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2.

A noção de percepção organizacional e, conseqüentemente, cultura: as fronteiras desse estudo

Conhecer a cultura organizacional do IBICT através do discurso dos informantes significa realizar uma análise,
cujos resultados identificam as experiências simbólicas - motivações, atitudes, conflitos, imagens, impasses,
papéis, limites, qualidades - que balizam a vida da organização. A idéia é entender os temas essenciais do estilo
de vida, da ideologia, do imaginário, do ethos e da visão de mundo dos funcionários. Tudo isto é parte integrante
do complexo cultural da instituição que governa práticas cotidianas, sentimentos e razões, construindo um modo
próprio de ser. Assim, a cultura é solidificada por um conjunto de forças - história, ações externas, lideranças,
grupos de poder, entre outros - que fazem um estado singular de comportamento, o estilo específico de uma
dada organização.

Este discurso oferece um conhecimento da dimensão identificada com procedimentos institucionais, regras e
rotinas que normatizam a vida da organização, objetivos profissionais, missão, lugar no espaço do trabalho, bem
como compromissos, metas, direitos e deveres de seus membros e do público externo.

Porém, existe um outro lado - o lado do outro - onde a cultura da organização revela uma dimensão de extrema
importância, uma vez que possui fortes áreas de influência sobre a totalidade, e que não se encontra expresso
em textos formais, nem em objetivos explícitos de trabalho. Trata-se do lado informal, muitas vezes escondido do
modelo consciente, dentro do qual a organização se define. Um lado não explícito em textos, que não se aprende
em apresentações oficiais, assinando contratos de trabalho ou lendo manuais. É a cultura da organização tal
como aprendida no cafezinho, vivida no contato cotidiano, no ensinamento de colegas mais antigos, na troca
informal de informações, na adequação aos melhores caminhos, na confirmação das coisas que funcionaram em
outras circunstâncias, no acúmulo de experiências que já deram certo. São valores que descobrimos nas fofocas,
nas observações compartilhadas ou na rádio-corredor. Este é o lado da cultura viva e atuante, elaborando e
influindo no que será, efetivamente, realizado pela organização, o que pode ou não pode ser aceito. É esta
dimensão não formal - que define uma parte substancial do conjunto de valores culturais que revestem a
organização - que se tentou captar pela análise do discurso do informante. Esta cultura não explícita aparece
claramente nas palavras de alguns deles:

Alguma coisa começa a ser feita na área técnica sem comunicar a área gerencial. Não existe uma
pessoa ou entidade que faça esse enlace, gerando ruído por causa da falta de um processo formal.

Como não existe poder de decisão na casa, ocorrem fatos como: a coordenação X propõe, a
direção demora a responder e quando responde o “bonde já passou”.

Assim, captar esta dimensão - uma espécie de arena onde se traduzem os impasses e desejos da cultura da
instituição - é tarefa complexa. Por isso é importante frisar que este estudo não possui fórmula, não explica a
totalidade do IBICT, não é detentor de nenhuma verdade absoluta sobre a organização e nem se propõe a
esgotar o tema em toda a sua complexidade. Portanto, este estudo é um ponto de partida para conhecer esta
percepção organizacional que molda a organização e, com isto, atuar na implementação da estrutura
organizacional, recuperando a dimensão humana, auxiliando a convivência entre atores sociais e motivando o
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corpo funcional.

Para entender que a cultura dispõe de grande poder para modelar os comportamentos, é interessante conhecer
seu potencial explicativo e o que ela pode ensinar sobre os valores do IBICT. Cultura é o centro da Antropologia;
conceito e objeto de estudo.

Em seu processo de montagem como uma disciplina acadêmica, a Antropologia foi assumindo - por força da
proximidade com a sociedade do outro através da etnografia - um viés cada vez mais relativizador. Para algo
assim tão rigorosamente central em seu arsenal teórico como o conceito de cultura, o processo de saída de uma
perspectiva etnocêntrica era essencial. Foi, portanto, percebendo a necessidade de buscar uma definição que
permitisse diferenciar a cultura ocidental moderna do fenômeno da cultura como fato constitutivo da própria
natureza humana, que a Antropologia caminhou na direção de potencializar a diferença como troca e não como
ameaça. O conceito de cultura foi, então, experimentado em muitos sentidos e por vários antropólogos (Rocha,
1984, 1995, 1996). Sem fazer aqui uma revisão mais detida destes movimentos, mas uma passagem essencial
trata-se do momento em que o conceito evolucionista de cultura tomou o lugar central para o momento em que se
constrói o conceito semiótico. Com ele, a cultura passa a ser vista como sistema simbólico, rede de significados
ou código que instaura e governa a relação dos homens com a natureza e dos homens entre si.

Existem algumas alternativas para marcar este momento. E a visão da cultura como código pode ser estabelecida
a partir de diversas posições (Lévi-Strauss,1974; Leach,1975; Douglas,1976; Turner, 1974; Sahlins,1979; Geertz,
1973) dentro do novo desenho do campo. Diante destas possibilidades, a formulação de Geertz (1973) é definida
como.

O conceito de cultura que eu defendo, (...), é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max
Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a
cultura como sendo essas teias e a sua análise, portanto, não como uma ciência experimental em
busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura do significado.

O conceito semiótico de cultura permite a visão do ser humano inserido em redes de significação que orientam
sua capacidade concreta de atuação, seus movimentos e sua possibilidade de interpretar a matéria significante
que o envolve. A cultura é, portanto, codificadora das experiências ou das mensagens que podemos ler, em
vários estilos, construindo padrões expressivos para nós e para os demais.

A cultura vista nestes termos possui várias vantagens importantes. Dando atenção, especificamente, para duas
delas. Em primeiro lugar, o problema não é mais de essência ou de leis da cultura e sim de significados e
interpretações que os atores sociais dão ao que fazem. Em segundo lugar, é possível pensar com mais conforto o
conflito como parte integrante da cultura, pois, se ela é um codificador de mensagens, é fácil constatar a
existência de interpretações divergentes e de lutas pelo estabelecimento dos significados. Isto possibilita um
caminho para entender a polaridade como parte da ordem cultural. Além do mais, código é repertório de símbolos
e a cultura vai elegendo faces deste repertório e fechando os significados. Assim, se concretiza um
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conhecimento, uma visão de mundo própria de determinado grupo pela elaboração incessante que transforma um
repertório virtualmente aberto em interpretações definidas da realidade. Este processo de classificação garante
um certo entendimento da vida como algo sólido e, até onde permite o poder do grupo, fixado.

Portanto, a visão da cultura adotada para entender os valores do mundo do IBICT é a de uma rede de
significações compartilhada pelos atores sociais que participam da organização. A cultura como código quer dizer
comportamento humano como pleno de ações simbólicas, ações que se colocam como matéria significativa.
Estas ações codificam mensagens que agrupam ordens de sinais complexos completamente diferentes. As ações
humanas sejam quais forem, expressam alguma coisa, para alguém, sob alguma forma. É neste sentido de
valores compartilhados, rede ou código de significações que o termo cultura será utilizado na análise do discurso
dos informantes. Mas, a cultura do IBICT não está localizada no vazio. Muito ao contrário, ela é uma organização
pública em uma sociedade - a brasileira - dotada de valores característicos. Assim, entender o IBICT passa por
entender outros dois sistemas simbólicos que com ela interagem de maneira constante e profunda. Existe uma
gramaticalidade entre três níveis de cultura - brasileira, organização pública e IBICT - e é preciso entendê-la. Em
sistemas complexos como a cultura brasileira, existem códigos compartilhados e existem outros que caracterizam
grupos específicos. Assim, a experiência do imaginário brasileiro é amplamente compartilhada, mas a experiência
de pertencer a uma organização pública nem tanto e de pertencer ao IBICT menos ainda. Como ensina Gilberto
Velho (1981):

Entender a cultura é perceber que nada na vida social é dado ou natural, mas sim interpretado e
inserido em uma rede de significados articulada a um conjunto de símbolos próprio e característico
de sociedades e grupos sociais específicos cujas fronteiras podem ser de algum modo
estabelecidas.
Neste sentido, existe um nível de valores explicitados pelos informantes que é marcadamente presente na cultura
brasileira como um todo. Um nível que parece ser característico da organização pública no Brasil. Um terceiro
que parece típico do modo de ser do IBICT. Estabelecer os limites e as interações entre estas várias fronteiras
simbólicas é, como nos mostra o texto acima, algo crucial. Assim, será este primeiro nível ou fronteira - da cultura
brasileira - mais abrangente e sua influência no IBICT.

3. Alguns temas básicos da Cultura brasileira

Neste capítulo, trabalha-se com mais profundidade alguns aspectos do imaginário brasileiro que se reproduzem,
ou não, muito nitidamente entre os valores culturais do IBICT. Trata-se de uma dimensão ideológica – ou eixo da
ambigüidade - marcado pela presença de uma ética dúplice. Neste eixo um dilema, entre outros, se instala com
muita clareza; trata-se da idéia da prevalência de um universo relacional sobre a impessoalidade das relações de
trabalho ou funcional. Assim, um conjunto de valores relacionados a este tema apareceu de forma recorrente
quando os informantes responderam sobre sua vida na organização, mas não aparece quanto ao IBICT como
unidade e sim de forma específica quanto as Coordenações e Projetos, no sentido de se verem individualmente,
ou seja, a coordenação X e o IBICT ou o Projeto Y e o IBICT ou o MCT ou o CNPq, mas, em momento algum, foi

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observado o sentido de pertença a uma instituição como um todo.

É, pois, necessário recuperar na obra de antropólogos e pensadores da cultura brasileira, o significado de noções
ligadas aos valores da mistura, da divisão, do dilema e da ambigüidade. De fato; trata-se de pensar nossa cultura,
levando em consideração seus paradoxos, dilemas éticos e sua ambivalência simbólica. Tudo isto é importante
na estrutura ideológica brasileira. Portanto, reaparece naturalmente na cultura de organizações brasileiras e, mais
ainda, na cultura de uma organização pública como o IBICT.

A presença de éticas dúplices e elementos ambíguos no imaginário brasileiro é algo claramente


identificado pela Antropologia Social contemporânea. Esta perspectiva permite acessar algumas metáforas
chaves utilizadas em nossa vida cotidiana, compondo um quadro referencial central na cultura brasileira. A idéia
de um dilema brasileiro traduz ambigüidades presentes em atitudes e valores com os quais pensamos a nós
mesmos, elaboramos a nossa prática social ou como forma básica através da qual nos relacionamos com nossas
instituições.

Por isso, dilemas e ambivalências afetam sobremaneira a cultura das instituições brasileiras. A
organização pública - tanto seus funcionários quanto sua política - é levada a vivenciar as contradições da
sociedade abrangente, seja no plano das experiências cotidianas, seja no plano das definições gerais. A cultura
nativa - IBICT, neste caso - experimenta dilemas de comportamento, elaborando valores ambíguos sobre a
representação profissional, sobre o fazer da organização, seu destino ideológico e até sobre seu próprio
significado. Dessa forma, falar da relação entre a cultura brasileira, a organização pública e os valores do IBICT é
falar, de fato, sobre uma relação complexa e permanente. Falar desta relação é especular sobre história, sobre
estruturas de poder e interdependência, sobre as sucessivas ações sociais de troca e as interações simultâneas,
constantes e cotidianas que acontecem entre atores e instituições.

A cultura do IBICT, não acontece no vácuo, seus valores não se realizam em um espaço neutro. Na
realidade, em que pese à existência de elementos autônomos e significado particular na cultura organizacional
pode dizer que as culturas nativas são embebidas pelo sistema simbólico abrangente, obrigadas a um diálogo
como condição de permanência enquanto instituição viva. A cultura do IBICT existe em um complexo jogo que
envolve funcionários interagindo entre si, com outras instituições e com a sociedade brasileira como um todo. O
ponto central é que muitos elementos constitutivos dos valores do IBICT contêm expectativas ambíguas porque
permeados por códigos envolventes: a cultura da organização pública e a cultura brasileira.

Aqui é necessário frisar que a idéia de uma cultura atravessada por eixos, estruturas, éticas e valores
contraditórios não é nova nas reflexões sobre o Brasil, os brasileiros e sua sociedade.

De fato, um de seus pontos de referência aparece já em 1933 no clássico: Casa Grande e Senzala de
Gilberto Freyre (1975). Portanto, a idéia de uma cultura e sociedade dividida por uma complexa dualidade que se
expressa em termos paradoxais está presente na reflexão antropológica sobre o Brasil há mais de sessenta anos.
Para Gilberto Freyre esta questão toma sua forma primordial. Assim, logo no início do livro Casa Grande e
Senzala, ele fala dos dilemas e do esforço de equilibrá-los que está presente na sociedade brasileira:

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Considerando de modo geral, a formação brasileira tem sido, (...) um processo de equilíbrio de
antagonismos. Antagonismos de economia e de cultura. A cultura européia e a indígena. A
européia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a
mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O
paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e
o analfabeto. Mas predominando sobre todos o antagonismo, o mais geral e o mais profundo: o
senhor e o escravo.

Ao enfatizar as oposições, Freyre está equacionando aspectos da dualidade brasileira, mostrando como
a experiência de dilemas e divisões é integrante da formação da cultura brasileira, assinalando um paradoxo
essencial no sistema. Por outro lado, Freyre acredita em uma espécie de tendência constante, ou ao menos uma
busca, do equilíbrio entre antagonismos. Para ele, antagonismos equilibrados e compensados atestariam o
possível enriquecimento da nossa cultura por força de uma espécie de mistura positiva e saudável. Para Freyre,
antagonismos e dualidades podem acontecer na cultura ...

E não sem certas vantagens: as de uma dualidade não de todo prejudicial à nossa cultura em
formação, enriquecida de um lado pela espontaneidade, pelo frescor de imaginação e emoção do
grande número e, de outro, pelo contato, através das elites, com a ciência, com a técnica e com o
pensamento adiantado da Europa. Talvez em parte alguma se esteja verificando com igual
liberdade o encontro, a intercomunicação e até a fusão harmoniosa de tradições diversas, ou
antes, antagônicas, de cultura, como no Brasil.

Freyre tenta compatibilizar antagonismos, como se a cultura brasileira desejasse ver a dualidade
conjurada. O dilema vira apenas positividade, uma saudável mistura os equilibra e o paradoxo se desfaz no plano
potencial das forças que harmonizam os contrários.

Não que no brasileiro subsistam, como no anglo-americano, duas metades inimigas: a branca e a
preta, o ex-senhor e o ex-escravo. (...) Somos duas metades confraternizantes que se vêm
mutuamente enriquecendo de valores e de experiências diversas; quando nos completarmos num
todo, não será com o sacrifício de um elemento ao outro.
De fato, se fosse possível retirar dos antagonismos só a positividade - harmonizando-os e domesticando-os no
bom sentido -, a cultura brasileira teria feito uma síntese mágica, experimentando o melhor de dois mundos.

A realidade da cultura brasileira, porém é mais complexa. Ela parece indicar que a opção não foi pela síntese do
que pode haver de melhor em cada um dos lados de qualquer antagonismo. No fundo, não se deve pensar a
questão nem em termos de uma síntese positiva, nem em termos de uma demarcação nítida das fronteiras, nem
em termos da destruição de qualquer dos pólos do sistema. O que parece acontecer de fato é que se opera com

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os dois lados simultaneamente e, por vezes, ainda cria-se um terceiro termo que não é a síntese, mas negação,
renúncia ou perplexidade diante dos outros dois.

Assim, a perspectiva mais consistente para entender a cultura brasileira, passa pela idéia da permanente
convivência de contrários. Uma alternância de realidades éticas, valorativas e simbólicas, governando a visão de
mundo e as práticas cotidianas.

DaMatta (1985) mostra que vivemos uma sociedade no Brasil “(...) onde existe uma espécie de combate entre o
mundo público das leis e do mercado; e o universo privado da família, dos compadres, parentes e amigos.”. Estas
instâncias que alternam realidades de nossa lógica cultural explicam valores - a prevalência do mundo relacional,
por exemplo – experimentados, de certa forma, na cultura do IBICT. DaMatta evidencia certas dimensões mais
permanentes dessa ambigüidade:

Como diz o velho e querido ditado brasileiro: “aos inimigos a lei, aos amigos, tudo!”. Ou seja, para
os adversários basta o tratamento generalizante e impessoal da lei, a eles aplicada sem nenhuma
distinção ou consideração, isto é, sem atenuantes. Mas, para os amigos, tudo, inclusive a
possibilidade de tornar a lei irracional por não se aplicar evidentemente a eles. A lógica de uma
sociedade formada de “panelinhas”, de “cabides” e de busca de projeção social (...) jaz, como
estamos mostrando aqui, na possibilidade de ter um código duplo relacionado aos valores da
igualdade e da hierarquia. (DaMatta,1979)
Esta dupla possibilidade tem uma de suas dramatizações na idéia de uma ética burocrática e outra pessoal, ou
ética absoluta e ética relativa. Diferentemente do equilíbrio dos antagonismos e da positividade das misturas
assinalado por Freyre, há o primado da alternância entre realidades formadas por valores opostos. De fato;
existem duas bases para pensar no sistema. O código burocrático, de leis gerais e repressão, formando uma
vertente impessoal, universalizante e igualitária da cultura. O código pessoal, do jeitinho, das relações entre
amigos, operando nas situações concretas do cotidiano. No código burocrático nossa unidade é o indivíduo,
sujeito da lei, da regra e da repressão, no código pessoal nossa unidade é a relação, a pessoa e o que importa é
o tratamento diferencial, a consideração, o favor. (DaMatta, 1979)

Assim, é possível experimentar a convivência entre dois eixos valorativos, permitindo uma alternância das éticas
ou a existência de códigos dúplices, nas ações sociais concretas. Indivíduo/pessoa, jeitinho/regra ou casa/rua são
categorias de pensamento, pares de oposição, modelos que expressam, metaforicamente, uma duplicidade
atravessadora da cultura brasileira. Mas, a alternância entre realidades simbólicas, o conflito ético e o complexo
mapa de navegação social montado a partir dele, conduz, com freqüência, para a dramática experiência de
insatisfação com o sistema. Neste sentido, a cultura brasileira elabora ainda uma espécie de renúncia frente à
impossibilidade de dissolver o paradoxo ao qual ela própria acaba por se submeter. No caso do IBICT, a
desmotivação, a reclamação, a insatisfação ou a ausência que, por vezes, aparece no discurso dos informantes
está relacionada a este complexo simbólico. Presa entre perspectivas antagônicas, a alternância não oferece
condições permanentes de resolução do dilema e, portanto, o sistema produz um terceiro termo que, em certos

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contextos, pode encompassar os outros dois. Assim, é adicionado aos domínios da casa e da rua, um terceiro
que DaMatta (1985) chama de outro mundo.

(...) qualquer evento pode ser sempre “lido” (ou interpretado) por meio do código da casa e da
família (que é avesso à mudança e à história, à economia, ao individualismo e ao progresso) pelo
código da rua (que é aberto ao legalismo jurídico, ao mercado, à história linear e ao progresso
individualista) e por um código do outro mundo (que focaliza a idéia de renúncia do mundo com
suas dores e ilusões e, assim fazendo, tenta sintetizar os outros dois). Os três códigos são
diferenciados, mas nenhum deles é exclusivo ou hegemônico, em teoria. Na prática, porém, um
desses códigos pode ter hegemonia sobre os outros, de acordo com o segmento ou categoria
social que a pessoa pertença.
Assim, os três códigos culturais - a casa, a rua e o outro mundo - são domínios da experiência que se alternam,
articulando a ordem simbólica da cultura brasileira. Da dualidade original foi criado o terceiro termo, percebendo o
universo cultural como algo mais complexo que o conflito ou a mistura pura e simples dos antagonismos. Na
realidade, opera-se simbolicamente com três dimensões da existência que se revezam nos mais variados
contextos das práticas concretas de vida dos atores sociais.

Este complexo quadro de valores acaba se refletindo diretamente sobre algumas experiências da cultura vividas
nas instituições brasileiras. Esta estrutura simbólica da cultura brasileira atravessa as relações entre os
funcionários e influencia, decisivamente, os valores atuantes na cultura da organização pública e na cultura do
IBICT.

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