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http://dx.doi.org/10.21577/0100-4042.20170074 Quim. Nova, Vol. 40, No.

6, 688-693, 2017
Assuntos Gerais
PROMOVENDO INTERCONEXÕES: CONTRIBUIÇÕES DA DIVISÃO DE QUÍMICA DE MATERIAIS NOS 40
ANOS DA SBQ

Célia Machado Ronconi


Instituto de Química, Universidade Federal Fluminense, Campus do Valonguinho, Outeiro São João Batista s/n, Centro, 24020-
150 Niterói – RJ, Brasil

Recebido em 01/04/2017; aceito em 04/05/2017

ENABLING INTERCONNECTIONS: CONTRIBUTIONS OF THE MATERIALS CHEMISTRY DIVISION IN 40 YEARS OF


THE BRAZILIAN CHEMICAL SOCIETY. Enabling interdisciplinary discussion has been one of the main goals of the Division of
Materials Chemistry since its creation in 1993. Over its twenty-four years of existence, the division has disseminated scientific works
with great diversity of topics and impacts. The present article seeks to outline the trajectory of the Division of Materials Chemistry
since its creation, showing its main indicators of productivity and academic relevance as well as its main challenges.

Keywords: Materials Chemistry Division; The Brazilian Chemical Society; 40th Years Anniversary

INTRODUÇÃO CRIAÇÃO DA SBQ E DA DIVISÃO DE QUÍMICA DE


MATERIAIS
A Sociedade Brasileira de Química (SBQ) celebra seu aniversário
de quarenta anos em 2017. Não obstante essa data tão expressiva, A SBQ foi criada no contexto do Estado Autoritário brasileiro
neste ano, pela primeira vez na América do Sul, também ocorrerá o (1964-1985) que tentava restringir as pesquisas científicas no país,
46o Congresso Mundial de Química da International Union of Pure com proibições de reuniões científicas e cortes nos orçamentos des-
and Applied Chemistry (IUPAC). Como parte das comemorações, as tinados à pesquisa.4,5 A missão da SBQ era atender à necessidade de
diferentes divisões da SBQ foram incumbidas de apresentar a evolu- uma organização que vislumbrasse as especificidades da pesquisa na
ção da química brasileira nas suas respectivas áreas de atuação, bem área de química no Brasil.6 As reuniões anuais da SBQ ocorriam de
como a inserção destas áreas no contexto internacional. forma correlata às reuniões da Sociedade Brasileira para o Progresso
Incialmente será feita uma exposição do contexto no qual a SBQ e da Ciência (SBPC) e passaram a funcionar de maneira totalmente
a Divisão de Química de Materiais (DQM) foram criadas. Em seguida autônoma somente em 1990.7,8 Essa desvinculação da SBPC possi-
será feita a análise da inserção internacional da Química de Materiais. bilitou ampliar significativamente a pluralidade de temas discutidos
Essa análise foi embasada em relatórios técnicos publicados pela em suas reuniões. A partir de 1992, houve uma grande estruturação
IUPAC, que apontam recomendações com relação a definições e da SBQ que incluiu a implantação das divisões científicas.9,10 Muito
tendências futuras para a área. Foram examinados ainda documen- embora tenha representado um avanço significativo, pois criou vários
tos do National Science Foundation (agência federal americana de nichos para que a comunidade discutisse suas pesquisas primordiais, o
fomento à pesquisa), que apontam temas desafiadores para a área de debate interdisciplinar destes nichos e de suas diferentes pluralidades
Química de Materiais. não era fomentado por completo. Diante da diversidade de temas,
Na tentativa de delinear o perfil da DQM na SBQ foram consul- tornava-se cada vez mais evidente a interconexão e interdisciplinari-
tados artigos publicados pelos ex-diretores da divisão, bem como dade dos trabalhos anualmente discutidos, o que colocava em relevo
livros de resumos das reuniões anuais e atas. Até o presente mo- a necessidade de um mecanismo que sistematizasse e formalizasse
mento foram feitas duas análises evolutivas da área de Química de tal situação. Dentro dessa complexidade é que se inseriu a criação
Materiais na SBQ: uma pelo Prof. Oswaldo Luiz Alves (UNICAMP) da Divisão de Química de Materiais em 1993.1,2
em 1998,1 cinco anos após a criação da divisão, e outra feita pelos
Professores Adley Forti Rubira (UEM), Aldo José Gorgatti Zarbin A QUÍMICA DE MATERIAIS NA ESTRUTURA DA IUPAC
(UFPR), Fernando Galembeck (UNICAMP), Oswaldo Luiz Alves
(UNICAMP) e Miguel Jafelicci Júnior (UNESP) em 2002, em Apesar de a disciplina “Química de Materiais” ter surgido
virtude da comemoração dos vinte e cinco anos de existência da na década de 1970,2 somente em 2005 teve início um projeto da
SBQ.2 Essa última análise apresentou um quadro evolutivo da DQM International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC), lide-
no período de 1998 a 2002, com base no número de trabalhos apre- rado pelo Prof. Peter Days da Universidade de Londres, intitulado
sentados, participação regional e classificação dos temas (divididos “O que é Química de Materiais?”, cujo objetivo era aprovar uma
em materiais poliméricos e não-poliméricos). No presente trabalho, definição internacionalmente aceita para esta disciplina e discutir
contudo, optou-se em organizar os materiais seguindo uma tendência sua representação dentro da estrutura da IUPAC.11
em discussão na IUPAC, de acordo com suas propriedades/funções/ Atualmente, as atividades dessa área na IUPAC são supervisiona-
aplicações.3 das pelo Subcomitê Interdivisional de Química de Materiais (SIQM),3
que por sua vez faz parte da Divisão de Química Inorgânica.12
As publicações geradas a partir do projeto “O que é Química de
Materiais?” mostram que esta área foi uma das que mais cresceu na
Química Pura e Aplicada, contribuindo com uma fração significativa
*e-mail: cmronconi@id.uff.br para as publicações em Ciências Químicas.13,14 Tal constatação se
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fundamentou no número crescente de artigos científicos submetidos,


além das citações de artigos publicados em periódicos dedicados
total ou parcialmente à área de Química de Materiais, levando-se
em consideração o respectivo fator de impacto (FI) de cada um dos
periódicos, evidentemente.15 É importante ressaltar que após o período
avaliado pelo SIQM da IUPAC (até 2009), a área continua em plena
expansão e, como reflexo, vários periódicos novos foram lançados
para atender à sua crescente demanda.
Os periódicos mais conhecidos na área de Química de Materiais
com seus respectivos fatores de impacto (2016 Journal Citation
Reports) em ordem decrescente são: Nature Materials (FI =
38,891, Nature Publishing Group – NPG), Advanced Materials
(FI = 18,960, Wiley-VCH), Advanced Functional Materials (FI =
11,380, Wiley-VCH), Materials Today (FI = 10,793, Elsevier) e
Chemistry of Materials (FI = 9,407, American Chemical Society
– ACS). Recentemente foram lançados periódicos novos, como
Materials Horizon (2014, FI = 9,095, Royal Society of Chemistry
– RSC), Materials Chemistry Frontiers (2015, RSC), Materials Figura 1. Ilustração representando a definição da Química de Materiais. As
Today Chemistry (2016, Elsevier) e Applied Materials Today (2015, figuras foram reproduzidas com autorização das capas do J. Mater. Chem.
Elsevier). 2012, 22, no 46-48; J. Mater. Chem. A 2017, 5, no 11-12 e J. Mater. Chem.
Objetivando contemplar a diversidade de temas da área de A 2017, 28, 12
Química de Materiais, três novos periódicos surgiram em 2013, em
substituição ao tradicional o Journal of Materials Chemistry (RSC), propriedades e, consequentemente, suas aplicações.17 A síntese de
lançado originalmente em 1991: o Journal of Materials Chemistry novas substâncias químicas em escala nano, micro ou macroscópica
A (materiais para produção e conversão de energia, materiais sus- não deve ser entendida como Química de Materiais e sim, como
tentáveis, etc. FI = 8,262), B (materiais para biomedicina, cuidados Síntese Química.13,14 No caso de um nanomaterial, suas propriedades
médicos, materiais biomiméticos, etc. FI = 4,872) e C (materiais e aplicações devem derivar, necessariamente, de seu tamanho nano-
para armazenamento de informação, materiais ópticos, magnéticos, métrico ou de sua elevada razão superfície/volume.18 Portanto, na
etc. FI = 5,066). Química de Materiais o estudo deve envolver a relação entre estrutura/
Outros periódicos importantes são: Nano Letters (FI = 13,779, propriedade e a indicação da aplicação do material. O entendimento
ACS), ACS Nano (FI = 13,334, ACS), Biomaterials (FI = 8,387, da composição química de novos sólidos, das interações presentes e
Elsevier), Small (FI = 8,320, Wiley-VCH), Nanosacale (FI = 7,760, das propriedades advindas é parte da Ciência Química.
RSC), Applied Materials and Interfaces (FI = 7,145, ACS), Soft
Matter (FI = 3,798, RSC), ACS Biomaterials Science & Engineering A EVOLUÇÃO DA QUÍMICA DE MATERIAIS NO
(2015, ACS). As revistas voltadas para as áreas de físico-química, CONTEXTO MUNDIAL
inorgânica, macromoléculas e química de superfícies têm uma
percentagem grande dos seus artigos classificados como “Química Existem registros históricos que mostram que a humanidade faz
de Materiais”, por exemplo, o Journal of Physical Chemistry B (FI uso de materiais há pelo menos 10.000 anos.19 Inicialmente, o homem
= 3,187), C (FI = 4,509) e o Journal of Physical Chemistry Letters utilizava os materiais encontrados na natureza (pedra, madeira, metal)
(FI = 8,539) da ACS. sem praticamente alterá-los. Posteriormente, o homem aprendeu a
Reconhecida a importância e o crescimento da área de Química preparar alguns materiais, como por exemplo o vidro, empregando
de Materiais dentro das Ciências Químicas, o projeto coloca em dis- calor e produtos químicos.20 Aprendeu, também a separar metais
cussão a possibilidade de criação da Divisão de Química de Materiais de minérios com aquecimento e processos de redução. Na Tabela
dentro da IUPAC, que hoje conta com oito divisões: I. Physical and S1 (Material Suplementar) é mostrada a evolução dos materiais na
Biophysical Chemistry; II. Inorganic Chemistry; III. Organic and história da humanidade.
Biomolecular Chemistry; IV. Polymer; V. Analytical Chemistry; VI. Com a Segunda Guerra Mundial, o crescimento da área é ace-
Chemistry and the Environment; VII. Chemistry and Human Health lerado e, nos anos 1950, são fabricados os transistores de silício,
e VIII. Chemical Nomenclature and Structure Representation.16 revolucionando a indústria eletrônica (o termo transistor vem do inglês
Além da proposta de inserção da Química de Materiais como uma transfer resistor, que significa resistência de transferência21). Neste
nova divisão dentro da estrutura da IUPAC, o projeto produziu uma mesmo período, os polímeros sintéticos contribuem para o avanço da
definição sobre o que faz e o que não faz a Química de Materiais.13,14 ciência e tecnologia de materiais, prosseguindo até os dias atuais. No
final dos anos 1960 e início dos anos 1970 surge a disciplina “Química
Definição de Química de Materiais de Materiais” devido ao interesse crescente nas propriedades de
compostos moleculares e inorgânicos no estado sólido. Na década de
A seguinte definição de Química de Materiais é recomendada 1970 são descobertos os polímeros condutores e os cristais líquidos
pela IUPAC: “A Química de Materiais consiste na aplicação da passam a ser empregados em mostradores de relógios de pulso. Na
química no planejamento, síntese, caracterização, processamento, década de 1980, o desenvolvimento de supercondutores em altas
entendimento e utilização de materiais, particularmente aqueles com temperaturas coloca em foco os óxidos metálicos. A descoberta dos
propriedades físicas úteis ou potencialmente úteis”.13,14 Esta definição nanotubos de carbono no início da década de 1990 e de suas pro-
está esquematicamente ilustrada na Figura 1. priedades mecânicas, elétricas e térmicas excelentes vislumbraram
A Química de Materiais busca o entendimento de como átomos, novas aplicações, como por exemplo, a incorporação de nanotubos em
íons ou moléculas estão arranjados num sólido ou líquido organi- materiais convencionais, como polímeros ou polímeros condutores,
zado, e.g. cristal líquido, e como esta disposição determina suas para melhorar as propriedades mecânicas e elétricas dos compósitos
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resultantes. Os nanotubos de carbono são extensamente investigados A DIVISÃO DE QUÍMICA DE MATERIAIS (DQM) NOS 40
e têm aplicações em dispositivos nano-eletrônicos, dispositivos de ANOS DA SBQ
emissão de campo e sensores.22
O século XXI inicia com a promessa de substituição dos circuitos Desde a sua criação na SBQ em 1993, a DQM vem atuando na
integrados de silício pela eletrônica molecular.23 Em 1965, Gordon fronteira de diversas áreas, agrupando estudantes e profissionais
Moore, um dos cofundadores da Intel, fez uma previsão para a ve- de Química (Inorgânica, Físico-Química, Orgânica e Analítica), de
locidade de crescimento da tecnologia baseada em silício, que ficou Engenharia de Materiais, de Engenharia Química, de Física entre
conhecida como Lei de Moore.24 Essa lei é obedecida pela indústria outras áreas.
eletrônica e uma de suas consequências é o aumento na capacidade
de memória dos processadores. Contudo, a fabricação de computa-
dores cada vez mais rápidos enfrenta uma série de limitações físicas
relacionadas ao material empregado na construção dos dispositivos,
bem como nas técnicas de litografia aplicadas para criar os circuitos
integrados sobre wafer de silício.
A eletrônica molecular surge como uma alternativa para contornar
essas limitações, pois um número muito maior de moléculas poderia
ser integrado em um circuito. Em 2000, os grupos de pesquisa dos
Professores James Fraser Stoddart (Northwestern University, EUA) e
James Heath (California Institute of Technology, Caltech) prepararam
dispositivos de memória empregando moléculas chamadas catena-
nos (do Latim, catena = cadeia), onde o movimento coletivo destas
moléculas no estado sólido alternaria entre o estado ligado (on) e
desligado (off). Essas moléculas são constituídas por dois macrociclos
mecanicamente entrelaçados que se movimentam entre dois sítios de
reconhecimento quando um estímulo elétrico é aplicado. Medidas
Figura 2. Total de trabalhos da DQM apresentados nas RAs da SBQ de 2003
elétricas mostraram que os dispositivos apresentam um estado de
a 2016 (média = 190 trabalhos)
alta (on) e baixa (off) condutividade, portanto, as moléculas atuam
como chaveadores moleculares no estado sólido, Figura 1S (Material
Suplementar). O conceito fundamental envolvido no funcionamen- O objetivo da DQM é subsidiar debates, descobertas, inovação,
to do dispositivo molecular fabricado por Stoddart e Heath é o da colaborações e intercâmbios nos mais variados ramos da Química de
coletividade. Esse conceito vem sendo cada vez mais investigado Materiais. Para alcançar esses objetivos, a DQM participa ativamente
em Química de Materiais e é considerado pelo National Science das atividades das reuniões anuais da SBQ convidando palestrantes
Foundation (NSF), agência federal americana de fomento à pesquisa nacionais e internacionais, oferecendo workshops, minicursos, ses-
científica, um dos temas de pesquisa a ser explorado mais difícil e sões temáticas, sessões coordenadas, sessões de painéis e prêmios.
desafiador na área de Química de Materiais e de Nanotecnologia.25 A programação da DQM é organizada pela diretoria da divisão com
Em 2004, o grafeno ganha destaque após os Professores Andre a cooperação dos filiados, que são frequentemente consultados − o
Geim e Kostya Novoselov, da Universidade de Manchester, mostra- canal de comunicação é por e-mail, página eletrônica (http://www.
rem que esse material, constituído por uma monocamada de grafite, sbq.org.br/materiais/) e página no facebook (https://www.facebook.
era transparente, estável em condições ambientes e com alta con- com/MATSBQ) − e incentivados a contribuírem com sugestões que
dutividade e mobilidade elétricas.26 A partir de então, esse material atendam as contingências da comunidade científica.
passou a ser amplamente investigado e novas propriedades foram Devido à sua natureza multidisciplinar, o número de trabalhos
descobertas, como a elevada resistência mecânica (200 vezes maior apresentados na DQM é bastante expressivo, evidenciando que é uma
que do aço), flexibilidade, leveza, impermeabilidade entre outras. divisão consolidada dentro da SBQ. Nas Reuniões Anuais (RAs) de
Com tantas propriedades interessantes, o grafeno é um do materiais 1993 a 2002, o número médio de trabalhos foi de 121.2 Esse número
mais investigados atualmente e tem aplicações em eletrônica, spin- aumentou para 190 nas RAs de 2003 a 2016 (Figura 2), que cor-
trônica, fotônica, sensores, células fotovoltaicas, células a combus- responde a um aumento de 57 %. Em 2011, na 34a RA da SBQ em
tível, no armazenamento de hidrogênio, etc.27 Um desafio nessa área Florianópolis-SC, houve um recorde no número de trabalhos apre-
é produzí-lo com qualidade em escala industrial. sentados em todas as divisões, sendo a DQM a quinta divisão com o
Os materiais híbridos orgânicos-inorgânicos multifuncionais, maior número de trabalhos (347). Já em 2015, a DQM contribuiu com
incluindo os compósitos, são uma classe imensa de materiais que o maior número de trabalhos (166) na 38a RA da SBQ em Águas de
vem sendo investigada desde a segunda metade do século XX. Lindóia-SP.32 Em 2016, a DQM apresentou 122 trabalhos na 39a RA
Recentemente, contudo, alguns desses materiais, como as redes de da SBQ em Goiânia-GO, ficando atrás apenas da tradicional Divisão
coordenação ou redes metal-orgânicas (Metal Organic Frameworks, de Química Orgânica, com 135 trabalhos.33 A DQM contribui com
cujo acrônimo é MOFs) têm sido sintetizadas “sob medida” de ma- cerca de 10 % do total de trabalhos apresentados nas RAs da SBQ.
neira a apresentarem propriedades específicas. O Prof. Omar Yaghi Esse percentual é essencialmente o mesmo relatado no levantamento
(Universidade da Califórnia, Berkely) tem obtido redes de coordena- de 2002.2 Portanto, o aumento no número de trabalhos apresentados
ção com valores de área de superfície específica de até 8000 m2 g-1.28 na DQM nas RAs de 2003 a 2016 é reflexo do aumento no número
Em parceria com a empresa química alemã BASF, esses materiais de participantes nas RAs da SBQ.
estão sendo empregados para descontaminar água, em tanques de O número de filiados à DQM no período de 2003 a 2016 está
combustível para armazenar hidrogênio e na captura de CO2.29 representado na Figura 3. Esse número é próximo de duzentos, com
Merece destaque ainda a área de biomateriais − naturais e sin- valor médio de 194. Não há grandes variações no número, indicando
téticos − para aplicações médicas, como próteses, reparo de retinas que não há evasão e nem inserção de novos filiados.
descoladas e dispositivos cardiovasculares. 30,31 Como mencionado anteriormente, os temas dos trabalhos
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da comunidade científica brasileira que desenvolve projetos em


Química de Materiais em tentar solucionar problemas relacionados
à contaminação de águas. Cooperação nessa área está sendo feita
entre o Brasil e a Alemanha com financiamento da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da
Fundação Alexander von Humboldt. Essa parceria resultou num pro-
jeto chamado Brazilian-German Frontiers of Science and Technology
Symposium (BRAGFOST), que visa reunir jovens pesquisadores
brasileiros e alemães, apontados por essas agências como futuros
líderes científicos, para trocar experiências, discutir suas pesquisas
e estabelecer parcerias em temas estratégicos para os dois países. Em
2016, dois temas do simpósio foram sobre “Sensores Inteligentes”
e “Disponibilidade de Água para o Desenvolvimento Sustentável”.
Em 2015, um dos temas foi sobre “Métodos Efetivos de Sequestro
(químico) para Proteção do Meio Ambiente”, no qual se discutiu mé-
Figura 3. Total de filiados à DQM de 2003 a 2016 (média = 194 filiados) todos para captura e sequestro de gases causadores do efeito estufa.36
O segundo tema que ocorreu com maior frequência são os mate-
riais para aplicação em eletrônica, principalmente semicondutores e
materiais com propriedades luminescentes com potencial aplicação
em LEDs e OLEDs (Figura 4 e Tabela 1).
Os materiais com aplicação na área da saúde estão à frente dos
materiais para aplicação no setor de energia. Como esse último setor
envolve o desenvolvimento de materiais para células a combustível,
baterias, células fotovoltaicas e catálise, provavelmente, esses traba-
lhos devem estar distribuídos também nas divisões de eletroquímica,
catálise e fotoquímica, o que dificulta a análise da contribuição real da
DQM para este setor. Na área de saúde os trabalhos envolvem sistemas
de veiculação de fármacos, como por exemplo, polímeros, sílicas
mesoporosas e nanopartículas magnéticas, polímeros para geração de
tecidos artificiais, marcadores luminescentes, filmes bactericidas, etc.
Finalmente, a área de nanotecnologia cresceu até 2013 contri-
Figura 4. Distribuição dos trabalhos da DQM por temas buindo com 20 % do total de trabalhos da DQM, percentagem que
diminui em seguida. A dificuldade maior em classificar os trabalhos
apresentados na DQM foram organizados por propriedades/funções/ nessa área é que muitas vezes os resumos tratam somente da síntese e
aplicações, conforme a proposta em discussão no SIQM da IUPAC.34 caracterização de materiais em escala nanométrica, sem determinar ou
Foram considerados os seguintes temas para a análise do perfil: relacionar suas propriedades com esta escala. Portanto, foi acrescentada
materiais para energia, saúde, eletrônica, nanotecnologia e meio na Figura 4 uma coluna extra referente aos resumos que reportaram
ambiente.35 Para cada área de aplicação existem diversas subáreas síntese e caracterização, sem o estudo de propriedades ou indicação
que estão listadas na Tabela 1. Essa análise foi feita para as RAs de de aplicação dos materiais. Essa coluna corresponde a uma média de
2010 a 2016. 10,2 % do total de trabalhos apresentados na DQM. Geralmente são
Na Figura 4 está representado o resultado do levantamento dos trabalhos que propõem novos métodos de síntese ou melhoram sín-
resumos apresentados na DQM. O tema de maior ocorrência na teses já descritas na literatura, tanto para materiais em escala micro
DQM nas Reuniões Anuais (RAs) da SBQ de 2010 a 2016 (Figura 4 quanto nanométrica. Nota-se que uma grande parte desses trabalhos
e Tabela 1) envolve a síntese de materiais para aplicações ambientais. são produzidos por alunos no início do mestrado ou doutorado e por
Os trabalhos nessa área incluem fotocatalisadores para degradação alunos de iniciação científica (IC), o que é adequado, já que a IC tem
de corantes, materiais adsorventes para remoção de metais pesados como objetivo introduzir o aluno de graduação na pesquisa científica.
em água, sensores para detecção de metais pesados e compostos or- Um dado interessante observado é com relação aos trabalhos
gânicos em águas (herbicidas, pesticidas, hormônios, etc.), polímeros sobre grafeno. Apesar de esse material ter sido descoberto em 2004,
biodegradáveis, entre outros. Portanto, há uma grande preocupação na RA de 2014 foram apresentados poucos resumos de trabalhos

Tabela 1. Áreas e subáreas de aplicação dos materiais

Energia Saúde Meio ambiente Eletrônica Nanotecnologia


células a combustível veiculação de fármacos materiais verdes isolantes plasmônica
baterias engenharia de tecidos captura de CO2 semicondutores fotônica
catálise imageamento remediação ambiental condutores
armazenamento de recobrimentos bactericidas sensores materiais para armazenamento
hidrogênio de informações
células fotovoltaicas OLEDs (organic light-emitting
diodes)
LEDs (light-emitting diodes)
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com pesquisa em grafeno, sendo que nas RAs seguintes houve um uma decisão acertada, uma vez que são cada vez mais significativos
aumento significativo. Destacam-se os grupos de pesquisa dos Estados os trabalhos que se estabelecem dentro dessa premissa.
do Paraná, Minas Gerais e São Paulo que vem realizando pesquisas Ainda que os propósitos iniciais pareçam ter sido atingidos (e de
importantes sobre grafeno. fato foram, quando consideramos a exclusivamente os indicadores
Os percentuais de participação das regiões do Brasil nas RAs de de produtividade e impacto acadêmico) há, entretanto, muito que se
2010 a 2016 são mostrados na Figura 5. aprimorar ainda. A disseminação da pesquisa para além dos centros
Os resultados mostram que a região Sudeste concentra 64,9 % tradicionalmente estabelecidos dentro da realidade regional brasi-
em média dos trabalhos apresentados na DQM, seguida pela região leira se coloca como um dos desafios mais sensíveis da Divisão de
Sul com 12,8 %, Nordeste com 10,5 %, Centro-Oeste com 5,8 % e Química de Materiais. Não menos importante é o reconhecimento da
Norte com 0,4 %. A produção inter-regional contribui com 9,7 %. necessidade de se ampliar a divulgação dos resultados das pesquisas
Nos últimos anos houve um aumento no percentual de trabalhos em Química de Materiais para além do universo acadêmico, uma vez
realizados em colaboração entre instituições de regiões diferentes. que o investimento proveniente da iniciativa privada é radicalmente
Contudo, a distribuição discrepante dos trabalhos da DQM pelas tímido. Tal setor deve ter sempre em conta que a inovação é a marca
regiões do Brasil reflete, infelizmente, a própria dinâmica da produ- indelével da Química de Materiais.
ção do conhecimento científico nacional, concentrada nos locais de
maior adensamento populacional e de investimentos. Esses resul- MATERIAL SUPLEMENTAR
tados foram bastante semelhantes aos resultados do levantamento
feito em 2002, que mostrou que o Estado de São Paulo concentra a Material suplementar, contendo uma Tabela referente à história
maior parte dos trabalhos apresentados com destaque para grupos dos materiais e uma Figura representado o funcionamento de um
de pesquisa localizados nas cidades de Campinas, Araraquara e São chaveador molecular, está disponível em http://quimicanova.sbq.org.
Carlos. A realização de RAs itinerantes pela SBQ nos últimos anos, br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre.
como as de 2011 em Florianópolis-SC, 2014 em Natal-RN e 2016
em Goiânia-GO, pode consistir num instrumento que reduza essa REFERÊNCIAS
evidente desproporcionalidade.
1. Alves, O. L.; Quim. Nova 1998, 21, 807.
2. Rubira, A. F.; Zarbin, A. J. G.; Galembeck, F.; Alves, O. L.; Jafelicci,
M.; Quim. Nova 2002, 25, 75.
3. https://iupac.org/who-we-are/divisions/division-details/?body_
code=205, acessada em Fevereiro 2017.
4. Peixoto, M. A.; Quim. Nova 1978, 1, 26.
5. Pinto, A. C.; de Andrade, J. B.; Pardini, V. L.; Quim. Nova 1997, 20, 3.
6. Galembeck, F; Quim. Nova 1997, 20, 5.
7. Bechara, E. J. H.; Viertler, H.; Quim. Nova 1997, 20, 63.
8. https://www.youtube.com/watch?v=VLGAnl525qY, acessada em Janeiro
2016.
9. Rocha-Filho, R. C.; Biaggio, S. R.; Bocchi, N.; Quim. Nova 1997, 20,
66.
10. Vieira, P. C.; Barreiro, E. J.; Quim. Nova 2002, 25, 5.
11. IUPAC in Beijing – Division Roundups Part II; Chem. Int. 2006, 28, 13.
Figura 5. Percentuais de participação regional 12. https://iupac.org/who-we-are/divisions/division-details/?body_
code=205, acessada em Fevereiro 2017.
O levantamento revelou que apoio da iniciativa privada no de- 13. Day, P.; Interrante, L. V.; West, A. R.; Pure Appl. Chem. 2009, 81, 1707.
senvolvimento dos trabalhos é ínfimo, o que causa estranheza, haja 14. Day, P.; Interrante, L. V.; West, A. R.; Chem. Int. 2009, 31, 4.
vista que área de Química de Materiais tem grande apelo tecnológico. 15. Para o cálculo do Fator de Impacto (FI) veja a referência: Pinto, A. C.;
Finalmente, uma pesquisa na base de dados Web of Science, no de Andrade, J. B. Quim. Nova 1999, 22, 448.
período de 2012 a 2017, empregando-se dois rótulos de campo com- 16. http://sites.nationalacademies.org/PGA/biso/IUPAC/PGA_059754,
binados pelo operador booleano “and” (Brazil e os periódicos mais acessada em Fevereiro 2016.
importantes na área de Química de Materiais), resultou nos seguintes 17. Fahlman, B. D. Em What is Materials Chemistry?; Springer Nether-
registros: 119 artigos publicados no periódico Journal of Materials lands: Netherlands, 2007, cap. 1.
Chemistry (incluindo o Journal of Materials Chemistry A, B e C); 62 18. Zarbin, A. J. G.; Quim. Nova 2007, 30, 1469.
no Nanoscale; 49 no Nano Letters; 26 no ACS Nano; 22 no Chemistry 19. http://eprijournal.com/wp-content/uploads/2016/01/1987-Journal-No.-8.
of Materials; 14 no Advanced Materials e 03 no Nature Materials. pdf, acessada em Março 2017.
A quantidade de publicações em periódicos dessa magnitude revela 20. Alves, O. L.; Gimenez, I. F.; Mazali, I. O.; Cad. Tematicos Quim. Nova
a qualidade e diversidade dos trabalhos constantemente produzidos Esc. 2001, Fevereiro, 9.
pela Química de Materiais no Brasil. 21. https://pt.wikipedia.org/wiki/Trans%C3%Adstor, acessada em Março
2017.
COMENTÁRIOS FINAIS 22. Meyyappan, M.; Srivastava, D. Em Handbook of Nanoscience, En-
gineering, and Technology; Goddard III, W. A.; Brenner, D. W.; Ly-
Nestes quarenta anos de existência da SBQ e vinte e quatro anos shevski, S. E.; Iafrate, G. J., eds.; CRC Press Taylor & Francis Group:
da DQM, a química logrou um salto de qualidade em sua atuação Boca Raton, 2007, cap. 5.
na pesquisa científica no país. A criação de uma divisão que visava 23. Collier, C. P.; Mattersteig, G.; Wong, E. W.; Luo, Y.; Beverly, K.; Sam-
organizar e fomentar ainda mais o debate interdisciplinar e suas di- paio, J.; Raymo, F. M.; Stoddart J. F.; Heath, J. R.; Science 2000, 289,
ferentes possibilidades e de pesquisa tem se mostrado, ano após ano, 1172.
Vol. 40, No. 6 Promovendo interconexões: Contribuições da Divisão de Química de Materiais nos 40 anos da SBQ 693

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