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Texto I

SÓ NOTÍCIAS BOAS

Acabo de saber que, em Londres, vários jornais decidiram dar ênfase às boas notícias e eliminar uma
porção de informações negativas e inúteis. São publicações da Independent London Local Newspapers, que
cobrem vários bairros e comunidades. O princípio ético-jornalístico atrás disto é que as más notícias podem
ser acolhidas, desde que dêem origem a mudanças positivas.
Sempre me incomodou, por exemplo, estar dirigindo um carro montanha acima num fim de semana,
procurando a paz dos píncaros, olhando a paisagem, árvores, pássaros e, de repente, ligar o rádio e ouvir a
notícia de que um ônibus capotou na Birmânia deixando tantos mortos e tantos feridos. Indago-me: por que
eu, aqui, procurando minha paz, tenho que saber disto? O que isto muda na história da humanidade? Vou
poder ir lá tirar alguém das ferragens?
Se a notícia tivesse algum ingrediente excepcional, narrando, por exemplo, que cinco passageiros
escaparam de morrer porque tiveram tempo de abrir suas asas e sair voando pela janela do veículo, aí, sim,
seria, a meu ver, notícia.
Outro dia andei pensando se o mundo e o país pioraram mesmo ou se houve alguma modificação na
imprensa. Possivelmente as duas coisas ocorreram. Mas a sensação que se tem é que os jornais todos
viraram uma grande página policial. E essas revistas semanais, então, praticam uma espécie de festival de
tiro ao pombo, cada uma tem que vir com um escândalo maior.
Diz John Mappin, que dirige aqueles jornais de boas notícias em Londres: “Os leitores estão cansados de
ver notícias sobre alguém sendo atropelado ou assaltado. Nossas pesquisas mostraram que pessoas e
negócios não são ajudados em nada pela propagação de más notícias”.
Essa declaração tem um corolário interessante, pois o pressuposto que existe é de que o
sensacionalismo vende jornais. No entanto, Mappin é categórico ao afirmar. “Fica muito mais fácil vender um
produto que provoque reações, positivas no público-alvo. Leitores têm escrito elogiando as mudanças”.
Isto me faz lembrar quando em Belo Horizonte, no princípio dos anos 60, eu dirigia o segundo caderno
do Diário de Minas.
Na véspera de um primeiro de abril decidimos fazer um número do segundo caderno, que repetia o
desenho da primeira página do jornal, mas só com boas notícias, de notícias que gostaríamos de ter dado o
ano inteiro, coisas assim: Descoberta a cura do câncer, O Brasil torna emprestar dinheiro aos Estados Unidos.
Valério ganha campeonato mundial de clubes.
Se, por um lado, muita gente achou genial a idéia, o resultado deixou algumas pessoas decepcionadas,
porque num primeiro instante acreditaram nas notícias, sem perceber que aquilo era um bem intencionado
“primeiro de abril”.
Como cronista bem que gostaria de só falar de coisas belas e essencialmente leves. Teve um tempo em
que os cronistas eram assim. Mas partir dos anos 80 (e eu acho que estou metido nisto) começaram a refletir
as guerras, assaltos e o pânico geral. Não há, às vezes, como fugir a isto. Bem que a gente se esforça.
Temos que reeducar os olhos, que matinalmente buscam ansiosamente as más notícias e futricas nos jornais.
Às vezes, a alma do leitor e do próprio cronista tem necessidade de contemplar o vôo de uma gaivota sobre o
mar e descobrir que essa é a imponderável notícia. O vôo apenas. Não está acontecendo nada. A gaivota
segue planando, dialogando com o azul. Claro que sob as águas, atrás desse luminoso espelho, desenvolve-
se uma luta feroz e fratricida entre as diversas espécies de peixes.
Mas faz bem aos olhos e à alma contemplar por um instante apenas a gaivota e o risco de beleza que se
inscreve no ar. Isto também é notícia.

AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA


ESTADO DE MINAS – DOMINGO, 7 DE MARÇO DE 2004

Vocabulário: corolário → dedução, conseqüência, resultado


fratricida → assassino de irmão ou de irmã
imponderável → que não se pode avaliar ou refletir.
píncaros → cumes, os pontos mais altos.
pressuposto → o que se supõe (com antecedência) ou subentende.
Texto II
Flor-de-maio

Entre tantas noticias do jornal - o crime do Sacopã, o disco voador em Bagé, a nova droga
antituberculosa, o andaime que caiu, o homem que matou outro com machado e com foice, o possível
aumento do pão, a angústia dos Barnabés - há uma pequenina nota de três linhas, que nem todos os jornais
publicaram.
Não vem do gabinete do prefeito para explicar a falta d’água, nem do Ministério da Guerra para insinuar
que o pais está em paz. Não conta incidentes de fronteira nem desastre de avião. É assinada pelo senhor
diretor do Jardim Botânico, e nos informa gravemente que a partir do dia 27 vale a pena visitar o Jardim,
porque a planta chamada “flor-de-maio” está, efetivamente, em flor.
Meu primeiro movimento, ao ler esse delicado convite, foi deixar a mesa da redação e me dirigir ao
Jardim Botânico, contemplar a flor e cumprimentar a administração do horto pelo feliz evento. Mas havia
ainda muita coisa para ler e escrever, telefonemas a dar, providências a tomar.
Agora, já desce a noite, e as plantas em flor devem ser vistas pela manhã ou à tarde, quando há sol -
ou mesmo quando a chuva as despenca e elas soluçam no vento, e choram gotas e flores no chão.
Suspiro e digo comigo mesmo - que amanhã acordarei cedo e irei. Digo \, mas não acredito, ou pelo
menos desconfio que esse impulso que tive ao ler a notícia ficará no que foi um impulso de fazer uma coisa
boa e simples, que se perde no meio da pressa e da inquietação dos minutos que voam. Qualquer uma
destas tardes é possível que me dê vontade real, imperiosa, de ir ao Jardim Botânico, mas então será tarde,
não haverá mais “flor-de-maio”, e então pensarei que é preciso esperar a vinda de outro outono, e no outro
outono posso estar em outra cidade em que não haja outono em maio, e sem outono em maio, não sei se
em alguma cidade haverá essa “flor-de-maio”.
No fundo, a minha secreta esperança é de que estas linhas sejam lidas por alguém – uma pessoa
melhor do que eu, alguma criatura correta e simples que tire desta crônica a sua única substância, a
informação precisa e preciosa: do dia 27 em diante as “flores-de-maio” do Jardim Botânico estão
gloriosamente em flor. E que utilize essa informação saindo de casa e indo diretamente ao Jardim Botânico
ver a “flor-de-maio” - talvez com a mulher e as crianças, talvez com a namorada, talvez só.
Ir só, no fim da tarde, ver a “flor-de-maio”, aproveitar a única notícia boa de um dia inteiro de jornal,
fazer a coisa mais bela e emocionante de um dia inteiro da cidade imensa. Se entre vós houver essa
criatura, e ela souber por mim a notícia, e for, então eu vos direi que nem tudo está perdido, e que vale a
pena viver entre tantos sacopãs de paixões desgraçadas e tantas COFAPs de preços irritantes; que a
humanidade possivelmente ainda poderá ser salva, e que às vezes ainda vale a pena escrever uma crônica.

(RUBEM BRAGA - A Borboleta Amarela - 2ª ed., Rio de Janeiro, Editora da Autor, 1965)
1. Não era 1° de abril, mesmo assim Jô Soares deu sua contribuição com um jornal ideal (diário da U.T.I.) ao
lado de um jornal normal.
Vamos lê-lo?
JÔ SOARES
Todo mundo sabe que o costume de ler os jornais é muito difícil
de ser abandonado. A leitura diária vai se transformando quase que num
vício saudável. Fiquei imaginando o que devem sofrer as pessoas recém-
infartadas a quem esse hábito foi tolhido para que o noticiário tão violento do
nosso cotidiano não venha atrapalhar a recuperação do infarto e, em alguns
casos, causar outro. Por isso, resolvi criar um jornal especial, substituindo os
acontecimentos espelhados na primeira página por outros, mais amenos,
possibilitando a leitura - confortável mesmo aos mais delicados pacientes.
Compare e você mesmo verá as vantagens do

Jornal para Cardíacos


Jornal Normal Diário da UTI

Bósnia está perto de guerra total Inaugurado bebedouro na pracinha do coreto


Chacina de crianças no Brasil Dayse é a primeira girafa a nascer em cativeiro
Onda de sequestros assusta a população Carrossel do parquinho já gira em menor velocidade
Fuzilado por um torcedor à saída do jogo Criancinhas lavam estátua depois do piquenique
Terrorismo no metrô de Tóquio Trocaram as lâmpadas da iluminação do Corcovado
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Terremoto mata 12.000 Nosso diretor fez anos

Revista Veja - 14/5/95


2. Agora, você é o jornalista.

E vai escolher apenas uma entre as duas propostas de notícias.

A) Uma real (Jornal Normal)


Crianças escapam da tragédia.

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B) Uma amena (Jornal ideal)


Visita ao Jardim

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Respostas: Pessoais

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