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A sabedoria é uma benção

Felipe Dall’Orto

O pensamento contemporâneo é formado a partir de várias informações difundidas por


múltiplas plataformas, atingindo o público pela linguagem textual, imagética, e
sobretudo, digital. A velocidade de propagação desses conteúdos é impactante,
causando picos de informação, mas nenhuma criticidade.

Isso acontece, pois os conteúdos são direcionados por algoritmos, influenciando


diretamente o feed de notícias de cada um, mas que não proporcionam uma construção
ampla de conhecimento, e sim, o reforço de opiniões já existentes.

O excesso de informações direcionadas, de forma personalizada, provoca uma


desvalorização do conhecimento, pois criamos uma dicotomia entre opinião e saber,
como se a expertise de um especialista não fosse válida, mas a mensagem recebida no
grupo de WhatsApp sim. Anos de estudo são menosprezados para defender um ponto
de vista.

Nesse contexto, é preciso diferenciar informação de conhecimento, para Richard


Crawford, “informação pode ser encontrada numa variedade de objetos inanimados,
desde um livro até um disquete de computador, enquanto o conhecimento só é
encontrado nos seres humanos”.

A informação é um conjunto de dados e conteúdos, que serve como referência à uma


determinada situação. O conhecimento é a habilidade de fazer conexões a partir dessas
informações, de forma dinâmica, que exige de cada um de nós, criatividade e criticidade,
para acessá-lo, apreendê-lo e replicá-lo.

O que deveria ser algo positivo, pois a virtualização dos sistemas possibilita uma
construção da sociedade com visões plurais, se tornou um problema, pois as
subjetividades têm sido distorcidas por interesses econômicos e políticos.

É possível observar em alguns países que uma parcela da sociedade tem rejeitado
pesquisas científicas e a expertise de profissionais, para se apropriar de conteúdos
descontextualizados com o objetivo de enaltecer o próprio ego e gerar desconfiança na
sociedade. A valorização da ignorância, de forma sistematizada, provoca graves
consequências, como a negação à vacina e a recusa à adoção de medidas sanitárias
no combate à Covid-19.

Há um ditado popular de que “a ignorância é uma benção”, e isso precisa ser


descontruído. O problema não é a falta de conhecimento, mas o “orgulho de não saber”,
como diz Tom Nichols no livro The Death of Expertise.

Um exemplo que enaltece a falta de conhecimento, é a escolha por não destinar


recursos para a realização do Censo Demográfico no Brasil. Essa opção provoca
escassez de informação sobre características da população, e consequentemente, a
falta de conhecimento para a elaboração de políticas públicas. A falta de transparência
sobre o país, também gera desconfiança junto à comunidade internacional e pode
atrapalhar investimentos de empresas estrangeiras.

Em um mundo cada vez mais conectado, precisamos construir um conhecimento social


em que a seleção da informação qualificada seja essencial e constante, desenvolvendo
assim um aprendizado consciente e crítico. Por isso, é sempre importante sabermos: a
quem interessa não saber?
Felipe Dall’Orto é doutorando em Estudos Culturais pela Universidade do Minho,
mestre em Artes Cênicas e professor universitário dos cursos de Jornalismo e
Publicidade e Propaganda no Brasil.

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