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Então...
Para começar quero agradecer às organizadoras desta conferência, Kim, Marcy e Christo, por
abrirem essa janela para o Typefilm. Quero agradecer ao KK, por me fazer tomar
conhecimento desta conferência, e a Piqueras Santangelo e João Rúbio, três amigos do
16mm. Quero agradecer também a Gregorio Gananian, pelo registro da projeção, e a Carmen
Miranda (em memória), pelo “it” do seu canto.
Typefilm an armory show foi o título que encontrei para nomear a experiência de fazer um
filme datilografado diretamente na película.
Como se sabe, Armory Show foi a exposição internacional de arte moderna inaugurada em
Nova York, no ano de 1913, em um edifício construído para ser o primeiro depósito de armas
daquela cidade sem ter como modelo fortalezas medievais. No texto introdutório do catálogo
da Armory Show, em seu último parágrafo, está escrito: “Arte é sinal de vida. Não pode
haver vida sem mudança, assim como não pode haver desenvolvimento sem mudança. Ter
medo do que é diferente ou não-familiar é ter medo da vida. E ter medo da vida é ter medo da
verdade e então ser o campeão da superstição.” Mais de um século depois desta exposição,
que chegou a fabricar um button de propaganda com o epíteto “o novo espírito”, seguimos
contemporâneos a campeões da superstição e consumidores de hidroxicloroquina a fim de se
prevenirem da Covid-19…
Além de referência à exposição internacional de arte moderna, Armory Show pode sugerir a
exibição da “munição” de uma máquina de escrever; mostra do set de tipos sinalizados nas
teclas do teclado da máquina.
O insight para fazer Typefilm an armory show se deu em razão do emprego de máquinas de
escrever em minha prática. Antes de datilografar os aproximadamente 50 metros de película
de 16mm, eu datilografei em diversos tipos de papéis, com variadas dimensões, e em
superfícies como casca de cebola, chumaço de algodão, pena de ave, casca de árvore, pedaço
de película para controle solar, protetor descartável para assento sanitário, confetes e
serpentinas de carnaval etc. etc. E foi justamente datilografando uma serpentina de carnaval,
coletada no centro do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2017, que eu tive a ideia de datilografar
uma película cinematográfica.
Typefilm an armory show é uma animação sem câmera, ou seja, as imagens são criadas
diretamente na película (diferentemente da versão que estou fazendo este ano, fotografada
quadro a quadro por uma filmadora analógica…). Nos primeiros testes que realizei, deparei-
me com a difícil fixação dos caracteres impressos na membrana plástica, além de distintas
qualidades de impressão pertinentes aos dois tipos de máquinas de escrever que eu estava
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utilizando: a mecânica e a elétrica. O tipo impresso pela máquina mecânica é mais irregular
do que o tipo impresso pela máquina elétrica, e isso se dá basicamente por dois motivos: a
intensidade com que o tipo atinge a superfície e a fita.
A intensidade com que o tipo atinge uma superfície pode variar na máquina de escrever
mecânica ao ser aplicada mais ou menos força no ato de datilografar. Isso não acontece com a
máquina de escrever elétrica, cuja intensidade é padrão, independentemente da força que é
aplicada na tecla. Daí que os tipos impressos pela máquina mecânica podem resultar com
mais ou menos tinta e os tipos impressos pela máquina elétrica têm quantidade similar de
tinta.
Quanto à fixação dos caracteres impressos (necessária porque qualquer contato físico com a
película borra ou apaga o caractere...), decidi utilizar fita adesiva transparente para cobri-los,
o que fazia logo depois de datilografar o fotograma.
Em algum momento do processo ficou definido o padrão de caracteres para cada fotograma
levando em conta a dimensão do fotograma relacionada ao tamanho do caractere e às
possíveis escolhas vocabulares a serem feitas: 8 caracteres por fotograma, sendo 4 caracteres
em cada uma das duas linhas paralelas.
ARMY, acrescentando a palavra MARY. Este doublet teria sido publicado originalmente na
revista Vanity fair, em 24 de maio de 1879. Há outra citação que gostaria de destacar. Ela
aparece a partir do fotograma 4048, motivada pelos fotogramas moon/zinc (lua/zinco) da
sequência imediatamente anterior. É a tradução para inglês idiossincrático do seguinte
fragmento da letra da canção Chão de estrelas, parceria de Silvio Caldas e Orestes Barbosa,
gravada originalmente em 78 rpm no ano de 1937 pelos estúdios Odeon (Rio de Janeiro),
interpretada por Silvio Caldas com acompanhamento de Benedito Lacerda e seu conjunto
regional, lado B de Arranha-céu: “mas a lua furando o nosso zinco salpicava de estrelas
nosso chão”. Neste ponto, transporto-me para a chamada época de ouro da canção brasileira e
modifico as palavras de Thoreau: “quando eu ouço uma sentença, eu ouço uma canção”.
Gostaria de destacar aqui duas das inúmeras relações feitas entre máquina de escrever e
filme: o livro de Friedrich A. Kittler, Gramofone, filme, typewriter, e os “paperfilms” de
Peter Kubelka, produto do uso de uma máquina de escrever para realizar “fantasias
cinematográficas”. Segundo Kubelka “a máquina de escrever imprime uma cadeia regular de
símbolos no papel, assim como o projetor de filmes projeta imagens em sucessão regular na
tela do cinema.”.
Para finalizar a minha participação, vou abrir a cópia digital do roteiro do Typefilm, e fazer
um breve passeio por seus 5800 frames, tendo como guia o cursor do mouse. Até mais ver!