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Qual o papel da tecnociência no desenvolvimento da engenharia

biomédica?

A ciência pode ser entendida como sendo uma criação do espírito humano, com
conceitos e ideias livremente inventados. Todos nós possuímos o conhecido senso
comum, no qual acreditamos cegamente, e que, por vezes, nos leva a uma realidade
enganosa por nos fornecer uma ilusão. Essa ilusão deve-se ao facto de depositarmos
confiança e conferirmos utilidade ao senso comum. Isto leva-nos a concluir que, por
vezes, aquilo que nos é imposto de uma dada experiência pode apresentar-se tao
coerente que de um instinto imediato pode corresponder o conhecimento que se
apreende à realidade. A ciência tem então que fazer frente ao enganoso senso comum
lutando contra o seu destaque e naturalidade e é composta equilibradamente pelo ser
Humano. O objetivo da ciência é então produzir cada vez mais explicações naturais e
cada vez mais precisas acerca do funcionamento do mundo natural. No entanto, e cada
vez mais, a investigação científica é realizada com o objetivo de resolver um problema
ou desenvolver uma tecnologia, e no decurso desse caminho são adquiridos novos
conhecimentos.
Isto remete-nos para o conceito de tecnologia. Nos dias de hoje, as tecnologias
encontram-se numa posição principal perante os processos de globalização e são alvo
de uma constante evolução. No que toca ao domínio filosófico, a tecnologia encontra-
se associada a diferentes perspetivas. Uma dessas perspetivas nasce na Época
Renascentista e, segundo ela, a metamorfose tecnológica é uma característica que
destabiliza a sociedade, e por isso deve ser utilizada com cuidado. Uma outra
perspetiva associada á tecnologia é a integração desta nas éticas modernas, declarando
que a mudança tecnológica é bastante boa, pois aperfeiçoa a qualidade de vida e a
independência humana. Acreditamos, hoje em dia, que a Tecnologia está patente em
cada parte da nossa vida, fazendo-nos completamente pertencentes dela, pois não
somos mais independentes, revelando a tecnologia como algo bastante poderoso em
relação às nossas vidas. No entanto, esta tem colaborado para o crescimento da nossa
civilização assim como para o seu bem-estar e qualidade de vida. A tecnologia
encontra-se tao presente nos nossos dias desde o momento em que acordamos todos os
dias de manhã devido à tecnologia (despertador), até ao papel que ela desempenha no
que toca à deslocação diária para o emprego. Francis Bacon, um grande apologista do
desenvolvimento tecnológico disse: “a invenção da escrita, a descoberta da pólvora e
do compasso trouxeram maior beneficio à humanidade do que todas as políticas e
religiões”. O que se pensarmos bem, é verdade.
Para entender melhor o que vai ser tratado ao longo deste ensaio filosófico, vamos
definir um conceito que vamos abordar ao longo deste- a tecnociência. De grosso
modo, a tecnociência transparece-se como sendo um recurso de linguagem que é
usado para caracterizar a intima ligação que existe entre a ciência e a tecnologia. Este
termo não nos remete, necessariamente, para a diferença entre tecnologia e ciência
mas advertem-nos para a pesquisa sobre elas, e para que as políticas praticadas em
relação às mesmas sejam implementadas a partir do tipo de afinidade que a palavra
tecnociência deseja sublinhar.
A Tecnociência é uma espécie de afirmação radical do projeto do saber, começado
pela ciência moderna. As alternativas da Tecnociência ajustam-se no plano da ação,
embora os seus defeitos não sejam menos decisivos no que toca á vertente ética.
O progresso da ciência depende das interações dentro da comunidade científica — isto
é, a comunidade de pessoas e organizações que geram as ideias científicas, que testam
essas ideias, que publicam em revistas científicas, que organizam conferências, que
formam os cientistas, que atribuem fundos de pesquisa, etc. Esta comunidade
científica oferece a base de um conhecimento cumulativo que permite à ciência
construir-se sobre si mesma. É também responsável por testes subsequentes e
escrutínio das ideias, e pela execução e verificação do trabalho dos membros da
comunidade. Além do mais, muito trabalho de investigação científica é colaborativo,
com diferentes pessoas a contribuir o seu conhecimento especializado em diferentes
aspetos do problema.

Mas de que forma a tecnociência se relaciona com a engenharia biomédica?


No século 20, a inovação tecnológica vem progredindo a um passo tão acelerado que
penetrou em quase todas as facetas da nossa vida. Isto aplica-se especialmente nos
campos da medicina e de serviços de saúde. Hoje, na maioria dos países
desenvolvidos, o hospital moderno emergiu para o centro de um sistema de saúde
tecnologicamente sofisticado mantido por um pessoal igualmente capacitado. Com
uma sequência de inovações tecnológicas quase constante que direciona os serviços
médicos, os profissionais de engenharia envolveram-se intimamente em muitas
pesquisas médicas. Como resultado, a disciplina de engenharia biomédica emergiu
como um meio de integração para duas profissões dinâmicas: medicina e engenharia.
No processo, engenheiros biomédicos participaram ativamente no projeto,
desenvolvimento, e utilização de materiais, dispositivos e técnicas (como
processamento de sinal e imagens, inteligência artificial, etc.) para a pesquisa clínica,
assim como o diagnóstico e tratamento de pacientes. Assim muitos engenheiros
biomédicos atuam agora como membros de equipas de fornecimento de serviços de
saúde procurando novas soluções para os problemas de saúde que defrontam nossa
sociedade.
As mudanças dentro da ciência médica originaram-se nos desenvolvimentos rápidos
que ocorreram nas ciências aplicadas (química, física, engenharia, microbiologia,
fisiologia, farmacologia, etc.) durante a mudança de século. Este processo de
desenvolvimento foi caracterizado por uma intensa fecúndia interdisciplinar que
proporcionou um ambiente no qual a pesquisa médica foi capaz de dar imensos saltos
no desenvolvimento de técnicas para o diagnóstico e tratamento de doenças. Por
exemplo, em 1903, Willem Einthoven, um fisiologista holandês, inventou o primeiro
eletrocardiógrafo para medir a atividade elétrica do coração. Ao aplicar descobertas
das ciências físicas para analisar um processo biológico, ele iniciou uma nova era
tanto na medicina cardiovascular como nas técnicas de medidas elétricas.
As novas descobertas nas ciências médicas ocorreram umas atrás das outras como
intermediárias numa reação em cadeia.
Por razões econômicas, a centralização dos serviços de saúde tornou-se essencial
devido a inúmeras inovações tecnológicas importantes que foram aparecendo no
cenário médico. Porém, os hospitais continuaram a ser instituições para temer, e isto
verificou-se até o surgimento da introdução da penicilina no começo da década de 40,
quando o maior perigo da hospitalização, ou seja, a infeção-cruzada entre pacientes,
estava significativamente reduzido. Com estas novas drogas nos seus arsenais, foi
permitido aos cirurgiões executar as operações sem a morbidez e mortalidade
proibitivas devido a infeções causadas durante a operação. Uma vez que estes
avanços cirúrgicos foram estabelecidos, o emprego de peças de tecnologia médica
especificamente projetadas ajudou no desenvolvimento de procedimentos cirúrgicos
complexos.
Após a Segunda Guerra Mundial, os avanços tecnológicos foram estimulados através
de esforços para desenvolver sistemas superiores de armamentos e estabelecer habitats
no espaço e no fundo do oceano. Como um subproduto desses esforços, o
desenvolvimento de dispositivos médicos foi acelerado e a medicina beneficiou
grandemente desta rápida onda de inovações tecnológicas.
Neste ensaio filosófico vamos retratar dois problemas éticos e políticos ligados á
engenharia biomédica.
Um dos problemas que vamos retratar são as experiencias realizadas em seres
humanos. A utilização do homem, pelo próprio homem, na procura pelas novas
descobertas e novos conceitos científicos não é recente. Desde o século XVIII, o início
sistemático das experiencias, nas quais se utilizavam seres humanos, sendo os filhos e
os servos dos médicos as cobaias mais utilizadas. Também crianças órfãs e
abandonadas eram utilizadas em pesquisas médicas. Avanços substanciais
verificaram-se, especialmente, no período da II Guerra Mundial, tendo em vista as
experiencias científicas realizadas por médicos nazistas nas vítimas do holocausto.
Sabe-se que naquela época, os médicos nazistas recorreram a “cobaias humanas” para
realizar as experiencias mais temerosos da história da Medicina.
Josef Mengele, conhecido como “Anjo da Morte”, encontrou em Auschwitz o perfeito
laboratório humano para o seu trabalho, que estava centrado, principalmente, nas
condições de melhoramento genético da raça ariana. Para criar uma raça de indivíduos
de cabelos loiros e olhos azuis, a partir de alguns relatos, Mengele fez experiências
com vários pigmentos que injetou nos olhos não-anestesiados de crianças,
preferencialmente gêmeas. O procedimento excruciante frequentemente causava
ferimentos e às vezes cegueira total, que era o momento em que as crianças eram
exterminadas. Em algumas das suas experiencias, ele suturou crianças para as unir,
para simular gêmeos siameses, injetava febre tifóide ou tuberculose para ver como é
que os indivíduos de diferentes raças reagiam à doença, ou matava um grupo de
indivíduos sadios simultaneamente, pois queria fazer autópsias em gêmeos que tinham
morrido precisamente no mesmo momento.
Se não fosse a destruição, pelos nazistas, de inúmeros documentos, relatórios e
laboratórios, antes da chegada das forças aliadas aos campos de concentração, a
humanidade teria provas de muitas outras atrocidades cometidas em nome da ciência.
Infelizmente, a Alemanha Nazista não encerra as hipóteses mais recentes de utilização
do ser humano em experiências científicas antiéticas.
Modernamente, a experimentação em seres humanos traduz-se pela necessidade de
evolução tecnológica das indústrias farmacêuticas, que, na maioria das vezes,
patrocinam experiências que desrespeitam as principais diretrizes ético-jurídicas,
tendo em vista ambições financeiras desenfreadas.
O outro problema ético e político que vamos abordar é acerca da inseminação
heteróloga de mulheres solteiras. Podemos alcançar uma modalidade de maternidade
artificial, quando o desejo de se tornar mãe parte de uma mulher solteira ou viúva.
Neste caso, a parte interessada poderá perfeitamente fazer uso de um embrião
congelado, utilizando-o dentro do seu útero através da inseminação artificial. Ocorrerá
assim, uma maternidade artificial celibatária, sem qualquer relacionamento de ordem
sexual, simplesmente suprindo uma vontade feminina, neste caso a vontade de ser
mãe, recorrendo aos métodos proporcionados através do avanço da tecnologia no
campo biomédico. A aplicação dessa forma de conceção daria origem a uma gestação
vulgarmente denominada, como “produção independente”, em que se passou a
configurar os filhos nascidos de pai juridicamente não identificáveis.
A questão ética constitui-se em saber se, numa época de consumismo em que todos
podem tudo desde que possuam poder aquisitivo, as novas tecnologias de reprodução
humana devem ser utilizadas por pessoas que convivem sem vínculo matrimonial,
como mulheres solteiras, viúvas ou homossexuais.
O tratamento da esterilidade é um direito permitido a todos os interessados, não
podendo apoiar-se somente sobre as formas legais do casamento ou da união estável.
Mas, mesmo que se reconheça o direito de homens e mulheres solteiros recorrerem à
inseminação ou fecundação artificial, em primeiro lugar é necessário que se reconheça
o direito de o filho ter um pai e uma mãe. Por essa razão, é necessário exigir como
postura ética que a criança concebida através dos meios artificiais tenha a segurança
do parentesco, para que possa desenvolver-se normalmente e plenamente.
No entanto, sabe-se que, por maior boa vontade que demonstre uma mulher solteira
inseminada artificialmente, em criar e educar o seu filho, a condição familiar natural
constituída pelo pai e pela mãe jamais estará garantida para a criança derivada dessa
inseminação. Procura-se justificar essa forma de inseminação heteróloga, sob o
argumento de que as famílias monoparentais encontram-se protegidas pelo Estado.
Argumenta-se também que, para favorecer esse tipo de inseminação heteróloga, o fato
do estatuto da criança e do adolescente permitir e até incentivar a adoção de crianças
por pessoas solteiras. Acontece que, no caso da adoção de crianças por pessoas
solteiras ou viúvas, a situação apresenta-se de forma diferente, visto tratarem-se de
crianças já nascidas e sem quem os crie ou se responsabilize pela sua educação,
necessitando, portanto, de amparo familiar. A adoção representa “um instituto de
solidariedade social, de auxílio mútuo, um meio de repartir por um número de famílias
os encargos de proles numerosas.”
Visto que o desenvolvimento científico da reprodução medicamente assistida
constitui-se unicamente como uma forma de resolver um projeto parental e nunca um
projeto impessoal, não se justifica que a criança possuidora do direito fundamental de
ter um pai e uma mãe, nasça órfã ou condenada a uma não identificação paterna,
simplesmente para atender interesses egoisticamente particulares.
Tendo como interesse primário o desenvolvimento integral da criança, os psicólogos e
demais estudantes da maioria dos países que se ocupam do problema são unânimes em
defender esse direito absoluto de o filho nascer através de um casal, ou seja, um pai e
uma mãe. Além do mais, o interesse da mãe solteira em ter um filho planeado desde o
início sem a figura paterna, contrapõe-se ao direito de o filho de nascer e conviver
num ambiente familiar, sem o risco de ter que se sujeitar aos constrangimentos e às
discriminações a que poderá ficar exposto.
O objetivo que me propus no início deste ensaio foi desenvolver uma resposta que
respondesse á questão inicial: “Qual o papel da tecnociência no desenvolvimento da
engenharia biomédica?”. Ao longo deste ensaio apresentei dois aspetos éticos e
políticos ligados a esta área que espero ter conseguido esclarecer, e com isto também
causar uma certa reflexão acerca dos mesmos.

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