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PROJETO DE LEI DO SENADO Nº , DE 2017

Institui relação d eemprego entre empresas


de transpote remunerado privado de

SF/17007.19343-30
passageiros e seus motoristas.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º As relações mantidas entre o condutor e a empresa que


atua no transporte remunerado privado individual de passageiros regem-se
pelo disposto no Art. 7º da Constituição Federal e pela Consolidação das Leis
do Trabalho aprovada pelo Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943.
Parágrafo único: Por transporte remunerado privado
individual de passageiros de que trata o caput entende-se o serviço
remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, contratado
por intermédio de provedor de aplicações de internet para a realização de
viagens individualizadas ou compartilhadas, abrangendo aquelas solicitadas
por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas
de comunicação em rede.
Art. 2º A empresa que atua no transporte remunerado privado
individual de passageiros não poderá se apropriar de percentual superior a
10% (dez por cento) do valor das viagens realizadas pelos condutores.
Parágrafo único: Fica vedada a cobrança de valor de qualquer
natureza além daquele a que se refere o caput.
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Justificação
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A empresa Uber, uma grande multinacional cujo valor de mercado já
ultrapassa os US$ 70 bilhões, superior ao apresentado pela Ford ou pela
General Motors, costuma argumentar que não é uma empresa de
transportes, mas de tecnologia, e que os seus “funcionários” são, na realidade

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“parceiros”, que têm liberdade para definir quantas horas e quando desejam
trabalhar. Ela costuma declarar também que a empresa não contrata
motoristas; os motoristas é que contratam os serviços do Uber.

Nada mais longe da verdade. Por trás da suposta “parceria” e da


imaginada “autonomia” dos motoristas se esconde uma relação capital-
trabalho extremamente perversa, que superexplora os motoristas e lhes nega
direitos trabalhistas básicos, como proteção contra o desemprego,
pagamentos de horas extras, remuneração mínima adequada, proteção contra
jornadas exaustivas, acidentes, etc.

Tanto é assim que, em outubro de 2016, uma corte britânica decidiu


que motoristas de Uber são funcionários da empresa e não apenas
prestadores autônomos de serviços. Os donos do aplicativo deveriam, a
partir da decisão, arcar com direitos trabalhistas, como salário mínimo,
feriados e outros benefícios. Embora tal decisão seja ainda de primeira
instância, potencialmente ela deverá beneficiar cerca de 40 mil motoristas
ligados a essa empresa no Reino Unido.

Trata-se de decisão de extremo relevo, que diz respeito a discussões


regulatórias que podem vir a afetar outras multinacionais que operam
aplicativos, como a AirBnB, voltada para o aluguel de residências.

E qual foi a base jurídica para tal decisão?

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A Justiça do Reino Unido afirma, com toda razão, que o Uber deve ser
encarado como empregador de motorista porque os entrevista e contrata;
controla com exclusividade informação-chave, como o sobrenome, o contato
e o destino dos passageiros; define a rota que deverá ser utilizada; exige que

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motoristas aceitem trabalhos e não os cancelem, sob a pena de desligá-los do
aplicativo; define a taxa e impede que ela seja renegociada entre passageiro
e motorista; impõe condições como tipos de carros, instrui como os
motoristas devem fazer seu trabalho e controla suas performances - através
de um sistema de notas, por exemplo; não inclui motoristas sobre decisões
relativas a descontos e lida com reclamações feitas contra motoristas.

Ou seja, na relação Uber –motorista, é a empresa que define, nos


mínimos detalhes, todas as condições e os parâmetros para a prestação dos
serviços. O motorista não tem autonomia para absolutamente nada. Sua única
liberdade consiste em poder vender sua força de trabalho. O fato de sua
jornada ser flexível não o exime da subordinação à empresa à qual serve.

Esse entendimento também está presente em outras cortes do mundo.

Uma corte da Califórnia julga a existência de vínculo empregatício


entre motoristas de Massachusetts e Califórnia e a empresa. O Uber tentou
fechar um acordo de R$ 100 milhões com os motoristas que o processam
nesses Estados. Mas ele foi rejeitado pelo juiz responsável por ser muito
abaixo dos US$ 854 milhões que a empresa potencialmente pagaria aos
milhares de motoristas de Califórnia e Massachusetts caso perdesse a ação,
segundo cálculos apresentados pelos autores da queixa.

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Em outubro de 2016, uma corte em Nova York determinou que dois
ex-motoristas do Uber poderiam requerer o seguro-desemprego,
reconhecendo, implicitamente, que os motoristas eram empregados da
empresa.

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O livro do economista britânico-canadense Tom Slee intitulado
What´s Yours is Mine –Against the Sharing Economy, traduzido para o
português como “Uberização: a nova onda do trabalho precarizado",
demonstra como a ideia utópica do compartilhamento cooperativo,
defendido pelo Uber, cedeu lugar ao seu exato oposto: a distopia de um
hipercapitalismo desregulado.

Muito longe de exprimir a cooperação direta e igualitária entre


indivíduos, o suposto compartilhamento, argumenta Slee, deu lugar à
formação de gigantes corporativos cujo funcionamento é regido por
“algoritmos opacos” que em nada se aproximam da utopia cooperativista
estampada em suas versões originais. Sob a retórica do compartilhamento
escondem-se a acumulação de fortunas impressionantes, a erosão de muitas
comunidades, a precarização do trabalho e o consumismo.

O suposto compartilhamento e a prometida reciprocidade acabaram se


convertendo na oferta generalizada de trabalhos mal pagos e sem qualquer
segurança previdenciária. Ressalte-se que, no atual quadro de crise crônica e
profunda e num ambiente em que os sindicatos estão cada vez mais fracos e
os direitos trabalhistas sob aberta contestação, os resultados, no mercado de
trabalho, são devastadores.
Conforme afirma bem o sociólogo Ricardo Abramovay no prefacio à
edição brasileira da obra de Tom Slee, este livro é uma importante denúncia
contra o cinismo dos que se apresentam ao grande público como promotores

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da cooperação social e do uso parcimonioso dos recursos, mas que na
verdade estão entre os mais importantes vetores da concentração de renda,
da desregulamentação generalizada e da perda de autonomia dos indivíduos
e das comunidades no mundo atual.

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Assim, empreendimentos como o Uber, são empresas que se
apresentam publicamente como empresas de tecnologia, que apenas
disponibilizam softwares cooperativos, mas que, a bem da verdade, são
gigantes multinacionais de prestação de serviços, em diversos campos
estratégicos. E seus supostos “parceiros autônomos” são, isto sim, meros
empregados sem salários fixos, sem garantias e sem direitos. Uma escravidão
tecnológica.

Na realidade, essas grandes empresas capitalistas tornaram a


“economia do compartilhamento” uma completa falácia e estão produzindo,
no nosso entendimento, as seguintes consequências negativas nos Estados
nacionais em que atuam:

a) Uma hiperconcentração do provimento de serviços, com a


oligopolização transnacional de vários setores. Ao contrário do que se diz,
não há concorrência real entre essas empresas, pois a empresa pioneira e líder
em geral destrói os outros empreendimentos, numa dinâmica conhecida
como o “vencedor ganha tudo”.
b) Uma desregulamentação que impede ou dificulta o efetivo
controle dessas empresas transacionais por parte do poder público, como o
exemplo da Uber demonstra cabalmente.
(c) Uma desnacionalização do setor de serviços, que passa a ser
controlado pelos interesses dessas transacionais desreguladas.

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(d) Uma profunda precarização do mercado de trabalho, com
redução de direitos e dos rendimentos, ocultada e mascarada pelo
discurso falacioso da cooperação, do compartilhamento e dos
“parceiros”.
(e) A implosão dos compromissos e regras assumidos no Acordo

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sobre Comércio de Serviços da OMC, pois a desregulamentação implícita
dessas empresas transnacionais abre totalmente o mercado de serviços dos
Estados Nacionais, independentemente do disposto no texto desse ato
internacional.
Assim sendo, a falaciosa “economia do compartilhamento”,
materializada na Uber, Air Bnb e várias outras transnacionais, longe de ser
alternativa ao capitalismo, se constitui em forma perversa e dissimulada de
hiperexploração da mão de obra em nível mundial, numa conjuntura em que
a crise planetária impõe taxas de lucro descomunais e a fragilização dos
trabalhadores. Ao mesmo tempo, ela erode a capacidade do poder público de
regulamentar serviços e desnacionaliza segmentos inteiros desse setor
econômico estratégico, o que mais cresce na economia internacional.

Pois bem o objetivo deste projeto é o de caracterizar, na norma legal


interna, aquilo que as cortes do mundo já estão fazendo: os motoristas de
empresas como a do Uber são empregados desta empresa e, como tal, têm
de ser protegidos, nos termos do Art. 7º da Constituição Federal e da CLT.

Ao mesmo tempo, o projeto também limita o repasse que os motoristas


estão hoje obrigados a fazer às empresas, uma verdadeira espoliação de 25%
do valor da corrida.
Pela nova lei, pretende-se que, em quaisquer circunstâncias, tal
repasse não ultrapasse 10%. Saliente-se que os custos de manutenção do
Uber, bem como de outras empresas semelhantes, são muito baixos, pois se

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trata de uma intermediação automatizada pelo próprio software fornecido
aos motoristas.

Face ao exposto, solicitamos o apoio dos nobres pares a esta


importante propositura em prol dos motoristas e trabalhadores brasileiros.

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Sala das Sessões, em de 2017

Senador Lindbergh Farias

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