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- ISSN 2676- 0193 -

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Mar 17 5 min para ler

Projeto LER PUC Minas: experiências


de leitura e escrita com refugiados e
migrantes
Igor Amaral Vitral Hollerbach Athayde é graduando em Letras pela PUC Minas e trabalha no
Projeto LER, onde promove experiências de leitura e escrita com pessoas refugiadas e
migrantes no Brasil. Neste artigo, Igor inaugura a sua seção temática na Revista Ponte.

“Somos todos migrantes. Alguns cruzam fronteiras”

(Macarena Rodríguez)

Os desafios da pós-modernidade, sobretudo num mundo com fronteiras


em dissolução, manifestam-se em sala de aula e demandam dos
educadores uma conscientização social cada vez mais ampla. As distâncias
se encurtam, os contatos interculturais se multiplicam e a migração é um
fenômeno corriqueiro. Ser professor nesse mundo globalizado significa
lidar com a diversidade - de etnias, de culturas, de nacionalidades -
construindo um ambiente humanizado e acolhedor. Essa demanda se
intensifica em meio a uma das mais graves crises humanitárias da
atualidade: o deslocamento forçado de milhões de pessoas pelo mundo.

Você já imaginou ver-se diante de uma guerra, de um desastre natural ou


de uma crise política que pusesse em risco a sua vida e a de seus
familiares? Já imaginou ter seus direitos mais básicos violados e ser forçado
a deixar o seu lar? Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR), essa é a realidade de 79 milhões de pessoas no
mundo todo. São sujeitos diaspóricos que buscam acolhimento e
enfrentam inúmeras dificuldades na luta por uma vida digna e por uma
reintegração sociocultural plena. Uma dessas dificuldades é o aprendizado
da língua do país de acolhimento - o primeiro choque que, muitas vezes,
pode se impor como um obstáculo à reinserção do sujeito no mercado de
trabalho, na vida acadêmica ou no exercício das demais atividades
socioculturais. Dessa e de outras dores humanas, nasceu o Projeto LER:
Leitura e Escrita com Refugiados e Migrantes no Brasil, uma iniciativa do
Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais em parceria com o Serviço Jesuíta a Migrantes e
Refugiados (SJMR).

Para compreendermos o contexto e as atividades do projeto, é necessário


fazermos a distinção entre dois conceitos-chave: migração e refúgio. Migrar
é se deslocar, é movimentar-se pelo mundo. Por isso podemos dizer que,
de certa forma, somos todos migrantes - embora nem todos cruzemos
fronteiras. Entretanto, costumamos compreender como migrante aquela
pessoa que assume o deslocamento geográfico, entrando ou saindo de
algum país, estado, cidade ou região. Desses migrantes, alguns são
forçados a deslocar-se por questões de sobrevivência, ameaçados por
conflitos armados, por crises políticas e econômicas muito severas ou por
violações sistemáticas dos direitos humanos - a esses sujeitos chamamos
refugiados.

Todos eles, refugiados e outros migrantes, mobilizam suas


vivências, seus saberes e seus afetos no enfrentamento dos
percalços que se impõem à sua readaptação sociocultural -
fenômeno marcado pelo processo de reconstrução
identitária. São esses os aprendizes que procuram pelo
Projeto LER.

No projeto, assumimos o ensino da língua na perspectiva do Português


como Língua de Acolhimento (PLAc) (FERREIRA et al., 2019). O principal
diferencial do PLAc é o ensino orientado às concretas demandas e
potencialidades emancipatórias da vida dos aprendizes, em seu processo
de integração no país que os acolhe. Os detalhes sobre a epistemologia e
metodologia de ensino da língua serão explorados, nesta seção, em
publicações futuras.

Entre as atividades desenvolvidas pelo Projeto LER, estão oficinas voltadas


à prática contextualizada das quatro competências linguísticas: escuta, fala,
leitura e escrita. Nessas oficinas, trabalhamos com textos de natureza
diversa, produzidos em língua portuguesa, de modo a atender às
necessidades comunicativas dos aprendizes, dialogando com as urgências
de sua integração cultural e emancipação social no Brasil, país de
acolhimento.

Ao longo do processo, os participantes são convidados a


dizer de si, a compartilhar suas experiências de vida, seus
valores e crenças, suas dificuldades e conquistas, seus
sonhos e desejos, em diferentes situações e contextos.
Essas narrativas emergem a todo momento em sala de aula
e servem de matéria prima para o trabalho do professor-
pesquisador.

O Projeto LER congrega extensão universitária e pesquisa científica em


suas práticas pedagógicas, pois compreendemos que, como postula Paulo
Freire (1996, p. 32), “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.
Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro.” Assim, nascem, no
âmbito do LER, diversos trabalhos que investigam o processo de
subjetivação, de construção identitária, à luz do reconhecimento da
indissociável relação entre emoções, cognição e linguagem. Esse tipo de
investigação orienta a nossa formação pedagógica e a nossa práxis dentro
e fora dos limites do projeto.

Nossa comunidade é formada por professoras da PUC Minas, graduandos


de cursos diversos (Letras, Pedagogia, Psicologia, Jornalismo, Direito,
Cinema e Arquitetura) e cidadãos de diferentes nacionalidades, na
condição de refugiados e migrantes residentes no Brasil. Em decorrência
da pandemia da Covid-19, nos anos de 2020 e 2021, o projeto passou a ser
desenvolvido totalmente na modalidade digital, o que nos trouxe inúmeros
desafios, mas também a possibilidade de alcançar alunos em todas as
regiões do país. A equipe docente realiza reuniões semanais de
planejamento e encontros quinzenais para estudo e aperfeiçoamento.
Além disso, também promovemos ações de imersão cultural para os
participantes, abertas à comunidade de migrantes e refugiados. Entre
essas, contamos com um cineclube e um clube de leitura, duas eficientes
experiências de interação e de aprendizagem intercultural mútua onde
desenvolvemos ainda mais o aprendizado da língua portuguesa e a troca
de saberes entre a cultura brasileira e as outras expressões identitárias
representadas pelos outros países de origem dos nossos estudantes. Essas
atividades ocorrem em consonância com nossos principais pilares teóricos
e metodológicos: a Educação como Prática de Liberdade (Paulo Freire) e a
Pedagogia do Bom Senso (Célestin Freinet).

Com esta breve apresentação, deixo um convite: conheçam


o Projeto LER, uma iniciativa comprometida com o direito à
cidadania global, com a construção das bases de uma
sociedade culturalmente diversa e com uma educação
fundamentalmente humanista, afetivamente acolhedora.

Espero que os conhecimentos construídos no domínio de nossas atividades


no projeto contribuam para a qualidade da prática docente - em qualquer
nível, da educação infantil ao ensino superior - e sejam levados para a sala
de aula, um ambiente cada vez mais marcado pela diversidade cultural e
pela variedade linguística. Com o propósito de difundi-los, inauguramos,
com este relato, a seção temática “Mobilidades culturais, transnacionalismo
e educação”, na Revista Ponte. Daqui em diante, publicaremos discussões
colhidas na rotina do Projeto LER e de experiências afins de ensino de
língua, para, assim, esperançarmos juntos rumo ao Brasil sonhado pelo
educador Paulo Freire: berço do “inédito viável”, um horizonte possível
além da crise humanitária diante da qual nos encontramos.

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

ATHAYDE, Igor Amaral Vitral Hollerbach. “Projeto LER PUC Minas: experiências de leitura e
escrita com refugiados e migrantes”, em Revista Ponte, v. 1, n. 3, mar. 2021. Disponível em:
https://www.revistaponte.org/post/prjto-ler-puc-mins-exper-leit-esc

Igor Amaral Vitral Hollerbach Athayde é graduando em Letras pela


PUC Minas, extensionista e pesquisador no Projeto LER. É também
colunista da Ponte, na seção Mobilidades Culturais, Transnacionalismo
e Educação.
E-mail: igorathayde.pv@gmail.com

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Referências:

CAVALCANTE, Sandra Maria Silva; MILITÃO, Josiane Andrade. Projeto Ler: uma experiência
de leitura e escrita com refugiados e migrantes. In: PENZIM, Adriana Maria Brandão; ALVES,
Claudemir Francisco; SOUZA, Robson Sávio Reis (org.). Na cidade: micropolíticas e modos
de existência. Caderno temático n° 9. Minas Gerais: NESP, 2019

FERREIRA. L. C. [et al.] Língua de Acolhimento: experiências no Brasil e no mundo. Belo


Horizonte: Mosaico Produção Editorial, 2019.

FREINET, C. Pedagogia do Bom Senso. São Paulo: Martins Fontes, 2004.


FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1984.

_________. Pedagogia do Oprimido. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1987.


_________. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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iwalty2
18 de mar.

Igor, você, colegas e as coordenadoras do projeto Ler, Sandra e Josiane, estão de parabéns pelo
trabalho que vêm desenvolvendo, que deve mesmo ser divulgado. O primeiro passo para
vencermos as barreiras que nos surgem, sobretudo neste momento difícil, é a sensibilidade, a
empatia, o voltar-se para 😍o outro. Sigam em frente.
Ivete Walty

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