único e irrepetível.
Só há liberdade na e pela responsabilidade porque a liberdade não é descomprometimento,
evasão da realidade, submersão em mundos virtuais, alienação.Temos, antes de mais, um
compromisso para com a vida. Somos responsáveis por nós e pelos outros e aí reside a nossa
maior dignidade e liberdade. Quando nos isolamos por detrás dos nossos muros invioláveis e
obrigamos o mundo a ficar lá fora, para além da nossa realidade, assim reduzida à sua mais

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ínfima condição, a liberdade deixa de ter sentido e equivale ao vazio. Quando nos tornamos
reis e senhores de um reino reduzido às nossas leis, a liberdade prende-nos nas fronteiras de
nós mesmos, banaliza-nos, empobrece-nos irremediavelmente, desumaniza-nos. As tiranias e
as ditaduras não só limitam ou destróiem a liberdade dos homens que lhes estão submetidos
como tornam os tiranos e ditadores menos livres porque escravos das suas próprias
arbitrariedades e caprichos.
Só haverá verdadeira liberdade quando as fronteiras e prisões deixarem de existir dentro de
nós, quando abandonarmos decisivamente as desculpas e pretextos que continuam a atar-nos
à nossa menoridade quando não à nossa mediocridade.
É, pois, na afirmação da minha liberdade que me assumo como um homem em construção
junto com os outros e não apesar dos outros e muito menos contra os outros. Os limites dessa
liberdade são os limites da humanidade, do respeito integral pela minha pessoa e pela pessoa
de cada um que partilha comigo a existência. Os horizontes dessa liberdade serão aqueles que
os homens em conjunto quiserem e souberem construir.
Postado por José Torres
http://ensaiosdefilosofia.blogspot.com/2007/01/o-homem-como-ser-moral.html

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