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INTOLERÂNCIA RELIGIOSA1

Samuel Vida

O Escritório Nacional Zumbi dos Palmares/Bahia, vem socializar informações acerca


da mobilização contra a intolerância religiosa, que vem se desenvolvendo em
Salvador, bem como apresentar o Manifesto, que será publicado. Apresentaremos, a
seguir, um breve relato do surgimento e desenvolvimento do Movimento Contra a
Intolerância Religiosa, apontando os principais encaminhamentos adotados.
O início da mobilização se desenvolveu a partir da veiculação do programa religioso
"Portal da Esperança", transmitido pela TV Aratu, em Salvador, em 24/06/2000,
através do qual o autodenominado "Bispo" Átila Brandão (Igreja Batista do Caminho
das Árvores) desfere criminosos ataques contra o candomblé. No dia 08/07, novo
programa foi veiculado com novas agressões ao candomblé.
O padre Alfredo Dórea e o ambientalista Roberto Woolf convocaram várias pessoas
para reunião no CEAS, na data de 01/07/2000. Nesta reunião foi exibida um cópia
do supracitado programa, e as discussões conduziram às seguintes conclusões:
apesar da gravidade da conduta criminosa do "Bispo" Átila Brandão, a questão
mereceria uma abordagem mais ampla, considerando que os ataques ao candomblé
se constituem numa prática sistemática das seitas evangélicas, impregnada de
racismo e intolerância, principalmente mediante o uso dos meios de comunicação;
além de responsabilizar criminalmente o agressor e adotar outras medidas jurídicas,
ficou decidida a manutenção das discussões visando a constituição de um
movimento ou fórum para combater a intolerância religiosa.
Foram realizadas mais quatro reuniões (08/07; 11/07; 18/07; 25/07), incorporando-se
diversas pessoas e segmentos, tendo sido aprovados os seguintes
encaminhamentos:
a) A constituição do Movimento Contra a Intolerância Religiosa, como uma
associação voluntária, não institucional, baseado na mobilização pluralista e
democrática de diversos segmentos religiosos e outros setores da sociedade.
No momento, participam religiosos do candomblé, cristãos, judeus,
muçulmanos, baha'is, setores organizados do movimento negro e de outros
movimentos sociais e pessoas comprometidas com o combate à intolerância
religiosa.
b) Serão realizadas reuniões periódicas, abertas, às terças, 17 horas, no Centro
de Estudos Afro-Orientais-CEAO, da UFBA.
c) Acionamento do Ministério Público, através da Promotoria Especial de
Combate ao Racismo, para o enquadramento penal do supra citado "Bispo". (O
inquérito já foi instaurado e encontra-se em desenvolvimento).
d) Coleta de informações e provas de manifestações de intolerância religiosa
praticadas pelas diversas seitas evangélicas para fundamentar Representação
junto ao Ministério Público pela instauração de Inquérito Civil Público para
investigação destas nefastas práticas e outras iniciativas jurídicas.
e) Publicação de Manifesto assinado por expressões religiosas, personalidades e
representações da sociedade. (anexo).
f) Encaminhar carta aos prefeituráveis exigindo posicionamento diante da
questão.

1 Adaptado de mensagem eletrônica enviada para a lista pública que pode ser acessada no site <br.groups.yahoo.
com/group/discriminacaoracial/message/647>, postada em 3-8-2000.
g) Realização de Seminário, até o final do ano, para discutir a questão.
h) Viabilização de campanha pública de esclarecimento e combate à intolerância.
i) Criação de um site para abrigar a campanha na internet. Provisoriamente, serão
utilizados os sites disponibilizados pelas entidades que participam do
movimento.
j) Evitar declarações à imprensa que possam prejudicar a continuidade da
mobilização e sua dimensão plural.
Este relato representa a percepção do ENZP acerca das reuniões e deliberações,
não excluindo outras percepções ou deliberações por nós não captadas.
ANEXO – MANIFESTO
NÃO À DISCRIMINAÇÃO
Cansados de assistir às ofensas, cada vez mais freqüentes aos cultos afro-
brasileiros, proferidas por algumas seitas que tomaram de assalto os meios de
comunicação, os abaixo assinados, pertencentes a diversas instituições, religiosas
ou não, vêm a público denunciar:
Ao longo da História, oportunistas bem falantes, especialistas em manipular
fraquezas, aparecem nas épocas de crise.
As armas utilizadas são, quase sempre, as mesmas: perseguições a grupos raciais
e/ou religiosos.
Na Alemanha de Hitler, o grupo minoritário escolhido foi o judeu.
Desta vez, as religiões afro-brasileiras, herança mantida com tanto sacrifício pelos
ancestrais africanos e seus descendentes neste país, cujas inestimáveis
contribuições tanto enriqueceram nossa cultura, ao longo dos séculos, estão sendo
o alvo dos ataques, em tudo e por tudo, semelhantes aos dos antecessores
nazistas.
O objetivo perseguido parece não ser apenas o de arrecadar o dízimo dos seus
adeptos e influenciar a política local. O desejo de tomar as rédeas nacionais
apresenta-se de forma clara.
Não vamos permitir que os autodenominados pastores e bispos, usando a
mensagem de Jesus, não no seu original de amor, mas na versão perversa do ódio,
ataquem culturas milenares e todo o seu conteúdo ético e religioso.
Não vamos permitir ofensas a quaisquer grupos de nossa sociedade, sejam estes
minoritários ou não.
Não vamos permitir que atinjam o amor próprio de jovens brasileiros, tenham eles a
origem étnica, religiosa ou cultural que tenham.
Não vamos permitir que lavem o cérebro de pessoas ingênuas.
Não vamos permitir discriminações.
Não vamos permitir que nosso pacifismo e tolerância sejam interpretados como
omissão.
Não vamos permitir novos genocídios, físicos ou culturais.
Vamos combater o mal no nascedouro.
Vamos alertar a sociedade em geral e as autoridades, em particular, para os
permanentes ataques às normas constitucionais, infra-constitucionais e
internacionais pertinentes.
Apenas para ilustrar indicamos, a seguir, alguns dispositivos legais violados:
No âmbito federal - art. 5º, VI e XLII; art. 215 e 216 da Constituição Federal; art. 208
do Código Penal; art. 53, alínea "e" da Lei 4.117 (Código Brasileiro de
Telecomunicações); art. 22, II, da Lei 7.170 (Lei de Segurança Nacional); art. 20,
parágrafo 2º, da Lei 7.716 (Lei Caó - que define os crimes de preconceito de raça ou
de cor).
No âmbito estadual - art. 275 e 286 da Constituição do Estado da Bahia;
No âmbito municipal - art. 1º, parágrafo único da Lei Orgânica do Município do
Salvador.
No âmbito internacional - art. XVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos;
arts. 18 e 20 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; arts. 1º, caput, e
5º, d, "vii", da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial.

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À luz de acontecimentos mais recentes, alertamos, ainda, as autoridades e o povo
para o perigo que o fanatismo desgovernado pode representar para o nosso
patrimônio artístico, histórico e cultural, através da destruição de obras de arte de
valor inestimável, "ídolos, bonecos, representações do demônio" na visão dos mais
simplórios.
Lembramos que estes "objetos" podem ter saído das abençoadas mãos de um
Francisco Chagas, o Cabra, ou de um Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
Assumimos total solidariedade para com os ultrajados e conclamamos aqueles que
acreditam na justiça e na igualdade de direitos para todos, sem distinção de raça,
cor ou credo religioso, a fazer o mesmo, em grupo ou como indivíduos.

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assinatura
instituição

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