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Os

maiores obstáculos para a inovação em grandes empresas


Scott Kirsner

27 de agosto de 2018

Constatamos, afinal, que a palavra “inovação” não funciona como os feitiços de Harry Potter, tornando
empresas mais inventivas, criativas e empreendedoras em um passe de mágica. A palavra pode ser
proferida tanto por um CEO durante uma reunião com seus funcionários quanto por analistas de Wall
Street. Pode estar decorando a porta de um novo centro de inovação no Vale do Silício. Pode estar
inserida em nomes de cargos. (Sim, até mesmo a Toys R Us tinha um chefe de inovação.)

Porém, existem problemas complexos de cultura, estratégia, política e orçamento, que devem ser
confrontados por CEOs e outros líderes caso queiram assegurar que suas organizações acolham novas
ideias em vez de repeli-las.

Em uma pesquisa feita no início do ano para a Innovation Leader, ferramenta online para equipes de
inovação corporativa da qual sou editor, perguntamos sobre os obstáculos mais comuns enfrentados pela
inovação em grandes empresas. (Para sermos construtivos, também perguntamos sobre os fatores que
estimulam a inovação.) As respostas, vindas de 270 líderes empresariais de estratégia, inovação, e cargos
de pesquisa e desenvolvimento, foram esclarecedoras.
Convidamos os participantes a apontar quantos fatores quisessem dentro de uma lista prévia. Os cinco
obstáculos mais citados foram apontados por pelo menos um terço deles. Foram os seguintes:

Política, disputas territoriais e falta de alinhamento (55% dos participantes)


Algumas unidades ou missões empresariais acreditam que já realizam inovações por conta própria, e que
qualquer tipo de iniciativa diferente está invadindo o seu território — e potencialmente competindo por
recursos. Talvez alguns tenham a esperança de que o “queridinho” do CEO do momento, que pode ser um
novo diretor de inovação ou um diretor digital, irá embora se for ignorado.

“Toda vez que se começa algo novo como [uma iniciativa inovadora], que abrange muitas áreas, há a
possibilidade de as pessoas sentirem seu território sendo invadido”, diz Michael Britt, vice-presidente
sênior que comanda o Centro de Inovações Energéticas na Southern Company, uma grande operadora de
serviços públicos. Isso é particularmente verdadeiro, ele acrescenta, quando a principal atividade é bem-
sucedida.

Líderes seniores podem não conseguir abafar todas as rixas políticas, mas podem ser claros sobre aquilo
que se espera do grupo de inovações ou de novos empreendimentos, e de que forma esperam que os
outros os apoiem.

Questões culturais (45% dos participantes)


A cultura de grandes empresas é tipicamente fundamentada na excelência operacional e no crescimento
previsível. Pessoas que operam mudanças e tentam realizar experimentos raramente são recebidas de
braços abertos — principalmente quando estão trabalhando em uma ideia que pode canibalizar negócios
estáveis ou atrapalhar o modelo de distribuição atual.

E, assim como os elefantes, grandes empresas têm ótima memória. Segundo Stacey Butler, diretora de
inovação da NRG Energy, muitos dos mais antigos se lembrarão — e detalharão alegremente nas
reuniões – todas as “tentativas [de inovação] que não deram certo na história da empresa — e que talvez
não tenham acontecido na hora certa”.

Ter influência sobre a cultura de empresas bem estabelecidas pode parecer, algumas vezes, como tentar
entrar em um museu e fazer alguns pequenos retoques nas estátuas de mármore: ninguém quer que você
faça isso, e quase qualquer coisa que fizer irá gerar uma forte reação. Contudo, criar ambientes nos quais
as pessoas possam se reunir para trabalhar em projetos — subculturas dentro de uma cultura maior —
pode ser construtivo. Vale também desenvolver novos tipos de incentivos, reconhecendo e
recompensando os comportamentos que se deseja encorajar, e trazendo pontos de vista novos e mais
diversos para a empresa, assim como novos talentos.

Incapacidade de agir ao ver sinais cruciais para o futuro da empresa (42% dos participantes)
Perguntamos sobre duas barreiras que estão relacionadas em nossa pesquisa: quão bem sua empresa
“capta” os sinais de mudança, e como isso a influencia? Apenas 18% dos participantes disseram que suas
empresas tinham dificuldades com a primeira questão — então, em quase todas elas existe a consciência
de que há startups perturbadoras entrando em seu setor e mudando o comportamento de compra dos
consumidores. O problema está em reagir a esses sinais. Quando os seus “batedores” veem algo
importante, que mecanismos existem para estabelecer colaborações com vendedores externos ou
com startups, ou realizar um teste rápido com uma missão ou unidade empresarial? Um número
excessivo de empresas espera até que a reunião anual de estratégia dê algumas voltas antes de abordar
as mudanças de dinâmica do mercado.

Falta de orçamento (41% dos participantes)


Em muitas das maiores empresas, em setores como o aeroespacial e tecnológico, orçamentos limitados
não são um empecilho. Ao longo de décadas, esses setores construíram grandes funções de P&D
(pesquisa e desenvolvimento), das quais se espera a criação de novas ideias que poderão ser
impulsionadas pela empresa. Porém, quase 40% dos que responderam à nossa pesquisa disseram que
suas ações de inovação possuíam um orçamento anual abaixo de US$ 5 milhões, e 23% abaixo da marca
de US$ 1 milhão. (Pedimos para que os participantes incluíssem tanto os salários dos membros da equipe
quanto gastos diretos.) Muitas dessas empresas com orçamentos baixos são de setores que não possuíam
um departamento de P&D em seu histórico, como o varejista, o hoteleiro e o de serviços financeiros.

Na maioria dos casos, esse nível de orçamento possibilita a existência de uma pequena equipe de
inovação, que pode colocar em prática alguns conceitos de desenvolvimento, rastreando tendências ou
treinando funcionários em metodologias de inovação — mas não há um impacto amplo na empresa.

“Com um orçamento abaixo de US$ 1 milhão, parece que o trabalho é construir um cenário de
investimento em inovação, em vez de [fazer o projeto] da própria inovação”, diz Rick Waldron, ex-
executivo da Nike que comandou o acelerador de inovação da empresa de vestuário até o ano passado.
Esse nível de investimento, sugere Waldron, pode ser usado para “agregar à gestão sênior ao longo da
jornada e educá-la” com alguns exemplos de projetos concretos que “serão a chave para acessar maiores
recursos para um programa de inovação”.

Falta de visão ou estratégia apropriadas (36% dos participantes)


Essa resposta inclui uma infinidade de erros. Está claro para os funcionários qual tipo de inovação
deveriam estar fazendo? Estão em busca de ideias para alinhar as operações e servir melhor os clientes,
ou desenvolvendo novos modelos de negócio em torno de produtos já existentes? Sem uma estratégia
coerente e uma visão clara do objetivo da empresa, ações de inovação acabam ficando isoladas e
escassas.

Curiosamente, os participantes disseram que o fator menos relevante era a “falta de apoio do CEO”;
apenas 10% deles disseram que esse fator estava limitando a inovação em suas empresas. O CEO, afinal,
não empunha uma marreta capaz de demolir qualquer obstáculo que bloqueie uma equipe de
funcionários inteligentes com uma boa ideia.

O que pode ajudar? Expectativas claras que definam por que a inovação é necessária. Reconhecimento e
incentivos apropriados para pessoas que se envolvam no processo de mudanças positivas. Comunicação
regular e construção de relacionamentos entre as equipes de inovação e as missões e unidades
empresariais que requerem como parceiros. Medidas de progresso que esclareçam não apenas o
desempenho do grupo de inovação, mas também as missões e unidades empresariais, que trabalham em
conjunto para implementar suas ideias.

Um facilitador chave da inovação, citado por mais da metade dos participantes, foi a “capacidade de
testar, aprender e repetir”. Em que medida sua empresa realiza experimentos rápidos, coleta os
resultados e depois tenta outra vez?

Por fim, o comprometimento a longo prazo é essencial. Culturas empresariais rejeitam muitas iniciativas
arrojadas quando as pessoas acreditam ser a última bolacha do pacote. (Uma das respostas escritas que
obtivemos para a nossa pergunta sobre obstáculos para a inovação foi: “Liderança com TDAH”). Quando
CEOs e outros líderes falam sobre inovação, precisam deixar claro que ela ocorrerá em regime de
exercícios diários — parte do modo como as coisas serão feitas aqui de agora em diante — e não como
um feitiço que traz resultados imediatos.
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Scott Kirsner é o editor da Innovation Leader, um serviço de informação para executivos de inovação
empresarial, e colunista de longa data do jornal Boston Globe.
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Tradução: Sarah Nikitin

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