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disfunção orgânica. Ressalta-se que mesmo na demonstraram que a terapia precoce guiada por
ausência de choque manifesto, pacientes metas reduziu a incidência de falência múltipla
hipertensos e idosos, principalmente aqueles com dos órgãos e mortalidade, por meio da
doença renal crônica, são susceptíveis a níveis de manipulação da pré-carga, pós-carga e
PAM considerados aceitáveis devido à perda de contratilidade cardíaca. A infusão de grande
auto-regulação intra-renal. Entretanto, os fatores quantidade de fluidos é usualmente necessária
hemodinâmicos isoladamente não explicam por para normalizar a pré-carga e pressão de
completo o desenvolvimento da IRA. Outros enchimento, com o objetivo de restabelecer
mecanismos presentes na sepse, que incluem perfusão tecidual adequada e a oferta de
ativação da cascata inflamatória sistêmica e intra- oxigênio. Entretanto, essa infusão pode resultar
renal, estresse oxidativo sistêmico e intra-renal, em edema pulmonar e de outros tecidos, além de
ativação do processo de apoptose renal e que a repleção de volume com normalização
alterações da microcirculação intra-renal com hemodinâmica podem não ser suficientes para
hipóxia tecidual, podem explicar parte da prevenir a disfunção microcirculatória. Ressalta-
fisiopatologia da IRA na sepse (Vieira Júnior, se que a restituição hemodinâmica per se pode
2014). reduzir a resposta inflamatória na sepse,
reduzindo o fenômeno de isquemia e reperfusão.
Manejo do paciente com sepse Apesar de a reposição volêmica precoce ser
A campanha Sobrevivendo à Sepse (Surviving iniciada por meio da expansão intravascular por
Sepsis Campaign) de 2012 trouxe recomendações meio de soluções cristalóides ou colóides, o uso
para o tratamento da sepse grave e do choque de drogas vasoativas e inotrópicas pode ser
séptico, por meio de um consenso entre 68 necessário (Lopes et al., 2010). A disfunção
especialistas internacionais, na intenção de vascular relacionada à sepse é multifatorial e
proporcionar orientações aos clínicos (Dellinger pode necessitar de altas doses de vasopressores
et al., 2013). Assim, algumas metas foram (Ramos & Azevedo, 2014). A norepinefrina é o
traçadas para guiar a terapia no homem e nos vasopressor de escolha (Dellinger et al., 2013;
animais com quadro clínico de sepse grave. Essas Ramos & Azevedo, 2014) e pode ser
metas consistem na manutenção de pressão potencializada por associação com epinefrina ou
arterial média (PAM) maior que 65 mmHg, vasopressina (Dellinger et al., 2013). A dopamina
débito urinário maior que 0,5 mL/kg/h, pressão pode ser utilizada em pacientes com baixo risco
venosa central entre 8 e 12cmH2O, saturação de desenvolvimento de taquiarritmias e
venosa de veia cava superior maior que 70% ou bradicardia. A droga inotrópica de escolha é a
saturação venosa mista maior que 65%, bem dobutamina, indicada na presença de disfunção
como a normalização do lactato sérico ou sua miocárdica ou de sinais de hipoperfusão apesar
queda maior ou igual a 20% do valor inicial após da restauração adequada do volume intravascular
as duas primeiras horas de terapia (Dellinger et e da pressão arterial média (Dellinger et al.,
al., 2013). 2013). O seu uso precoce mostrou-se uma
importante estratégia para reversão da
Assim, o manejo hemodinâmico em sepse hipoperfusão antes da progressão das disfunções
grave e choque séptico incluem a rápida orgânicas e da SDMO (Síndrome e disfunção de
restauração do volume intravascular e equilíbrio multiplos órgãos) (Rivers et al., 2001). Não deve
adequado entre a oferta sistêmica de oxigênio e ser utilizado, entretanto, visando alcançar a
sua demanda (Oliveira et al., 2002). Lopes et al. supranormalização das variáveis hemodinâmicas
(2010) e Dellinger et al. (2013) recomendaram de forma tardia (Ramos & Azevedo, 2014).
que a restituição volêmica deve ser realizada de
forma precoce e durante as 6 horas iniciais do Além dessas medidas precoces descritas
tratamento, com o acompanhamento dos acima, deve-se realizar cultura apropriada e
seguintes parâmetros: pressão venosa central que hemocultura em pelo menos dois sítios no
deve oscilar entre 8 a 12mmHg, pressão arterial paciente. Entretanto, esses procedimentos não
média maior ou igual a 65mmHg, débito urinário podem durar mais que 45 minutos da admissão
maior ou igual a 0,5mL/kg/h e saturação venosa do paciente com sepse, pois antimicrobianos
central ou mista de 70% ou 65%, devem ser administrados o mais precoce possível.
respectivamente , além da normalização dos Recomenda-se o uso combinado de um beta-
níveis de lactato em pacientes com lactâmico associado a um aminoglicosídeo ou a
hiperlactatemia. Rivers et al. (2001) uma fluorquinolona ou a um macrolídeo,
mantendo-se essa terapia empírica por no até mesmo elevada por liberação aumentada de
máximo 3 a 5 dias. Rabelo (2013) sugeriu o uso hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pela
de cefalotina como antibiótico empírico inicial, hipófise, porém sua função pode estar diminuída
associada ou não a uma quinolona, e ainda devido à resistência periférica aos receptores. É
recomendou que o fármaco escolhido para uso na possível ainda que mesmo níveis elevados não
sala de emergência em casos de sepse grave ou sejam adequado à demanda metabólica do
choque séptico não sejam utilizados na rotina de paciente. Contudo, as recomendações da
internamento e mesmo em consultas para Campanha de Sobrevivência à Sepse orientam
tratamentos de rotina. Contudo, o espectro deve que a hidrocortisona seja usada apenas em
ser reduzido precocemente, de acordo com os pacientes em choque séptico refratário, na dose
resultados do antibiograma, e recomenda-se que de 0,5 mg/kg a cada 6 horas durante 3 dias,
o tempo de terapia seja de 7 a 10 dias, espaçando para a cada 12 horas por mais 2 dias.
prolongando-se apenas em caso de paciente com Outra opção é a utilização sob forma de infusão
resposta clínica lenta, foco infeccioso não contínua, na taxa de 0,08 mg/kg/h (Creedon,
drenável, bacteremia com Staphylococcus aureus 2015). A recomendação ressalta que corticóide
e infecções fúngicas ou virais, bem como não deve ser utilizado em paciente sem choque,
deficiências imunológicas. Ressalta-se que exceto se seu uso era crônico ou em caso de
antimicrobianos não devem ser utilizados em razão para sua utilização (Dellinger et al., 2013;
pacientes em estado inflamatório grave de causa Coimbra & Machado, 2014). A Campanha ainda
não infecciosa (Dellinger et al., 2013). Após 48 a recomenda que a dose deste fármaco seja
72 horas, de acordo com Lopes et al. (2010), a reduzido gradualmente assim que os vasoativos
terapêutica deve ser reavaliada com base em não sejam mais necessários (Dellinger et al.,
dados clínicos e microbiológicos, que podem 2013).
indicar manutenção do esquema inicial,
Além da terapia inicial descrita acima, mais
descalonamento, ampliação do espectro ou
alguns fatores são importantes no manejo do
mesmo sua descontinuação. Além disso, pode-se
paciente com sepse. Entre eles o controle
ser necessário ampliar o espectro antimicrobiano,
glicêmico, pois a hiperglicemia tem participação
caso haja risco de bactérias resistentes, que pode
nos processos de dano celular, resposta imune,
ser estratificado por dados como uso recente de
funcionamento da microvasculatura, aumento na
antibióticos, tempo de internação prolongado,
produção de citocinas, alterações estruturais em
imunossupressão e presença de dispositivos
organelas celulares como a mitocôndria, além de
invasivos como cateter venoso central, sonda
associar-se a um estado de hipercoagulabilidade
vesical de demora, tubo orotraqueal, entre outros
(Coimbra & Machado, 2014). Assim, seu
(Lopes et al., 2010). Vale ressaltar que quando há
controle demonstrou redução de infecções de
atraso em iniciar a antibioticoterapia, ou a
corrente sanguínea, do estado inflamatório,
escolha do antibiótico é direcionado a uma classe
insuficiência renal com necessidade de terapia de
específica de micro-organismo, ou quando o
substituição renal, polineuropatia, dias de
agente é resistente ao fármaco escolhido, pode-se
ventilação mecânica e de hemotranfusões (Lopes
ocorrer falha na terapia com antibióticos (Lopes
et al., 2010). Para tal, deve-se utilizar a insulina,
et al., 2010). Além disso, alguns aspectos
que além de controlar a hiperglicemia, reduz a
hemodinâmicos podem levar à subconcentração
resistência à insulina, promove vasodilatação,
nos níveis de antimicrobianos nos tecidos. São
aumenta a captação de glicose por tecidos
exemplos disso o aumento do débito cardíaco
isquêmicos e possui propriedades anti-
(DC), que pode causar um aumento do clearance
inflamatórias (Coimbra & Machado, 2014).
das drogas; o aumento da perfusão tecidual em
Sugere-se que a insulinoterapia seja tratada
órgãos responsáveis pela eliminação e ou
sempre que a glicemia ultrapassar 180mg/dL em
metabolismo, causando alterações tanto no
cães ou 250mg/dL em gatos, por meio de infusão
clearance quanto na distribuição e a hipoperfusão
contínua de insulina regular iniciada a
tecidual, comprometendo desta forma a
0,05UI/kg/h. Deve haver monitoração contínua
penetração do antimicrobiano no sítio de infecção
dos níveis glicêmicos e de potássio para evitar
(Lisboa & Nagel, 2014).
iatrogenias (Kloss Filho & Rabelo, 2013).
Outros fármacos que podem ser necessários
Além do controle da glicemia, o suporte
em pacientes com sepse são os corticóides. Neste
nutricional deve ser instituído. Sugere-se que se
quadro sua produção pode estar insuficiente ou
inicie após 48 horas de restabelecimento de
perfusão sanguínea, por via enteral ou oral. A L.C.P. & Machado, F.R. (Ed.). Sepse. São
nutrição plena também não é recomendada na Paulo, Atheneu, 13-20.
primeira semana, optando-se pela nutrição trófica
Creedon, J. M. B. (2015). Controversies
e avançando-se apenas se ocorrer tolerância
surrounding critical illness-related
adequada. A nutrição parenteral isolada ou em
corticosteroid insufficiency in animals.
suplementação à dieta enteral não deve ser
Journal of Veterinary Emergency and Critical
utilizada nos primeiros sete dias após o
Care, 25:107–112.
diagnóstico, bem como não se recomenda o uso
de nutrição suplementar moduladora (Dellinger et Dellinger, R.P., Levy, M.M., Rhodes A., Annane,
al., 2013; Coimbra & Machado, 2014). D., Gerlack, H., Opal, S. M., Sevransky, J. E.,
Sprung, C. L., Douglas, I. S., Jaeschke, R.,
A transfusão de componentes sanguíneos deve
Osborn, T. M., Nunnally, M. E., Townsend, S.
ser considerada quando a hemoglobina estiver
R., Reinhart, K., Angus, D. C., Deutschman,
menor que 7g/dL, apenas após resolução da
S., Machado, F. R., Rubenfeld, G. D., Webb,
hipoperfusão e na ausência de circunstâncias
S., Beale, R. J., Vincent, J. & Moreno, R.
como isquemia miocárdica, hipoxemia grave,
(2013). Surviving Sepsis Campaign:
entre outras, visando um valor de 7 a 9mg/dL de
International Guidelines for management of
hemoglobina em adultos. A transfusão de células
severe sepsis and septic shock: 2013. Critical
vermelhas aumenta a DO2 em pacientes sépticos,
Care Medicine, 41(2):183-194.
mas não aumenta a VO2 usualmente (Dellinger et
al., 2013). Galey, H.F. (2011). Oxidative stress and
mitochondrial dysfunction in sepsis. British
Outras recomendações da Campanha incluem
Journal of Anaesthesia, 1(107):57-64.
o uso de ventilação mecânica em pacientes com
SARA, a correção de distúrbios ácido-básicos e Kitsis, M. (2010). Avaliação de complicações
eletrolíticos, a profilaxia para trombose venosa pulmonares em cães com sepse grave
profunda, a profilaxia para úlceras gástricas e de submetidos à terapia intensiva. Dissertação.
úlceras de pressão (Dellinger et al., 2013). (Mestrado em ciência). Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, São
Assim, pode-se concluir que a sepse cursa
Paulo, f.94.
com várias alterações na fisiologia do animal,
sendo de grande importância o conhecimento da Kloss Filho, J.C. & Rabelo, R.C. (2013).
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