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sara pereira lopes

ANOTAÇÕES I

sobre a voz e a palavra


em sua função poética

( vai dar o que falar...)

Campinas
2004
2

sara pereira lopes

ANOTAÇÕES

sobre a voz e a palavra


em sua função poética

( vai dar o que falar...)

tese apresentada ao Instituto de Artes da Unicamp


como parte da documentação exigida
para inscrição em Concurso Público
para obtenção do título de Livre Docente.

Campinas
2004
3

agradeço

à FAPESP pelo apoio ao projeto


“Do Canto Popular e da Fala Poética” e
ao CNPq pela Bolsa Produtividade em Pesquisa;

aos professores
Adriana Dal Forno, da UFSM,
e Armindo Bião, da UFBA;

aos colegas
Eusébio Lobo da Silva,
e Verônica Fabrini;

aos adeptos da música


Alberto Pacheco,
Fátima Estelita Barros
e Márcia Guimarães;

aos mestres
Moacir Ferraz de Carvalho,
Mariane Magno Ribas,
Cecília de Almeida Borges,
Fernando Manoel Aleixo;

aos mestrandos
Alessandra Guedes Rondina,
Ana Carolina Mundim,
Christiane Lafayette,
Daniela Varotto,
Daniel Reis,
Gustavo Xella,
Paulo Rowlands;

aos funcionários do DAC,


Helder Luiz de Faria
e Valmir Perez.
4

a Neyde Veneziano,
pelo prazer da convivência,
pelo privilégio da amizade
e pela atenção da primeira leitura;

a Niza de Castro Tank,


pela sabedoria de cada momento
e pela generosidade de sempre,

meu muito obrigada.


5

para
Cesar e Vera,
minhas mais constantes
e seguras referências.
6

Resumo

Conceituar, precisar uma função, propor princípios e


procedimentos para a prática vocal do ator, bem como situá-la
em relação ao seu meio e momento, são os pontos chaves que
conduzem esta reflexão “sobre a voz e a palavra em sua função
poética”.

Abstract

Conceptualizing, precising a function, proposing principles and


procedures to the vocal practice of the actor, as well as situating
it in relation to his environment and moment, are the key points
which lead this reflexion “about the voice and the word in their
poetic function”.
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sumário

apresentação

I. a voz de alguém
1.1. um conceito, uma função... ... 14
1.2. ... alguns princípios... ... 19
1.3. ... e outros tantos procedimentos. ...24

II. tantas palavras

2.1. o dito pelo não dito ... 34


2.2. o verbo encarnado ... 39
2.3. a forma do tempo ... 48

III. jeitinho brasileiro

3.1. o material ... 52

3.2. as circunstâncias ... 55


3.2.1. identidade ... 57
3.2.2. traços comuns ... 60

3.3. as formas ...67

3.4. do canto popular e da fala poética ... 77


3.4.1. entremeando modos vocais ... 79
3.4.2. da fala para a canção ... 83
3.4.3. da canção para a fala ... 86

considerações finais ... 92

bibliografia ... 95
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apresentação

No ato de reunir o material para compor essas anotações,


antes de organizá-las, fui me dando conta – no amarelado de algumas
folhas soltas, no estranhamento da caligrafia que cobria outras tantas, na
altura da pilha de meus cadernos, na distância de memórias sobre o quê
alguém me disse um dia – do tempo e de tudo que precisou transcorrer,
antes que pudesse nomear aquilo que sei de cor. E mais: constatei que
saber de memória e de coração toma ainda mais tempo e empenho. É
resultado de experiência.

Um texto, assim como uma pessoa, não pode responder a


todas as perguntas e este não pretende fazê-lo. Não é seu objetivo impor
uma concepção sobre o trabalho vocal, nem ensinar como concretizá-la;
não tem, como finalidade, julgar ou rebater outras propostas na mesma
área de conhecimento. Não faz previsões, não apresenta soluções, não
propõe fórmulas. Não procura esgotar nenhum tema: tudo pede análise,
investigação, invenção. Seu propósito principal é apresentar a construção
de uma estrutura de pensamento, que sustenta uma prática, como ponto
de partida para a identidade e autonomia no trabalho do ator.

O que aqui aparece, “secondo me”, foi trabalhado, ao longo


dos anos, por muitas mãos, desde as mais distantes no tempo e no espaço,
até as mais próximas na ação de mostrar . Algumas incendiaram minha
imaginação com suas visões da arte, outras moveram meu espírito pela
força de seus conceitos, outras, ainda, tocaram meu corpo para marcar
uma forma.
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De cada uma delas experimentei algum aspecto:


interpretando os conceitos, adotando os princípios, aplicando os
procedimentos, de tal forma que fui me apropriando de um saber
incorporado, que sou eu, como sou meu corpo. E é cada vez mais difícil
dizer onde, ou de quem aprendi cada elemento.

Embora os nomes não sejam as pessoas - nem o que elas


sabem - todos constam da bibliografia, para que outros possam descobri-
los.

As citações, que ainda persistem, contêm muito do prazer


de fazer soar a poesia do que é dito.
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a voz de alguém
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1.1. um conceito, uma função...

A compreensão do papel da voz como objeto da arte faz


pressentir a existência de um plano mais profundo em suas funções e
características, quando utilizada como material da linguagem de
representação. Esse nível de comunicação oral, de onde emerge a função
poética da vocalidade, constrói seu significado entre a materialidade das
vibrações sonoras de uma voz e a sonoridade - melódica e rítmica - de
uma fala.

Entenda-se, por vocalidade, o uso imediato de uma voz que


pede por uma expressão que somente se concretiza na co-presença
intérprete/espectador: ela só se realiza no encontro entre aquilo que o
intérprete exterioriza com o interior do ouvinte. O corpo do intérprete está
impresso nessa expressão, assim como o corpo do ouvinte, chamado a
estar presente e a reagir ao estímulo. Sem esse encontro a essência da
atuação não se realiza, permanecendo em potência, mas não em ato.

Por poética, como adjetivo, fica denominada a função que


tem uma voz de ir além de seu uso utilitário na linguagem, da transmissão
de idéias ligadas ao significado das palavras, criando o gesto vocal,
gerando impressões, dizendo de si mesma e se comentando enquanto
comenta e diz, mantendo o movimento interno ao procedimento técnico
que leva à expressão diferenciada.

É pela vocalidade poética que os signos se tornam coisas.


Porque as palavras não são as coisas; são representações convencionadas,
abstrações. A coisa da palavra falada são as formas dos sons. Então, a
vocalidade poética questiona os signos e os repete até as coisas fazerem
sentido. Por isso ela não tem um fim em si mesma. Nela, o revestimento
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constituído por um texto se rompe e, pelas aberturas, um outro discurso é


proposto. Um discurso que, de maneira específica, marcada e diferente a
cada tempo e lugar, transgride os esquemas discursivos comuns: nas
vibrações de uma voz se desenrola um fio que liga, às palavras, os sinais
vindos da experiência. O que permanece, como força referencial, põe em
destaque o contato entre os sujeitos corporalmente presentes: o que tem a
voz e o que a recebe. Os valores que a vocalidade poética torna relevantes
fundamentam-se sobre as qualidades da voz, sobre a técnica vocal do ator
ou cantor, tanto ou mais que sobre o conteúdo da mensagem. Ela faz
emergir, da linguagem, tudo o que não serve à informação, tudo o que
define a situação de comunicação.

Os pressupostos da vocalidade poética enraízam-se e


extraem sua validade da tradição oral, onde toda palavra se liga ao corpo
por meio desse atributo físico que é a voz. Seus significados mantêm a
integridade da arte vocal, e podem ser construídos na busca de uma
experiência diferenciada de linguagem. Uma linguagem que esteja viva no
corpo, em que o pensamento seja experienciado no corpo, as emoções
tenham existência física. Em que, plenas de pensamento e emoções, as
ondas sonoras fluam através de um corpo e sejam percebidas,
sensorialmente, por outros corpos que experimentem o
pensamento/emoções contidos nas vibrações do som.

A voz, dotada de suas reais qualidades físicas, atribui um


poder verdadeiro à palavra e faz, de todo discurso, ação efetiva. De fato,
um procedimento artesanal marca a ação verbal: o discurso sendo
produzido no trabalho fisiológico da voz; nada colocado entre o objeto,
seu produtor e seu consumidor. Esses três elementos formam uma relação
próxima, direta, na qual fica impossível separar o conteúdo de uma
mensagem do som de uma voz. A palavra, na boca de quem a emite e no
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ouvido de quem a recebe, torna-se presente em amplitude, altura, peso.


Enunciada pela voz, a palavra cria o que diz.

Esse momento supõe competência: saber fazer, saber dizer,


saber ser no espaço e na duração - o corpo dando forma ao vazio, a voz
dando forma ao silêncio, e o movimento de ambos recriando o tempo.

Corporifica-se então, uma ação vocal que oferece, a quem


ouve, uma palavra na qual não há lugar para dúvidas ou indecisões: uma
publicação oral não tem rascunho; não permite ao ouvinte qualquer
possibilidade de volta - independente do efeito buscado, a comunicação é
imediata. É assim que o texto, publicado oralmente, se apoia sobre um
efeito de presentificação instantânea: mesmo que a audição aconteça
muito depois de ter sido composto, ela só pode ser imediata.

Na medida que o intérprete canta, declama, diz, limitações


mais ou menos fortes, decorrentes do momento, geram sua ação. Esta, em
qualquer caso, empenha uma totalidade pessoal: o conhecimento, a
inteligência, a sensibilidade, os nervos, os músculos, a respiração e o
talento para reelaborar tudo isso num espaço de tempo muito breve. O
sentido da representação advém dessa unidade, resultado de um
procedimento que a orienta e da posse de uma técnica expressiva
particular, que é a arte da voz. Desse modo, os valores que emergem da
ação vocal estão muito além das determinações lingüísticas e derivam da
própria faculdade da linguagem, tornando a vocalidade poética.

Esta palavra poética é intensa, arquivo sonoro das vozes


cotidianas; sua finalidade é representar o todo existente, revelando o que
há por trás do grande discurso social. Garantindo uma identidade, a
transmissão, a tradição, e dando início a transformações, à criação, à
diferença, a palavra poética é, ao mesmo tempo, memória e invenção: a
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palavra que liberta o canto, que dá vida às narrativas, a palavra que


significa o teatro.

No teatro, o discurso sempre se estrutura por um artifício


que abrange a totalidade de uma situação e põe em jogo uma qualidade
própria da voz: em sua função primeira, anterior à influência da escrita, a
voz não descreve; ela age e deixa que o gesto indique as circunstâncias.
Dada essa amplitude, é em torno do gesto que se organiza a cena inteira,
subordinando a palavra. Mas ele, em vez de sufocá-la, vai valorizá-la,
enquanto ela explicita seu significado, pois, ao que o olhar registra, falta a
espessura concreta da voz, a percepção do sopro, a urgência da respiração;
falta a condição de retomar, sempre, o jogo de presentificar um objeto
ausente, pelo som da palavra.

O trabalho vocal que se estrutura sobre esse conceito, busca


a condição que tem uma voz, ao apropriar-se de um texto ou canção, de
atualizá-los, por um momento, ao assumir a imediatez e a instantaneidade
da performance mantendo, ao mesmo tempo, a memória do enunciado e
da sonoridade, assegurando o espaço da criação.

O intérprete pode assumir a instantaneidade da


performance e integrá-la na forma de seu discurso. Isso implica uma
capacidade particular de eloquência, fluência de frase e dicção, poder de
sugestão, domínio dos tons e dos ritmos, todo um saber técnico, além do
conhecimento das formas: a posse de um vocabulário e das regras para
sua combinação, numa espécie de gramática poética. Então, mais que de
procedimentos literários, a estruturação da palavra poética resulta do
discurso; mais que em termos de gramática, as normas se definem em
termos de dramaturgia.
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A emergência da vocalidade poética estabelece a tensão


entre um momento “lírico” e um momento “narrativo”; entre aquilo que é
trazido e aquilo que, formalmente, o dinamiza: o comentário. A
experiência torna concreta, para o intérprete, a necessidade do
desenvolvimento de uma prática significante que o conhecimento técnico,
em si, não pode prover; a necessidade do desenvolvimento e da
incorporação de uma técnica que é um exercício de formatividade: um
fazer que é, ao mesmo tempo, invenção e re-invenção do modo de fazer.

A opção por esse percurso vai determinar o papel que, na


representação, se atribui ao desempenho vocal, assumindo que a magia
pressupõe a perfeição da técnica e que o acaso tem muito pouco a ver com
a arte.

1.2. ... alguns princípios...

Interferir na natureza e transformar a matéria faz parte da


vocação cultural humana. Presente na arte, por definição, essa tarefa é
desempenhada sempre no limite do sagrado e da magia, manipulando a
matéria conhecida para dar-lhe outro significado, fazendo com que uma
coisa se torne outra, mesmo continuando a ser ela mesma.

Se a matéria é carne, emoções e pensamento, um corpo


fabricado pela cultura que o cerca, vai recriar a sua própria substância,
superar limites e imposições, extrair outras configurações de seu todo,
potencializar ao máximo suas funções para elaborar, como um mágico, na
perfeição da técnica, a representação. Um corpo que não é uma obviedade
física; é um devir simbólico no qual se articulam, a cada instante, as
imagens dadas pelo meio em que vive e podem se rearticular tantas
imagens quantas ele for capaz de imaginar, buscar, observar, exercitar.
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Vencendo as imposições da gravidade, a parte mais flexível


do corpo, a voz, é livre para transpor e mover-se no espaço. E, no entanto,
mantém sua realidade física, constituindo-se em matéria concreta.1

Este princípio abre a voz à interferência determinada e


consciente em sua construção, como a tela e as tintas se oferecem a um
pintor: o suporte material, a substância que permite a manifestação da
forma, transformando o abstrato em concreto, tornando visível o invisível,
fazendo, do ausente, presença. Assim, uma voz responde mais
propriamente à sua função, na representação, quando se desprende dos
significados abstratos contidos na palavra para se ligar à concretude da
materialidade sonora.

A geração dessa voz está diretamente ligada à identificação


e ao reconhecimento de sua corporalidade, e a um redimensionamento
físico pela expansão do corpo, essa unidade psicofísica, que decididamente
se organiza para uma função específica, poética, harmonizando seus
movimentos internos e externos, reunindo pensamento, emoção,
fisicalidade.

O trabalho vocal que se desenvolve pela adoção e imitação


de um modelo, por meio da repetição de formas acabadas, fórmulas
prontas, soluções permanentes, é limitado e torna-se limitador, quer seja
proposto sobre si mesmo, quer seja na relação com uma linguagem.
Percorrer esta via é admitir que uma técnica existe por si mesma, sem

1
O som é resultado de um fenômeno físico que só acontece num meio onde exista matéria, e acontece
por meio de uma seqüência periódica de compressão e descompressão dela. Quando um som é produzido,
alterações ocorrem no meio. O mesmo se dá com a voz. A vibração das pregas vocais altera o fluxo de ar que
passa por elas, e este meio material, ar, alterado, é o som vocal. Um som, produzido, multiplica a alteração da
matéria: uma porção alterada, altera a que lhe está mais próxima, e essa seqüência de alterações, através da
matéria, é a propagação do som.
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depender de um organismo vivo, consciente e dotado de imaginário, que


adote seus procedimentos e a construa em seu corpo, a seu modo,
criando, pela matéria que lhe é própria, a individuação da forma.

A identificação, o reconhecimento e a apreensão física do


funcionamento dos mecanismos do corpo leva, mesmo que mais
lentamente, a um aprendizado diferenciado: relaciona a estrutura corporal
interna à existência e à ocorrência da sensação, da emoção, do movimento
e libera uma voz pronta para revelar essas relações. É um percurso que
permite organizar o saber para além das formas, incorporando os
conteúdos: aquilo que existe em termos de estrutura, função e energia. O
que se aprende, então, é estar disponível a um processo constante,
pessoal, de elaboração e reelaboração de um repertório técnico individual,
ancorado na adoção de procedimentos que se organizam pela apreensão
de princípios e fundamentos apoiados na absorção de um conceito sobre a
voz, que se estabelece a partir da definição de sua função como elemento
integrante da atuação. É a apropriação física de um trajeto que busca a
autonomia: um saber que se sedimenta de forma única, pela memória e de
coração, que é propriedade privada do artista, uma “tradição de si
mesmo”2, para dispor como quiser.

Uma distinção qualitativa emerge do trabalho com a


fisicidade e a percepção corporal: a noção de tridimensionalidade do
corpo, por exemplo, torna-o mais envolvido no movimento e otimiza sua
capacidade de utilização tridimensional do espaço; ao mesmo tempo,
cria-se um estímulo à imaginação e um impulso individualizado para a
ação, dotando-a de origem, autoria. Da mesma forma, trabalhar a noção
de peso, no som tomado como elemento físico, afeta sua produção. O
peso não é estático nem fixo no corpo. Ele muda, se transforma, apoia-se ,

2
O termo foi utilizado por Franco RUFFINI em Conferência durante o Seminário Internacional “Teatro em fim de
milênio”. Tradução e transcrição da fala por Ricardo Ponti, Maria lucia Raimundo e Nair d’Agostini.
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reposiciona-se o tempo todo, por meio de pequenas adaptações. Quando


se inclui peso no som, num certo tom, cria-se um impulso para o
movimento que leva a vibração da voz a trabalhar numa seqüência
energética pelo corpo.

Fica estabelecido, então, que voz é corpo, num corpo vivo


em cada uma de suas partes, capacitado a estabelecer relações funcionais
entre o espírito, a mente e a matéria. E se a voz é físico, é possível
concebê-la como ação, ambas originadas num mesmo impulso de
respiração. O som vocal gera sensações e impressões, pela vibração, e as
mantém presentes, em emoção, no movimento. É o princípio da voz como
materialização da ação física, permeando da pele ao sistema nervoso,
sendo percebida através dos poros e dos ossos, e não apenas pelos
ouvidos; esse atributo que estabelece o contato físico entre seres
humanos distantes um do outro: a manifestação de uma interioridade livre
para invadir outros corpos, provocando respostas fisiológicas internas,
profundas.

A seqüência de alterações que ocorrem no ar, ao passar


pelas pregas vocais, disseminam-se pelo corpo que a produz, alterando
sua matéria, gerando impressões e sensações. A partir do corpo, e pelo ar,
o som encontra outros corpos e vai, pela vibração, alterá-los, também,
imprimindo-lhes sensações, isto é, impressionando.

Na função poética da voz, é assim que se dá a comunicação:


corpo-ar-corpo, que vibra em conjunto, que sofre alterações
simultaneamente, e que forma um todo unificado pelo som. Tratada assim,
a voz é concreta, um prolongamento físico que, pelo toque, estabelece a
comunicação.
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A voz, pois, é a coordenação de muitas coisas, a começar de


uma coordenação funcional que se dá pela conexão de todo o corpo
tecendo seu mecanismo e de todo o ser tramando seu sentido.

Estabelecer a ligação entre a realidade física e todo o


simbólico a ser trabalhado e representado por ela é função do imaginário,
essa ponte entre a concretude e a abstração.

O som é invisível. A tendência, então, é entender a voz


como algo abstrato, sobretudo porque nos chega ligada às palavras e seus
significados. Saber como tudo se organiza, fisicamente, para produzir o
som vocal, é esclarecedor quanto à sua concretude e revelador quanto à
convivência entre o universo dos símbolos e as determinações da matéria
sonora.

Como o mecanismo de produção do som vocal não é


aparente, é necessário uma estrutura imaginária para entender o que
acontece: um processo mental que combina imagens e sensações,
dotando a voz de concretude e plasticidade, disponível à interferência
proposital em sua elaboração.

1.3. ... e outros tantos procedimentos.

Visualizar a ossatura para construir sua imagem como


estrutura de sustentação do corpo, é um procedimento que libera a
musculatura para os movimentos, desde os mais simples e evidentes até os
mais complexos e sutis. Recuperar, alongando, os espaços que a tensão
rouba entre as articulações, especialmente entre as vértebras, inicia o
redimensionamento corporal que pode ser percebido como sensação
nascida de uma alteração física real. O peso do corpo se apoia no chão,
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direcionando a gravidade, numa dispersão aberta e equilibrada, tendo os


pés como raízes que se espalham e aprofundam para sustentar a pélvis, o
sacro e o encaixe das coxas. Esta é uma boa base para o som desenvolver
grande extensão, sobretudo se a coluna vertebral estiver realmente aberta,
em constante energia ascendente, adaptando-se à troca de peso da
respiração, muscularmente equilibrada e neurologicamente sensível,
pronta para responder.

Os músculos livres, em torno do torso, tornam-se sensíveis


à percepção do movimento tridimensional do diafragma, na respiração,
ampliando o espaço ocupado pelo corpo. Na mesma medida, incrementa-
se a capacidade de experimentar sensações e impressões mais sutis a
serem incorporadas na construção de uma imagem corporal.

Visualizar a imagem que o próprio corpo recorta no espaço


traz a consciência de sua tridimensionalidade numa percepção para ser
explorada e incorporada à memória e ao pensamento físico.

A ossatura, pela resistência de seu material é, ainda,


condutora das vibrações do som, através das articulações, aos limites
corporais mais distantes do seu ponto inicial, expandindo, amplificando, e
projetando o corpo, em sua sonoridade, para além de seus limites.

Quando o corpo, como um todo, se compromete na


manifestação da sonoridade, os esforços são divididos por uma área
muscular e óssea muito mais extensa, se comparada àquela envolvida na
adoção da voz como elemento dotado de existência autônoma.

O som inaugural, produzido por um corpo organizado em


sua ossatura e musculatura, tem a amplitude de um suspiro de alívio, e
está sujeito à passagem da respiração através das pregas vocais, na
garganta, para criar as vibrações que são reconhecidas como uma voz
individual. A respiração depende dos pulmões, que se estendem até a
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metade do dorso. A musculatura da respiração é entretecida em torno da


caixa das costelas, continuando por baixo dos pulmões, no diafragma,
conectando-se com a coluna vertebral e enraizando-se profundamente na
pélvis. Não é metafórico dizer que o corpo respira.

O reconhecimento da respiração deve identificar o


movimento que se inicia no centro do diafragma e expande o corpo em
seis direções, na inspiração, permitindo a sensação de tridimensionalidade
do tronco que é, então, um invólucro em torno do ar. O movimento
inverso, de retorno das seis direções para o centro, na expiração, dá uma
primeira noção de apoio, resultado da pressão da musculatura do torso,
em torno do ar, para voltar à sua posição inicial.

A coluna vertebral é parte fundamental da respiração. O eixo


central da coluna é indispensável para prover a força do movimento para a
respiração, nas direções alto e baixo. A pressão negativa do ar, na pélvis,
cria uma troca com a parte superior do corpo, no enchimento dos pulmões,
dando suporte à respiração. Se a coluna permanecer rígida, se as vértebras
perderem sua ação seqüencial, isso vai afetar a respiração e, por
conseqüência, a qualidade do som.

Esta respiração consciente integra a representação como


um elemento visual e espacial, quando é concebida e utilizada dessa forma
ativa, tridimensional. Configurada assim, amplia as possibilidades de
significação ao propor a percepção da vida no corpo, revelando como se
faz, enquanto faz, como pensamento físico.

A respiração é o início do som vocal, tanto quanto da ação e


do movimento, e funde esses esforços num impulso único; voz, ação e
movimento terão a amplitude que tiver o impulso interno, inicial, da
respiração num corpo sensível para reconhecê-lo e dar-lhe forma.
22

A opção por somar o corpo ao trabalho sonoro torna a


respiração consciente indispensável e faz necessário aprender um modo
de respirar que sustente a ação e o som encontrando, no corpo, o impulso
que vai criar a coordenação entre os dois.

Trabalhar dessa forma alinha a presença e a abertura


estrutural do corpo, que se torna suporte para um som claro e aberto. A
qualidade do som reflete o estado do corpo e o que, nele, está vivo. Se
houver tensão, o som vai refleti-la. Se o corpo estiver aberto nas
articulações, respirando livre e sem tensão na musculatura, a voz vai
refletir este estado.

A respiração age sobre a percepção. Cria, no corpo, uma


tendência fisicamente mais receptiva, muscularmente mais suscetível. O
estado do músculo deixa de ser resistente ou frouxo para se tornar
equilibrado. O que fica como base, organicamente, esqueleticamente e nos
tecidos, é organizado para se tornar mais receptivo às mudanças de
temperatura, posição, espaço, peso do corpo, respondendo mais
prontamente aos domínios de ação propostos pela emoção.

A respiração consciente e a percepção diferenciada do


corpo são procedimentos fundamentais para a produção do som vocal na
perspectiva de sua fisicidade. É a respiração que determina como se cria o
som no corpo porque seu percurso e espaço abrem, antes, o caminho da
sensação e da percepção.

É fundamental, para o imaginário, buscar ver além do


mecanismo funcional da respiração. Há uma energia respiratória, no corpo,
que está além do simples ato de respirar, num nível mais profundo, numa
experiência corporal total.
23

O elo entre a respiração e a energia interna é dado pela


sensibilidade e depende dela para o desenvolvimento de uma capacidade
de expressão ampliada. Alguns atributos podem ser ligados à voz do ator:
extensão, variedade, beleza, clareza, poder, intensidade. Mas é a
sensibilidade que valida todos eles que permanecem nebulosos se não
refletirem a extensão das sensações, a variedade do pensamento, a beleza
do conteúdo, a clareza da imaginação, o poder das emoções, a intensidade
do desejo de se comunicar. Se a comunicação do interior para o exterior
pretende ser verdadeira, as energias que abastecem os músculos da voz
precisam estar afinadas, com extrema sensibilidade, às energias ainda
mais refinadas da criação.

Nessa opção de trabalho vocal, é preciso partir do


entendimento de que cada corpo tem seu próprio ritmo e pode encontrar
sua própria respiração. O corpo pode usar mais de si mesmo do que
apenas a superfície muscular.

Mais do que propor formas - inspirar aqui, expirar ali - é


preciso perceber como o corpo quer usar a respiração a cada situação.
Inicialmente, para orientar o movimento, pode-se propor uma seqüência
de respiração, mas é possível reverter esta ordem de inspiração e
expiração em relação ao padrão do movimento. Pode-se propor o início da
inspiração a partir da região central da coluna, ou a partir da periferia -
braços e mãos, pernas e pés -, revertendo a ordem ao propor a expiração
na mesma seqüência de movimentos. A reversão de padrões é fundamental
para despertar o corpo.

Nossa primeira relação com o som é através da respiração.


Assim, o trabalho com a respiração deve ter improvisação, atividade,
estímulos, consciência, sensação física e atenção à percepção.
24

O corpo quer respirar plena e confortavelmente. A tentativa


de se manter dentro de padrões familiares restringe a respiração. Respirar
traz vitalidade, que traz sensações que podem trazer o novo e, às vezes,
há a tentativa de evitá-las. O trabalho deve, então, instalar um espaço
diferenciado, dedicado à construção de elementos que se destinam a uma
finalidade específica, a representação, permitindo a liberdade do corpo
para que as sensações aconteçam. Trabalhar estas relações permite e
propicia que a respiração se torne multidimensional.

A voz se organiza com a ação do diafragma, num trabalho


de coordenação seqüencial entre os músculos abdominais e torácicos, na
inspiração e expiração. Esse arranjo se equilibra com o aparato vocal que
permite a saída do ar para a produção do som.

A ação do diafragma, que se contrai ativamente na


inspiração, expandindo o corpo, descontrai-se na expiração. Os dois
movimentos são coordenados à força da liberação do ar através do laringe
e das pregas vocais, resultado da pressão exercida pela musculatura do
tronco no retorno à sua posição original. A intensidade do som depende
desta relação. Manter a imagem de um centro, do qual parte e para o qual
retorna o movimento da respiração e do som, traz o benefício fisiológico
do equilíbrio da pressão do ar sobre as pregas vocais, apurando o timbre:
ar demais força uma separação sustentada das pregas, provocando sopro.
No entanto, equilíbrio não quer dizer contenção. A imagem do suspiro de
alívio é proposta exatamente para afastar a idéia de resistência, de
restrição.

A cada tom, as pregas vocais vibram - para cima e para


baixo e de lado a lado - numa freqüência específica. Um tom alto tem
freqüência de vibração mais rápida do que um tom baixo. O tom também
depende da espessura das pregas: se grossas - baixo - ou delgadas – alto.
25

A abertura e fechamento das pregas cria uma fenda no meio do laringe:


se ela se alarga, o tom é baixo; se ela se estreita, o tom é alto.

Há mais do corpo envolvido nessa relação de respiração, voz


e tom.

O diafragma pode ser considerado apenas nesse trabalho


com os músculos abdominais e torácicos na respiração. Há, porém, uma
outra imagem que o visualiza como uma camada estendida entre duas
regiões de órgãos - a de cima contendo pulmões, coração, esôfago e a de
baixo, sobre a qual o diafragma descansa, contendo estômago, intestino,
rins, fígado... Os órgãos e seu peso têm mobilidade, dentro do tronco,
movimentando-se para cima e para baixo com a ação do diafragma. Se os
órgãos não estiverem rigidamente tensos, em seus lugares no torso e, sim,
mais sensíveis, respondendo à ação do diafragma, ele pode trabalhar de
forma mais plena e efetiva. Para isso contribuem o alongamento e a
liberação da coluna, articulações e musculatura do tronco, ampliando os
espaços internos do corpo e tornando a possibilidade de ressonância do
diafragma mais aberta e livre para se expandir por entre os órgãos,
incrementando a intensidade do som.

A emissão do som é muscular e sua anatomia ganha


contornos nas alterações dos canais por onde fluem livremente suas
vibrações, na abertura e posicionamento da boca, nas possibilidades de
encontros entre a língua e o palato, no desenho dos lábios, ajudando a
criar texturas, cores, timbres, em formas que a fonética chama de vogais,
cujas características individuais decorrem de uma acomodação dos sons
nas cavidades de ressonância do corpo. Tonicidade e plasticidade em toda
a musculatura que forma a boca, liberdade de movimentos para os
maxilares, na prática, aumentam e refinam a emissão do som em sutilezas
na revelação de emoções, impressões e sensações através do som.
26

O som que emerge de sua fonte profunda, no corpo,


projeta-se no espaço como um jorro contínuo, em torno do qual a boca
recorta e esculpe formas sonoras.

A boca é tridimensional e seu formato e espaço de


ressonância conduzem o som para o espaço externo.

A articulação e suas possibilidades de experimentação põem


a voz em movimento, estabelecendo a ligação entre os sons numa ação
coordenada de resistência e adesão dos lábios, língua, palato, dentes,
maxilar à saída do ar, definindo os ruídos nomeados como consoantes.

Um procedimento muito comum no trabalho vocal, utiliza a


criação de sons que, escutados, são guias para ajustes feitos sobre sua
forma externa, sobre a matéria que já não está mais no corpo, dispersando
a integridade do trabalho interno. Mas há uma outra escuta possível, com o
corpo, fundamental quando se trabalha, primeiro, a sensação do som. É
um ouvir sensível; sentir/ouvir e promover ajustes nas bases internas para
alterar os resultados. Apenas escutar e manipular o resultado sonoro é
fazer duas coisas separadas, quebrando a unidade que deve presidir o
desempenho.

Este trabalho não é para ser realizado com o pensamento


crítico, buscando aquilo que soa bem. Ele deve acontecer num nível mais
puro, focado, antes de tudo, na expressão do corpo, na sensação do som e
na resposta, no corpo, a esta sensação. Esta atitude isenta da obrigação de
tentar soar bem antes de estar apto a se expressar com a voz. Há, aí, uma
orientação diferenciada, menos avaliadora, que muda a qualidade do som:
ele se torna mais pessoal.
27

O som que, em sua produção, contém um corpo, é mais


enraizado nas emoções e soa diferente, tem outra textura. Os tons se
tornam mais plenos, mais ricos, com mais harmônicos, que vão
caracterizar melhor o som. Caracterizá-lo a partir daquilo que é dado pelas
sensações geradas pela vibração, mais do que a partir daquilo que o som
parece ou deve ser, inicialmente. A partir daí o desenvolvimento pode se
dar pelo uso do ritmo no corpo, do espaço, das dinâmicas do movimento e
seu peso na criação do som. Este é um tipo de orientação particularizada
na construção da voz poética.

A associação do movimento físico ao som não supõe uma


sincronicidade nem uma imitação. O corpo não se limita a duplicar o som e
o som não fica preso à reiteração do corpo: eles interagem.

Alinhando o impulso, a intenção da fisicalidade com o som,


é possível encontrar a fonte comum com o movimento, no corpo. A
interação traz algo consigo que revela não serem, ambos, um único
elemento. O impulso criado no corpo não precisa ser sempre sonorizado;
nem todos os sons têm de ser refletidos no movimento. Também há
silêncio e imobilidade. Corpo e som podem interagir num percurso mais
vital e menos previsível.

O potencial do trabalho com movimento - mesmo que em


alguns momentos este não aconteça - desenvolve a habilidade de imaginar
o movimento do corpo no espaço, o que é importante para a produção
sonora como ação; se o som existe como um pressuposto, no movimento,
a concentração e o movimento serão diferenciados, mesmo que os sons
não se concretizem.

Procedimentos ancorados em princípios definidos e


conceitos claros, abrem a prática a uma experimentação sem restrições: o
28

que deve ser preservado é a concepção que, construída pela experiência


de cada um, sustenta a atitude do artista no confronto com os desafios de
seu ofício.
29

II

tantas palavras
30

2.1. o dito pelo não dito

A condição que a oralidade assume no século XXI é muito


diferente da de outras épocas. Houve períodos de grande silêncio onde a
voz ressoava sobre a matéria e o mundo inteiro repetia seu eco; a
atualidade está imersa em ruídos incompreensíveis entre os quais a voz
mal encontra seu espaço acústico.

A experiência do pensamento e da linguagem transferiu-se


definitivamente do corpo para a cabeça: a consciência de “quem sou”
instalou-se no cérebro e a função do corpo passou a ser a de transportar o
ser que “pensa, logo, existe” de um lugar para outro, o veículo de um self
que paira acima dele. A linguagem se transformou numa ferramenta no
cotidiano de uma sociedade marcada pelo pensamento racional: atrelada
ao fazer, a relação condicionada e inconsciente com as palavras é
puramente utilitária, limitando a imaginação, impedindo a linguagem de
integrar a totalidade do corpo e inibindo a função que a voz tem de revelar
o self. Ligadas às idéias e desligadas dos instintos, as palavras se tornam
signos puros, abstratos, e a vocalidade do discurso que geram é frágil.

A voz deste século é produto de muitas vozes condicionadas


a falar sobre as emoções mais do que a revelá-las, tornando o que não é
dito muito mais dramático do que o que se diz, pois não há palavras
adequadas para expressar o como dessas emoções. As referências da
realidade são dadas por uma cultura que tornou o “pensar” muito distinto e
separado do “sentir”. O resultado é uma voz domesticada, confinada aos
limites do comportamento do século XXI que se convenceu de que as idéias
impressas - lógicas e intelectuais - e a palavra falada são uma coisa,
enquanto corpos e emoções são outra.
31

Essa separação criou, para as artes da voz, um abismo entre


a criação e a comunicação oral. Movendo-se horizontalmente, numa
proposta linear, experimentada entre a cabeça e a boca, a linguagem
transmite significados puramente cerebrais: não se presentifica naquele
que fala, perde a autoridade que transcende o locutor, desligada da
totalidade humana de intelecto e emoção. Banida do corpo, a palavra
resulta numa comunicação frágil, falsa. Essa desconexão leva muita gente
de teatro a afirmar que a palavra, no texto dramático, é um equívoco.
Estranho e persistente equívoco que perdura ao longo dos séculos, cobre
oitenta por cento do que produz esta forma de arte e que já foi
solucionado pelo poeta quando disse: “Quer ver? Então, escuta...”3 Um
equívoco nascido do desconhecimento ou do esquecimento do significado
da voz e da fala nas artes que, por elas, se materializam, fazendo-se ver.

Mesmo neste novo século, quando tudo está em


desconstrução e a palavra encena o drama da linguagem num mundo que
vai substituindo o real pelo virtual, pondo fim ao imaginário, abre-se um
espaço para que a voz continue traduzindo a condição humana. E nas
formas de representação, essa tradução há que se fazer pelo entendimento
dessa função e não pelo seu abandono.

Os ouvidos do século XXI também estão condicionados a


perceber o que ouvem mais cerebralmente do que nos períodos de tradição
oral. No entanto, um corpo-total falando continua sendo operativo,
fazendo-se ouvir, pois não pensa apenas cerebralmente: possibilita, às
palavras, que criem uma experiência sensorial, emocional e imaginativa, à
qual deve responder por impulso, dando lugar ao pensamento
experienciado, ao pensamento encarnado. Esta experiência pertence aos

3
Verso de Francisco ALVIM no livro de poemas Elefante.
32

domínios da palavra poética no exercício de seu poder fisiológico, de sua


condição de organizar a substância sonora.

Apesar das condições adversas, hoje como antes, há um


incessante discurso da sociedade sobre si mesma, e uma necessidade de
vozes que escapem ao desgaste do utilitário. E o teatro continua ocupando
seu espaço como uma forma permanente, eminente e altamente elaborada
de arte oral, quando não pela produção e conservação, sempre pela
transmissão e recepção porque, no calor das presenças simultâneas
emerge o poder da voz poética de exaltar essa comunhão, no
consentimento ou na resistência.

Nos discursos comuns, a relação condicionada e


inconsciente com as palavras exerce uma função utilitária, linearmente, em
associação de idéias. No uso corriqueiro da língua, a fala cotidiana não
utiliza mais que uma pequena parte dos recursos da voz; a amplitude e a
riqueza do timbre não são, aí, pertinentes. O papel do aparelho fonador
limita-se a emitir sons audíveis, de acordo com uma fonética que não
impõe exigências fisiológicas. A voz permanece retraída e não assume sua
liberdade.

Quando elemento de representação, porém, a fala é ação


vocal que desencadeia impressões por associação de imagens sonoras que
cria ao despertar e explorar as potencialidades da voz e apropriar-se da
palavra.

Como ferramenta do cotidiano, a linguagem domina a voz;


como instrumento poético, amplia seu poder ao engrandecer a palavra, ao
sobrepor-se ao discurso e criar um invólucro sonoro que acaba por
encobri-lo.
33

Uma voz se manifesta ao longo de dois extremos: a fala e o


canto. É pela oposição entre o dito e o cantado que se define o modo vocal.
Ao falar interessa o quê é dito; ao cantar, a maneira de dizer. Da fala ao
canto há um processo de corporificação, as formas elementares do som se
transformando na substância mesma da expressão. Ao longo desse
percurso, a fala poética, dadas suas intenções, dilui a fronteira entre os
dois modos, aproximando-se do canto e diferindo dele apenas pela
amplitude. Em toda fala poética, pois, existe a pressuposição do canto.

“... o cantar faz nascer uma outra voz dentro da


voz. Essa, com que falamos, é muitas vezes a emissão de uma
série de palavras sem desejo, omissões foscas e abafadas de um
corpo retraído, voz recortada pela pressão do princípio de
realidade. Independente da intimidação da voz que fala, a fala
mesma é dominada pela descontinuidade aperiódica da linguagem
verbal: ela nos situa no mundo, recorta-o e nos permite separar
sujeito e objeto, à custa do sistema de diferenças que é a língua.
No entanto, o canto potencia tudo aquilo que há na linguagem,
não de ‘diferença’, mas de ‘presença’. E presença é corpo vivo:
não as distinções abstratas dos fonemas, mas a substância viva
do som, força do corpo que respira.”4

No uso comum da fala, a presença física daquele que diz é diluída e se funde entre as
circunstâncias. No uso poético essa presença se afirma e reclama a plenitude de seu espaço ao manifestar uma
interioridade que é livre para invadir fisicamente o outro: ao desejo de dizer, a fala poética soma a vontade de
conseguir o reconhecimento de uma intenção, de provocar a submissão à força expressiva da voz.

Para atingir a plenitude de seu intento, uma voz desenvolve


a condição técnica de transformar os contornos físicos e sensoriais de
conteúdos abstratos em substância da representação. Esse processo, na
atualidade, tem início na confrontação do condicionamento social que
fragmentou a capacidade de falar poeticamente.
34

2.2. o verbo encarnado

O trabalho do intérprete compõe uma inscrição do poético


no corpo. Esta inscrição se refere ao significante que marca o corpo, que o
desenha, que o põe em movimento, que o produz e que, gravado no corpo,
como voz e movimento, deixa-se ler, dando-se ao olhar, e ouvir, como
sons que compõem uma musicalidade. Por essa inscrição, o espectador é
conduzido e tomado pelo corpo do intérprete que deve prestar-se menos
ao que o texto supostamente pode significar, mas principalmente ao que é
estimulado e posto em movimento diante de sua escuta dos significantes
do texto e da inscrição destes no seu corpo.

Na voz, há um potencial inato para uma vasta escala de


tons, harmonias e texturas. Sua articulação, num discurso claro, responde
a um pensamento claro e ao desejo de comunicar. Assim, à voz
configurada - e não inibida - pelo pensamento cabe revelar - e não
descrever - os impulsos e processos internos da palavra significante para
que se faça ouvir aquele que fala, e não apenas sua voz.

O condicionamento social e o desenvolvimento da tecnologia


da comunicação causam interferência direta na conexão das palavras com
o aparato sensorial do corpo. Como elemento de representação, na
configuração das artes de transmissão oral, cabe à voz restabelecer esta
ligação, não para retomar um modo antigo e incompreensível de falar, mas
para revelar as energias sonoras que formam o discurso e reverberam em
sentidos não-verbais inesperados.

4
José Miguel WISNIK. Onde não há pecado nem perdão, apud Luiz TATIT, O Cancionista, p.15.
35

A construção da vocalidade começa pelo reconhecimento


das respostas sensoriais, sensuais, emocionais e físicas contidas nas
vogais e consoantes que constituem as palavras.

A beleza de uma vogal não reside na correção de sua


pronúncia, de acordo com um modelo arbitrário; está na sua musicalidade
intrínseca, sua sensualidade, seu movimento gerador interno, seu tom
étnico, sua expressividade. Compostas por vibrações da voz humana, as
vogais são moldadas por alterações sutis no formato dos canais por onde
fluem essa vibrações. Como os canais se estreitam ou se alargam, as
vibrações também mudam sua forma - emissão5 e altura6 - para criar, na
entoação7, os elementos fundamentais da música da fala. Quando a
entoação da vogal se funde com as inflexões do pensamento, o resultado é
a harmonização de uma multiplicidade de aspectos.

As vogais podem ser vistas como o componente emocional


da construção das palavras e as consoantes como seu componente
intelectual. As vogais pedem o canal aberto da respiração até a boca. As
consoantes são formadas por oposição de partes da boca à passagem do
ar, criando explosões, reverberações, zunidos e liqüescências por meio da
respiração e da vibração. Por sua conexão direta e ininterrupta com a
respiração, as vogais podem se ligar diretamente à emoção, desde que o
impulso inicial do ar esteja ancorado no diafragma. O plexo solar -
primeiro centro nervoso receptor e transmissor emocional - entrelaça-se
às fibras do diafragma. A emoção, o desejo, e o impulso criativo estão
intrinsecamente ligados ao sistema nervoso central. As consoantes
fornecem uma experiência sensorial traduzida em estados de espírito,
modulando e canalizando as vogais em percursos que fazem, se suas

5
A emissão caracteriza uma voz e uma fala pois diz respeito à forma dada ao som pelo trabalho da
musculatura dos órgãos fonadores (palato mole, língua, lábios), definindo o que se pode chamar de postura
vocal.
6
A altura, juntamente com a duração e a intensidade, é um dos parâmetros do som.
36

emoções, sentido. O som das consoantes comunica-se mais externamente,


através do corpo, dando origem a estados de espírito e efeitos, mais que
emoções. As vibrações das consoantes trabalham através dos ossos, dos
músculos, da pele, para sua percepção. As vogais tem acesso direto ao
plexo solar.

Consciente ou inconscientemente, um bom compositor de


textos utiliza sons internos às palavras para transmitir impressões e
acentuar sentidos. E não o faz apenas através das imagens que cria mas,
também, através dos sons das palavras com os quais constrói as imagens.

As vogais e consoantes são agentes sensoriais do discurso.


Elas comunicam informações nas ondas sonoras, transmitem sentidos não-
verbais de quem fala para quem ouve. Entrar no tom de um texto, para
poder comunicá-lo totalmente, significa tornar-se permeável à sensação
das vogais e consoantes, à anatomia das palavras tanto quanto ao seu
significado. Para a voz isto quer dizer: restabelecer a ligação da fala com o
corpo, permitindo que os sentidos sejam informados pelo gosto, toque,
cor e sonoridade das palavras, que o som aja fisicamente, que o conteúdo
físico, sensorial, sensual e emocional das vogais e consoantes seja
experimentado. O encontro daquele que diz com os significantes que
organizam o texto é sensual: constitui um prazer por meio da pronúncia e
do saborear das palavras que, como materialidade corpórea, chegam ao
corpo do espectador pelo ouvido e pelo olho.

Para Roland Barthes a escritura vocal não é a fala e consiste


no que Artaud recomendava:
“a escritura em voz alta não é expressiva..., ela
pertence... à significância; é transportada, não pelas inflexões
dramáticas, pelas entonações maliciosas, os acentos

7
A entoação é a curva melódica criada pela fala, garantia de seus sentidos.
37

complacentes, mas pelo grão da voz, que é um misto erótico de


timbre e de linguagem, e pode portanto ser por sua vez, tal como
a dicção, a matéria de uma arte: a arte de conduzir o próprio
corpo... Com respeito aos sons da língua, a escritura em voz alta
não é fonológica, mas fonética; seu objetivo não é a clareza das
mensagens, o teatro das emoções; o que ela procura (numa
perspectiva de fruição) são os incidentes pulsionais, a linguagem
atapetada de pele, um texto onde se possa ouvir o grão da
garganta, a pátina das consoantes, a voluptuosidade das vogais,
toda uma estereofonia da carne profunda: a articulação do corpo,
da língua, não a do sentido, da linguagem.”8

As informações sonoras, contidas nas vogais e consoantes,


vão se justapor na formação das palavras, estabelecendo o poético do
discurso, a criação de alguém que assume uma nova relação simbólica com
o mundo. Nele, as energias da linguagem se desenvolvem em circuitos que
são, ao mesmo tempo, introvertidos e extrovertidos.

O desenvolvimento da capacidade de falar poeticamente


depende, pois, da consciência de como as palavras devem ser ditas.

É fácil afirmar ter ouvido e, portanto, entendido as palavras.


É o que se faz o tempo todo. As palavras são um hábito; o pensamento
segue parâmetros. Uma experiência diferenciada e mais profunda deve se
livrar da audição e seu significado, parar de ter a audição como garantia de
saber o que se ouve e, portanto, entender o que é dito.

O poético permite que o intérprete possa suspender o nível


do significado para trabalhar no nível do significante que, por não
constituir um sentido preestabelecido, afeta o corpo em sua materialidade
sonora.

8
Roland BARTHES. O Prazer do Texto, p.85-86
38

Essa perspectiva considera o prazer provocado pela inscrição


do poético no corpo. Corpo que, então, mostra-se como resultado de
uma dada rede organizada de significantes que o produz. Trata-se de
entender o poético como aquilo que, por se sustentar no jogo de
significantes traz, por isso mesmo, a possibilidade de rupturas, de
surpresas, de criação, de novo e de exploração dos sons de uma língua no
que esta, em sua ordem – e (diz!)ordem – autoriza e desautoriza em termos
de jogos metafóricos e metonímicos.

Quando as palavras são vistas, saboreadas, sentidas,


tocadas, elas criam profundidade e rompem os padrões estabelecidos do
pensamento; despertam emoções, memórias, associações e detonam a
imaginação; trazem vida. A necessidade de algo concreto nas palavras
associa-se à paixão do processo criativo do artista: as palavras devem ser
as coisas, devem ser os sentidos, devem ser as emoções para poderem
revelar a profundidade da condição humana.

Transferir a palavra, da página impressa, para o nível


sensorial, constitui um processo artesanal: o caráter e a função autônomos
de cada palavra devem criar vida na imaginação e ser experienciados nas
centrais e terminações nervosas dos sistemas sensorial e emocional; o
sentido experienciado da palavra, então, pode ser encaminhado aos canais
das vibrações pelos articuladores de desejo que são as vogais e
consoantes. A palavra, na página, ganha sentido na imaginação; seu
sentido torna-se imaginação experienciada no corpo; o sentido
experienciado transforma-se na palavra falada.

A imaginação está ligada à criação de imagens, concretas ou


não. Uma imagem, no pensamento, pode ser pura e simplesmente
contemplada com os olhos da mente; ou pode envolver, provocando
39

impressões, emoções, despertando reações: experienciar é diferente de


apreciar. Um diz respeito a pensar sobre; outro significa apenas pensar. Se
tratadas como signos puros, as imagens geram um discurso vazio;
experienciadas, criam uma ação interna a ser revelada, de modo direto e
transparente, pelas palavras. Assim, aquilo que deu origem à linguagem vai
dotar as emoções de um sentido inteligente se, apenas, se falar.

Intrínsecas às palavras, as imagens revelam a linguagem


como uma arte ao mesmo tempo figurativa e abstrata, guiando mais
diretamente, com menos justificativas, à emoção do que a lógica racional.
Quando concretas, a visualização é facilitada; quando abstratas, pedem um
pouco mais de empenho do imaginário na formação do olhar. Introduzir a
visão ao sentido da palavra permite a emergência e a multiplicação das
imagens. Independente de sua categoria, qualquer palavra é passível de
associação e conexão com as emoções ou os sentidos, variando seu grau
de intensidade de acordo com seu conteúdo, revelando o emocional e o
racional que há na linguagem. Todas acordam modos de ser, estados de
espírito, sensações, emoções. Todas são passíveis de representação: re-
apresentam o despertar interno da condição humana, integrando um
imaginário.

Explorar vogais, consoantes e suas combinações dá acesso a


sensações e energias do som e abre a possibilidade de organizar o caos
sonoro ao propor alguma coisa que pode ser ouvida, vista, trocada entre
pessoas. As coisas se organizam pelo estabelecimento de relações e pela
proposta de uma certa progressão dos elementos. Assim é possível ver
como os elementos afetam uns aos outros e como podem ser usados em
combinações complexas, a partir da escolha de possibilidades.

As vogais, p.ex., têm relação com o espaço. É possível


projetá-las e fazê-las moverem-se. Cada uma delas tem qualidade e
40

formas diferentes no corpo, bem como senso de direção no espaço. A esta


exploração devem se juntar as consoantes, que vão alterar a textura e
propor a sintaxe.

Experimentar as possibilidades de articulação, mesmo que


fora dos limites do uso comum dos sons, dá liberdade e conduz à
compreensão da fisicidade presente na construção da mecânica da palavra.
Se as possibilidades de articulação forem vistas como formas, é possível
esculpir o som numa seqüência de movimentos, ou coreografar os
movimentos da boca construindo um móbile de som.

A proposta é criar uma ‘palavra’ por meio de processos


físicos, mais do que através de um conceito intelectual sobreposto a uma
coleção de sílabas. O objetivo é abrir, no sistema nervoso, tantos canais
quanto seja possível, que respondam a uma palavra quando ela é recebida
ou concebida pelo corpo. Enquanto a boca molda fisicamente as vibrações,
o corpo é contaminado por um movimento próprio, interno, que se
manifesta até o exterior. O resultado que se ouve, nesse momento, deve
ignorar o retorno mental em favor da consciência física. Esta palavra pode
ser usada como base para improvisações que mantenham a ‘coreografia’
mas permitam que as mudanças de energia alterem suas qualidades -
ritmo, volume, tom, direção -, impedindo que ganhe um sentido literal ou
seja transposta para um contexto familiar. A palavra física serve para guiar
a uma comunicação não referencial.

Este mesmo modelo pode ser aplicado a palavras já


existentes. Uma seqüência que tenha início com onomatopéias deve, a
princípio, ignorar seu significado. É na elaboração de suas formas, no
corpo, que se construirá uma imagem, ou sentido, formado pela coleção de
sons. Este sentido físico, que se soma às vibrações do som, provoca
sensações, associações, movimento. As palavras com imagens concretas,
41

anatomizadas, inspiradas para o centro do corpo, geram sensações que


vão encontrar o som, moldado pela boca, como se precisassem daquelas
formas específicas para se expressar, fazendo-as servirem à imagem. As
sensações se manifestam por meio da palavra que pode contê-las.

O mesmo se dá com as palavras de imagem abstrata, de


ação e de ligação. Na construção de uma seqüência, o que se exercita é a
condição de deixar que uma imagem siga a outra, deixando as sensações
fluírem de imagem para imagem. O objetivo é permitir que as palavras,
conectadas ao corpo, via imaginário, alterem a voz criando sentidos para
além dos significados. As imagens guiam mais diretamente, com menos
justificativas, à emoção do que a lógica racional.

Essa conexão profunda e instintiva das palavras com o


sensorial encaminha para uma compreensão mais total do texto, tornando
a fala mais apta a revelar do que descrever o conteúdo interno da
expressão: a palavra, de símbolo, torna-se feita carne.

Na relação com um texto é preciso encarar os sentidos


acumulados que as palavras acabam por constituir em suas várias
combinações. Uma categoria de palavras liga-se a outra, estabelecendo
relações e criando o drama da linguagem na geração de novas imagens.
Falar, nesse caso, demonstra as relações entre emoção, impulso instintivo,
resposta sensorial, ação física e vocal. Este quadro de trabalho é
complementado por uma inteligência racional que molda tudo isso em
formas que constituem sentidos e significados. Este pensamento não deve
estar sufocado pela emoção, nem disfarçado por defesas, nem confundido
por impulsos anárquicos.

Desenvolver e experienciar o percurso de respostas palavra-


imagem-emoção pede a modificação de hábitos arraigados. No caso da
leitura, o hábito preexistente é, provavelmente, linear: ler rapidamente as
42

linhas impressas para saber, ao final, quais as informações que contêm.


Isto não é errado. Mas não é tudo. Deixar de lado o interesse pelos
resultados faz parte do processo.

A leitura em voz alta, feita da forma habitual, segue um


padrão: palavra impressa - olho - lobo frontal - pensamento sobre - fala
sobre. Modificar este hábito pede um novo modelo: palavra impressa -
olho - imagem - respiração - sensação - experiência/memória/emoção -
som - palavra falada. O corpo torna-se mais sensível às sutilezas dos
impulsos do pensamento/respiração/som quando o olhar físico e o mental
tornam-se um só. A matéria densa do corpo refina-se na matéria sutil das
ondas de som e pensamento e as palavras ganham um estado físico mais
sólido, tornam-se sensorialmente familiares, criando sua própria reserva
de associações, memórias, melodia e ritmo. Esta reserva garante vida,
caráter e independência às palavras, enquanto constróem um sentido geral
que será revelado com um significado mais profundo do que aquele
alcançado pelo esforço puramente intelectual.

A abordagem do texto, já escrito ou improvisado, pode


trabalhar fixando temas e estruturas e experimentar sobre os ritmos,
alternando sentidos ao alterar palavras e ou relações entre elas.

As formas tornam-se menos abstratas e arbitrárias,


tornando possível expressões verbais e físicas originadas mais diretamente
nas emoções, por meio dos sons.

A voz cria ligação entre várias coisas que vêm do corpo,


enquanto ele dá sentido à produção verbal.
43

2.3. a forma do tempo

Além dos parâmetros sonoros, a publicação oral é definida e


pode ser avaliada pelos parâmetros prosódicos9, que emergem, na
performance, da competência do intérprete: o texto, isolado das
circunstâncias da publicação, quase não possui forma rítmica; o que vai lhe
dar feitio é a voz do intérprete, respondendo às exigências concretas e
imediatas de cada fala ou canção e das reações e movimentos do público.

O trabalho do intérprete é marcado por uma dimensão


espacial e por uma dimensão temporal, isto é, pelo ritmo que faz da
musicalidade que há no texto. Essa rítmica se propõe na relação que é
estabelecida com o texto ao tratá-lo em sua materialidade, ao tratar a
palavra como coisa: deixar-se mover e comover por uma materialidade que
é anterior aos significados depositados no texto, materialidade que é puro
som, portanto física, por vezes sujeita ao nonsense e sujeita a ritmos que
desenham o corpo do intérprete no seu encontro sensual com a palavra.
Vislumbrar a palavra como coisa possibilita ser capturado por esses ritmos
que surpreendem o corpo do artista e, por conseqüência, o corpo do
espectador que participa do jogo.

A impressão rítmica criada pela publicação está ligada a


fatores de duas naturezas: visual e auditiva, a primeira referente ao corpo
e, a segunda, à voz. Os fatores auditivos impressionam em dois níveis:
• o que produz efeitos rítmicos no plano da construção das
frases, dos motivos, das palavras ou do sentido e que, para ser percebido,
exige conhecimentos lingüísticos e memória auditiva treinada;

9
Considerada, gramaticalmente, a parte da fonética que tem por objetivo a exata acentuação tônica das
palavras, sua pronúncia regular, prosódia, aqui, é tomada em um sentido mais amplo, englobando tudo que
resulta no ritmo da palavra poética.
44

• o que produz efeitos rítmicos através da manipulação dos


sons, perceptíveis de imediato, mesmo que a língua utilizada seja
desconhecida.

Assim, além do conteúdo inteligível - primeiro plano


auditivo da linguagem, compreendido no significado das palavras -, cabe à
fala poética transmitir sons e ritmos - plano auditivo mais profundo, que
organiza a substância sonora, dando-lhe ordenação humana.

A concorrência dos dois planos vai estabelecer um jogo que


se desenvolve no espaço da publicação e produz a poesia, que nunca é a
mesma: cada publicação cria seu próprio ritmo, ainda que as unidades
utilizadas permaneçam as mesmas. Em se tratando das artes da voz, a
medida10 não pode ser considerada apenas como quantidade, mas como
um aglomerado de qualidades.

Tendo sua origem na natureza física e sendo, por isso


mesmo, universalmente reconhecidos, os ritmos são percebidos,
explorados e conotados de diferentes modos pelas diversas culturas, para
constituir um sentido que, na língua, não tem outros meios de tradução. A
maioria das culturas estabelece sistemas rítmicos convencionais cujas
regras são elaboradas a partir de costumes musicais ou lingüísticos.

Quando estabelecidas sobre os traços da língua, as


convenções são orientadas pela estrutura natural do idioma e, quase
sempre, dão propriedade às unidades percebidas como as mais simples: a
periodicidade dos acentos, das palavras, das formas gramaticais, das
figuras e dos sons. A complexidade física desses últimos abre um sem
número de possibilidades, conforme a convenção privilegie as oposições

10
A medida rítmica da música ou do verso costuma ser definida pela repetição periódica de um sistema de
acentuação e divisão do tempo. Às vezes, por uma imposição convencional, a medida pode se tornar injusta,
num compasso determinado; será sempre justa enquanto respeitar o tempo, ou melhor, a pulsação.
45

de altura, de intensidade, de duração; valorize o agudo, ou o grave, o claro


ou o escuro, o difuso ou o compacto. Assim, na fala, a estruturação do
ritmo, além dos elementos da acentuação, quantitativos ou tonais da
prosódia natural, abrange o timbre11 dos sons.

O principal aspecto do nível poético do discurso,


intencionalmente estruturado, está na ordenação alcançada pelo domínio
dos ritmos da palavra, marca evidente da interferência humana na
organização do universo.

Sobre os dois eixos - sonoro e rítmico - , tomados em suas


significações mais profundas, apoia-se a reconstrução e a preservação da
vocalidade e sua integridade como elemento da linguagem de
representação.

11
O timbre é a identidade do som, uma de suas características próprias, juntamente com a intensidade, a altura
e a duração. O timbre é resultado do meio físico através do qual o som é produzido. Na voz humana a
distinção se dá por características físicas individuaistais como espessura e extensão das pregas vocais, ,
estrutura e porosidade óssea do esqueleto, posicionamento da musculatura, etc. distinção se dá por
características físicas individuaistais como espessura e extensão das pregas vocais, , estrutura e porosidade
óssea do esqueleto, posicionamento da musculatura, etc. ,
46

III

jeitinho brasileiro
47

3.1. o material

“A fala não consiste apenas em palavras, nem


apenas em ‘proposições’. Consiste em expressão - a expressão
por completo de um sentido com todo o nosso ser - e
compreendê-la envolve infinitamente mais do que mero
reconhecimento de palavras enquanto tais. A linguagem falada é
colorida com um ‘tom’, embutida numa expressividade que
transcende o verbal - expressividade profunda, variada,
complexa, sutil.”12

A complexidade que cerca a fala teatral - essa oralidade


recriada - engloba vários níveis de discurso a partir de um texto: desde o
puramente técnico - ligado ao desenvolvimento da voz - ao teórico -
ditado pela estética da dramaturgia à fala - e ao prático onde, além das
funções de comunicação, busca-se a ação interna da palavra, e o tom que
a poética da encenação necessita para se completar como linguagem.

Respiração, ressonâncias, emissão, articulação, sonoridade,


tonalidade, sentido da palavra, expressividade, definição da palavra na
estética do texto, postura da fala na poética da encenação, tudo integra a
dinâmica do teatro onde a cena se destina a um público que é parte
integrante do processo de comunicação.

O conceito de processo encerra em si a idéia de interação,


ou seja, o espectador interage. Da mesma forma que um texto dramático
não é teatro enquanto não se realizar como encenação, assim também não
se realizará o processo se, no momento da encenação, não houver
espectadores a serem afetados e que responderão imediatamente, de
forma mais ou menos ativa, aos estímulos, naquilo que é inerente ao

12
Oliver SACKS. A fala do Presidente in O Homem que confundiu sua mulher com um chapéu, p.
48

teatro: o feed-back imediato, a pronta oportunidade de retroalimentação


dos atores num movimento de troca, de causa e efeito, de intercâmbio,
enfim, de verdadeiras relações humanas.

Este processo terá tanto maiores chances de ser bem


sucedido, no que diz respeito à oralidade, quanto maior for a consciência
que tenha o ator de cada um dos níveis de significado que sua fala deve
conter, de cada um dos significados por trás do discurso aparente do
texto, e quanto maiores forem seu esforço e capacidade para lançar mão
de artifícios para fazer-se compreender, para dar a entender sua
representação, revelando ao público todos os níveis de sentido que uma
peça - texto/encenação - propõe à fala.

O despreparo, ou desconhecimento, na relação do ator com


seu instrumental de trabalho interfere e evidencia-se na unidade da
linguagem proposta e é perceptível, mesmo sem uma definição muito
clara, pelo espectador, que é remetido a referências estranhas ao processo,
e altera a totalidade da percepção que se deveria ter da encenação. Assim,
o equívoco na definição da musicalidade estética da fala, o excesso ou a
falta de articulação, a emergência involuntária de regionalismos,
diversidades na sonoridade, comprometem o processo como um todo.

Na fala teatral, cadência, pausa, tempo, ritmo, movimento,


inflexão, modulação, musicalidade, tons combinam-se na criação e
recriação de uma melodia que se vai compondo na entonação proposta, ao
texto, pelas intenções. É o que se pode definir como expressão vocal
teatralmente dimensionada e decididamente construída. Ela é que vai
significar.

O redimensionamento da expressão é o que permite a


representação e a conseqüente apreensão dos sentidos por completo,
49

mesmo que o significado das palavras escape. Dito assim, o trabalho sobre
a fala pode parecer uma inversão da ordem comum das coisas, uma
reversão a algo mais primitivo e elementar, apesar da complexidade
exigida em sua elaboração. E realmente o é: procurar o significado, antes
de sua cristalização em significantes; extrair das palavras seu movimento
interior, seu tom emotivo, antes e além de seu sentido mais evidente - eis
um trabalho para o ator sobre sua voz e sua fala.

O ator que, em sua fala, usa palavras, apenas, pode enganar


tanto quanto pode ser enganado por elas. A arte de dizer se faz pelo som e
o som é matéria. Propor melodias, tons, ritmos ao falar, é retirar as
palavras de uma existência unidimensional para dar a elas um espaço de
ressonância, de vida. A voz em ação une as palavras a significados, na
medida em que a própria sonoridade cria impressões e sentidos
inesperados. O que existe para ser representado, para ser apreendido com
precisão, é a expressão que vai construir a fala numa totalidade que não
se engana como as palavras isoladas.

De como e porquê um ator saiba se perceber como um signo


e fazer uso de cada um e da totalidade dos significados que integram sua
voz e sua fala, na criação de um dizer integrado à linguagem da
encenação, é que se irá definir ou anular o papel da vocalidade. Um papel
que começa pela decisão de impressionar, não pelas palavras, mas pela
materialidade sonora.

3.2. as circunstâncias

Anotações colhidas no contato com o trabalho de atores


sobre sua voz e sua fala, quando na prática de procedimentos técnicos que
visam o exercício da representação, reúnem informações sobre algumas
características da fala nacional, pouco contempladas pelos treinamentos
50

vocais. Assim também, a consciência do que é técnica, de como deve ser


construída, do que buscar nela e com ela, de que deve haver um conceito a
orientá-la, está presente em muito poucos. A inquietação que deveria
animar a criação do ator é substituída pela cômoda e maçante rotina da
repetição mecânica de exercícios, como fórmulas prontas para soluções
preexistentes, e pela ansiedade pessoal quanto ao próprio desempenho.

O trabalho do ator, embora possa ser dissecado, para


comentário, no exame em separado de seus componentes, resulta de um
alto grau de organicidade e interação entre todos os seus elementos, entre
todos os sentidos e seus sentidos. Assim a voz - matéria resultante da
interação de meios físicos - e a fala - produção concreta sobre a abstração
mental do pensamento - não são entidades absolutas ou independentes.
Conjugam-se no corpo criando, com ele, percursos complementares desde
a elaboração do som fundamental até a construção da fala que se realiza
no movimento, assim como as ações e gestos - mesmo que internos -
numa unidade de linguagem.

Forma de existência material do homem no mundo, o corpo,


seu meio técnico primeiro e mais natural, teve, desde sempre, a vocação de
um produto cultural. Criador e criatura, o homem forja seu corpo enquanto
inscreve, nele, as exigências determinadas por grupos sociais ou períodos.
A representação que cada indivíduo tem do próprio corpo lhe é dada por
agentes externos dos padrões culturais que condicionam suas
expectativas, seus valores, à escala do comportamento social. O corpo,
assim, é um objeto que a sociedade trabalha, por meio de muitas mãos,
até sua total adequação a um desejável. Como parte do corpo, a voz e a
fala - também matérias - sofrem as influências do meio ambiente físico e
dos condicionamentos culturais e sociais. Dependem de características
individuais que se combinam à constituição física que vai se definindo num
povo, ao seu ethos, à sua visão de mundo, manifestando-se num caráter
51

específico, numa forma de pensamento, construindo e sendo construídas


por um idioma onde a sonoridade, a estrutura e a função da palavra, onde
a elaboração sintática são índices de uma etnia que, em nosso caso, muito
brasileiramente, está em contínua formação e transformação. Nesse
processo, são por demais conhecidas as influências raciais, a colaboração
estrangeira, além das imigrações, e a capacidade nacional de tudo absorver
e tudo incorporar.

Na voz e na fala esses caminhos vão transparecer nas


qualidades de timbre e sonoridade, vão determinar limites à extensão, vão
dar forma à emissão e movimento à articulação. A investigação, a
identificação, o reconhecimento e o entendimento destas questões são
fundamentais para que um ator possa, servindo-se delas, delas dizer,
transgredindo imposições de qualquer natureza. Sua compreensão e
incorporação como material de trabalho efetivo na elaboração da voz como
integrante estético na criação podem ajudar a definir um caminho à
brasileira para a voz poética como elemento da linguagem de
representação.

Qual é o material para esta criação, a que sons se refere, que


valores resgata, a que realidade se reporta, o que busca para o exercício do
idioma de forma estética? Que elementos são esses a serem transpostos
para a arte de dizer, numa elaboração poética?
52

3.2.1. identidade

Uma voz é capaz de expressar uma extensa gama de


emoções, uma complexidade de estados de espírito e sutilezas de
pensamento, soma daquilo que se adquire pela experiência.

A voz é experiência. Isto significa que a expressão vocal do


indivíduo está diretamente ligada às circunstancias de sua educação, da
classe social e grupo cultural a que pertence, das vozes que o
influenciaram e através das quais aprendeu a falar, do lugar onde se criou
e onde vive, de sua constituição física, emocional e psicológica, de seu
universo imaginário... E se voz é experiência, na vida, ela também o será na
arte. O reconhecimento desse fator torna-se uma chave para o trabalho
vocal do ator e a exploração de suas possibilidades.

Os princípios da mecânica de produção da voz e da fala são


os mesmos para qualquer lugar do mundo: somos seres humanos com
idêntico aparelho fonador. As diferenças ficam por conta da cultura e sua
influência na expressividade do indivíduo, do idioma, das tradições orais,
linhas de interpretação teatral ou, ainda, da definição do que é teatro e de
qual é o papel do ator no teatro.

No trabalho vocal, além de integrar os elementos que


compõem a vocalidade do ator ao jogo cênico, devem-se considerar e
organizar os elementos de sua expressão individual e sociocultural à
capacidade de relacionar-se com a sociedade em que vive, observá-la e
comunicar-se com ela. Assim, em se tratando da expressão vocal do ator
é necessário aliar, de forma concreta e simples, o desenvolvimento do
artesão - que constrói e incorpora um repertório técnico - e o do artista -
que se expressa através da obra -, sem que a convivência dos dois
aspectos constituam uma cisão. Daí a importância de desenvolver o
53

trabalho vocal do ator em contato direto com o público, promovendo o


exercício de uma linguagem vital, que vá além do cotidiano do indivíduo e
do ator, dando-lhe instrumental para que possa, com maior propriedade,
refletir, espelhar, criticar, provocar, celebrar, ou o que mais queira
expressar para esta sociedade, nos domínios da cena teatral.

A vocalidade, como matéria-prima da elaboração do artista,


é moldada no processo histórico e traz inscrito o processo social que lhe
deu origem. A consideração desses fatores pelo intérprete, na exploração
de seu instrumental, é que define a que profundidade ele sonda o sentido
do uso significante da voz e determina a implicação de elementos
concretos e objetivos, perceptíveis e identificáveis no tratamento dado aos
aspectos físicos da voz, aos aspectos sonoros da fala, aos aspectos
morfológicos e sintáticos da língua, aos aspectos poéticos da
representação.

O primeiro dos muitos materiais à disposição daqueles que


se dedicarem à atualização da palavra poética, à brasileira, é a língua, na
fala e na voz nacionais, condicionadas e condicionando umas às outras.
Mais do que a própria língua, é a fala de um povo que vai caracterizar, de
forma reveladora, uma maneira de pensar e a condição para expressá-la
pois “a língua realmente viva, a que vive pela boca e é irredutível a sinais
convencionais, é o que dá sentido expressional a uma nacionalidade.”13

A palavra, nesse contexto, tem um espaço fundamental e é


tratada de modo a exercer uma função coesiva pelo papel destinado à
língua, tradução do povo e seu caráter. Aberta a todas as influências,
pronta a absorver todas as tendências, a palavra que se cria e se revela na

13
Mário de ANDRADE. A Pronúncia Cantada e o Problema do Nasal Brasileiro Através dos Discos in
Aspectos da Música Brasileira. p. 121.
54

fala dos grandes centros urbanos é a que melhor representa o tipo de


identidade que vai caracterizar o brasileiro.

Uma língua não se elabora pela representação direta e


natural da realidade: é uma construção social consentida que vai
condicionar a percepção da realidade.

“O povo é inteligentíssimo porque sofrendo


as influências da terra, do clima, das ligações e
contatos com outras raças, das necessidades do
momento e de adaptação e da pronúncia, do caráter, da
psicologia racial, modifica aos poucos uma língua que
já não lhe serve de expressão porque não expressa ou
sofre essas influências e a transforma afinal numa outra
língua que se adapta a essas influências.” 14

A relação que existe entre língua e identidade, quando


levada ao nível de manifestação estética, pede uma reconstrução que,
superando a distância entre a realidade e suas formas de representação
possa tornar-se, em sua publicação, palavra poética.

O texto enunciado pelo discurso dessa estética nunca


preenche por completo o seu espaço semântico; não se esgota na
dimensão da realidade, proposta pelo significado das palavras; não se
deixa ler como acabado; não se restringe à função de transmitir idéias; não
é o objeto acabado, continente de todos os significados, em torno do qual
tudo se organiza. É, antes, material sonoro, plástico, a ser manipulado,
pronto a revelar sentidos muito além dos significados - basta ouvi-lo:
emprega o som da palavra, salvando-a dos limites da escrita, impondo a

14
Lygia FERNANDES (org.). Setenta e uma cartas de Mário de Andrade. (RJ: São José, s/d.) Carta a Carlos
Drummond de Andrade, 18.02.1925, pp 71-73.
55

phonê15 onde o radicalismo só enxerga a visualidade e o grafismo. É


pretexto e oportunidade do gesto vocal. O que se propõe à atenção é o
aspecto corporal desse texto, sua existência como objeto de percepção
sensorial.

3.2.2. traços comuns

É provável que a localização das terras brasileiras, associada


ao contato com a sonoridade dos índios e dos negros tenha acentuado, no
português, o timbre nasal da fala que, se é próprio da língua, também é
uma característica muito específica da voz brasileira que, assim, viu
determinarem-se os limites de sua extensão: sons nasalizados não
encontram boa possibilidade de emissão em tons agudos, que dependem
de uma postura vocal voltada para a pureza do som em detrimento das
características variedade e mobilidade sonoras, alterando a emissão e
desqualificando o tom étnico.

Desse modo, a voz do Brasil ressoa, fisiologicamente, numa


região bastante cômoda, no que diz respeito aos esforços dos órgãos
fonadores e da respiração: a região central da musculatura e dos
ressonadores é seu meio sonoro apropriado; nela a fala se ajeita
perfeitamente e recorre a todos os parâmetros do som para se
desenvolver, ganhando um caráter musical bastante específico.

A fala brasileira, como a maioria das neolatinas, não perde


sua musicalidade no excesso de consoantes. A predominância das vogais,
portadoras do som, apontam um importante componente psicológico da
linguagem na expressão do pensamento, unindo as palavras umas às
outras, assim como as frases, em ditongos e hiatos que vai criando. Muito

15
Phonê ou fonia diz respeito à voz e à combinação estética dos sons vocais.
56

diversificada em seu timbre, essa quantidade de vogais dá um colorido


variado à fala, percorrendo dos tons mais escuros, ou fechados, aos mais
claros, ou abertos, preponderantes na emissão, muito brasileiros e
decisivos no limite da extensão.

Aquela acomodação da voz e da fala à região central, na


emissão sonora, contribui para o caráter singular da acentuação silábica
brasileira, ditada pelo padrão respiratório16 definido pela relação entre os
parâmetros do som. A acentuação silábica lusitana, por exemplo,
estabelecida basicamente pelo parâmetro da intensidade, quase anula as
sílabas adjacentes à tônica. Na acentuação brasileira, a intensidade se
espalha pelas sílabas vizinhas à tônica, fazendo com que os parâmetros de
altura e duração concorram para o estabelecimento do ritmo da fala
através dos recursos melódicos da entoação.

Assim como a respiração, a articulação da fala brasileira é


pouco exigente e pouco definida, garantindo-se na prosódia natural da
língua.
Nela
“as vogais mais amplas e os ditongos assumem
uma parte da função articulatória das consoantes enquanto estas,
principalmente as nasais e as líquidas, tendem a fundir-se com a
vogal que as precede. É uma língua, para usar um termo da
música antiga, cheia de liqüescências, isto é, sonoridades fluídas,
cujos início e fim não podem ser definidos com clareza. Uma

16
Um padrão respiratório resulta da interdependência entre altura (freqüência) e intensidade (pressão do ar)
do som e é responsável pelo sistema de entoações de uma determinada língua. Fernando J.C. DUARTE. O
Chá das Sílabas: o Canto e o padrão respiratório da Fala no Brasil in Voz Profissional: o Profissional da Voz.
p. 64.
57

língua, portanto, que resiste às marcações rígidas, tentando


17
arredondá-las.”

A articulação, então, mais que pelo esforço muscular,


define-se pelo movimento rítmico. Associada ao padrão respiratório, essa
articulação frouxa, preguiçosa, é responsável “pela qualidade melíflua da
fala brasileira, por sua particular curva melódica”, 18
cuja prosódia
cotidiana cria um movimento sincopado.

Esse mesmo material, com alguma elaboração, desdobra-se


no canto natural, que permanece muito próximo da fala. As notas
cantadas são parte integrante da entoação e as linhas melódicas aparecem
pela sua expansão, o que se combina perfeitamente com todos os
fundamentos já estabelecidos a partir da voz: “A energia respiratória
requisitada nesse tipo de canto é a mínima necessária para a produção das
alturas melódicas, para que a emissão das notas seja ajustada ao fluxo
sonoro da fala.” 19

É com essas características que o canto natural brasileiro vai


se definir como linguagem de representação, vai distinguir-se, tornando-
se único.

A música popular, no Brasil, a partir da recriação de seu


canto natural, nacionaliza a integração entre texto e melodia, fazendo dela
uma interdependência entre a palavra e o som para desenvolver as
possibilidades poéticas e expressivas do ritmo e das linhas melódicas.

17
Lorenzo MAMMI. João Gilberto e o Projeto Utópico da Bossa Nova in Novos Estudos - CEBRAP, n.º 34,
p. 66.
18
Fernando J.C. DUARTE, op. cit., p. 64.
19
Fernando J.C. DUARTE, op. cit., p. 65.
58

Marca de identidade dessa criação musical, o ritmo é uma


das formas brasileiras de invenção que permitem o fazer e o refazer da
Canção a partir da prosódia da fala cotidiana. No confronto com a rítmica
prosódica dos cantos índios e negros, a rígida divisão musical européia
cedeu diante de uma inventiva mais livre que aceita o tempo como medida
justa, mas recusa a formalidade do compasso, e segue as determinações
fisiológicas enquanto nega a doutrina.

O desconhecimento popular brasileiro da teoria musical


dotou a criação da mais ampla liberdade: a condição de compor melodias,
sem formação musical, apoia-se nas entoações naturais da linguagem
oral. Todas as formas do falar encontram correspondentes rítmicos no
canto, desde os mais óbvios até os mais improváveis, todos garantidos
pela proposta da palavra. Quando formalizados, na Canção popular,
derramam-se em modinhas, canções, valsas, choros, catiras, cururus,
toadas, polcas, xotes, sambas e sambas-canções, sambas de enredo, de
exaltação ou de breque, cocos, jongos, maxixes, marchas-rancho, sempre
definidos pela estrutura do texto que dá, à melodia, o ritmo da acentuação
das palavras, da prosódia, vivendo entre o som das vogais e a função, não
raro, percussiva das consoantes. Nessa combinação, muitas vezes
desenvolvem artifícios sonoros, num recurso de tradução de sentido, além
das palavras.

Até mesmo os movimentos originados pela alteração


numérica das sílabas do texto e as modificações em seus acentos,
próprios da linguagem oral, encontram acomodação no tempo e nas linhas
melódicas.

Assim como integra a definição das formas rítmicas do


canto brasileiro, a enunciação do texto também está presente na
determinação de suas linhas melódicas, permitindo “entrever em todo e
59

qualquer tipo de canção popular as inflexões entoativas e os sintomas da


fala”20.
Um total e sábio aproveitamento desses elementos sonoros
da voz, da fala e do canto brasileiros pode levar a uma experiência
diferenciada na linguagem de representação da arte da palavra brasileira.

A experiência com essa sonoridade, leva ao registro e


tradução dessa forma ímpar para dotá-la de concepção e estética, de
convenções e procedimentos, criando um discurso para ser ouvido e
dotando de eficácia poética tanto a fala quanto a voz do Brasil.

Esta experimentação pede por um espaço onde a fala


ensine ao canto como ser feito e aprenda, dele, sua própria feição
ampliada, confundindo-se, ambas as modalidades vocais, numa só
manifestação poética da palavra, chegando à melodia pela entoação e ao
ritmo pela pulsação do texto. Isso implica em manter presente a
sonoridade da língua na matéria concreta e plástica das vibrações sonoras,
corporificando as abstrações do pensamento nacional, forjando um elo da
cadeia que tece uma identidade. Aí, é possível falar. Falar e rir em
brasileiro pois, como disse Mário de Andrade,
“me parece incontestável que só dentro da
nacionalidade adquirida por família, meio e tradição, nós
podemos gozar e expressar toda a medida de nossa felicidade, da
nossa inferioridade ou poder criador. Se eu quiser ser alegre à
francesa, me traio.” 21

A diversidade, a variedade, então, parece ser a variável mais


constante da fala brasileira, quer se refira à sonoridade, quer diga respeito
à articulação ou à musicalidade. Mas, em qualquer de nossos
regionalismos, mantêm-se pontos comuns.

20
Luiz TATIT. Canção:Eficácia e Encanto, p. 06
60

Um deles é a preponderância das vogais - os sons - sobre


as consoantes - os ruídos -, em sua maioria com função percussiva, que a
elas servem de apoio para a emissão. Esta característica impregna o idioma
de uma qualidade sonora muito marcante. No brasileiro a presença das
vogais é vibrante, frontal e percorre uma extensa gama de possibilidades
sonoras, indo da emissão mais fechada à mais aberta - outra marca
registrada -, passando demoradamente pela nasalizada, que tem papel
destacado na personalização da língua. Esta se estende dos fonemas
marcados pelo til àqueles cuja composição se avizinha de consoantes
nasais, como o m e o n, num efeito de contaminação evitado pela maioria
dos idiomas mas que integra, definitivamente, o brasileiro. Diferente da
nasalação francesa, que se horizontaliza na emissão, a brasileira se
arredonda num movimento relaxado do palato mole. Há, ainda, o nasal
nascido das combinações de vogais com o dígrafo nh, tão nosso. As vogais
que, em sua emissão, endureciam a fala, tornando-a muito rígida e sem
plasticidade pela definição excessiva da articulação de alguns fonemas,
foram se amoldando, os “e” em “i”, os “o” em “u”. Esta suavização pode
chegar à total supressão numa língua tão paroxítona, o que deve ser
trabalhado pela fala estética, uma vez que implica em perda de sonoridade:
sempre existe o recurso à musicalidade para a manutenção dos ritmos da
fala.

Essas características, combinadas àquelas físicas e a outras,


próprias do temperamento do povo, localizam a extensão sonora da fala na
região central da voz, apoiando-se nos tons médios que, por sua postura e
emissão, admitem os sons abertos e os nasais, dando a cor e o tom étnico
do idioma.

21
Mário de ANDRADE. Villa Lobos in 1º Tempo Modernista, p.369.
61

A maioria dos procedimentos técnicos de treinamento vocal


tentam solucionar a questão da unidade da emissão por meio de
aproximação dos sons, sem contemplar a diversidade sonora,
artificializando a articulação, deslocando a sonoridade, desrespeitando o
tom étnico. No entanto, quer parecer que é exatamente sobre essa
variedade sonora das vogais e da musicalidade, que nasce de sua
combinação aos ritmos da fala, que está o veio a ser explorado; a partir daí
é que se deve propor o trabalho vocal, buscando uma elaboração técnica
que alcance a unidade estética com base na diversidade, mantendo a
identidade, o caráter do idioma.
62

3.3. as formas

Aqueles que se dedicam ao estudos dos fatores


determinantes na definição dos elementos que vão compor a prática da
técnica vocal são unânimes em reconhecer que as normas relativas à forma
de utilização desses elementos formadores da voz – respiração,
ressonâncias, emissão sonora, articulação dos sons -, sobre os quais são
fixados procedimentos técnicos, emergem do exercício fonético de um
idioma.

Consenso geral é, também, que as diretrizes técnicas para a


arte de cantar, pelas características e exigências que lhe são próprias,
estruturam e sistematizam seus conceitos e formas de execução antes e
mais fortemente que os da arte de dizer, estendendo suas normas e
práticas a esta. Não há, nisso, nenhum equívoco. Há, sim, um movimento
de complementaridade: a fala determina o canto que orienta a fala. Porisso
é tão aceito que o treinamento vocal, dirigido à fala, encontre suas
proposições básicas no canto.

Natural se torna que estes conjuntos de conceitos,


definições, normas e práticas encontrem simpatizantes e seguidores e que
acabem por constituir escolas onde, nas relações mestre/aprendiz, a
originalidade do trabalho se afirma e manifesta justamente no
prosseguimento de um caminho aberto por um trabalho precedente,
continuando seus programas e características; o novo e o irrepetível de
cada indivíduo não ficam comprometidos mas, sim, fundamentados por
uma geração comum e por uma linha de descendência na reprodução,
onde a singularidade não nega os traços comuns, mas alimenta-se deles, e
onde a semelhança não suprime, mas realiza a originalidade. Nada mais
próprio para revelar e determinar as características novas, originais e
peculiares de um artista do que seu desenvolvimento em ambiente natural,
63

sua formação por meio da aceitação e prolongamento da lição alheia e sua


diferenciação do mestre e dos companheiros emergindo exatamente no ato
de continuar o primeiro e assemelhar-se aos outros.

Uma escola de canto, pois, está envolta numa série de


proposições e traz, em si, algumas opções. Entre elas, a de um padrão
técnico específico, originado no idioma sobre o qual se estruturou. Mesmo
as linhas melódicas, que compõem as árias e canções do repertório da
prática de cada escola, têm sua construção assegurada por padrões
fonéticos de extensão, sonoridade, entoação.

Assim, a escola de canto alemã, tanto quanto a francesa, a


italiana, a russa ou a inglesa, teve seus princípios teóricos, seus
procedimentos técnicos e práticos determinados pelas exigências fonéticas
do idioma alemão ou francês, italiano, russo ou inglês, princípios
identificados aos que orientam a arte de dizer desses países, o que ocorre
naturalmente, uma vez que a fala formatou, antes, a arte de cantar.

Cada uma dessas escolas, em seu trabalho de


desenvolvimento da voz, traz uma proposta particular de respiração, que
participa na indução de uma modo específico de utilização dos
ressoadores, que colabora no condicionamento de uma postura especial
para a emissão sonora, que ajuda a realizar um tipo determinado de
articulação. A possibilidade de transposição de elementos de uma escola
para outra está aberta à experimentação e depende do critério daquele que
pesquisa a voz sabendo o que procura, sem comprometer ou desestruturar
sua técnica pessoal como um todo.

Este quadro de estruturação firme e forte unidade no


trabalho vocal é possível, sobretudo, porque se refere a idiomas de países
onde o conhecimento e a correção no uso da língua integram o fazer
64

artístico e orientam as manifestações estéticas. Faz parte da cultura dessas


nacionalidades a organização consciente de seus processos essenciais de
manifestação, entre os quais estão a linguagem e a arte. Então,
regionalismos, dialetos, idioma arcaico, idioma padrão ou popular,
deformações, neologismos, têm existência definida e surgem, na arte,
como opções que integram a poética da obra em ação. A sonoridade
própria de cada idioma, em todas as suas formas, ganha espaço, pode ser
explorada ao máximo e participar como um elemento a mais na
composição da cena.

Os procedimentos técnicos dirigidos à preparação vocal,


entre nós, seguem um comportamento bastante comum a todas as
modalidades artísticas e a outros tantos segmentos da cultura e da vida
brasileiras: a adoção de modelos importados. Esta forma de atualização
pelas tendências estrangeiras, que aqui rapidamente adquirem o status de
moda, não chegaria a causar prejuízos se, ao aportar em terras brasileiras,
não promovessem perdas irreparáveis com o esquecimento e abandono de
valores anteriormente existentes, substituídos sem qualquer critério, quase
sempre em detrimento de elementos emergentes de brasilidade.

A simples notícia de qualquer método ou procedimento


técnico de trabalho é logo tomada como um produto acabado,
transformando-se em uma nova fórmula mágica. Na verdade, essas
propostas são resultados de experimentações, são formas de abordagem
que devem ser reavaliadas, revistas, reconstruídas, na teoria e na prática,
segundo os princípios que as diferenciam de outras, e de acordo com a
realidade de cada um que se disponha a fazer uso delas. Não são
paradigmas definitivos a serem adotados como formas fechadas na
simples cópia, imitação ou repetição. A aquisição, o desenvolvimento e a
incorporação de uma técnica é um processo, naquele já nomeado exercício
65

de formatividade: o fazer que é, ao mesmo tempo, invenção e reinvenção


do modo de fazer.

Para nós, também, os estudos da voz e da fala se orientam


pelas proposições técnicas do canto. Isto não constitui nem um equívoco,
nem um desvio, e pode ser uma base eficiente de conhecimento e
treinamento se, antes de tudo, for adaptada à linguagem e ao caráter do
ator brasileiro. É nesse ponto que começam a surgir e a se acumular uma
série de enganos.

As fortes correntes de imigração que impuseram muitos de


seus hábitos à cultura brasileira, a definitiva influência da Igreja, os desvios
da moda intelectual, a fantasia das elites, o preconceito, acabaram por
eleger e privilegiar a linha erudita como orientadora do estudo do canto
neste país.

A produção erudita nacional, porém, ainda não se definiu o


suficiente, em número e caráter, para representar a brasilidade. Quando
dirigida ao canto, em idioma brasileiro, é ainda menor e menos
significativa: mistura escolas de composição universalista, com forte
influência dos modelos europeus - aos quais a língua do país não se
acomoda - e nacionalistas, em direção ao folclore ou às formas
contemporâneas. Entre os segundos, poucos são os compositores bem
sucedidos na utilização da sonoridade, extensão vocal e articulação
próprias da fala nacional. Villa Lobos e Camargo Guarnieri, donos de obras
mais expressiva, buscaram os elementos básicos de suas canções na
música popular.22

22 “O mesmo Villa, nas Serestas (1925) deu um passo à frente e empregou os elementos

característicos da música popular, ou sejam, a melodia rebuscada dos seresteiros, o movimento


cantante dos baixos, o abaixamento da sétima, a síncopa, etc...” Vasco MARIZ, A Canção Brasileira
Erudita, Folclórica, Popular, p. “Camargo Guarnieri conseguiu a sublimação sutil de processos
populares, melódicos e harmônicos, rítmicos e polifônicos. É a transfiguração da música brasileira,
diáfana como que pairando no éter de uma inspiração feita de substâncias da terra, mas livre do
servilismo nacional.” Heitor Correa AZEVEDO in Vasco MARIZ, op.cit., p. 23.
66

“O conflito entre o canto e a língua nacional é


patente, é contundente, é enorme em todas as canções eruditas.
Mas se o conflito existe, não podemos de forma alguma concluir,
pelas obras existentes, que os compositores nacionais têm-se
preocupado com ele. A minha conclusão particular e aflita é que
os nossos compositores, quase todos, jamais se preocupam com
o problema, jamais se lançaram na árdua pesquisa estética de
acomodar, às exigências do canto, as exigências da palavra
nacional.”23

A opção pelo canto erudito num país sem tradição, na


produção em língua nacional, para o canto erudito, tem remetido o
aprendizado para a adoção de conceitos, normas técnicas e melodias das
diversas escolas de canto estrangeiras que, desde há muito, se fixaram em
nossa terra. Aos nossos estudantes da voz é apresentado um programa de
treinamento técnico e prático que ignora as características próprias da fala
brasileira, do caráter particular do brasileiro que essa fala traduz, pois
nada é mais típico da brasilidade, da nossa identidade, do que a língua que
falamos. Este programa de treinamento, que deixa de lado qualquer
proposição conceitual, levado à prática, revela-se ineficaz quando é
preciso aplicá-lo à palavra nacional.

Os “manuais de voz”, com suas propostas genéricas em


matéria tão individualizada como é a criação vocal, onde qualquer
orientação depende da criteriosa observação do material vocal de cada um,
onde qualquer aprendizado tem de se transformar numa recriação
personalizada do artista, onde a transmissão só pode ocorrer no
estabelecimento de uma relação mestre/aprendiz, ajudam a fomentar a
confusão ao oferecerem soluções prontas quando a resposta está num
longo percurso de busca pessoal. Os diletantes e os “curiosos” assumem
67

um conhecimento sobre o tema e revelam uma criatividade inesgotável na


invenção de um folclore sem fim de práticas tão inúteis quanto
prejudiciais. O desrespeito pelas atividades artísticas, num país onde
qualquer um faz arte e muitos se julgam capacitados a ensiná-la, faz
surgir um inumerável corpo de orientadores sem norte a transmitir
conceitos sem fundamento e a construir, sobre eles, a sua “escola”.
Simpatizantes de boa fé transformam-se em seguidores sem qualquer
capacidade crítica ou critério na escolha, porque sem conhecimento, e
engrossam o coro geral dos equívocos.

Cantores e atores, tendo “aprendido uma técnica” de origem


estrangeira, ao interpretarem textos nacionais, quando cantados, fazem-
no em alemão, francês, italiano, russo ou inglês, segundo a escola pela
qual se orientam, deturpando de maneira lamentável a sonoridade e a
articulação da língua brasileira; quando falados, optam pelo abandono dos
recursos técnicos e levam, para o palco, a fala como na vida, eliminando o
teatral que qualquer representação - por mais naturalista que seja - deve
preservar.

Nosso artista da voz parece ter perdido, em sua trajetória, o


caminho de nossa melhor tradição antropofágica, que sempre lhe permitiu
fazer tudo à brasileira. Não sabe o que buscar. Distanciou-se da arte que o
capacitava a perceber o que deve ser estetizado e como.

Uma língua viva, em evolução, não pode se pautar por


regras fixas, por normas definitivas, por técnicas cristalizadas, por padrões
sonoros acabados. Exige busca, estudo e trabalho constantes de
modificação e adaptação. Como este país e seu povo, como a arte deste
país, em que tudo ainda está por fazer, tudo ainda está por ser criado, sem
acomodação pelos modelos de nacionalidades outras, que já esgotaram

23
Mário de ANDRADE. Os compositores e a língua nacional in Aspectos da música brasileira, pp. 98-99.
68

suas possibilidades. Repensar, rever, refazer sempre e a cada vez pode ser
inquietante. Mas é a base da criação. Desprezar esse todo em potencial é,
no mínimo, desperdício.

Qualquer análise do aspecto vocal, no Teatro Brasileiro, deve


começar pela constatação do descuido com o idioma, em todos os níveis, e
requer um olhar sobre as relações entre o falar do nosso povo e o falar do
nosso teatro.

Os elementos de concepção e estetização na arte teatral do


Brasil, bem como a definição de suas formas e o estabelecimento de seus
procedimentos, nem sempre consideram os componentes da vida
brasileira. Preferem pautar-se pela adoção de fórmulas já testadas,
importadas da Europa ou América do Norte, cujos valores se fixaram como
indicadores de problemáticas temporais específicas. Esta desconsideração
não se reporta à temática nem fica restrita à estética da dramaturgia ou à
poética da encenação. Diz respeito principalmente, na formação da gente
de teatro, ao desprezo pelos elementos da cultura brasileira que deveriam
ser percebidos e estetizados na composição de uma linguagem teatral
nacional. Uma estrutura bem fundamentada poderia sustentar um Teatro
Brasileiro que não se fizesse tão ao acaso de modismos, evitando a fratura
inevitável que atinge diretamente aquele elemento que, inevitavelmente,
integra a cena: o ator.

A extensão continental do país, os interesses e as diferenças


regionais, o pouco tempo de nossas atividades artísticas, ainda em seu
começo, impediram que o idioma do país e sua linguagem na arte
atingissem uma organização dentro de critérios que considerassem, ao
mesmo tempo, a brasilidade e a estética. O descuido com o linguajar
artístico é patente. A fala brasileira, com suas profundas diversidades
69

fonéticas regionais, ainda não se definiu em forma artística para as


manifestações estéticas.

É claro que não se trata, aqui, de propor o fim das


diversidades fonéticas das várias regiões do país; sua existência é tão
inevitável quanto indispensável: é impossível negar a riqueza evidente
dessas diferenciações do ponto de vista da estética. O que não deve ser
deixado ao acaso, sem nenhum critério nas manifestações da arte de dizer,
é o instrumental da profissão de quem trabalha com a palavra.

O que a diversidade de sotaques, pronúncias e sonoridades


denuncia, quando surge no palco, é o desconhecimento quanto à utilização
da fala como elemento de composição da linguagem da cena, o que
transforma esta forma de arte numa confusão de sons, irregular no estilo,
sem função poética, que não chega a impressionar o público. A linguagem
mal falada acabou por definir, no teatro, uma norma de erudição.

A preocupação em demonstrar alguma técnica se reduz a


pronunciar claramente as palavras, reduzindo a arte de dizer e a expressão
vocal à emissão compreensível de fonemas, isto é, a uma função
puramente utilitária.

Poucos sabem o que buscar na adoção de procedimentos,


no desenvolvimento e utilização da técnica, quase sempre reduzindo-a a
elementos mecânicos. Ao procurarem a clareza de um fonema esquecem
que não existe fonema sem timbre, sem sonoridade étnica. Uma palavra
claramente articulada pode se tornar menos compreensível do que seria se
dita de maneira mais descuidada, porém ressoando no timbre étnico que a
caracteriza, vibrando na musicalidade que a define, revelando a ação
interna que possui.
70

O desconhecimento se revela, também, nas posturas


sonoras, desiguais na emissão, na sustentação da sonoridade e da
intensidade da voz e se faz presente na ignorância da estética e da poética
da voz em cada gênero, estilo ou forma de representação.

Houve um Congresso da Língua Nacional Cantada, realizado


em São Paulo, em 1937, por iniciativa de Mário de Andrade, que indicou a
fala do Rio de Janeiro como a fala brasileira padrão, por considerá-la a
mais cosmopolita, a mais plena de influências, a mais aberta a
transformações, a de mais fácil divulgação. Houve, também, um Primeiro
Congresso da Língua Falada no Teatro, na Bahia, em 1956, cuja principal
indagação questionou como conseguir a ilusão de unidade dentro da
assimetria das pronúncias regionais.

E mais não houve no esforço de acomodar as exigências da


língua brasileira às necessidades das manifestações das artes vocais. Nada
mais se fez para o primeiro passo em direção à concepção e à estética da
voz e da fala nessa forma de dizer que é o teatro. O descaso com o idioma
e com as regras que o norteiam - base para qualquer estudo -, bem como
a ignorância quanto à existência de padrões estéticos de representação
teatral, continuam confundindo impostação com estilo, técnica com
repetição mecânica, numa criativa cadeia de enganos.

A sonoridade e a musicalidade próprias de uma língua


devem emergir de seu exercício renovado, definir proposições técnicas e
colocar-se a serviço dos estilos e gêneros. É necessário reconstruir,
redescobrindo e transpondo valores, as convenções de cada gênero e estilo
em cada idioma. As linhas maiores da estética, fundamentais, apenas são
passíveis de definição quando assentadas no conhecimento e manejo de
elementos técnicos básicos, diferentes a cada língua que é falada,
caracterizando a nacionalidade da arte.
71

3.4. do canto popular e da fala poética.

O processo de criação, como trabalhado pelo ator brasileiro,


ainda não se preocupou com a voz e a fala. E existe uma lógica nesse
descompasso: não se cria o que não se conhece. E não se conhece o
instrumental de trabalho, não se conhece o idioma que se fala, a
sonoridade que o gerou, a musicalidade que o caracteriza.

Potencializar a expressividade da voz e da fala depende da


disponibilidade do ator e de sua condição de encarar este elemento de seu
instrumental como parte de sua criação - produção e realização em
sentido intenso, eminente, absoluto -, decorrente de um profundo saber
do campo em que atua e de uma técnica desenvolvida a partir do
conhecimento e do treinamento do próprio corpo.

Com sua voz, o ator cria ritmo e melodia, cadências, as mais


sutis modulações e inflexões, música, enfim, transformando seu texto em
verdadeira partitura de tempos precisos, pausas contadas, compondo,
entre sons e silêncios, a fala teatral.

Esta aproximação dos termos musicais aos procedimentos


técnicos da fala denota muito claramente o quanto esta se encaminha, em
seu processo de elaboração, para a complexa simplicidade da música.

A prática de elaborar a voz e a fala por meio do canto não é,


então, um artifício equivocado. Principalmente quando se sabe que
elementos serão identificados, reconhecidos e explorados, que
transposições e aplicações serão buscadas para a fala e, sobretudo, que
integração terá no processo de criação do ator brasileiro.
72

Toda preparação e treinamento do ator são voltados para a


definição de seu papel como signo teatral, para a representação. Sua
preparação corporal raramente vai à cena com os exatos procedimentos do
treinamento, mas fica evidente nos resultados da expressividade de seu
corpo, na construção de imagens físicas, na ocupação espacial, na
evolução dos movimentos, na precisão dos gestos, na presentificação das
ações. A preparação vocal tem as mesmas finalidades, busca efeitos
semelhantes.

A técnica vocal que o ator desenvolve, a partir do canto,


dota-o de um controle sem ansiedade da respiração pelo conhecimento da
musculatura, de uma ampliação da intensidade sonora pela maximização
da função dos ressoadores, de definição e precisão na emissão, de
flexibilidade e nuances nas tonalidades, de ampliação dos limites da
extensão a partir dos tons médios. Em relação à fala, a sustentação de
sons presente no canto resulta num equilíbrio de sonoridade, evitando a
perda de rendimento tão comum aos finais de palavras e/ou frases; a
silabação determinada pela melodia leva, à fala, a estabilidade do tempo e
a existência de cada som; a acentuação das melodias permite a
compreensão e a manutenção da cadência e do ritmo da palavra falada. A
própria expressividade encontra elementos de transposição no canto. Ela
supõe uma construção concreta entre melodia, ritmo e sonoridade que
traça, na entoação dada pelas intenções, além da expressão em si mesma,
a própria definição de um gênero ou estilo.

Cantar é tão diferente de falar quanto o é o dizer teatral.


Apreender o sentido da voz e trabalhar o significado da fala, tendo como
ponto de partida o canto, é uma forma de abordá-las como diferentes das
funções utilitárias que têm no cotidiano, no uso comum. E o teatro, em
seus procedimentos, não trata do cotidiano, do uso comum. Construir voz
73

e fala por meio do canto é uma forma de construí-las teatralmente pois a


fala, no teatro, aproxima-se da música.

Consciente ou não daquilo que deve buscar para a fala, no


canto, o fato é que grande parte dos atores brasileiros tem dedicado o
tempo de seu treinamento ao idioma errado, tem pesquisado e trabalhado
sobre a sonoridade imprópria, tem desenvolvido e exercitado uma
articulação postiça, tem explorado a extensão numa altura equivocada dos
tons, esquecendo o centro da voz, onde se fala o brasileiro.

Buscar o desenvolvimento da voz e da fala por meio do


canto é procedimento capaz de levar a resultados positivos. O importante é
descobrir o canto que contém os sons, as entoações, o ritmo, o movimento
e a expressão da fala brasileira. Este canto está na Canção Popular do
Brasil.

3.4.1. entremeando modos vocais

A estética específica da canção brasileira definiu-se pela


elaboração e adoção, no período em que se estruturava e afirmava, do
conceito geral de que palavras, somadas à melodia, identificam a canção e
são seus principais elementos de sentido. Manifestação artística sempre
“contemporânea”, marcada de brasilidade,

“... possuía uma natureza indisciplinada e uma


vocação amalgâmica, isto é, uma tendência a misturar formas
nacionais com formas estrangeiras e a incorporar, sem qualquer
resistência, as influências circunstanciais da moda, do progresso
tecnológico, das outras modalidades artísticas, dos
acontecimentos socioculturais, enfim, se havia uma estética
completamente desguarnecida e aberta a todos os influxos da
74

época, sem ter muito o que preservar, esta era a incipiente


estética da canção popular.”24

A palavra da canção popular cobre o mesmo período,


acompanha a mesma e a própria história do teatro em fala brasileira.
Nascidos do mesmo idioma e pela mesma época, a canção e o teatro
firmaram-se lado a lado, no início da década dos anos 20, alimentando-se,
por temperamento, na busca permanente do novo e na procura da
identidade nacional, ideais formalmente formulados pela Semana de Arte
Moderna de 1922. Artes contemporâneas - o que garantia sua eficácia -,
seus autores escreviam para serem ouvidos, naquele instante, por um
público ávido por identificar-se.

A coincidência entre a fase de definição da canção brasileira


como popular e a plenitude do teatro musical popular - a Revista - não é
meramente casual. Existia um pensamento comum ao Brasil daquela época
a preencher-lhes o conteúdo: o desejo pela atualidade e a busca de formas
nacionais para exprimi-lo; os ideais da modernidade presentes na
definição do caráter do povo e suas artes. Esta postura acabou por se
transformar e caracterizar-se numa atitude, incorporada à concepção e à
estética das formas populares de arte, considerada e contemplada, na
representação, por procedimentos e convenções.

“ Em 1924 já se verificava, com mais precisão, a


grande invasão de ritmos americanos, como ragtimes, fox-trots,
charlestons e shimmies, em nossos palcos. (...)
Mas, sempre que imitávamos os americanos,
imitávamos mal (Graças a Deus!...). Nada resultava perfeito: nem
as coreografias, nem a harmonia, nem o inglês de nossos
intérpretes. A saída foi aquela sempre encontrada pelo Teatro de
Revista, a mais perfeita de todas e que nos livrava de passarmos

24
Luiz TATIT. Canção: Eficácia e Encanto, p.21.
75

de uma forma de colonialismo cultural para outra mais poderosa:


o escracho. Carnavalizavam-se esses números, juntando-se aí o
processo de dessacralização e deturpação, riam-se dos ritmos
impostos pela indústria cinematográfica.”25

Exemplos de atitude semelhante fervilham em nossa canção


popular, mantendo o mesmo olho crítico atento, o mesmo espírito
chacoteiro.

O rádio de então era incipiente, ainda no final da década de


20: pouca sua força, pequeno seu alcance. Assim, cabia ao teatro de revista
a grande tarefa de divulgar o produto da inspiração de nossos
compositores.

O contato com o Teatro de Revista parece ter marcado, em


definitivo, a palavra - lírica, crítica ou satírica - da Canção Popular
Brasileira. Seus textos adquiriram uma tendência à encenação, à exposição
de situação/ação, à localização de cenários, à proposta de enredos, à
presença de personagens, ao desenvolvimento de diálogos,
encaminhando-se para a figurativização pela qual “dá a impressão de que
não só a situação relatada é possível, como está sendo vivida no momento
exato que a canção se desenrola.”26

Sinhô, Pixinguinha, Ary Barroso, Lamartine Babo, Benedito


Lacerda, Kid Pepe, João de Barro, Custódio Mesquita, Mário Lago, Luiz
Peixoto, Noel Rosa, Assis Valente, Joubert de Carvalho, Ismael Silva,
Zequinha de Abreu, Heckel Tavares e tantos outros ajudaram a definir a
identidade nacional do Teatro de Revista e ganharam, dele, marcas de
brasilidade no contato com a cena. Suas canções, que até hoje encontram

25
Neyde VENEZIANO. Não adianta chorar – Teatro de Revista Brasileiro... Ôba!, pp. 114 e 115
26
Luiz TATIT, op.cit., p.09.
76

ressonância no imaginário popular e mantêm significado no entendimento


do público foram, muitas delas, criadas como motivos teatrais.

O lirismo nascido do povo, a crítica e o humor, a sátira e o


contato com a atualidade, que já caracterizaram o Teatro Brasileiro, na
Revista, onde a língua encontrou seu meio, desatou-se e falou, têm-se
mantido presentes, ao longo do tempo, na Canção Popular.

O caminho da fala teatral foi desviado e a Canção Popular


segue sendo a forma de arte que melhor entende e mais compreende o
caráter brasileiro, o instrumento que o revela e traduz. Seu elemento
primordial continua a ser o texto. Então ela fala. Fala do momento e como
o momento fala. Em formas diversas, em linguagens renovadas, sabe se
expor, criticar e criticar-se. Do povo, usa as linguagens todas e o espírito:
os motes os ditos, as expressões, as gírias, as citações, a expressão da
vontade, os desejos os sonhos, as desilusões, mas como quem não se leva
muito a sério. Fala como fala o povo. É por ela que o povo fala. É nela que
a fala do povo - pensamento e forma - se mostra, é registrada preservada
e se transforma. É nela que os sons étnicos da língua encontram
ressonância, espaço de acomodação e modo de existência. É, tanto quanto
a fala que utiliza, reveladora da identidade e do caráter do povo.

Deixando de lado o queixoso lirismo do colonizador


português e os efeitos excessivos do parnasianismo, a Canção Brasileira,
com a contribuição do ritmo, ganhou tom étnico nos sons do idioma, na
construção melódica da fala, na escolha e no olhar sobre os temas.

Todo o percurso que a palavra descreveu - e continua


descrevendo - no falar do nosso povo, com seu discurso aparente e os
significados embutidos nos discursos por trás do discurso, está registrado
nas canções. Elementos históricos, teóricos, técnicos e práticos que
77

estruturam a concepção e a estética da canção, constituindo seus


procedimentos e convenções, são fundamentos básicos para a criação e a
recriação, na interpretação, em perspectivas contemporâneas. Nos
compositores da atualidade, que entrecruzaram seus caminhos com os
precursores da nossa Canção Popular ou que se debruçaram sobre sua
obra, é evidente a fonte comum, a permanência de raízes profundas,
brotando em novas poéticas: a tradição do texto e sua enunciação como
ponto de partida para a definição do ritmo e da linha melódica. Um tal
cantar pede, muito mais que um cantor, um intérprete; necessita um diseur
que, mesmo sem a grande voz, explore, na reconstrução dos sentidos do
texto e na figurativização, um estilo pessoal de interpretação. Trabalho
muito próximo àquele do ator sobre sua fala.

3.4.2. da fala para a canção.

É parte do conceito de canção o entrelaçamento que liga


texto e melodia. A Canção Popular Brasileira define ainda mais: tece a linha
melódica e o ritmo sobre a entoação e a cadência da fala.

Seja por meio de que influência tenha vindo, é evidente a


presença da enunciação do texto na definição das linhas melódicas e na
determinação das formas rítmicas das canções brasileiras, permitindo
“entrever em todo e qualquer tipo de canção popular, as inflexões
entoativas e os sintomas gerais da fala.”27

Esta aproximação efetiva entre canto e fala, proposta pela


canção, transforma-a num instrumento bastante adequado para o estudo
dos elementos e qualidades integrantes da voz e da palavra quando em
função poética. A oralidade em função poética, como o canto, é uma

27
Luiz TATIT, op.cit., p.06.
78

expansão estética da fala e, como o canto, cria música pela entoação, ritmo
e dinâmica pela cadência e pulsação do texto. O sons, os ritmos e os
movimentos, as melodias da Canção Brasileira, estabelecem contato entre
o cantar e o falar. O exercício do canto brasileiro é meio propício ao
desenvolvimento dos parâmetros ligados à voz e se presta adequadamente
ao entendimento daqueles outros, referentes à fala, pois sua construção se
origina na palavra.

“... as entoações se acomodam às acentuações das


palavras do texto, impregnando-se nele e abrindo mão de sua
própria autonomia rítmica.
As melodias entoativas habitam as vogais e vivem
de sua duração. Se o texto não é pensado ritmicamente, no
sentido de estabelecer algumas regularidades métricas e, de fato,
o texto do discurso oral não as estabelece, a melodia entoativa
que o acompanha, certamente, apresentará o mesmo caráter
inconstante e irregular do ponto de vista sonoro.
Assim sendo, se o compositor incorpora
características entoativas (irregularidade e dependência do texto)
em sua melodia de canção, dá margem a que o ouvinte reconheça
o seu próprio discurso oral nas entrelinhas do tratamento estético
musical. (...) uma análise que verifique a coerência do texto com a
melodia paralela, facilmente constata a presença de uma raiz
entoativa justificando a escolha melódica.”28

Da fala, pois, a canção aprende a ser feita: no total


aproveitamento da sonoridade particular do idioma, no tom étnico da fala,
na estrutura e nas ações internas das palavras, na variedade dos temas
abordados, na identidade do olhar sobre os temas, na melodia entoativa da
oralidade. É importante registrar o quanto as linhas melódicas e a entoação
do discurso oral, além das palavras, respondem pelo estabelecimento da

28
Luiz TATIT, op.cit., p.07.
79

cumplicidade com o ouvinte. A canção consegue garantir essa


cumplicidade fundamental na relação com o público porque se constrói em
função dele. A Bossa Nova que, desde a afirmação da Canção Brasileira
como popular, foi responsável pelas alterações mais profundas e radicais
em sua rítmica e harmonia, embora transformando o conteúdo retórico da
canção, não ousou romper a linha do canto, combinando texto e melodia.
Com isso conseguiu, também, uma renovação do discurso do cancioneiro
nacional.

A variedade das formas, na Canção Brasileira, foi e ainda é,


em grande parte, assegurada pela proposta da palavra. A diversidade dos
temas, e as inúmeras maneiras de abordagem de cada um, garante que
todas as formas, periodicamente, sejam retomadas. Se alguma delas se
perdeu, é porque em nosso discurso, certamente, perdeu-se sua função.
Modinha, canção, valsa, choro, samba, samba-canção, de enredo,
exaltação ou de breque, marchinha, marcha rancho são definidos pela
estrutura do texto que dá, à melodia, o ritmo da acentuação tônica das
palavras, vivendo entre o som das vogais e a função percussiva das
consoantes. Nessa combinação, não poucas vezes desenvolve artifícios
onomatopéicos, num recurso de tradução de sentidos além das palavras.
Até mesmo os movimentos originados pela alteração numérica das sílabas
do texto e as modificações em seus acentos, próprios da linguagem oral,
encontram acomodação nas linhas melódicas e no tempo.

A escolha dos temas, a forma de abordá-los, o sentido e o


papel do texto em relação aos temas, são elementos de manejo constante
na canção, integrando seus procedimentos, numa emergência do caráter e
do pensamento brasileiros expressos, primeiro, em palavras.

Se a questão é existir, há um sem fim de motivações que,


tendo como lastro a palavra em seu sentido próprio ou em outros
80

significados que ela possa conter, criam formas na Canção Brasileira. Por
todas elas perpassam características de uma brasilidade bem definida,
perfeitamente compreendida pelos criadores de nossa canção.

3.4.3. da canção para a fala.

O espaço que melhor compreende e onde é exercido com


mais acerto o idioma do Brasil, onde a língua tanto pode ser preservada
quanto utilizada ou transformada como parte integrante do caráter do
povo, onde o falar e o dizer se aliam no conhecimento dos letristas, que
usam a palavra em várias funções de sentido, sempre como um
componente estético, é o espaço da Canção Popular Brasileira. Nos
diversos gêneros, através dos diferentes períodos, nas inúmeras formas e
em todos os estilos, ela tem absorvido e incorporado qualquer influência,
tem se adaptado ao falar do povo colhendo, dele, as palavras e a pulsação
que, unindo-se aos temas e à visão de mundo, dão meio de existência e
acomodação à fala brasileira. Todos esses elementos são organizados pela
canção, ganham nela significados, concepção e estética, convenções e
procedimentos, forjando uma forma de arte. Na Canção Popular, pois,
podem ser encontrados os valores para o estabelecimento de conceitos e
princípios relacionados às manifestações poéticas da voz e da fala, e
buscados os fundamentos para uma elaboração técnica da arte de dizer,
em brasileiro.

A Canção Popular aqui referida é esta mais cosmopolita,


capaz de devorar e digerir tendências e influências, transformando-as em
novos componentes de sua linguagem, receptiva e aberta a todas as
possibilidades, de fácil acesso à divulgação e, pela possibilidade de estudo
que isso oferece, documentada.
81

A análise de centenas de títulos documentados da Canção


Popular Brasileira permitiu formar um quadro geral com a constância de
algumas variáveis mais marcantes de sua constituição, destacadas para
verificação. A partir dessas variáveis foi feita uma seleção de cinqüenta e
quatro títulos representativos que procuraram somar, àqueles elementos
de constituição, fatores de permanência ou retomada do tema e/ou da
forma em diferentes períodos. O estudo, a construção e o exercício prático
de um roteiro musical - tanto pessoalmente, quanto aplicado a grupo de
trabalho - possibilitaram a identificação e o reconhecimento de elementos
nos quais se encontram justificativas para transposição à voz falada, como
fundamentos para uma proposta de princípios orientadores e
procedimentos técnicos.

As linhas melódicas da Canção Brasileira se desenvolvem


numa extensão que abarca uma oitava e mais uma sexta, na escala
musical. A acomodação desta extensão num teclado vocal pode ser
compreendida entre os tons graves e médios/agudos de uma voz, sem que
seja preciso recorrer à região dos agudos cultivados, domínio do canto
lírico. Esta característica é contrariada em raros casos de exceção, quase
sempre em obras onde o compositor experimenta a transposição de uma
linha de instrumento para a voz, como se dá com a maioria dos choros:
escritos originalmente para uma formação instrumental, alguns ganharam
versos bem depois, sem que sua concepção melódica tivesse considerado
as características da voz e da fala; quando composto especialmente para a
voz, sobre um texto, o mesmo choro respeita muito propriamente os
parâmetros da sonoridade vocal brasileira.

Se considerarmos que uma fala natural lança mão dos tons


contidos num intervalo de quinta ou sexta, em seu exercício, e que uma
fala teatral percorre pouco mais de uma oitava, é possível constatar a
proximidade desta com a extensão proposta pela Canção Popular: a não
82

ser pelos limites mais extremos do agudo e do grave, convivem no mesmo


espaço sonoro, vivem dos mesmos tons. Os limites da extensão, pois, são
pura sabedoria da Canção Popular. Se ela não encaminha suas melodias
para a região mais aguda da voz é porque a fala do Brasil, pela
peculiaridade de seus sons, não encontra acomodação nela. Os tons mais
agudos de uma voz dependem de uma postura onde a emissão e a
articulação se organizam na busca da sonoridade pura. O brasileiro, no
agudo, perde suas características variedade e mobilidade sonoras, torna-se
pouco plástico à articulação, desqualifica o tom étnico.

Assim, a região central de uma voz, seus tons médios, são o


meio sonoro apropriado para o exercício da fala brasileira e o ponto de
partida para a definição de seu tom.

No centro da voz as exigências da respiração são


relativamente cômodas e os recursos de apoio ficam muito próximos do
natural. O elemento que se deve apurar, então, fica por conta da emissão:
sem desperdiçar a variedade sonora do idioma, construir artifícios técnicos
que resultem em unidade de corpo, constância de intensidade, igualdade
de rendimento sonoro e condição de amplificação no espaço por meio da
definição das formas e da expansão dos recursos de ressonância. No
exercício da Canção Popular, esses procedimentos afloram juntamente com
a compreensão da ação sonora da palavra, de seu movimento interno, de
seu encadeamento cuidadoso e da equilibrada distribuição dos sons. A
articulação se resolve claramente na manutenção da pulsação, cadência e
ritmo das frases e não na pronúncia isolada dos fonemas e das palavras.

Para compensar a pequena extensão que percorre, a Canção


Brasileira se derrama e multiplica em infindáveis linhas melódicas. Esta
característica tem sua origem e base de criação na entoação da fala, com a
função de ressaltar as impressões mais contundentes de um texto,
83

materializando sua intencionalidade ao prestar-se às transformações do


discurso oral. O que se torna mais pertinente numa fala é determinado, de
maneira individual, pela interpretação pessoal de cada um. Transposto
para a representação - construção material - este artifício dá margem à
elaboração de linhas melódicas sempre renovadas, respeitadas as
convenções de gênero e estilo. Compreender a importância e a
necessidade da elaboração de melodias para a construção da expressão, na
fala, é indispensável à oralidade teatral e dispõe de um farto material para
pesquisa e estudo na Canção Popular.

O ritmo, esse elemento de difícil apreensão para aplicação à


fala teatral, onde costuma ser confundido com velocidade ou movimento,
pode bem encontrar um caminho concreto e solução poética ao apoiar-se
nas modulações da acentuação tônica das palavras, como faz a canção,
garantindo a compreensão do texto para além das palavras, mesmo
quando há aceleração. A fala não cria célula rítmica constante por não se
caracterizar pela reiteração periódica de seus elementos mas, ao se valer
da acentuação, vai propor pulso, estabelecer tempo, encontrando equilíbrio
para os sons, mesmo na variação da dinâmica. Na canção os diferentes
ritmos identificam-se a formas que, muito propriamente, criam uma
tradução dos sentidos do texto. Este entendimento, e a transposição desse
procedimento para a fala, dotam a composição estética da oralidade de
uma especial riqueza de formas e de recursos voltados para a construção
de uma poética vocal.

De fundamental importância para a concepção e para o


exercício da canção é o acompanhamento instrumental e a capacidade do
intérprete em se relacionar com ele. Desde sua função mais simples de
apoio e duplicação da voz, até seu papel de verdadeiro antagonista,
responsável por réplicas e comentários, num autêntico diálogo com a voz,
ou de cúmplice, na composição harmônica com a linha do canto,
84

garantindo a permanência do discurso nas pausas, mantendo a pulsação


do momento, sua participação na estrutura da canção, bem como as
modificações que sofreu, são índices de transformações no pensamento
estético de cada período, reveladores de perspectivas que caracterizam a
trajetória da canção. O ator, a quem cabe a criação das linhas melódicas da
fala, deve recriar sua função, valendo-se de todos os artifícios ao alcance
de sua composição. Em torno dele e de sua fala tem existência uma
inumerável quantidade de sons nascidos dos movimentos da cena, dos
gestos, da respiração, da própria pulsação, que sublinham as falas,
pontuam o texto, preenchem as pausas, construindo um percurso - interno
ou externo - de acompanhamento da vocalidade, pela elaboração
consciente de uma melodia cinética.

O ator, em seu trabalho vocal, costuma se valer, no apoio de


suas concepções e procedimentos, de imagens pessoais, buscando o
entendimento de seus mecanismos internos de produção. Combinar essas
imagens aos elementos concretos, tangíveis e verificáveis que lhe dá a
canção, pode auxiliá-lo no exercício da fala e do idioma, bem como na
compreensão de sua voz que é feita de vibrações sonoras e se materializa
em extensões, intensidades, durações e timbres. A adoção de um trabalho
sobre o canto popular, orientado com critério, conhecimento e
competência, abre a possibilidade de reconhecimento das características
gerais da nacionalidade no processo de conhecer a sonoridade corporal de
sua voz, localizar a extensão natural de sua fala, manipular a plasticidade
de seu material vocal na riqueza sonora de seu idioma.
85

considerações finais
86

Se existe alguma atividade humana em que o treinamento


técnico pode ser puramente mecânico, certamente não é a preparação do
ator.

A imaginação, a emoção, a próprio-percepção, fazem parte


de seu instrumental de trabalho, desde sempre, e exigem o
desenvolvimento de um conhecimento e uma elaboração técnica, tanto
quanto seus músculos, nervos e articulações.

Como tudo, em relação à arte, o sentido das partes só fica


esclarecido na estrutura do todo. Desligados do sentido geral, os
fragmentos são matrizes de falsas interpretações, não só do conjunto,
como também deles próprios.

A apropriação de uma técnica em arte é, então, uma forma


de construção de um saber particular, que abre a possibilidade da criação.
Porque ninguém inventa o que não conhece, ninguém cria o que não sabe.

Assim, a voz é um elemento a mais na afirmação da


identidade que deve promover a autonomia de um criador. E uma
identidade não se constrói sem o olhar sobre a tradição de uma cultura, de
uma nacionalidade. Porisso a necessidade da valorização da linguagem oral
do brasileiro e a busca de sua inserção no teatro. Porisso a necessidade de
uma relação ativa com a sociedade, numa observação direcionada e
organizada no tocante ao uso da voz , e dela como ação física,
gestualidade e expressão de emoção e pensamento.

Muito se pode ler sobre a voz, mas o que ficará como


resultado virá da experiência no contato entre indivíduos ou grupos, num
87

trabalho de longa duração e aplicação prática, no exercício e no


conhecimento de si mesmo e no reconhecimento do outro.
88

bibliografia
1. sobre voz e fala:

1.1. livros:

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__________. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Educ, 2000.
90

1.2. artigos, reportagens, entrevistas, monografias.

DIVERSOS AUTORES. Palavra tem volume, cor, temperatura e sabor. Jornal


Estado de São Paulo, Caderno 2, 30.04.95.
DIVERSOS AUTORES. É Preciso Juntar de Novo Palavra e Corpo. Jornal
Estado de São Paulo, Caderno 2, 30.04.95.
DIVERSOS AUTORES. La Voz. Mascara. Ano 2, números 4 e 5. México: Ed.
Escenologia, 1991.
DUARTE, F.J.C. A Fala e o Canto no Brasil: Dois modelos de Emissão Vocal.
São Paulo: ARTEUNESP, n.º 10, 87-97, 1994.
GROTOWSKI, Jerzy. La Voix. Paris: Le Théâtre - Cahiers dirigés pour
Arrabal, n.º 1, 87-131, 1971.
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1937.
91

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2.1. livros

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1965.
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Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.
CABRAL, Sérgio. No Tempo de Ari Barroso. Rio de Janeiro: Lumiar, 1993.
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1995.
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1988.
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São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
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Brasileira, Companhia das Letras, 1989.
TATIT, Luiz. A Canção: Eficácia e Encanto. São Paulo: Atual, 1986. Série
Lendo.
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EDUSP, 1996.
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Vozes, 1972.
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2v.
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Lumiar, 5v.
__________. Cancioneiro Popular da EFEI. (s.e.) (s.d.)
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__________. Músicas de Carnaval. Viação Cometa. (s.d.)


__________. 213 Sucessos Musicais Escolhidos. Irmãos Vitale; Editorial
Mangione e Cembra. (s.d.)
__________. 201 Sucessos Musicais Escolhidos. Irmãos Vitale; Editorial
Mangione. (s.d.)
HOLANDA, Chico Buarque de. Letra e Música. São Paulo: Companhia das
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JOBIM, Tom. Song Book. Org.: Almir Chediak. Rio de Janeiro: Lumiar, 3v.
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VELOSO, Caetano. Song Book. Org.: Almir Chediak. Rio de Janeiro: Lumiar,
2.v.

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BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José
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