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MANEJO DE FITONEMATOIDES EM CANA-DE-AÇÚCAR

1
ANDREA CHAVES FIUZA PORTO
2ELVIRA MARIA REGIS PEDROSA

1Universidade Federal Rural de Pernambuco- Estação Experimental de Cana-de-açúcar


de Carpina - Rua Angela Cristina C. P. de Luna, S/N- CEP: 55810-000. Carpina/PE-
Brazil. 2Universidade Federal Rural de Pernambuco – Departamento de Engenharia
Agrícola - Rua Dom Manuel de Medeiros, S/N,Dois Irmãos - CEP: 52171-900,
Recife/PE- Brasil.

Introdução
Apesar da importância socioeconômica que agroindústria canavieira representa
para o Nordeste do Brasil, a produtividade agrícola da Região está abaixo da média
nacional. As secas prolongadas, problemas de fertilidade do solo, cultivo em locais de
topografia acidentada, aliados às altas densidades populacionais de nematoides são
fatores limitantes para bons retornos aos produtores (MOURA, 2010). Entre os
nematoides, os de maior frequência e severidade pertencem aos gêneros endoparasitas
Meloidogyne e Pratylenchus, que ocorrem comumente em populações mistas no campo
(BARROS et al., 2002; MARANHÃO, 2008; GUIMARÃES et al., 2008; CHAVES et
al., 2016), embora os gêneros ectoparasitas Helicotylenchus, Paratrichodorus,
Criconemella, Hoplolaimus e Xiphinema sejam encontrados com alguma regularidade.
Os tabuleiros costeiros nordestinos destacam-se entre as áreas de maior
severidade das nematoses. Dados levantados pela Estação experimental de Cana-de-
açúcar de Carpina provenientes de 2500 amostras coletadas nos Estados de
Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte ressaltam a alta frequência dos gêneros
endoparasitas (Tabela 1), corroborando a alta constância de M. incognita (Kofoid &
White) Chitwood, M. javanica (Treub) Chitwood e P. zeae (MOURA, 2000;
RODRIGUES et al., 2011; MATTOS et al., 2011) nos canaviais nordestinos e a
irregularidade de M. hispanica Hirschmann (CHAVES et al., 2007), P. brachyurus
(Godfrey) Filipjev & S. Stekhoven and P. penetrans (Cobb, 1917) Chitwood & Oteifa
(MOURA, 2013).

Tabela 1. Frequência de gêneros de nematoides em cana-de-açúcar em Estados do


Nordeste Brasileiro
Estado Quantidade de análises Nematoide (Gênero) Frequência (%)
Meloidogyne 42
Pratylenchus 67
Helicotylenchus 62
Pernambuco 1855
Paratrichodorus 21
Criconemella 18
Hoplolaimus 12
Meloidogyne 73
Pratylenchus 47
Helicotylenchus 13
Paraiba 398
Paratrichodorus 7
Criconemella 3
Hoplolaimus 5
Meloidogyne 63
Pratylenchus 38
Helicotylenchus 27
Rio Grande do Norte 529
Paratrichodorus 5
Criconemella 8
Hoplolaimus 1

De acordo com Inomoto (2016), M. incognita é o nematoide que ocasiona


maiores danos à cana, seguido por M. javanica e P. zeae. No entanto, a incidência de M.
hispanica em áreas infestadas interagindo com fungos resultou em grandes perdas e
morte de plantas (CHAVES et al., 2007). Recentemente foi reportado em canaviais no
Rio Grande do Sul o M. ethiopica, porém este nematoide não foi ainda relatado no
Nordeste (BELLÉ et al., 2017).
Em relação ao manejo, um grave erro por parte dos produtores tem sido a crença
de que a simples utilização de tratamento nematicida é suficiente para controlar os
problemas nematológicos na Região, quando na verdade nenhuma técnica de forma
isolada é capaz de alcançar tamanho sucesso. De uma maneira geral, o controle genético
com o uso de variedades resistentes seria a melhor opção econômica, prática e
ambiental. Entretanto, na prática, os fatores que determinam altas produtividades
agrícolas e industriais aos genótipos de cana-de-açúcar parecem ser inversamente
proporcionais para resistência às pragas e doenças para a cultura (FERRAZ et al, 2010),
além do que, a presença potencial de diferentes espécies de Meloidogyne e Pratylenchus
no campo restringe a utilização de variedades com resistência a um ou outro nematoide
(CHAVES et al., 2007).
Levando em consideração o cultivo da cana na época chuvosa (plantio de
inverno) e na época seca (plantio de inverno), algumas medidas de manejo integrado de
forma prática podem ser utilizadas para minimizar os problemas nematológicos de
canaviais nordestinos, descritas na sequência.
• Manejo integrado de nematoides (MIN) em plantio de verão (época seca):
• Utilização da vinhaça
A adição de vinhaça, subproduto da produção do etanol utilizada na
fertirrigação, ocasiona a pronta acidificação do solo que prontamente é restabelecida
pela ação de bactérias e outros organismos da microbiota (ALMEIDA, 1955; FERRIS;
SANCHES-MORENO; BRENNAN, 2012). Além de conferir melhoria nutricional à
planta, o solo é enriquecido por vários antagonistas aos nematoides, colaborando para a
diminuição das densidades populacionais (PEDROSA et al, 2005). A menor dominância
de espécies de Meloidogyne e Pratylenchus observada por Matos et al (2011) nas zonas
irrigadas com vinhaça é um forte indicativo desse efeito supressor.
• Torta de filtro no manejo integrado de nematoides
A torta de filtro pode ser utilizada com sucesso no MIN. Além de melhorar as
condições físicas e químicas, retém a umidade e enriquece a microbiota do solo. O
grande problema é a quantidade produzida por tonelada de cana (40kg) associado às
dificuldades de transporte e distribuição até o campo. A utilização deste subproduto em
áreas com altas densidades populacionais minimiza as perdas de produtividade,
incorrendo em ganhos de tonelada de cana por hectare - TCH (CHAVES et al., 2012).

• Uso de manejo integrado de nematoides (MIN) em plantio de inverno (época


úmida):
Em áreas de reforma em plantio de inverno (18 meses) pode ser realizado o
plantio de leguminosas como as crotalárias. Apesar da maioria dos produtores serem
resistentes à utilização destas plantas em áreas de renovação de inverno, unidades
produtores nordestinas como a Usina Coruripe – AL tem utilizado Crotalaria
spectabilis com efeitos significativos na produção.
As áreas são dessecadas com herbicidas e posteriormente é realizado o semeio
com avião agrícola na dose de 20 kg/hectare. Na sequência, essa mesma área cultivada
com cana apresenta retornos de 4 a 6 TCH. Além da eficiência no controle de
nematoides (MOURA, 1995; INOMOTO, 2016), essa leguminosa confere ganhos de
produtividade agrícola pelo efeito de incorporação de matéria orgânica ao solo
(DINARDO-MIRANDA, 2010).

• Manejo integrado de nematoides (MIN) tanto em plantio de verão quanto em


plantio de inverno:
• Revolvimento do solo
O revolvimento de solo para exposição de ovos e juvenis tem sido adotado com
sucesso em várias culturas (DUTRA; CAMPOS, 2003), porém no Nordeste, local
propício para a adoção desta técnica, não é comum a utilização deste sistema devido à
rapidez entre o corte e o plantio da cana na época seca.
No inverno, entretanto, quando ocorre um espaço maior entre a renovação e o
plantio da cana planta, essa técnica seria admissível com probabilidade de conferir
retornos satisfatórios. A exposição dos nematoides às intempéries pelo máximo de
tempo possível (mínimo de 15 dias) parece ser suficiente para diminuir as densidades
populacionais destes organismos no campo.
No plantio de verão essa prática pode ser viabilizada pela exposição do solo com
nematoide seguida de lamina de irrigação para manter condições que favoreçam o início
do ciclo do nematoide no campo. Considerando que no Nordeste, onde boa parte dos
solos é ácida e facilmente intemperizada, a utilização de uma grade leve com exposição
das camadas mais inferiores do solo, onde se encontram os nematoides, pode trazer
bons resultados.
• Controle químico
O controle químico de nematoides é muito utilizado pelos efeitos imediatos ao
produtor, podendo ser usado no plantio de verão e inverno, levando em consideração a
solubilidade. Em levantamento realizado em junho de 2016 pela Estação Experimental
de Cana-de-açúcar de Carpina constatou-se que 77% das unidades produtoras do
Nordeste realizavam levantamentos nematológicos periódicos e destas, 90% utilizavam
apenas o tratamento químico em áreas comprometidas por estes organismos.
Apesar de conferir aumentos de produtividade agrícola na cana-de-açúcar
(DINARDO-MIRANDA, 2010; CHAVES et al., 2012), o uso de nematicidas deve ser
utilizado com precaução devidos aos efeitos ambientais que ocasionam (BARROS;
MOURA; PEDROSA, 2005). Esses produtos também podem ser utilizados na socaria
(DINARDO-MIRANDA, 2010), trazendo bons resultados ao produtor.

Recentemente, alguns nematicidas foram registrados para cana-de-açúcar, com


bom desempenho. Esse fato foi importante devido ao potencial de substituir o
Carbofuran (Furadan®) que entrou em consulta pública, bem como pela retirada do
carbamato Temik® do mercado em 2012. Na atualidade os mais utilizados em canaviais
nordestinos são os produtos a base de Benfuracarbe (Pottente®), Carbosulfan
(Marshall®) e Cadusafós (Rugby®).

Indutores de resistência à base de piraclostrobina (Comet®) foram testados


recentemente com sucesso em canaviais com altas densidades populacionais de
Meloidogyne spp. trazendo ganhos de produtividade interessantes (CHAVES et al.,
2016). Levando em consideração a intensificação da mecanização agrícola no Setor, o
plantio mecanizado tornou-se realidade para o Nordeste em função, entre outros fatores,
da proibição iminente da queima da cana e a dificuldade de aquisição de mão-de-obra
para cultivo e corte da cana. Essa prática colabora para machucar mais os rebolos no
cultivo, o que favorece a infecção por fungos causadores de podridões.
Os produtos a base de piraclostrobina são geralmente potentes fungicidas,
conferindo uma possível combinação de proteção contra mais de um patógeno potencial
no campo, vislumbrando uma alternativa interessante no aspecto fitopatológico e
ambiental.

• Perspectivas futuras para o manejo integrado de cana-de-açúcar


Atualmente, muitos nematicidas químicos seletivos e de menor toxicidade estão
sendo testados com sucesso; também uma gama de produtos orgânicos e biológicos está
sendo estudada em áreas comprometidas mostrando resultados satisfatórios, trazendo
perspectivas de dias melhores no MIN para a cultura da cana-de-açúcar.

• Considerações finais
O maior problema para o controle de nematoides em cana-de-açúcar no Nordeste
é a cultura de que o simples uso de um produto químico isoladamente é suficiente para
reduzir as densidades populacionais de nematoides abaixo dos níveis de dano. É
essencial que seja sempre enfatizada a necessidade de utilização de medidas integradas
para o manejo dos nematoides da cana-de-açúcar, não apenas no Nordeste, mas em
todas as áreas de cultivo desta cultura no Brasil.

• Referências Bibliográficas

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