Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais Disciplina: Sociologia da Educação 2020.1 Professora: Carolina Zuccarelli Aluna: Juliana S. Silva
As ações afirmativas como instrumento democrático de reparação e
inclusão:
Resumo:
O presente texto tem por objetivo discutir as políticas de ações
afirmativas como um modelo democrático de reparação histórica, inclusão e justiça social para a população menos abastada, com a ajuda de alguns autores trabalhados na disciplina e seus respectivos textos. Dessa forma, faremos também uma pequena análise sobre como o processo de institucionalização dessas ações se sucedeu. Também faremos uma pequena apuração sobre os resultados encontrados, sejam eles positivos ou negativos, além disso, apontaremos também alguns critérios que poderiam ser melhor desenvolvidos e estabelecidos.
Introdução:
fg No Brasil, as políticas de ações afirmativas se tornaram pauta a partir
do ano de 2001. No entanto, essas políticas ao mesmo tempo em que trouxeram perspectivas de mudanças e avanços socioculturais, enquanto se mostravam necessárias, também apresentaram falhas e se tornaram tema de diversas polêmicas, sendo utilizadas até os dias atuais como pauta para debates, que questionam, desqualificam, anulam ou não reconhecem sua eficácia ou até mesmo sua necessidade, seja em sua formulação ou em sua prática. fg Com isso, faremos uma análise sobre como essas políticas que foram firmadas a partir do ideal de “levantar” a bandeira da igualdade se desenvolveram e se sustentam no Brasil, não apenas como como medidas de correção social, mas também como instrumento de democratização, inclusão e principalmente, reparação histórica. Para essa análise, partiremos então do próprio processo histórico do ensino superior, do processo das ações afirmativas no Brasil e de dados históricos que serão explicados e mediados a partir dos textos listados nas referências bibliográficas abaixo. fgfg Essa análise também será desenvolvida a partir de Bourdieu e a teoria da reprodução social, e especificamente dos textos de Helena Bomeny com “Educação e Brasil na Primeira República. In: A experiência da Primeira República no Brasil e em Portugal.” e de Clarissa Neves com “Ensino superior no Brasil: Expansão, diversificação e inclusão”.
Desenvolvimento:
fg No Brasil, a educação em um nível superior é datada a partir de 1808,
com a alteração dos paradigmas sociais que se iniciaram com a chegada da família real ao País. Até aquele momento, no país só havia a ideia de uma educação acima do nível básico entre membros de famílias distintas, sendo na maioria, se não todas as vezes, uma educação instruída no exterior. Após a chegada da família real ao Brasil, em poucos anos diversas instituições foram criadas e fundadas com o intuito de cultivar e expandir a intelectualidade da população na época, sendo essa população como dito anteriormente, membros de famílias abastadas ou estrangeiros que residiam ou passavam temporada no Brasil. Ao longo dos anos, o sistema educacional passou por diversas transformações. Essas transformações, que tiveram e ainda tem um grande impacto na educação que conhecemos hoje, sendo essa transformação mais visível e sentida mais especificamente no final da década de 20. fg A partir do texto de Helena Bomeny, podemos entender como a educação sofreu diversas reformas ao longo do tempo e principalmente, a partir da Primeira República. Essas reformas, ocorreram primeiramente como forma de profissionalizar a população e o trabalhador agrícola, de acordo com o contexto histórico. Essas reformas no sistema educacional, que até então não tinham a classificação de básica, média, superior, técnica ou profissionalizante, era uma educação rasa e utilizada como forma de controlar essa população menos privilegiada, que a autora classifica como uma herança de um povo que já foi escravizado. Ainda de acordo com o texto, esse quadro não existe por acaso, sendo na verdade o quadro ideal para elite governante e serve para mostrar a forma como a sociedade brasileira está estruturada, nos dando o entendimento de como o sistema educacional sempre esteve a favor e contra alguém ou uma determinada classe. fg Com a Revolução de 30 a subsequente crise econômica, surge então Getúlio Vargas e o então futuro governo, que tinha como principal base de campanha, uma proposta de mudança para o Brasil. Essa mudança se iniciaria com o avanço político e econômico, que se iniciaria com uma atenção especial na educação, que seria utilizada como instrumento político de transformação. Na sequência, é criado o Ministério da Educação e da saúde pública, que posteriormente, no ano de 1937, seria renomeado e passaria a ser conhecido apenas como, Ministério da Educação. A criação desse ministério, tinha por finalidade o acesso a um ensino de qualidade, gratuito e obrigatório para toda a população. fg No Brasil, a expansão do ensino (tanto básico quanto superior) ocorreu de forma lenta e atrasada. Ao longo dos anos, o sistema educacional superior brasileiro passou por diversas alterações (principalmente entre os anos de 1930 e 1960), entre elas e mais especificamente, diversas medidas que de expansão que tinham por objetivo garantir e adequar o acesso de grupos em maiores dificuldades sociais e econômicas ao ensino superior. Essas medidas, ficaram então conhecidas como, políticas de ações afirmativas. Sancionadas no ano de 2012, essas ações tinham por objetivo inicial diminuir a segregação racial no ensino superior “facilitando” o ingresso de negros, pardos e indígenas as universidades brasileiras, sendo assim lançadas inicialmente apenas, como ações afirmativas de cotas raciais. Com o passar dos anos, essas ações foram sendo modificadas com o intuito de se tornarem mais inclusivas e logo, se tornaram acessíveis a deficientes físicos, a população de baixa renda e a alunos de escolas públicas. fg No entanto, essas políticas, que surgiram como forma de inclusão e reparação de um processo histórico de desigualdades sociais, ainda não se mostraram tão eficazes como o planejado. Mas para que entendamos como esse processo se desenvolveu no Brasil. Além de um apanhado histórico, é necessário que entendamos como essas desigualdades fazem parte das estruturas da sociedade, como esse processo de organização social ocorre e consequentemente, a divisão de classes. Para entendermos como esse processo ocorre, partiremos da teoria da reprodução social de Bourdieu, tendo como base seu texto “A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura”. fg Segundo o sociólogo Francês Pierre Bourdieu (1930-2002), essas desigualdades podem ser explicadas a partir da teoria da reprodução social, que entende que a dominação é a principal base do sistema e da ordem social. Bourdieu também acredita que o sistema educacional é uma parte importante desse processo de dominação, pois ele (o sistema) funciona como um aparelho ou uma ferramenta que serve para dar continuidade a esse sistema. Essas desigualdades sociais, de acordo com Bourdieu, são necessárias para manter a hierarquia desse sistema. fgDe acordo com seus escritos, Bourdieu acredita que esse sistema é construído também dento da estrutura familiar, com a falta de herança cultural que essas pessoas que em sua maioria são pertencentes as classes mais baixas não possuem, sendo esse grupo de pessoas, justamente aqueles que são “atendidos” pelo sistema educacional público básico e posteriormente pelo sistema educacional público superior através dessas ações afirmativas. No entanto, é necessário destacar aqui que, Bourdieu ao desenvolver suas teorias inicialmente, a fez nos anos 60, em um contexto bem diferente do que se encontra hoje a educação brasileira e bem diferente também do que se encontrava quando essas políticas foram colocadas em pauta. fg Uma pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2018, revelou que antes das ações afirmativas, apenas 1,8 dos jovens que se declaravam negros, pardos ou indígenas e que tinham entre 18 e 24 anos, frequentavam ou haviam frequentado a universidade (Pública ou Particular). A mesma pesquisa, revelou que jovens que se declaravam brancos entre as mesmas idades, aumentaram seu ingresso nas universidades (em sua maioria públicas) no mesmo período, passando de 14,5 % para 25,3 %. É importante apontar aqui que com o aumento do ingresso desses jovens no ensino superior com as ações afirmativas, outra questão foi colocada a prova, a permanência dessas pessoas dentro das universidades. Desde seu ingresso, passando por questões financeiras, educacional e até mesmo financeira, essas pessoas precisam lidar com a incerteza sobre seu futuro acadêmico, por não saberem se conseguiram dar continuidade a seus estudos e arcar com sua subsistência ao mesmo tempo. FAqui utilizaremos aqui o texto de Clarissa Neves, para explicar melhor o processo de inserção no ensino superior e as dificuldades de permanência que essa população menos privilegiada enfrenta durante sua formação. A autora faz uma reflexão entre os alunos nascidos em famílias abastadas, que teriam total condição de serem mantidos durante o tempo na universidade, com todos os recursos que necessitam, sem necessariamente precisar trabalhar para isso e os alunos nascidos em um ambiente ou em uma família de origem simples e que são historicamente afastados da educação superior, em desvantagem em todos os aspectos, que precisa trabalhar, não apenas para se manter na universidade, mas para garantir o sustento de sua família, para nos mostrar como as ações afirmativas não acabam ou diminuem as desigualdades sociais no Brasil, mas sim apontam outras questões importantes em outros setores, se não na própria estrutura do País. fg Essas ações, desde que foram instituídas tinham como base a ideia de criar uma sociedade totalmente democrática, no entanto, quando colocadas em prática, essas políticas explicitaram também a necessidade de uma reformulação da própria democracia, pois ela parte da ideia de democracia racial e não entende essas desigualdades como problemas estruturais e que necessitam do estabelecimento de deveres, direitos, necessidades e principalmente, de dar condições para que essas demandas sejam atendidas e que a população seja atendida de acordo com sua necessidade, dessa forma possibilitando a resolução ou a diminuição de diversos problemas de cunho social.
Considerações Finais:
fg Em um País como o Brasil, historicamente segregada por classes, a
discussão em torno de temas como ações afirmativas/ações de inclusão aos grupos minoritários e socialmente excluídos, se torna um tema de extrema relevância na atualidade. Contudo, as estruturas governamentais construídas ao longo dos anos, não impulsionou, nem proporcionou ao Brasil uma base sólida, que fosse capaz de suprir e atender todas as suas necessidades, principalmente as de cunho social, sendo esse “atendimento” feito da forma mais democrática possível no cenário atual, com medidas que possibilitem a resolução de problemas estruturais a partir da realidade da sociedade brasileira. fg O estado como principal ponte para resolução dos problemas sociais e de colocar em prática essas ações afirmativas, não assume esse papel da forma mais acertada e por isso, todas essas medidas estabelecidas e toda ideia de igualdade que vem com essas medidas e ações, não se desenvolvem e se estabelecem com a eficiência que deveriam, e logo, impedem o maior princípio por trás de toda a história, o de igualdade, o que acabada tendo um efeito totalmente contrário e exclui ao invés de incluir. fg No Brasil de hoje, mesmo com todo atraso e segregação que se mantém, as ações afirmativas são uma das principais ferramentas que temos para desmantelar esse sistema centrado e hierárquico, baseando- se não só no princípio da igualdade, mas também nos princípios da equidade e justiça social. Dessa forma, mesmo com todos os desafios e contradições encontrados em seu caminho, as políticas de ações afirmativas ainda são uma das principais e mais eficaz forma que Brasil tem para instauração de um sistema democrático e a criação de um real sistema inclusivo e que seja capaz de reparar suas dívidas históricas.
Referências Bibliográficas:
Gomes, Irene. Marli, Mônica. “IBGE mostra as cores da desigualdade”.
Revista Retratos, 2018. Disponível em: < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de- noticias/noticias/21206-ibge-mostra-as-cores-da-desigualdade>. Acesso em: 30 de agosto de 2021.
Bourdieu, Pierre. “A escola conservadora: as desigualdades frente à
escola e à cultura”. In: NOGUEIRA, M.A.; CATANI, A. Escritos de educação, Editora Vozes, 2007. Bomeny, H. Educação e Brasil na Primeira República. In: “A experiência da Primeira República no Brasil e em Portugal”. Coimbra : Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014, v.1, p. 317335 .
Neves, C. E. B. “Ensino superior no Brasil: Expansão, diversificação e
inclusão. Congresso da LASA”. São Francisco (EUA), 23 a 26 de maio de 2012.