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ABSTRACT This virtual trip comprises a short list of noticeable places around
the city of Botucatu, State of São Paulo, where the exposed rocks compose the Guarani
Aquifer. The Aquifer is an immense fresh water source whose limits exceed the Brazilian
borders. The water of the Guarani Aquifer is mostly used for public supply of hundreds of
medium- to large cities. The quality of the resource is at risk by inadequate human activities,
of agriculture, industrial activity and unapropriate disposal of domestic and industrial waste.
The trip helps understanding what is an aquifer and the environmental issues related to
quality preservation of underground water sources. In the area the sedimentary layers of the
* Este documento deve ser Parana basin exposed in the surface have been formed during a time when the territory was
referido como segue: covered by a vast interior climatic desert whose dimensions have been probably bigger than
the present-day Sahara desert. To preserve the present-day conditions of the reservoir it seems
Carneiro C.D.R. 2007.
Viagem virtual ao Aqüífero to be useful to enhance three basic aspects: (i) the unique geologic conditions under which
Guarani em Botucatu (SP): the rocks have originated; (II) the confinement of the reserves, an increasing fragility factor
Formações Pirambóia of the system to pollution; (III) the finitude of the reserves, in spite of the fact the reserves
e Botucatu, Bacia do Paraná.
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are very large. The virtual trip comprises three routes, each one involving three stops. All of
<http://www.ige.unicamp. them try to stress out a few essential aspects to give an idea of the singular geologic history
br/terraedidatica/> and fragility of the natural system.
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sido atingidas. Formam-se assim novas dunas verões, outonos e invernos silenciosos. Mais lava
sobre as primeiras camadas de lavas, e novas é emitida a partir das fraturas, enormes terre-
emissões continuam a surgir, lentamente re- motos sacodem a área, animais que conseguem
cobrindo os novos campos de dunas. Ao longo fugir correm para locais distantes, mas muitos
de mais alguns séculos, toda a paisagem vai se são mortos e seus cadáveres são destruídos. Para
enchendo de lava escura, que recobre as dunas alguns estudiosos, essas condições perduraram
mais baixas, deixando-as imobilizadas. por dois milhões de anos, enquanto outros ad-
A lava consolidada forma uma rocha escura, mitem que esse inferno tenha durado cerca de
fina, repleta de pequenos cristais e algum vidro, 10 milhões de anos ou mais, até cessar.
pois não houve tempo de o material fundido As areias dos antigos desertos foram enter-
cristalizar-se adequadamente. radas para sempre sob as lavas à medida que a
Um cenário monótono, embora terrível e crosta da Terra cedeu e afundou sob o peso das
infernal: dunas vão sendo literalmente enterra- lavas e das próprias camadas de areia. Essa situ-
das por lavas que se solidificam (Fig. 7). Se as ação particular formou sucessão parecida com
criaturas então viventes já tinham de se adap- um bolo de camadas, em que as camadas mais
tar às condições de seca rigorosa do deserto, a antigas repousam sob as mais novas.
presença de imensos lençóis de lava espalhan- Se os primeiros momentos desse filme
do-se pela superfície devia ser absolutamente parecem incríveis, prepare-se agora para a se-
mortífera. gunda parte. Quando acabam as lavas, o vento
Passam-se os séculos, com suas primaveras, incessante continua a mover areias de um lado
Figura 5 – Estratificação formada por sucessivas camadas de areia em campo de dunas em um deserto,
dispostas sob camadas formadas com orientação diferente. Fonte: American Geological Institute
(2006). Créditos: imgssb © Larry Fellows; Fonte da imagem: Earth Science World Image Bank,
<http://www.earthscienceworld.org/images>, obtida em 28.06.2006
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Figura 6 – Reconstrução dos continentes no final do Jurássico Superior e o extenso paleodeserto Botucatu,
com seu equivalente do hemisfério norte. A fragmentação dos continentes do hemisfério sul permitiria
o distanciamento entre América do Sul e África e a gradual formação do Oceano Atlântico Sul. Fonte:
<http://www.scotese.com/late1.htm>, acesso em 3.12.2007
para outro. Entretanto, algumas condições de novos continentes. As imensas fendas que
gerais mudaram por completo. Do espaço, surgiram, e pelas quais passaram rochas fundidas
pode-se observar a paisagem e nota-se que o na forma de magma, são também os primeiros
supercontinente no qual ficava nosso deserto indícios de que a crosta terrestre estava come-
rompeu-se em grandes pedaços, formadores çando a rachar-se. Esse acontecimento não foi
um fenômeno isolado, desligado de
qualquer outro fato, mas faz parte de
um conjunto grandioso de fenômenos
que acompanham o nascimento de um
grande oceano.
Bem, se sua cota de imaginação já
parece ter se esgotado, acalme-se: temos
muitas evidências de que tudo isso real-
mente aconteceu no passado remoto da
Terra. Os geólogos são, mesmo, muito
imaginativos, mas é preciso dizer que
não basta imaginar, é preciso obter pistas
que nos indiquem como comprovar as
idéias e modelos que nossa criatividade
possa construir. As provas desses acon-
Figura 7 – Imagem de lavas vulcânicas pretas que o Vulcão tecimentos estão aqui mesmo, abaixo de
Toussidé vem espalhando sobre o assoalho de um
nossos pés... e também do outro lado do
deserto do Chad, África. Fonte: NASA Space Shuttle
image STS111-367-29, 2002 (<http://eol.jsc.nasa. oceano, na região entre Angola, Namíbia
gov/>, acesso em 28.06.2006) e África do Sul.
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Figura 8 – O supercontinente Gondwana, há aproximadamente 170 Ma, formado pelos continentes atuais reunidos.
As elipses marcam locais onde surgiram grandes erupções de lava basáltica, há 137-128 Ma, na América do
Sul e na África
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importantes, como o Tietê, o Grande, o Parana- provocada pela ação da gravidade. Alguns nomes
panema, o Iguaçu e o próprio Rio Paraná, além de técnicos são utilizados para designar os tamanhos
tantos outros. A circulação de água em superfície e das partículas detríticas envolvidas. Partículas cujo
as chuvas, quando as condições ambientais permi- diâmetro varia entre 0,062 mm (ou 62 micra) e 2
tiram a presença de água abundante, possibilitou a mm são referidas como areia. Partículas de tama-
lenta infiltração de água no subsolo. nhos menores do que esses são denominadas silte
Talvez seja oportuno explicar em que consiste e argila (Tab. 1).
a penetração da água subterrânea no subsolo, um O transporte de sedimentos pode gerar grãos
fenômeno bem conhecido, cujo principal efeito é cujas formas são bem arredondadas porque o im-
a acumulação de água nas profundezas da Terra, pacto entre as partículas elimina progressivamente
embebendo os bolos de camadas de sedimentos as arestas e cantos vivos; os materiais tendem ainda
soterrados. Tal como se faz rotineiramente em uma a se tornar esféricos. A distância do transporte afe-
investigação científica, no decorrer da viagem de re- ta a forma das partículas, porque, normalmente,
conhecimento ao Aqüífero Guarani, trabalharemos quanto maior a distância, maiores são os graus
com essas pistas, evidências e provas, para conhecer de arredondamento e esfericidade. Uma diferen-
como se formou e como funciona o Aqüífero Gua- ça fundamental entre o transporte por água e o
rani na parte paulista da Bacia do Paraná. transporte eólico é que no ar, sem a presença de
Para fazer isso, porém, precisamos saber um um invólucro protetor como a água, a superfície
pouco mais sobre como a água pode ser armazenada dos grãos torna-se fosca devido aos inúmeros im-
em espaços vazios dentro das rochas, denominados pactos de um grão contra o outro. É notável que,
poros; veremos como se dividem os tamanhos das notadamente no caso de quartzo, grãos de areia de
partículas que formam sedimentos como os encon- desertos atuais e antigos apresentem superfície fos-
trados na área ocupada pelo Aqüífero Guarani, e de ca, dando origem a um aspecto opaco. Areias finas
que modo esses espaços armazenam e transmitem a médias transportadas por vento normalmente são
água no interior da Terra. Depois, trataremos dos arredondadas, enquanto areias de ambientes glacial
pontos de nossa viagem virtual. e fluvial são angulosas.
Há, igualmente, nomes padronizados para ro-
chas com tamanhos definidos de grãos. Arenitos são
3. Como se sabe que uma areia rochas formadas principamente por grãos de areia,
pertenceu a um deserto? enquanto siltitos são rochas compostas somente de
silte. Argilito, lamito e folhelho são nomes adota-
Em ambiente desértico, grãos de areia podem dos para rochas formadas por argila. No caso de
ser formados por diversos minerais, dos quais os sedimentos de granulação maior utilizam-se vários
mais comuns são feldspato e quartzo. O termo areia termos (como matacão, bloco, seixo e grânulo), mas
refere-se a uma classe de sedimento, nome atribuído em geral as rochas correspondentes são designadas
a todo material sólido transportado por algum agen- conglomerados.
te, e posteriormente depositado em um dado local. Um deserto é uma região da Terra onde não há
Os agentes transportadores podem ser a água, o chuvas, ou se elas existirem, serão muito poucas e
vento, o gelo ou a queda de partículas em encostas, escassas. Então, como se explica que o Aqüífero
Tabela 1 – Alguns tamanhos padronizados de granulação de sedimentos (modificado de Almeida e Carneiro 1998)
Nome da partícula Diâmetro mínimo (mm) Diâmetro máximo (mm) Nome da rocha correspondente
Obs: O mícron (µ) é a unidade de medida que corresponde à milésima parte de um milímetro. Micra é o plural de mícron
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á
circulação da água no
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24
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Paraná B
planeta.
Rio P
Santa Catarina
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4. Areias de N
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desertos como
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do Sul
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reservatórios de 3
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água doce 32
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URUGUAI 400 km 4
A circulação da
água na Terra, co- 62
o
54
o
46
o
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um processo chamado infiltração. Ao infiltrar-se, as pela água? A água preenche os vazios da rocha, que
águas podem atravessar duas grandes zonas: podem ser de vários tipos, os vazios ficam entre:
• os grãos que compõem as rochas sedimentares
1. Zona de aeração, ou zona não-saturada: é
– como, por exemplo, a areia encharcada de
a região caracterizada pela presença de poros
uma praia;
preenchidos por ar e água. Estende-se desde a
superfície do terreno, até a zona de saturação • as fraturas de uma rocha dura – como um gra-
de água. O preenchimento dos poros pela água nito comum;
é gradativo, até que todos fiquem preenchidos.
• espaços em certos tipos de rochas calcárias – on-
A superfície-limite faz parte do topo da zona
de, sob determinadas condições particulares –,
saturada; possui formato irregular, sendo deno-
os canais de dissolução podem formar verda-
minada superfície freática – ou, popularmente,
deiros rios subterrâneos – tais como aqueles
lençol freático.
existentes em cavernas.
2. Zona saturada ou de saturação: é a região No caso do Aqüífero Guarani sedimentos acu-
caracterizada pelo preenchimento de todos mulados foram, com o tempo, transformados em
os poros vazios por água. Situa-se logo abaixo rochas porosas. Enterradas, as areias de nosso antigo
da superfície freática, até profundidades mui- deserto formado pelos processos de sedimentação
tíssimo variáveis, limitadas pela existência de fluvial e eólica durante os períodos Triásico e Eo-
espaços dentro das rochas. Os movimentos das cretáceo (entre 200 e 120 Ma atrás) constituem os
águas na zona saturada são muito mais lentos reservatórios de água do Aqüífero Guarani.
do que os das águas superficiais. Dependendo
das diferenças de altura do nível de água, a água 4.1 Armazenamento de água
se movimenta lateralmente, uma vez que se
em rochas sedimentares
desloca dos terrenos com altura mais elevada
do nível de água para terrenos com níveis de
água mais baixos. As rochas armazenadoras e transmissoras de
água (que possibilitam os movimentos) são deno-
A água não-infiltrada pode ser removida da su- minadas aqüíferos. Os arenitos são típicas rochas
perfície por evaporação, enquanto a água infiltrada aqüíferas. A figura 10 mostra os tipos de aqüíferos
atravessa a zona de aeração para atingir a zona sa- e as camadas impermeáveis que os confinam.
turada. Caso seja removida pelas raízes das plantas, Os aqüíferos variam segundo a capacidade de
ou subir por capilaridade, a água pode voltar para armazenar e de transmitir água (Pereira 2000):
a atmosfera por evapotranspiração, circular pelo
1. Aqüífero livre: quando seu limite superior
subsolo e sair em nascentes depois de percorrer
é a superfície freática e seu movimento é
distâncias longas ou curtas; pode também se infil-
controlado pela inclinação da superfície freática,
trar até chegar na zona saturada. Na zona saturada,
sob condições de pressão atmosférica.
a água pode se movimentar até chegar a outro tipo
de área de descarga, que pode ser um rio ou lago, ou 2. Aqüífero suspenso: é um tipo especial de
atingir o oceano outra vez, onde recomeçará todo aqüífero livre, definido como uma área de
o ciclo. As águas subterrâneas podem ser também acumulação de água acima de uma camada
utilizadas pelo homem, quando captadas por poços impermeável de curta extensão, na zona não
tubulares, os chamados poços profundos. saturada.
Um aspecto importante aqui é o papel da co-
3. Aqüífero confinado: aparece quando a rocha
bertura vegetal, que minimiza a evaporação direta
aqüífera é limitada por camadas confinantes
e reduz a velocidade das águas em superfície, di-
e está sob uma pressão interna maior que a
minuindo sua capacidade erosiva. Além disso, a
atmosférica.
presença de umidade nos restos vegetais de super-
fície ajuda a promover infiltração, alimentando os 4. Aqüífero costeiro: é aquele que se situa na
reservatórios subterrâneos. região litorânea e possui comunicação com a
A água subterrânea é armazenada nas rochas água do mar. A água doce flutua acima da água
de diferentes maneiras, dependendo do tipo de salgada em razão da diferença de densidade.
rocha existente. De que modo a rocha é ocupada As águas doce e salgada são separadas por uma
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área de LIVRE
recarga
superfície
do solo
poço SUSPENSO
jorrante
mar
COSTEIRO
CONFINADO interface
água do mar
camada impermeável
camada semi-permeável
Figura 10 – Tipos de aqüíferos: livre, suspenso, confinado e costeiro. Na maior parte das rochas indicadas no
desenho há um aqüífero livre onde, ao contrário do aqüífero confinado, a água pode fluir livremente até
chegar a uma área de descarga, onde o ciclo recomeça (Fonte: Pereira 2000)
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Viagem virtual ao Aqüífero Guarani... TERRÆ DIDATICA 3(1):50-73
A Bacia do Paraná possui duas seções princi- pelas formações Botucatu-Pirambóia (estados de
pais: as rochas paleozóicas e as rochas mesozóicas. SP-PR-SC, Brasil), Botucatu-Guará (Estado do
Esta última tem grande importância econômica, RS, Brasil), Tacuarembó (Uruguai e Argentina) e
porque os arenitos depositados no intervalo cons- Misiones (Argentina e Paraguai).
tituem excelentes rochas-reservatórios. O Projeto No Brasil, o sistema perfaz área total de cerca
Aqüífero Guaraní (2006) descreve o Sistema de 839.800 km2, na qual predominam amplamente
Aqüífero Guarani como sendo caracterizado por os arenitos das formações Botucatu e Pirambóia.
duas grandes unidades estratigráficas: a Unidade Es- Nos oito estados brasileiros que abrigam partes
tratigráfica I, mais antiga, integrada pelas formações do Aqüífero Guarani, os estudos indicam grande
Buena Vista (Argentina e Uruguai) e Grupo Rosá- diversidade de composição das águas e desconti-
rio do Sul (Brasil) e Formações Tapytá e Cabacuá nuidade na estrutura geológica. Trata-se em rea-
(Paraguai); e a Unidade Estratigráfica II, integrada lidade de um conjunto heterogêneo de “unidades
Figura 12 – Perfil geológico A-B através da Bacia do Paraná, com indicação da seqüência estratigráfica das
camadas, a partir de: (1) Embasamento Cristalino– rochas ígneas e metamórficas; (2) Grupo Tubarão
– sedimentos glaciais e pós-glaciais; (3) Grupo Passa Dois – sedimentos marinhos; (4) Formações Pirambóia
e Botucatu – arenitos fluviais a desérticos; (5) Formação Serra Geral – basaltos de inundação, e corpos
intrusivos básicos; (6) Grupo Bauru – arenitos fluviais; (7) Sedimentos neogênicos; (8) Sedimentos marinhos;
(9) Estruturas do embasamento; (10) Falhas (Modif. de Gov. Est. São Paulo. / Cons. Est. Rec. Hídricos 2005)
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hidroestratigráficas” que podem conter muita, arenitos Pirambóia, Santana e Botucatu, tendo-se
pouca ou nenhuma água (Machado 2006). São espalhado por área superior à atualmente ocupada
unidades que podem ser descritas como formações pelo Deserto do Sahara (Almeida e Carneiro 1998).
geológicas portadoras de água, em maior ou menor Em muitas localidades da bacia há descrições de
quantidade. Em nosso país, a água subterrânea é sedimentos eólicos intercalados com derrames
explotada há muitas décadas, sendo hoje utilizada vulcânicos, indicativos de que o vulcanismo da
para abastecimento de cidades, indústrias e agri- Formação Serra Geral coexistiu com o paleodeserto
cultura. Além disso, constitui recurso geotermal, Botucatu. Sanford e Lange (1960) consideraram os
pois as águas quentes são utilizadas em balneários arenitos Pirambóia e Botucatu como duas forma-
da região. ções, cabendo a Soares (1975) ter formalizado as
As formações Pirambóia e Botucatu repre- unidades como formações distintas, mapeando-as
sentam sistemas deposicionais distintos, sendo em separado na faixa de afloramento do centro do
admitidas como registro lito-estratigráfico de dois Estado de São Paulo.
paleodesertos distintos no tempo (Assine et al. Os arenitos Botucatu geralmente decompõem-
2004). No contexto regional, a terça parte superior se em solos arenosos pouco férteis, que podem
da Formação Pirambóia, com espessura da ordem dar origem a extensas coberturas de areias soltas
de 100 m, possui características hidráulicas seme- avermelhadas a róseas (Washburne 1930), extre-
lhantes às da Formação Botucatu, cujas espessuras mamente frágeis do ponto de vista de resistência
são da ordem de 150 m (Rocha 1997). à erosão. Situação similar pode ser observada nas
áreas de ocorrência dos arenitos Pirambóia. Assine
Arenitos Botucatu e Pirambóia et al. (2004) propõem a individualização de dois
sistemas desérticos distintos, representados pelas
Os arenitos Botucatu são rochas vermelhas es- formações Pirambóia e Botucatu, que denomina-
sencialmente quartzosas de granulação fina (Almei- ram Paleodesertos Botucatu e Pirambóia.
da 1953a, 1954), capeadas por lavas basálticas da For- Em vários locais os arenitos sustentam grandes
mação Serra Geral. A deposição dos arenitos eólicos escarpas, como ocorre em Botucatu (Fig. 11). No
aconteceu no intervalo Neojurássico-Eocretáceo; sul e sudeste do Brasil, os arenitos do paleodeser-
as rochas apresentam-se comumente estratificadas, to Botucatu encontram-se expostos nas escarpas
exibindo estratificações cruzadas de grande porte. da borda do Planalto Ocidental, na Província das
Gonzaga de Campos (1889 apud Salamuni & Cuestas Basálticas, sustentadas por rochas vul-
Bigarella 1967) utilizou pela primeira vez a de- cânicas da Formação Serra Geral. No Estado do
nominação Botucatu, para designar arenitos com Paraná, o Planalto Ocidental é também chamado
estratificação cruzada que se apresentam recobertos de Terceiro Planalto Paranaense.
ou interestratificados com os basaltos da Fomação Uma discordância regional marca o contato
Serra Geral. A existência de arenitos com caracterís- basal da Fm. Botucatu (Zalán et al. 1987). Entre
ticas diferentes na parte inferior do arenito Botuca- as formações Botucatu e Pirambóia o contato é
tu já havia sido identificada em trabalhos do início indicado por mudança brusca na coloração e nas
do século XX; Joviano Pacheco os denominou características dos arenitos, sobretudo na dimen-
fácies Pirambóia, por ocorrerem na localidade de são dos estratos cruzados. O desenvolvimento de
Pirambóia, não muito distante de Botucatu (apud campos de dunas do paleodeserto Botucatu deve
Washburne 1930). ter atingido a plenitude durante o Jurássico.
Washburne (1930) admitiu que as estratifica- O contato entre as formações Botucatu e Serra
ções cruzadas dos arenitos Pirambóia “somente Geral é concordante e marcado na base do primeiro
poderiam ter sido produzidas pela ação da água”; derrame vulcânico. Camadas do topo da Formação
em função dessa característica e da ampla distribui- Botucatu reaparecem intercaladas nas camadas infe-
ção das rochas em São Paulo, sotopostas ao Botu- riores dos basaltos da Formação Serra Geral, mos-
catu, propôs a existência de uma unidade inferior trando que os primeiros derrames de lavas foram
de arenitos fluviais, distinta dos arenitos eólicos. contemporâneos à deposição das areias eólicas do
Os arenitos correspondem a uma vasta provín- paleodeserto Botucatu. O contato concordante é o
cia desértica, denominada por Almeida (1953a) principal argumento estratigráfico para a definição
Paleodeserto Botucatu; o paleodeserto incluiria os do Grupo São Bento.
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Viagem virtual ao Aqüífero Guarani... TERRÆ DIDATICA 3(1):50-73
A2 QUATERNÁRIO
B1 B3
A3
A1A2 0 Q Planícies Aluviais
Botucatu B3
B1 B2
B2
0 NEOCRETÁCEO
9
Pa B Grupo Bauru
-20
SP
SP-300 EOCRETÁCEO
SG Fm. Serra Geral
Pa JURÁSSICO / EOCRETÁCEO
B
Ba Arenito Botucatu
Pa Arenito Pirambóia
Pardinho
Bofete
NEOCARBONÍFERO / EOPERMIANO
PD
147
GRUPO PASSA-DOIS
Ba SG
SP-
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2. Observe as colinas da paisagem no pé da serra. Hoje a exposição está bem degradada, sendo
Identifique áreas plantadas, matas e canais de possível observar a estratificação dos arenitos ró-
drenagem. seo-esbranquiçados, e perceber sua granulação fina
(Fig. 15). A rocha é essencialmente formada pelo
Ponto A2. Corte junto à estação ferroviária mineral quartzo.
Belvedere, pátio 8, Botucatu As duas dunas descritas por Almeida (1953a)
Coordenadas UTM: 765.209 / 7.468.158 – Alt. 712 m. exibem estrutura interna típica, perfil assimétrico
e conservam as camadas gradacionais de arenito
Esse ponto situa-se na encosta da Serra de Botu- mais grosso, (Fig. 16). Na região de Rifaina, junto
catu, entre as antigas plataformas 7 e 8 da ferrovia, à divisa estadual São Paulo-Minas Gerais, Almeida
que estava em construção quando fôra visitada por (1953b) observou a existência de ventifactos que
Almeida (1953a) durante a elaboração de sua obra comprovam ação eólica.
clássica. O autor descreveu nesse trecho a presen-
ça de quatro dunas ao longo de aproximadamente Atividades
um quilômetro de extensão, recobertas por camada
1. Estude o esquema da figura 16.
de lava de cerca de 30 m de espessura, cuja forma
não foi modificada pela ação da lava. Descreveu 2. Localize o perfil das dunas, sob as lavas. [Dica:
ainda arenitos portadores de marcas onduladas de a face mais inclinada da duna se situa em geral
origem eólica. na parte protegida do vento].
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Viagem virtual ao Aqüífero Guarani... TERRÆ DIDATICA 3(1):50-73
Figura 16 – Seção representativa de duas dunas recobertas por basaltos, com forma original preservada em seção
paralela ao paleovento proveniente de norte, Formação Botucatu; encosta da Serra de Botucatu, entre as
plataformas 7 e 8 da ferrovia (Modif. da Fig. 7 de Almeida 1953a)
(Fig. 17), feição que é denominada morro testemu- Linha B – Linha Bairro Alto, sudeste de Botucatu
nho, porque comprova que as camadas de rocha da
cuesta estendiam-se além da posição atual. Toda a
Ponto B1. Área situada na beira da estrada
área integra a APA Área de Proteção Ambiental de
da Indiana, arredores de Botucatu
Corumbataí-Botucatu-Tejupá.
Coordenadas UTM: 765.147 / 7.467.165 – Alt. 733 m.
Neste local, situado no topo da Serra de Bo-
Atividades
tucatu, pode-se observar com clareza as escarpas
que delimitam o planalto de Botucatu. São as
1. Examine o corte representado na figura 17 e bordas de um relevo de cuestas, uma forma de re-
procure identificar as camadas de estratificação levo sustentada por camadas rochosas suavemente
da rocha. inclinadas.
2. Compare as camadas do desenho do ponto Ponto B2. Corte na estrada da Indiana,
anterior (Fig. 16) com a estratificação presente
arredores de Botucatu
neste local.
Coordenadas UTM: praticamente idênticas às do ponto B1.
3. Ambos os locais são exemplos de estratitificação
cruzada da Fm. Botucatu. Voce concorda com Esse ponto situa-se no acesso ao Morro do
a afirmação? Peru pela estrada da Indiana (Fig. 18). No local há
Figura 17 – Morro do Peru, onde se pode observar a estratificação dos arenitos da Formação Botucatu
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TERRÆ DIDATICA 3(1):50-73 C.D.R. Carneiro
perigo de instabilidade de blocos, razão pela qual os placa de indicação de rede de restaurantes. Ocorre
visitantes costumam observar o corte atentamente, arenito bem estratificado, portador de grandes pla-
antes de se aproximar, para perceber a existência de nos de estratificação cruzada de grande porte, típica
blocos instáveis no talude. das camadas de arenito da Fm. Botucatu. Os solos
Camadas de arenito Botucatu bem estratificado desse ponto são pouco espessos, conforme se pode
ocorrem neste trecho, recobertas por lavas da Fm. observar na figura 20.
Serra Geral. O basalto é uma rocha preta, resistente Observe neste ponto que a forma plana da área
ao impacto do martelo de geólogo, e forma blocos central da foto resultou da ação humana, pois uma
arredondados devido à desagregação intempérica. terraplenagem eliminou as elevações e removeu
No contato com o basalto, o arenito exibe coloração horizontes de solo. Geralmente, em regiões tropi-
branca, possivelmente devida a transformações me- cais, os solos constituem uma espécie de “pele” da
tamórficas na superfície das dunas. O corte parece superfície terrestre. Assim, a remoção da cobertura
ser o mesmo que o geólogo C.K. Washburne visitou vegetal e dos solos acaba favorecendo processos de
por volta de 1930 na Serra de Botucatu. erosão acelerada. É fácil notar que a área degradada
vem se ampliando rapida e progressivamente, tendo
Ponto B3. Corte na estrada da Indiana, atingido os solos vermelhos da parte mais alta, ao
arredores de Botucatu redor da zona terraplenada.
Coordenadas UTM: 766.249 / 7.467.620 – Alt. 592 m.
Atividades
1. Espalhe areia, até formar uma camada de
Esse ponto situa-se no entroncamento da estra-
aproximadamente 2 cm de espessura, em uma
da da Indiana com outra estrada vicinal que permite
tijela de vidro ou uma forma de fazer bolos.
acesso ao Morro do Peru. Observa-se um contato
entre dois níveis de rocha, pertencentes à Fm. Pi- 2. Derrame um pouco de água na superfície
rambóia (Fig. 19). O arenito bege-rosado basal é da areia e verifique com qual rapidez ocorre
recoberto por um nível de siltito (mais escuro). infiltração.
3. Coloque sob a tijela um objeto qualquer
Linha C – Linha ao longo da Rodovia Castello para elevá-la, de modo a deixar a camada de
Branco, sudeste de Botucatu areia suavemente inclinada. Se a camada de
areia estiver inclinada, um pequeno aumento
de volume de água derramada determinará
Ponto C1. Corte na Rod. Castello Branco, mudanças no comportamento da areia.
entre km 199 e 200. Botucatu
4. Mesmo com pouca inclinação da camada,
(SP)Coordenadas UTM (aproximadas): 771.026 / 7.434.750 – Alt. 760 m.
aumentando a velocidade da água, quando a
erosão da areia começa a predominar, em lugar
Este ponto de visão panorâmica situa-se na pista
da infiltração?
interior-capital da rodovia. Observa-se extensa área
degradada, desenvolvida por boçorocamento sobre 5. Alguma dessas situações é capaz de explicar a
solos derivados de arenitos (Fig. 20). Os canais de situação ilustrada na boçoroca da figura 21?
drenagem vizinhos exibem evidências de assorea-
mento, revelando a extrema fragilidade dos solos, Ponto C3. Corte na Rod. Castello Branco,
sua baixa resistência à erosão e a forte intensidade km. 176, Porangaba (SP)
do fenômeno, relativamente recente. Boçorocas são Coordenadas UTM: 782.758 / 7.432.327 – Alt. 541 m.
comuns na região, como ilustrado nas figuras 20 e
21. Esta última é observada a norte da pista capital- Esse ponto situa-se junto ao acesso para uma
interior da mesma rodovia, à altura do km 178. fazenda, na pista interior-capital da rodovia, pouco
adiante de bela exposição de arenitos brancos em
Ponto C2. Corte na Rod. Castello Branco, corte da Rod. Castello Branco. O local é adequa-
entre km 198 e 199. Botucatu (SP) do para observação das rochas, pois se trata de um
Coordenadas UTM: 772.204 / 7.435.748 – Alt. 656 m. acesso secundário, sem grande movimento de veí-
culos. Observam-se planos de estratificação cruzada
O corte da rodovia situa-se ao lado da boçoroca descontínuos (Fig. 22), nos arenitos pertencentes à
observada na parada panorâmica anterior, junto a Formação Pirambóia.
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Figura 18 – Contato entre basalto e arenito na estrada da Indiana. À esquerda, o ilustre Professor Fernando Flávio
Marques de Almeida, que acompanhou a viagem de campo à região que estudara nos anos 1950
Figura 19 – Contato entre dois níveis de rocha: na base ocorre um arenito bege-rosado, recoberto por um nível de
siltito (cores mais escuras), no entrocamento da estrada da Indiana com outra estrada vicinal, ponto B3
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Figura 20 – Boçoroca próxima ao ponto C2. Observe que a erosão atinge até mesmo os solos vermelhos da parte superior
da zona terraplenada (mais clara) que correspondem a solos superficiais, geralmente mais resistentes à erosão
Figura 21 – Boçoroca em solos arenosos, entre os pontos C1 e C2, lado norte da SP-280. O sedimento branco que
aparece nos canais de drenagem é material arenoso removido pela erosão e depositado por assoreamento
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7. Uso e ocupação do solo em áreas de recarga de infiltrar-se, corre pela superfície onde a camada
foi compactada. Isso reduz ainda a quantidade de
Os recursos hídricos do Aqüífero Guarani são matéria orgânica, pois as raízes não conseguem mais
de excelente qualidade, mas podem ses ameaçados penetrar. Do mesmo modo, a remoção mecânica
por superexplotação localizada – quando a velocida- da parte superior do solo pode introduzir perdas
de de extração é maior do que a velocidade de repo- de solo e ocasionar fenômenos de erosão acelera-
sição natural de águas no aqüífero – e por atividades da (Figs. 20 e 21). As queimadas contribuem para
potencialmente poluidoras, incompatíveis com a a perda de massa de origem biológica nos solos e
preservação da qualidade das águas. A proteção das podem contribuir para agravar o problema, além
águas subterrâneas exige mecanismos adequados de gerar gases causadores do efeito-estufa (Fig. 23).
de gestão do uso e ocupação do solo porque, como Devem ser, portanto, evitadas.
vimos, a alimentação do aqüífero ocorre sobretudo Em áreas urbanas, há diversos exemplos de
por infiltração direta nas áreas onde afloram os are- iniciativas disciplinadoras do uso e ocupação do
nitos ou, subordinadamente, por infiltração vertical solo, por meio de instrumentos legais criados por
nas descontinuidades dos basaltos. Tais rochas são instituições federais, estaduais ou municipais. Villar
vulneráveis à contaminação, embora o processo e Ribeiro (2007), p. ex., analisam medidas adotadas
possa ser bastante lento. em Ribeirão Preto para disciplinar o uso e ocupação
A ação humana compreende operações agrí- de áreas de recarga do Aqüífero Guarani.
colas, industriais e de expansão urbana, que po- As áreas degradadas do roteiro resultam da
dem causar erosão acelerada, ou seja, amplificam combinação de fenômenos naturais com ativida-
a velocidade da erosão normal. Em áreas rurais, a des humanas. As conseqüências de procedimentos
movimentação de equipamento pesado, associada inadequados, a médio e longo prazos, são o boço-
a atividades agrícolas intensivas, pode compac- rocamento, o assoreamento de canais de drenagem
tar a camada superior do solo. Os espaços vazios e a perda de solos.
devem ser da ordem de 50% do solo agricultável A viagem virtual permite exemplificar fato-
para permitir o livre fluxo de água, nutrientes e ar res a serem considerados para disciplinar o uso e
pelo solo. Quando esses espaços se perdem, o solo ocupação do solo das bacias. Os controles devem
começa a se erodir, pois a água da chuva, ao invés levar em conta:
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