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Mestrado Profissional em Rede Nacional

FFC Marília

Juliana Mirele Messias¹

Fábio Kazuo Ocada²

TEORIAS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS I

A socialização do homem comum: Da conquista da liberdade ao Estado de


Direitos e Democracia.

Marília, SP

2021

¹ Mestrando do ProfSócio em Rede Nacional, Unesp – FFC/ Marília


² Professor Doutor, Departamento de Sociologia e Antropologia, Unesp – FFC/Marília
RESUMO

O homem comum em seu cotidiano muitas vezes é influenciado por forças sejam elas
materiais ou ideológicas que o conduz para uma alienação da sua vida que caso não se
perceba enquanto sujeito de direitos e garantias, não será livre para fazer as suas escolhas
que nem sempre são realizadas de maneira autônoma, pois assimila regras, padrões e
ideias que não são necessariamente o que necessita para desenvolver-se como um ser
pleno. A idealização da vida, a ciência quantitativa linear e as sugestões da Indústria
Cultural fazem com que o homem comum perca sua personalidade e a capacidade de
existir por si e fazer escolhas com autonomia. O desgaste desses modelos levou as
pesquisas em Ciências Sociais e Humanas a criticar o próprio método de pesquisa, pois
vimos no século anterior e ainda hoje respingos de uma sociedade disfuncional,
segregadora e desumana que têm como governo o sistema capitalista que castra as
individualidades e massifica para um único fim, o lucro. Coletar dados do senso comum
e transformá-lo em ciência é o grande desafio atualmente para a promover a civilidade do
homem enquanto ser autônomo e transformador do seu espaço imediato.

Palavras-chave: Senso comum, ciência, arte, direitos e democracia.

ABSTRACT

The common man in his daily life is often influenced by forces, whether material or
ideological, that lead him to an alienation of his life that if he does not perceive himself
as a subject of rights and guarantees, he will not be free to make his choices, which are
not always carried out autonomously, as it assimilates rules, standards and ideas that are
not necessarily what you need to develop as a full being. The idealization of life, linear
quantitative science and the suggestions of the Cultural Industry make the common man
lose his personality and the ability to exist for himself and make choices with autonomy.
The wear and tear of these models led research in Social and Human Sciences to criticize
the research method itself, as we saw in the previous century and still today, splashes of
a dysfunctional, segregating, and inhuman society that have as a government the capitalist
system that castrates individualities and massifies for one purpose, profit. Collecting
common sense data and transforming it into science is the great challenge currently to
promote the civility of man as an autonomous being and transforming his immediate
space.

Keywords: Common sense, science, art, rights, and democracy.


INTRODUÇÃO

O interesse sociológico pela vida cotidiana tem resultado diretamente do refluxo


das esperanças da humanidade num mundo novo de justiça, de liberdade e de igualdade (
MARTINS, 1998). A professora Maria Celina Bodin em seu artigo sobre o conceito de
dignidade humana faz um panorâma histórico do surgimento deste conceito para que
possamos fazer uma reflexão a respeito da função transformadora do direito e sua função
civilizatória, a princípio as lutas por direitos foram pautadas na busca por liberdade e para
limitar o poder do Estado absolutista e os privilégios feudais, buscava-se o poder de
contratar, fazer circular riquezas e de adquirir bens pela própria intelgência, ou seja, ideais
pautados no liberalismo nas relações contratuais sem a interveção estatal.
Após a primeira grande guerra a Europa entrou em declínio e o que ocorreu foi a
falência do individualismo, então houve a necessidade de intervenção do Estado, em
outras palavras, os Estados diante dos conflitos sociais emergentes precisaram regular as
necessidades coletivas que passaram a ser contemporizadas, após o horror e a bárbarie do
pós guerra as ideias de igualdade e dignidade humana foram reforçadas. Uma alteração
no dogma do direito ocorreu diante da crise e do esgotamento das categorias do direito
privado, o instrumental teórico não bastava para solucionar as novas demandas advindas
das relações entre indivíduo versus indústria (ASCARELLI & FERREIRA 1945). O
percurso entre a negação do Estado e a positivação das regras que passaram a regular até
mesmo as questões privadas como a família por exemplo.
Realmente a sociedade está sendo reinventada ao longo da história e alcançar a
socialização do homem envolve principlamente respeitar a sua dignidade humana, termo
cunhado pelos iluministas para fundamentar a liberdade, no entanto quando essa liberdade
é deixada de lado em razão da igualdade, a dignidade passou a ter um respaldo filosófico-
político maior quando se trata da função social das relações e a busca pelo bem comum.
Sabe-se que a igualdade formal positivada não é possivel, pois todos os homens
não são iguais perante a lei, mesmo as naturais, uma vez que as pessoas não detêm
condições idênticas, segundo autores das áreas de ciências humanas e sociais, as pessoas
e os grupos têm o direito a serem iguais quando a diferença os inferioriza e o direito a
serem diferentes quando a igualdade os descaracteriza. (DE SOUSA SANTOS, 2016).
Quando o professor José de Souza Martins diz que as grandes certezas
terminaram, ao fazermos um paralelo com o que foi brevemente exposto sobre a mudança
de dogma do Estado negativo para o Estado democrático de direitos positivo em que os
ideais e normativas do que vem a ser uma sociedade funcional estão prescritas nas
Constituições e Estatutos, passamos para a terceira perspectiva de organização social,
àquelas que estão diretamente relacionadas as ideias de solidariedade/fraternidade que
envolvem as necessidades de coexistências humanas.
A pluralidade de existências passarm a ter um valor, não apenas de direito, mas
de personalidade e pela presumida infinidade de existências, o que se busca atualmente é
a promoção da dignidade humana através do Estado que deve garantir a igualdade, a
integridade psicofísica, a autonomia e a solidariedade diante de questões interpessoais e
coletivas.
Em meio a massificação cultural e a padronização da vida humana o novo herói
da vida é o homem comum imerso no cotidiano segundo o professor José Martins, o
refúgio da sociedade de consumo e produtiva sem limites no qual o homem e até mesmo
as conciências das pessoas é objeto de controle das instâncias de planejamento e
dominação necessárias à sobrevivência do sistema capitalista. Quando avaliamos essas
circunstâncias de dominação não apenas da natureza pelo homem, mas do homem sobre
o próprio homem, notamos que é realmente no pequeno mundo de todos os dias que está
também o tempo e o lugar da eficácia das vontades individuais, daquilo que faz a força
da sociedade civil, dos movimen-tos sociais (MARTINS, 1998 ), a lógica do capital e
suas forças dinâmicas dilasceram a estrutura mental e social comunitária ( WACQUANT,
2006) e o que a ciência iluminista idealizou para uma sociedade livre a partir dos domínios
da natureza para o desenvolvimento tecnológico acabou se tornando instrumentos de
anulação de existências diante das engrenagens desse sistema de racionalização de
comportamnetos.
Umas das principais consequências da matematização da vida é justamente
distanciar as pessoas de suas próprias vivências e experiências, o senso comum como
fonte de conhecimento em uma sociedade que se pretendia se estabelecer por regras,
padrões e ideais certamente iriam se contradizer como ocorreu os ditos “ Choques de
Cultura” entre as civilizações que eram colonizadas e recebiam a dominação simbólica
dos europeus. Durante todo o período histórico “civilizatório” muito das subjetividades e
existências se multifacetaram em função de objetivos mercantis e usurpação das riquezas
locais. Bourdieu em seu trabalho etnográfico comparativo atribuiu a sociologia a tarefa
de restituir a essas pessoas que tiveram suas ações e existências questionadas e sentiram-
se envergonhadas por suas ações, a proposta dele foi buscar as origens objetivas e
genuínas dos ambientes que formam os seres humanos, este é um trabalho incessante de
dessubjetivação, ou seja, resgatar os conhecimentos ancestrais e a própria
autoconsciência.

DESENVOLVIMENTO

Como podemos perceber o método de pesquisa matematizado que quantifica e


generaliza os objetos de estudos não cabe e não dá conta de resgatar as subjetividades
usurpadas pelo sistema capitalista, não há que se falar em paradigmas lineares evolutivos,
pois diante das guerras, pestes, pandemias, misérias e afins que o tecnicismo desenfreado
causa, além do resgate das subjetividades perdidas há que se pensar também na relação
homem natureza e o que se busca atualmente nos métodos científicos que têm como
objeto de pesquisa o homem e sua natureza e o homem que age sobre a natureza é
evidenciar a multidimensionalidade dos seres vivos e suas interações. Neste sentido a
teoria crítica, a hermenêutica crítica, a etnografia, a semiótica, a fenomenologia e a
análise do discurso são alguns dos caminhos para as pesquisas em ciência sociais e
humanas.
Nesta era dos extremos nas palavras de Eric Hobsbawm que avaliou o Século XX
como o ano das mudanças advertiu, assim como os pensadores da Escola de Frankfurt,
que houve e há uma necessidade de reforma da razão, da linguagem científica, da arte e
das técnicas, esses teóricos criticavam principalmente o positivismo e a função da ciência
que estaria desgarrada da vida e que a ciência tal como era e é pura e simplesmente usada
para dominação e controle são limitantes e estáticas enquanto que a vida flui em múltiplos
sentidos, alertaram para a violência cognitiva que é o método idealista positivado que não
capta o real, no entanto o universo humano não é constituído apenas de realidades
objetivas e materiais, somos formados por condições materiais e pensamentos que nos
fazem agir sobre o meio e transformá-lo ou não.
O controle das mentes por parte dos poderes que organizam e administram a vida
em sociedade é realizado pelos meios de comunicação, a cultura de massa, aquela que é
produzida e disseminada em grande escala, chamada de Indústria Cultural é que influi na
produção de bens e consumo padronizados. Ao refletirmos sobre as aspirações iluministas
a cerca dos direitos naturais dos homens, da sua liberdade e dignidade humana notamos
que os modelos que fora pensado na modernidade não são eficazes e que muito do que se
produz nas artes e na ciência são produtos e nada tem a ver com a busca pela dignidade
humana que os jusnaturalistas preconizaram lá na queda do absolutismo, pois não muito
longe dessa época temos o fascismo, o nazismo e os conservadores liberais de “araque”,
reminiscências das razões subjetivas colonizadoras que fazem de suas particularidades
questões universais e quem perde são as pessoas que não possuem condições materiais
para existir por si.
Então se os idealistas falharam a ciência e a arte tecnicista não serve para se
alcançar a dignidade humana como as pesquisas podem resgatar a natureza do ser? Os
pensadores críticos apontam que a mesma arte que massifica é capaz de politizar e
conscientizar os seres reprimidos e envergonhados de seus instintos.
Os métodos são inversos ao da massificação que parte de cima para baixo em
grande escala e aliena as pessoas como um viral de internet, ou seja, a politização pela
arte deve trazer o indivíduo e seus sentidos sobre o mundo para o foco (BENJAMIN,
2017) e a receita seria dar voz a esses seres e sua interpretação da vida cotidiana que é o
que realmente importa para as pessoas que vivem em sociedade. Existir é o grande desafio
em uma coletividade que valoriza mais o ter para ser e quem tem mais existe, neste sentido
a desigualdade que ainda não havia sido mencionada anteriormente, mesmo fazendo parte
dos ideais republicanos liberais entra em pauta nas pesquisas em ciências sociais e
humanas que pretendem criticar a vulnerabilidade do ser que não tem e desta forma perde
sua identidade.
A arte que politiza deve partir das experiências dos homens comuns e do cotidiano
que está inserido e a partir dela ocorrer a mudança social, pois não há como existir
partindo de modelos pré-estabelecidos e estáticos. As pesquisas, principalmente em
sociologia, hão de se considerar as narrativas, os costumes, as vivências e experiências
do dia a dia e relacioná-las ao todo, no sentido de aproveitar as experiências humanas
individuais e comunitárias para refletir suas expressões e conhecimentos focando na sua
plenitude e autonomia de suas vontades.
Todo o material compilado em forma de diários, áudios, fotografias, vídeos e
observações participantes como é o caso da etnografia passaram a ter relevância nos
estudos sobre o homem e sociedade e voltando ao texto do professor José Martins, este é
o refúgio dos céticos e também nova morada da arte que se pretende emancipar e
questionar verdades que nada tem a ver com o cotidiano do homem comum.
As pesquisas científicas, a arte e até mesmo as legislações que pretendem ser
emancipatórias buscam trazer existências sucumbidas pelo ilimitado desenvolvimento
técnico para o centro dos debates a cerca da desfragmentação da vida e a degradação dos
seres, pois um microcosmos de insetos na natureza contribui para a floração de uma
floresta inteira, com a vida social não seria diferente, porque não estamos separados e
categorizados em tempos e espaços diferentes que não se interligam, estamos agora mais
do que antes conectados em rede e não podemos deixar nenhuma existência fora dela,
caso contrário não representará a realidade do homem comum e sua socialização não
ocorrerá, tampouco fará parte do processo civilizatório.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao abordar os ideais iluministas e a positivaçao dos direitos do homem para tratar


da sua socialização e do senso comum que pelas ciências fora e ainda é rechaçado como
fonte da verdade o diálogo com autores da Teoria Crítica para demonstrar que a
idealização dos direitos naturais do homem não vingou até o momento, pois muito se
aplica os deveres e pouco se faz para alcaçarmos os direitos conquistados ao longo da
história. Atualmente as leis são ou deveriam promover a realização da personalidade e a
dignidade humana, o legislador tem o papel de promover incentivos e prognósticos
funcionais socialmente, ou seja, políticas públicas emancipatórias e não centralizadoras
(BONAVIDES, 1997).
Para que as políticas públicas ocorram é necessário saber antes quais são as
demandas e é aí que as pesquisas desenvolvem um papel fundamental, por que a
emancipação e a socialização necessitam de dados empíricos para se estabelecerem, o
processo civilizatório não é uma imposição, mas a promoção de artefatos e meios para o
homem comum realizar suas vontades e anseios sem que aja uma interveção.
Por hora ainda não é possível vislumbrarmos um Estado Democrático de Direitos
em nosso país, estamos vivendo um momento de despolitização reversa em que o senso
comum tornou-se a regra, porém não recebeu o devido tratamento e interpretação da
ciência e isto influi diretamente nas existências das pessoas que não compactuam com
verdades localizadas não debatidas coletivamente. As dimensões do direito se
transformaram, hoje acumulamos ao longo dos anos os direitos à vida, liberdade,
propriedade e igualdade e outros realtivos à coletividade fruto do impacto tecnológico e
do processo de descolonização em resposta à chamada “ poluição das liberdades”
(PÉREZ LUÑO, 2004) sobre a ideia de liberdade-autonomia e da proteção da vida e
outros bens fundamentais como a herenaça cultural, meio ambiente e comunicação contra
a ingerência por parte do Estado e do particulares na exploração dos recursos naturais e
humanos.
Conclui-se que o conhecimento empírico das pessoas possui muito valor para as
pesquisas sociais e políticas por se tratarem de dados preciosos para a formulação de
lógicas culturais que sirvam para promover o desenvolvimento da personalidade em
equilíbrio com sua natureza e com o meio ambiente que o cerca e que cada
microssociologia agreaga ao mundo sentidos próprios que representam a diversidade. E
que possamos enxergar nas diferenças o que nos iguala, sendo assim o Universal passa a
ser um amaranhado de diversidades e não a padronização do todo.
REFERÊNCIAS

ASCARELLI, T; FERREIRA, W. Problemas das sociedades anônimas e direito


comparado. São Paulo: Saraiva, 1945.
BENJAMIN, W. Estética e sociologia da arte; edição e tradução João Barrento. -- Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

BONAVIDES, P. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros Ed.,


1997.

MARTINS, J. S. O senso comum e a vida cotidiana. Tempo Social; Rev. Sociol. USP,
S. Paulo, 10(1): 1-8, maio de 1998.

MORAES, M. C. B. de. Danos à pessoa humana. Uma leitura civil-constitucional dos


danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
PÉREZ LUÑO, A. E., Los derechos fundamentales, Madrid, Tecnos, 2004
DE SOUSA SANTOS, B; CHAUÍ, M. Direitos humanos, democracia e
desenvolvimento. Cortez Editora, 2016.
WACQUANT, L. Seguindo Pierre Bourdieu no campo. Revista de Sociologia e Política, p. 13-
29, 2006.

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