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ROBERTA ALVES
São Leopoldo
2021
“Deve-se também discutir possibilidades de usar a escola de modos diferentes,
indo além da propagação da ideologia dominante, usando essa mega-estrutura
educacional - já feita com a intenção de aprisionar - como uma ferramenta, um
meio de articulação do novo, para libertar [...] Este pode ser um passo decisivo
para que os mesmos não se tornem adultos cujos fluxos desejantes se
movimentem somente conectados aos objetivos do capitalismo (GUATTARI apud
SILVA, p. 11, 2011).
Escritores da Liberdade: o currículo para libertar
Ao abrir suas portas para receber esses alunos que foram aceitos compulsoriamente
pelo programa de integração, a escola não os integra de fato com o restante do corpo
estudantil. Partindo de um ponto de vista que considera que todos ali possuem as
mesmas bases de saber, os mesmos conhecimentos, a instituição sequer olhou
cuidadosamente para esses novos estudantes, inferindo que todos ali têm os mesmos
saberes em relação aos alunos vindos de backgrounds mais privilegiados.
A queda do desempenho escolar após chegada desses alunos mais vulneráveis na
escola não quer dizer algo? A instituição não se sentiu provocada a examinar
minuciosamente essa queda e os possíveis motivos que levaram a tal, além de olhar
somente para os números como indicador de algo? E o alto desempenho anterior,
indica que os alunos realmente aprendiam? Não só a diferença entre os saberes, mas
a falta do desejo pela aprendizagem também se expressa por meio desses números.
Assim, não houve um cuidado ao receber os novos estudantes; o que houve, foi a
simples rotulação e exclusão.
Mais ao final do filme, o desempenho de leitura e redação desses alunos tidos como
incapazes de aprender aumentou consideravelmente devido ao método de ensino da
Sra. Gruwell, assim como a visão sobre si mesmos adquiriu um caráter mais positivo.
No entanto, mesmo com essas evidências, a chefe do departamento da Escola Wilson
ainda se mostrava contra as didáticas da professora. Perpetuando falas relacionadas à
lógica da exclusão escolar, afirma que o método da professora Erin não é prático e
impossível de se implementar com regularidade. Refletindo a realidade da maior parte
do sistema educacional, a Sra. Campbell diz que: “nós temos milhões de crianças para
passar pelo sistema educacional, e precisamos de meios que beneficiem o maior
número possível de alunos, não só os “casos especiais”.
Os alunos, denominados por ela como “casos especiais”, nada mais são do que
indivíduos com realidades de vida que destoam completamente da denominada como
ideal, definida por uma elite privilegiada e que constitui minoria da população. De
qualquer forma, os indivíduos que não correspondem às regras de conduta definidas
por essa pequena parcela populacional, são excluídos da verdadeira integração social,
e/ou, classificados como, segundo as palavras de Margareth, “casos especiais”. Os
casos desviantes, então, deveriam por meio da instituição escolar, aprender a ver o
mundo e seguir determinadas condutas, mesmo que elas não correspondam com a
realidade de vida de cada um fora daquele espaço de aprendizagem (SILVA, 2001).
Analisando a sequência de atitudes por parte da escola com relação aos alunos e
acompanhando um pouco da trajetória de vida dos mesmos ao longo da obra
cinematográfica, conseguimos notar ainda mais a importância do ingresso da
professora Erin na Wilson High School. Fazendo analogias com o que já era conhecido
pelos jovens, a Sra. Gruwell teve como um primeiro movimento de mudança na forma
de lecionar naquele ambiente, levar a música Keep ya head Up, do rapper Tupac.
Fazendo associações com as gangues, as quais a maioria dos seus alunos eram
integrantes, ela foi capaz de ensinar sobre o holocausto para aqueles estudantes que
não tinham conhecimento sobre o assunto. Assim, a profissional foi capaz de trazer
novas informações para esses adolescentes, de maneira que fosse possível que eles
assimilassem esses conhecimentos recentes às suas coleções de modelos já
existentes (PAPERT apud MARASCHIN, 2000, p. 113).
Dessa forma, possibilitando conexões com eventos e elementos que eram de
interesse de seus alunos (PARAÍSO,2009) , a produção de desejo foi sendo construída
gradualmente no interior de cada sujeito, provocando mudanças nos seus
pensamentos e ações em relação tanto ao mundo que os cercam quanto aos seus
mundos internos, tão singulares. Colocando a metodologia de ensino mais usual de
lado em que o conhecimento se caracteriza pela transmissão de conhecimentos
através de uma hierarquização dos mesmos, o que torna o percurso escolar
seccionado e desconexo (MARASCHIN, 2000), a professora Erin trouxe movimento,
sentido e conexão do que está sendo aprendido em sala de aula com a vida real.
Modificando a dinâmica comum das salas de aula, através da proposta de escrita nos
diários, ela traz os estudantes da sala 203 como protagonistas do próprio ensino.
O quanto aqueles jovens estavam precisando, não só de alguém que lecionasse de
forma diferenciada, mas de alguém que reconhecesse os seus potenciais, alguém que
os enxergassem e que os valorizassem. Vimos alunos que não viam em si nenhum
potencial, organizando grandes eventos, lendo livros, escrevendo narrativas,
frequentando locais que não a própria casa, a violência das ruas e a escola. Vimos
jovens conquistando não só boas notas, mas também a autoestima e o protagonismo,
escrevendo a própria história e o próprio futuro.
REFERÊNCIAS: