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A agonia de uma civilização forjada no patriarcado. Artigo de Antônio S... http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/607434-a-agonia-de-uma-civiliza...

A agonia de uma civilização forjada


no patriarcado. Artigo de Antônio
Sales Rios Neto

Foto: Unsplash

12 Março 2021

"O fato inconteste é que temos hoje uma civilização deslizando a passos largos para o
colapso. As novas
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“reforma do pensamento” e da regeneração das instituições, proposta pelo
sociólogo,
Entendifilósofo e antropólogo francês Edgar Morin –, seja pela indesejável via da
regressão e da barbárie que se anuncia como a mais provável. Insistir em viver no

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patriarcado é viver numa inútil e infindável luta contra a realidade complexa que nos

cerca", escreve Antônio Sales Rios Neto, engenheiro civil e consultor organizacional.

Eis o artigo.

“Deus e Satã não estão fora de nós nem acima de nós: estão em nós.
O pior da crueldade e o melhor da bondade do mundo estão no ser humano”
Edgar Morin

Nas últimas décadas e notadamente nos últimos anos, as reflexões de muitos críticos do
nosso sistema-mundo têm sido permeadas por um crescente sentimento de que estamos
sendo arrastados para um colapso civilizatório. Ao que parece, trata-se do esgotamento de
um sistema-mundo que tem funcionado sob a hegemonia do modo de produção
capitalista, forjado especialmente a partir do século XVI, e que nos últimos cinquenta
anos, sob os auspícios do neoliberalismo, reduziu o modo de viver de quase toda a
humanidade à lógica de mercado, na qual tudo vem sendo transformado em mercadoria.
Estamos vivendo uma crise de dimensão complexa, uma vez que abrange múltiplas crises
entrelaçadas que vêm afetando dramaticamente nosso modo de viver, nas mais diversas
instâncias da experiência humana, pois seus desdobramentos têm interferências nefastas
nas esferas social, política, ecológica, ética, econômica, institucional, espiritual, afetiva,
dentre outras. Essa crise tornou-se mais visível depois que dois fenômenos de escala global
foram adquirindo uma crescente e perigosa expressividade nos últimos tempos:

1) as mudanças climáticas que a cada dia apresentam mais evidências e vêm ganhando
mais validade no meio científico;

2) o desmoronamento dos regimes democráticos como resultado do experimento do


laissez-faire global impulsionado pela doutrina neoliberal, em interação com o fenômeno
da algoritmização da vida, desencadeado a partir dos anos 1980.

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A face mais preocupante desse cenário tão emblemático talvez seja a rapidez com que essa
real possibilidade
Entendi de colapso parece aproximar-se, sem que haja qualquer política de
civilização em movimento que possa fazer frente à gravidade da situação atual, mesmo que

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para atenuá-la. Como alertou recentemente o respeitado naturalista britânico, David


Attenborough, “dentro da vida útil de alguém nascido hoje, prevê-se que a nossa espécie
provocará nada menos que o colapso do mundo vivente, precisamente no que se baseia a
nossa civilização”, constatação que o faz concluir que “estamos diante da possibilidade real
de uma sexta extinção em massa, causada por ações humanas”.

A cada dia surgem novos dados científicos para confirmar esse prognóstico de
Attenborough. Um desses dados mais recentes está no artigo intitulado
“Deforestation and world population sustainability: a quantitative analysis”,
publicado em 06/05/2020 na conceituada revista científica Nature, dos físicos Gerardo
Aquino, do Alan Turing Institute, e Mauro Bologna, da Universidad de
Tarapacá. Eles realizaram um estudo correlacionando a taxa atual de crescimento
populacional com a taxa de desmatamento, a partir do qual observaram que “um colapso
catastrófico da população humana, devido ao consumo de recursos é o cenário mais
provável da evolução dinâmica com base nos parâmetros atuais”. Nas palavras de
Bologna e Aquino, “adotando um modelo combinado determinístico e estocástico,
concluímos do ponto de vista estatístico que a probabilidade de nossa civilização
sobreviver é inferior a 10% no cenário mais otimista”.

Ainda sobre o drama existencial posto pela questão climática, um dos alertas mais
contundentes sobre as consequências da intervenção humana no planeta está no livro A
terra inabitável – Uma história do futuro (Companhia das Letras, 2019), do jornalista
norte-americano especializado em mudança climática, David Wallace-Wells, editor da
New York Magazine. A obra reúne as melhores referências científicas sobre o assunto
produzidas mais recentemente. Para Wallace-Wells, as mudanças climáticas
representam uma real “crise existencial”, em que estamos deixando por conta do acaso
possibilidades dramaticamente infernais para um futuro bem próximo, cujo “resultado do
melhor cenário é morte e sofrimento numa escala de 25 Holocaustos e o resultado do pior
cenário nos deixa à beira da extinção”. Outro que vem, já há um bom tempo, pesquisando
e divulgando, sistematicamente, as evidências científicas mais atuais sobre os graves riscos
de um colapso climático é o doutor em demografia e pesquisador titular da Escola
Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
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ENCE/IBGE, Josévocê
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de degradação dos
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de Privacidadenão for interrompido, “o extermínio das espécies não humanas culminará e
reverterá no extermínio dos próprios seres humanos”.
Entendi

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Mesmo entre aqueles não céticos em torno do assunto, as muitas explicações oferecidas
para entender quais são as razões que nos trouxeram a este cenário de crise terminal são
ainda muito dispersas. Uma parte delas parece convergir para a ideia de que há uma nítida
incompatibilidade entre os limites no nosso planeta Terra e a dinâmica de reprodução
do sistema capitalista, especialmente a que foi desencadeada a partir da primeira
metade do século XIX, quando a Revolução Industrial estava se consolidando na Europa
Ocidental e nos Estados Unidos. Atualmente, a quase totalidade da população mundial,
que vem crescendo irresponsavelmente de forma exponencial nos últimos duzentos anos,
está submetida à dinâmica do capital, cuja lógica se baseia no crescimento econômico
ilimitado, que, por sua vez, sustenta-se na extração predatória dos recursos naturais
limitados.

Outras explicações para o agravamento da crise ambiental chegam a questionar se a


própria natureza humana não seria, em sua essência, rapinante e autodestrutiva, isto é, a
espécie humana seria o resultado de um desvio da evolução natural e, neste caso,
estaríamos, desde sempre, irremediavelmente condenados ao encontro da tragédia final
que se anuncia. Por isso a identificação da atual era geológica da Terra como Antropoceno,
na qual o Homo Rapiens – termo utilizado pelo filósofo político John Gray, para quem a
natureza humana é mais bem compreendida pelo seu ímpeto de destruição – é
considerado o novo meteoro a se chocar com a Terra, após aquele que 66 milhões de anos
atrás provocou uma extinção em massa.

Mercado e tecnologia: progresso ou regressão?

Diante do quadro apocalíptico (a palavra “apocalipse” também comporta o sentido de


“revelação”) que muitos centros de pesquisa voltados para a questão climática já vêm
apontando para as próximas décadas, a ideia é trazer aqui outras dimensões da crise
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duas grandes narrativas – capitalismo e socialismo – postas em prática pela humanidade,
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que rivalizaram ao longo do século XX, cada qual se autodeclarando a melhor alternativa
capaz de assegurar alguma viabilidade à continuidade do chamado “processo civilizatório”,
Entendi
iniciado após a revolução do neolítico, quando o homem caçador-coletor nômade fez a

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passagem para a era do agrarianismo, tornando-se sedentário e acomodando-se à vida


“civilizada” nas cidades. Esta é, por exemplo, a constatação do historiador inglês
Eric
Hobsbawm, que conheceu como poucos a dinâmica da História, especialmente no período
que vai da segunda metade do século XVIII ao fim do trágico século XX, registrada nas
suas obras A era das revoluções (1962), Era do capital (1975), A era dos impérios
(1987) e Era dos extremos - o breve século XX (1994). Para Hobsbawm, “chegamos
a um ponto de crise histórica”, no qual “o fracasso do modelo soviético confirmou aos
defensores do capitalismo sua convicção de que nenhuma economia sem Bolsa de
Valores podia funcionar, o fracasso do modelo ultraliberal confirmou aos socialistas a
crença mais justificada em que os assuntos humanos, incluindo a economia, eram
demasiado importantes para ser deixados ao mercado”.

Segundo o filósofo britânico John Gray, “no início do século XXI, o mundo está apinhado
de grandiosas ruínas de utopias fracassadas. Com a esquerda moribunda, a direita tornou-
se o abrigo da imaginação utópica. O comunismo global foi seguido pelo capitalismo
global. As duas imagens do futuro têm muito em comum. Ambas são horrendas e,
felizmente, quiméricas.” A lição mais recomendável que se pode aprender das experiências
do século XX e da crise civilizatória atual talvez seja a ideia de que a dinâmica da realidade
é plural demais para suportar uma única visão de mundo. Por isso, Gray conclui que “os
humanos não podem salvar o mundo”. Mas Gray também nos tranquiliza ao dizer que o
mundo “não precisa de salvação”, pois, segundo ele, “felizmente, os humanos nunca
viverão num mundo construído por si mesmos”. Aliás, essa percepção está muito longe de
ser um consenso; ao contrário, após o advento da revolução tecnológica, inaugurada nos
anos 1980, nunca a humanidade acreditou tanto na possibilidade de moldar o mundo
segundo à sua imagem, revigorando mais uma vez sua ilusão num progresso iluminista,
agora patrocinada pelos pulsos magnéticos e sob os ditames dos que controlam a
“inteligência artificial”. Nas duas primeiras décadas deste século, as chamadas Big Techs,
encabeçadas por corporações como Facebook, Apple, Amazon, Tesla, Google, Alphabet,
Microsoft, dentre outras, vêm moldando não só os rumos de uma nova economia de
plataformas, mas também interferindo nos processos políticos e debilitando os regimes
democráticos, representando, na contemporaneidade, o novo Leviatã.
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Se observarmos bem, a maior parte da história da humanidade é uma história de
Entendi recorrentes e, vale salientar, até aqui progressivas, em direção à autodestruição.
regressões

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Daí a razão de alguns pensadores como Gray entenderem que a ideia de progresso na
o eixo de
ciência, na tecnologia e, especialmente, na economia de mercado, a qual constitui
funcionamento da civilização nos últimos quinhentos anos, não passa de um grande mito.
“O mito do progresso é o maior consolo da humanidade moderna”, diz Gray.
Acrescentaria ainda que essa ilusão no progresso tem sido também a maior armadilha
contra o ser humano na contemporaneidade. A esse respeito, vale lembrar as reflexões em
torno da ideia de progresso do bioquímico francês Jacques Monod (1910-1976), Nobel de
Fisiologia em 1965, para quem os seres vivos são o resultado de uma evolução adaptativa
influenciada pela interação entre acaso e necessidade. Monod teve uma participação ativa
nos movimentos da Resistência Francesa contra as potências do Eixo durante a Segunda
Guerra Mundial. Para ele, “as sociedades liberais do Ocidente ainda demonstram uma
concordância hipócrita a uma desagradável miscelânea de religiosidade judaico-cristã,
progressismo cientificista, crença nos direitos 'naturais' do homem e pragmatismo
utilitarista, apresentando-os como uma base para a moralidade.” Ainda assim, o suposto
progresso patrocinado pelo mercado e pela tecnologia continua sendo o nosso consolo
contemporâneo.

Pulsão de morte como parte integrante da civilização

Diante de tanta barbárie já observada ao longo da história, talvez uma das ideias que foi
elaborada e que prevaleceu em torno da natureza humana foi a de que o Homo sapiens é
um animal inerentemente insensato e predador, portanto, estaria mais próximo do
resultado de um processo de involução, uma espécie de desvio no processo de “seleção
natural” proposto por Darwin. Essa percepção contradiz a própria noção em torno do
conceito Homo sapiens, no qual o animal humano seria, supostamente, a única espécie
que se destacou por ser portadora de autoconsciência, racionalidade e sapiência. Podemos
perceber a construção desta imagem mental, por exemplo, nesta passagem do livro O
zero e o infinito (1940), do jornalista e ativista político húngaro, Arthur Koestler
(1905-1983), que, ao fazer uma incisiva crítica às aberrações do Grande Expurgo
stalinista dos anos 1930, utiliza a seguinte analogia para tentar explicar as origens e os
atributos da natureza humana:
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“Os macacos
Entendi altamente civilizados balançavam-se graciosamente de galho para galho; o
homem de Neanderthal era rude e preso ao solo. Os macacos, saciados e brincalhões,

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viviam em sofisticada jovialidade, ou capturavam pulgas em filosófica contemplação; o


Homem de Neanderthal se arrastava melancólico pelo mundo, fazendo barulho  com seus
porretes. Do alto das árvores, os macacos se divertiam com eles, atirando frutos em suas
cabeças. Vez por outra, ficavam aterrorizados: eles comiam frutas e plantas tenras com
delicado refinamento; o Homem de Neanderthal devorava carne crua, abatia os animais e
os seus semelhantes. Derrubava árvores que estavam ali desde sempre, tirava rochas dos
lugares abençoados pelo tempo, transgredia todas as leis e tradições da selva. Ele era rude,
cruel, sem dignidade animal - do ponto de vista dos macacos altamente civilizados, um
retrocesso bárbaro da história”. (citado por John Gray no livro The silence of
animals, 2013)

Temos hoje alguns estudos arqueológicos, paleontológicos e antropológicos que descartam


essa imagem ficcional criada por Koestler – provavelmente influenciada pela sua trágica
experiência pessoal ao tornar-se prisioneiro das tropas do ditador espanhol Francisco
Franco e ter sido condenado à morte –, embora aos olhos do senso comum ela pareça
cada vez mais prevalente ante a realidade distópica que vem se amplificando nas últimas
décadas. O stalinismo foi apenas uma das inúmeras expressões da cultura de controle,
dominação e destruição patriarcal pela História e não representa uma condição sine qua
non da natureza humana como muitos pensam. É por isso que, para tentarmos
compreender melhor a condição humana, precisamos seguir recomendações como a do
teólogo e filósofo espanhol Raimon Panikkar: “ver, por um lado, se o projeto humano
realizado durante seis milênios pelo Homo historicus é o único possível e, por outro lado,
ver se não seria necessário, hoje, fazer outra coisa”.

A crise de civilização atual que assola a humanidade não se iniciou na


contemporaneidade, com a visão mercadológica de mundo imposta pelo liberalismo
econômico, hoje globalizada, que canalizou os desejos humanos, por meio do fetiche da
mercadoria, para a lógica do consumo e da acumulação. Ela é apenas o reflexo de uma
longa crise que contém elementos que podem sugerir que está chegando tanto ao seu ápice
quanto ao seu esgotamento neste século XXI. Todo o percurso civilizatório, iniciado após
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neolítico, tem,funcionalidade
no estado dederedes
crise
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permanente,
de Privacidadea sua condição natural. Como bem afirmou Hobsbawm, “a história é o
registro dos crimes e loucuras da humanidade”, uma história orientada pelo desejo de
Entendi
controle e de dominação cujo poder de destruição – não só entre os humanos, mas

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sobretudo do ambiente –, vale frisar, potencializou-se e amplificou-se na mesma


proporção das ferramentas criadas pelo homem. 

Por isso, nos últimos anos, vem crescendo a preocupação de alguns centros de pesquisas
com as implicações da tecnologia para a humanidade. Já existem alguns conceituados
centros de pesquisa trabalhando com vistas a tentar evitar que a humanidade mergulhe,
com o advento das novas tecnologias, num mundo cada vez mais distópico e
autodestrutivo. Por exemplo, a Universidade de Oxford criou, em 2005, o Instituto
para o Futuro da Humanidade – FHI (sigla em inglês), fundado e dirigido pelo filósofo
sueco Nick Bostrom, dedicado, dentre outros objetivos, à investigação do que eles chamam
de “risco existencial”, em face das consequências que fenômenos como a tecnologia
representam ao futuro da humanidade. Com um propósito parecido, a Universidade de
Cambridge também criou, em 2015, o Centro de Estudos de Risco Existencial – CSER.
Por isso vale lembrar o alerta de Bostrom de que "os humanos serão responsáveis por
sua própria extinção", caso não saibam lidar adequadamente com os riscos ligados aos
avanços tecnológicos, especialmente aqueles que estão permitindo alterar o
funcionamento natural do mundo, como é o caso da biotecnologia, que abrange diversos
âmbitos de atuação como genética, medicina, indústria, meio ambiente, produção de
alimentos, dentre outros.

Essa pulsão de morte, entretanto, não é uma exclusividade do tempo atual, muito menos
do surgimento da tecnologia e dos riscos que ela oferece, como vêm estudando esses
centros de pesquisa voltados a entender os riscos existenciais implicados na atual
dinâmica civilizacional. Ela é um elemento constituinte da própria história da civilização.
Quanto mais o homem aperfeiçoa suas ferramentas, mais ele aumenta sua capacidade de
autodestruição. Não à toa, a história da humanidade coincide com a história de impérios e
de Estados absolutos e com os conflitos, massacres e destruições que eles patrocinaram,
embora intercalada por lacônicos espasmos de paz. Como prefere Gray, “a história da
humanidade é uma história de redenção em andamento”. Essa redenção só chegará a um
bom termo se passarmos a buscar novos pressupostos para compreensão das dimensões
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dimensões já foram, ao longo da história, percebidas por muitos pensadores notáveis que
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conseguiram dialogar com a realidade para além do que ela se apresenta ao nosso método
Entendi de observação, ainda hoje prevalente.
cartesiano

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Os maiores inimigos da humanidade têm sido as diversas visões reducionistas de
mundo que disputaram – e continuam disputando – hegemonia ao longo da História.
Todas elas sempre tiveram um ponto em comum: amparavam-se na ideia de controle e
de dominação, pilares da cultura patriarcal milenar sobre os quais a civilização foi
construída. Atualmente, vigora a visão mercadológica de mundo imposta pela doutrina
neoliberal entrelaçada à visão cibernética de mundo, que juntas vêm forjando o
novo capitalismo de vigilância denunciado pela filósofa e psicóloga social estadunidense
Shoshana Zuboff. Por isso, a possibilidade de superação da crise civilizatória atual passa
pela compreensão da cultura patriarcal, das suas origens, de como ela se conecta com a
noção de civilização, do que ela representa para o nosso modo de viver e, principalmente,
de como ela limitou nossa percepção da realidade e forjou, ao longo de milênios, visões de
mundo incongruentes com a dinâmica daquilo que chamamos de mundo natural. Essa
cultura patriarcal é caracterizada pela ideia de que há uma realidade independente da
nossa vontade, a qual é supostamente regida pelos seguintes fundamentos: controle,
dominação, hierarquia, superioridade, guerra, luta, apropriação da verdade, separação
homem-natureza, dentre outras concepções distorcidas da realidade complexa que nos
cerca.

A grande bifurcação cultural no neolítico

A ideia de aprofundarmos o entendimento da natureza humana numa perspectiva


antropológica, conforme sugere Panikkar, pode ser observada, por exemplo, nos estudos
do renomado neurobiólogo chileno Humberto Maturana, para quem o processo evolutivo
do Homo sapiens perdeu sua congruência biológico-cultural quando houve uma grande
transformação comportamental em algum momento no neolítico, época em que a cultura
patriarcal sobrepôs-se à cultura pré-patriarcal europeia e passou a moldar toda a
conflituosa trajetória da civilização. Os estudos de Maturana amparam-se nos trabalhos
da arqueóloga lituana Marija Gimbutas (The Goddesses and Gods of Old Europe,
1982, e The Civilization of the Goddess, 1991). Inclusive, escrevi recentemente um
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de Privacidadecontribuições de Maturana não só para a ciência, mas especialmente para a
compreensão de como o comportamento humano de índole patriarcal forjou os graves
Entendi
problemas civilizatórios que se exacerbaram na contemporaneidade.

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No texto valoroso para compreensão das origens do nosso modo de viver atual, intitulado
Conversações Matrísticas e Patriarcais, que é parte integrante do livro Amor y
Juego - Fundamentos Olvidados de lo Humano desde el patriarcado a la
democracia (1993), escrito em parceria com a psicóloga alemã Gerda Verden-Zoller,
Maturana descreve como se deu o processo de bifurcação cultural em que “a cultura pré-
patriarcal europeia foi brutalmente destruída por povos pastores patriarcais, que hoje
chamamos de indo-europeus e que vieram do Leste, há cerca de sete ou seis mil anos”. A
partir dessa grande transformação cultural, o patriarcado passou a moldar todo o curso da
história. O patriarcado constitui, assim, a matriz cultural do nosso modo de viver, que
subjaz a todas as dimensões da experiência humana, inclusive nos campos da ciência e da
filosofia, tendo tudo o mais se desdobrado a partir dessa dinâmica patriarcal, nos mais
diversos campos da atuação humana.

O modo de vida patriarcal que permeou toda a história da humanidade se caracteriza,


conforme a definição de Maturana, “pelas coordenações de ações e emoções que fazem
de nossa vida cotidiana um modo de coexistência que valoriza a guerra, a competição, a
luta, as hierarquias, a autoridade, o poder, a procriação, o crescimento, a apropriação de
recursos e a justificação racional do controle e da dominação dos outros por meio da
apropriação da verdade”. Por isso é urgente hoje ampliar nossa compreensão do
patriarcado para além do senso comum que o traduz, em regra, pelo comportamento
machista, facilmente observado no cotidiano das sociedades, inclusive no meio
acadêmico, que tende a reduzi-lo a um sistema de dominação e opressão do homem sobre
a mulher. Estas são apenas as expressões mais visíveis do patriarcado. Como
percebemos a partir da acepção proposta por Maturana, a noção de cultura patriarcal é
bem mais ampla e profunda do que isso. Seu oposto não seria a cultura matriarcal, que
nessa lógica binária de disputa de forças entre homem e mulher teria o mesmo sentido de
hierarquia do patriarcado, no caso, a relação de superioridade e de dominação do feminino
sobre o masculino.

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Antes da cultura pré-patriarcal a que se refere Maturana, havia o que se convencionou
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chamar de cultura matrística, a qual era mais igualitária em relação a valores e
Entendi
símbolos masculinos e femininos. Essa cultura matrística era, também conforme

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Maturana, caracterizada por “conversações de participação, inclusão, colaboração,


compreensão, acordo, respeito e coinspiração”, atributos que evidenciavam uma cultura
“centrada no amor e na estética, na consciência da harmonia espontânea de todo o vivo e
do não-vivo, em seu fluxo contínuo de ciclos entrelaçados de transformação de vida e
morte”. Não significa dizer que não havia as guerras e os conflitos inerentes ao impulso
patriarcal. Tais comportamentos existiam, mas não como regra, e sim como contingência
da realidade. Na cultura patriarcal que predomina há milênios, as sociedades mais
igualitárias, em que as hierarquias e a apropriação da verdade não constituem o padrão,
sempre foram a exceção, e não a regra. A História está aí para confirmar isso, e não há
sinais que indiquem que as próximas décadas serão diferentes.

Nessa perspectiva defendida por Maturana, que também é acompanhada por muitos
outros pensadores de grande notoriedade, o impulso que move o ser humano desde
tempos imemoriais é não só de origem biológica (ou existencial como preferem alguns)
mas também cultural. Com a sobreposição da cultura patriarcal sobre a cultura matrística,
houve uma grande ruptura na congruência entre o biológico e o cultural no
comportamento humano. O cultural aqui refere-se às capacidades adquiridas, no
sentido antropológico do termo, em que criamos crenças, valores, técnicas, arte, moral,
costumes etc, que, em conjunto, expressam a visão de mundo por meio da qual moldamos
e mantemos a nossa concepção de realidade. Para Maturana, “as culturas são sistemas
essencialmente conservadores”, pois, uma vez instaladas como sistemas de relação
hegemônicos, elas mesmas se autorreforçam criando uma espécie de blindagem a favor de
sua permanência. Tal fenômeno é visto por muitos autores que vêm estudando o peso do
aspecto cultural no comportamento humano, especialmente no campo da biologia da
cognição, como um grave problema que distorce nossa forma de entender e elaborar da
realidade que nos cerca.

Dizendo de outro modo, mais do que uma grave crise civilizatória, vivenciamos o
agravamento de uma grande crise de percepção da realidade que permeou toda a história
da humanidade, inclusive, em boa medida, alimentada pela ciência e pela filosofia. Foi a
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continentes. Estamos falando aqui das diversas cosmovisões já vivenciadas como o
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teocentrismo da Idade Média (séculos V e XV), o antropocentrismo da Renascença

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(séculos XIV e XVI), o mecanicismo e o economicismo iluministas (séculos XVII e XVIII),


ainda prevalentes na contemporaneidade, e o transumanismo atual emanado do Vale do
Silício a partir dos anos 1980, que aposta na fantasia da remodelagem da natureza
humana a partir da “inteligência artificial” e projeta um futuro prometedor, desta vez sob
os auspícios dos algoritmos.

O que temos observado ao longo das duas últimas décadas é o surgimento de um


capitalismo de vigilância como a mais nova forma de expressão patriarcal, promovida
pelas principais potências globais, lideradas pelos Estados Unidos, China e Rússia,
que estão reformulando uma nova polarização para o mundo, desta vez entre o capitalismo
de vigilância ocidental e o oriental. Atualmente, são essas as nações que vêm ditando os
próximos (des)caminhos da civilização, muito embora, cabe frisar aqui, a China – que
muitos julgam ser o próximo modelo de convivência humana promissor a ser irradiado
para o mundo – venha apresentando uma retórica contraditória que tenta conciliar o
aparentemente irreconciliável: “desenvolvimento global sustentável” por meio de uma
economia de mercado atrelada à tecnologia, agora sob o crivo exclusivo do Estado, em
favor de uma suposta pacificação, harmonização e sustentabilidade civilizatória. Para o
bem e para o mal, esta é a nova diretriz global em curso, um totalitarismo de plataformas
com potencial de acelerar e agravar ainda mais a crise planetária, como podemos
pressentir em manifestações recentes do presidente da Rússia, Vladimir Putin, ao
apontar as novas tendências do cada vez mais conflituoso cenário geopolítico atual: "a
inteligência artificial é o futuro, não só para a Rússia, mas para toda a humanidade.
Ela vem com oportunidades colossais, mas também ameaças difíceis de prever. Quem se
tornar o líder nesta esfera se tornará o governante do mundo".

Ilusões necessárias à superação do condicionamento patriarcal

Nossas expressões patriarcais abarcam um largo espectro de perfis comportamentais, com


diversos matizes, dos menos aos mais destrutivos. Ao longo desse espectro encontramos
desde as categorias
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previsibilidade e certeza; passando pelos gurus da autoajuda e pelos líderes de
movimentos
Entendi neopentecostais vendendo receitas fantasiosas de prosperidade e de
sucesso; e, no extremo, aquelas expressões mais autodestrutivas como os

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fundamentalistas, os intolerantes, os negadores da política, o crime organizado, as milícias


 as
digitais, que, quando alçados a posições de grande poder, invariavelmente arrastam
sociedades para violência desmedida acompanhada de genocídios e ecocídios. Todos
prometendo soluções para os problemas humanos que nada têm a ver com a complexidade
do mundo real.

Noutra vertente, a lógica de controle e de dominação patriarcal predominante tem


levado o senso comum a aceitar como parte integrante da realidade, em especial a da
natureza humana, a ideia de que a liberdade e a possibilidade de realização humana estão
irremediavelmente atreladas à acomodação na servidão voluntária e ao entendimento de
que o mundo é um local hostil regido por uma dinâmica competitiva e predatória. Essas
percepções de mundo, por sua vez, alimentam a ilusão de que todos têm as mesmas
chances de algum dia alcançar a posição do 1% que está na parte de cima da pirâmide
socioeconômica. Ao reforçarmos essa dinâmica cruel, continuamos aumentando as
patologias humanas e amplificando os desarranjos ambientais e é aqui que reside a
miséria e a tragédia do nosso atual modo de viver, determinado por esse condicionamento
patriarcal.

Cada um de nós, sem exceção, em maior ou menor grau, está preso nesse espectro, somos
reféns de nossas ilusões patriarcais, o quartinho newtoniano sem o qual nos vemos
perdidos diante das incertezas, imprevisibilidades, ambiguidades e mudanças inerentes ao
mundo real. A grande ilusão patriarcal mais poderosa hoje é a que nos aprisiona à
visão de mundo tecnoeconomicista, que tem dominado todos os campos da
experiência humana. O ser humano apegou-se a essa ilusão porque é assim que ele vem
sendo moldado pela educação, pelas relações familiares e, sobretudo, pelas relações
narcisistas e utilitaristas do mercado, que hoje permeiam todas as dimensões da vida
humana. Só sairemos do impasse civilizatório atual na medida em que mais e mais pessoas
e lideranças questionarem a falsa segurança desse universo mercado-digital no qual
mergulhamos.

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Para além das disputas de narrativas por hegemonia – que sempre fizeram e
provavelmente
Entendi ainda farão parte da condução da história da humanidade por um bom
tempo –, o patriarcado, a partir da concepção aqui delineada, talvez represente o

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principal referencial não só para tentarmos ir ao âmago da atual e grave crise em que nos
encontramos, mas também para melhorar nosso entendimento em torno da ideia que
temos sobre civilização. Portanto, a cultura patriarcal instalada há milênios, que forjou a
civilização tal como a conhecemos, precisa ser considerada para uma melhor compreensão
dos desafios que estão sendo colocados para a humanidade, pois tem sido a partir dela
que, sem percebermos, nos relacionamos com o mundo em nossa volta. Nesse sentido, ela
talvez represente o componente chave para entendermos o que alimenta o nosso modo
linear de pensar, a nossa cegueira cognitiva, a nossa acomodação à servidão voluntária e o
mais emblemático desafio do nosso tempo: a cisão entre o homem e a natureza.

Entramos nessa dinâmica autodestrutiva em algum momento do neolítico, como apontam


estudos de Maturana e outros, em um processo muito gradual que pode ter durado em
torno de mil anos ou mais. Embora já seja possível observar muitos sinais de mudança no
comportamento humano, libertando-se do patriarcado em direção a uma nova cultura
mais biocentrada e menos predatória e antivida, que começa a perceber a
multiplicidade, a incerteza, a diversidade, a contradição, a interdependência, a alteridade
e, especialmente, a íntima ligação homem-natureza como atributos constituintes da
complexidade do mundo real, a gravidade da crise planetária atual talvez não nos reserve
tanto tempo assim para alcançarmos uma nova bifurcação cultural que nos permita
reconciliar com a nossa condição natural. Entretanto, pelo menos no campo da ciência, as
novas teorias da complexidade (caos, neguentropia, auto-organização, fractais, autopoiese,
lógica fuzzy, dentre outras) estão à nossa disposição para essa difícil tarefa. Falta-nos a
superação no campo da política e da ética, ainda sob as amarras do patriarcado.

Diante de um impasse civilizatório de tal magnitude, como então podemos vislumbrar a


possibilidade de superação dessa cultura patriarcal milenar e da crise de percepção da
realidade que ela forjou para se manter? O cenário de crise planetária que estamos
vivenciando, ainda que aparente cada dia mais insolúvel, parece apontar para duas formas
de sairmos dessa armadilha ontológica. A primeira é pela via da regeneração consciente,
na medida em que mudamos o nosso modo de pensar, em especial as lideranças nas
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e, então, lidar melhor com a complexidade do mundo real. A outra é pela via de uma
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profunda regressão civilizatória seguida pela barbárie, como desdobramento da
Entendi da dinâmica de pulsão de morte patriarcal que vem se manifestando de
manutenção

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variadas formas na atualidade: conflitos armados, desastres ambientais, fome e


 de
desnutrição, desemprego, doenças crônicas e infecciosas e outras formas de geração
indigências.

A primeira via aparenta ser a mais improvável, pois não há nenhum esforço civilizatório
em curso que aponte nesse sentido. A segunda hipótese se faz mais presente a cada dia, a
possibilidade da barbárie generalizada, em que as agruras de um inevitável flagelo
humanitário de escala planetária, que se anuncia, revelarão a insustentabilidade da
cultura patriarcal e tornarão nossa realidade tão insuportável que o ser humano
perceberá, enfim, a necessidade de alçar um novo patamar civilizatório, mais congruente
com a nossa condição natural. Seja lá como for o desfecho desse grande impasse, ao que
tudo indica, as palavras do filósofo húngaro István Mészáros parecem estar mais
próximas do que está por vir ainda neste século XXI: “a famosa frase de Rosa
Luxemburgo, ‘socialismo ou barbárie’, precisa ser reformulada para o nosso tempo
em ‘barbárie, se tivermos sorte’. A aniquilação da humanidade é a nossa sina se
falharmos na conquista dessa montanha que é o poder destrutivo e autodestrutivo das
formações estatais do sistema do capital”.

Para John Gray, uma das questões primordiais do mundo atual é sabermos como lidar
com as nossas ilusões. Segundo ele, “de agora em diante, nosso propósito será identificar
nossas imbatíveis ilusões. De que inverdades podemos nos livrar, e quais as que, sem elas,
não podemos passar?”. Chegou o tempo de acreditarmos que não estamos definitivamente
condenados a viver sob as ilusões de ordem, controle, dominação e hierarquia do
patriarcado. Como todo o percurso civilizatório foi forjado a partir de um modo de viver
patriarcal, dentro de um processo multissecular, tendemos a pensar que o patriarcado
constitui um atributo existencial da condição humana e, o que é pior, o projetamos na
natureza – daí a origem da nossa crise de percepção da realidade. Ao contrário,
precisamos compreender que ele é circunstancial, como Maturana e muitos outros
sustentam. Portanto, se foi possível imergir nesse modo de viver, é também razoável
imaginar que podemos nos libertar dele.
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O fato inconteste é que temos hoje uma civilização deslizando a passos largos para o
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colapso. As novas circunstâncias para superarmos o nosso condicionamento
patriarcal
Entendi estão dadas, seja pela improvável conscientização das lideranças mundiais – a
via da “reforma do pensamento” e da regeneração das instituições, proposta pelo

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sociólogo, filósofo e antropólogo francês Edgar Morin –, seja pela indesejável via da
regressão e da barbárie que se anuncia como a mais provável. Insistir em viver no 
patriarcado é viver numa inútil e infindável luta contra a realidade complexa que nos
cerca. A única luta que faz sentido, doravante, é a luta contra os nossos conflitos internos,
impingidos por essa prisão patriarcal, na qual o homem tornou-se o inimigo de si mesmo.

Reaprenderemos a lidar com a complexidade do mundo real? Esta talvez seja a grande
questão do nosso tempo. “Vamos estourar por não compreender a complexidade”, eis o
alerta de Morin. Espero que, diante dessa insondável agonia civilizatória, na qual estamos
mergulhando, consigamos compreender, aceitar e abraçar a complexidade das realidades
vivas que ainda temos e, assim, reencontrar nossa jovialidade contemplativa, tal como a
dos macacos de Arthur Koestler!

Referências:
ALVES, JED. A 6ª extinção das espécies é na verdade o 1º evento de extermínio em massa.
Ecodebate, 08/11/2019. Disponível aqui.

ALVES, JED. Desmatamento e insustentabilidade da população mundial. Ecodebate,


12/02/2021. Disponível aqui.

ATTENBOROUGH, David. Reportagem sobre o livro “A Life on Our Planet”. Infobase,


13/09/2020. Disponível aqui.

MORIN, Edgar. O método 2: a vida da vida. Porto Alegre: Sulina, 2005.

MORIN, Edgar. O método 6: ética. Porto Alegre: Sulina, 2007.

GRAY, John. Cachorros de palha: reflexões sobre humanos e outros animais. Rio de
Janeiro: Record, 2006.

GRAY, John. O silêncio dos animais: sobre o progresso e outros mitos modernos. Rio de
Janeiro: Record,
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de Privacidade Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
HOBSBAWM,
Companhia das Letras, 1995.
Entendi

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MATURANA, Humberto R. Conversações matrísticas e patriarcais. In: ______;



VERDEN-ZÖLLER, G. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo:
Palas Athena, 2004.

MÉSZÁROS, Ístvan. A montanha que devemos conquistar: reflexões acerca do Estado. São
Paulo: Boitempo Editorial, 2015.

REVISTA GALILEU. Entrevista com Nick Bostrom. Ecodebate, 18/05/2012. Disponível


aqui.

SPUTNIK BRASIL. Putin: “Quem dominar a inteligência artificial governará o mundo”,


em 01/09/2017. Disponível aqui.

WALLACE-WELLS, David. A terra inabitável: uma história do futuro. São Paulo:


Companhia das Letras, 2019.

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