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Quando a morte visita a maternidade:

Papel do psicólogo hospitalar no atendimento ao luto perinatal

Autoras: Erica Nascimento de Sousa


Júlia Costa Muza
Orientadora: Alessandra da Rocha Arrais

O presente estudo pautou-se no método qualitativo e teve por objetivo conhecer o


significado da perda fetal para famílias enlutadas, avaliar a intervenção psicológica em situações
de óbito fetal e sistematizar modelos de intervenção psicológica diante da perda e do luto do
bebê. Participaram dessa pesquisa cinco famílias que vivenciaram o óbito perinatal em uma
maternidade de um hospital particular da cidade de Brasília, entre abril e maio de 2010.
Utilizaram-se como instrumentos o prontuário psicológico do serviço de psicologia do referido
hospital e um roteiro pós-óbito para realização de uma entrevista breve, feita por telefone, com o
propósito de conhecer como as famílias enfrentaram a perda do bebê e de como eles perceberam
o atendimento psicológico. Procedeu-se à análise de conteúdo (Bardin, 1977), onde emergiram
oito categorias, a saber: história da gestação; história do óbito perinatal; desejo de reparação;
reação imediata ao óbito do bebê; despedida do bebê; reação ao atendimento da psicologia na
situação do óbito e reação ao atendimento da psicologia no pós-óbito. Os resultados
demonstraram que o intenso trabalho psíquico de luto sofrido pelas famílias ainda recebe pouco
apoio social das instituições, e a psicologia hospitalar pode ter um papel fundamental junto a
essas famílias no sentido de prevenir traumas futuros, de evitar o luto patológico e gravidezes
reparadoras. Para tanto, propõe-se a adoção do protocolo de luto perinatal por equipes obstétricas
e em especial pelo psicólogo, a ser implantado em maternidades pública ou privadas.
Palavras chave: óbito perinatal; luto; psicologia hospitalar, protocolo de luto perinatal.
When the death visit the maternity:
Role of a hospital psychologist in the care of mourning perinatal

The present study was based on qualitative method and had as objective to know the
meaning of fetal loss for the bereaved families, measure the psychological intervention in cases
of fetal death and systematize models of psychological intervention in face of loss and mourning
of the baby. Participated to this research five families who have experienced a perinatal death in
a private maternity hospital in the city of Brasilia, between April and May 2010.Was used as
instruments of research the psychological records of psychology sector at the hospital, and a
guide interview-after-death to do a brief interview, conducted by telephone, in order to know
how these families have faced the loss of the baby and how they assessed their psychological
care. Proceeded to content analysis (Bardin, 1977) to analyze the data, which revealed eight
categories, namely: history of pregnancy, history of perinatal death, desire to make amends;
immediate reaction to death of the baby, baby farewell; reaction in face of the psychology care at
the moment of the loss and after death. The results demonstrated the importance of providing
space for mourning, even without a social recognition of the death of a baby. It is also confirmed
that health psychology has a fundamental role with these families, especially to prevent future
injuries. Is proposed to adopt the protocol for mourning perinatal by obstetrical teams in
particular by the psychologist, to be deployed in a public or private maternity.
Keywords: perinatal death, mourning, health psychology, protocol mourning perinatal.

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INTRODUÇÃO
O óbito fetal é a morte do produto da gestação antes da expulsão ou de sua extração
completa do corpo materno, que segundo Brasil (2009), independe da duração da gravidez.
Quanto à sua etiologia, algumas pesquisas apontam que entre 25%-40% a causa seria de origem
fetal (alterações cromossômicas, más-formações diversas e infecções congênitas), em 25%-35%
as causas seriam placentárias (descolamento, hemorragia feto-maternal e insuficiência
placentária crônica) e em 5%-10% seriam decorrentes de problemas maternos (hipertensão e
diabetes) (Pepper & Knapp, 1980 citado por Torloni, 2007).

A dificuldade de elaboração do luto decorrente do óbito fetal ou de recém nascido,


chamado genericamente por Iaconelli (2007), de luto perinatal, termo que será assumido neste
artigo, é vivenciado pela sociedade como algo que deve ser evitado. Opta-se pela negação e
racionalização, sem o contato com a angústia. Assim, as reações das pessoas à notícia da perda
de um bebê são sentidas e interpretadas pelos pais como, no mínimo, desconcertantes.
Por meio da busca bibliográfica sobre o tema luto perinatal constata-se uma lacuna
teórica e metodológica na literatura científica. O estudo proporcionou o aprofundamento sobre o
assunto e constatou como a psicologia tem pouca publicação acerca do tema, sobretudo quanto a
uma atuação prática. Junto aos pais enlutados que vivenciaram este contexto implica-se em um
intenso trabalho psíquico pouco oportunizado nos serviços de saúde do país. Frente a esse
quadro, propõe-se com esse trabalho conhecer o significado do luto perinatal para famílias
enlutadas, como também analisar a intervenção psicológica em situações de luto perinatal.
A morte de um filho
No decorrer da história da humanidade, em diversas culturas, as crianças ocuparam
distintos lugares e sem importância na sociedade. Na idade média, a criança era pouco valorizada
uma vez que a consideravam como adultos em miniaturas incompletos e sem personalidade. Para
Ariès (1978), essa forma de enxergar a criança se dava provavelmente por não haver lugar para a
infância naquele mundo. Nessa época, ao morrer, a criança muitas vezes não tinha nome ou
então o seu nome era atribuído imediatamente a outra criança. Foi a partir do século XIX que a
morte da criança começou a ser considerada importante e agregava normalmente uma conotação
religiosa como justificativa para a sua morte. De um descaso quase total na Idade Média, perder
um filho, no século XIX, tornou-se um evento de profunda comoção e tristeza (Chiattone, 1998)
e permanece até hoje.

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Carter e McGoldrick (2001) ressaltam que ao longo do ciclo vital a família experimenta
mudanças naturais, inerentes ao seu processo de surgimento, crescimento e desenvolvimento,
que geram perdas normativas em cada etapa. Cada mudança de etapa no ciclo de vida de uma
família gera uma necessidade de adaptação e transformação nas relações entre os seus membros,
a partir das tarefas a serem cumpridas em cada estágio de desenvolvimento. Esse movimento de
perdas consideradas naturais, inclusive a morte, permite que a família mantenha sua
continuidade e o crescimento de seus integrantes ao mesmo tempo. Para essas autoras, contudo,
nessa transição entre as etapas, a família pode também experimentar processos de luto por perdas
significativas, não naturais, que surgem inesperadamente, como o luto de um bebê. Em qualquer
tipo de perda, Carter e McGoldrick (2001) ressaltam que todos os membros da família são
afetados, cada qual à sua maneira, havendo afastamentos, realinhamentos, mudança de papéis,
novas exigências e tarefas, entre outras dificuldades que podem levar à disfuncionalidade na
família, manifestando-se das mais diferentes maneiras.
A morte de um filho antes do nascimento ou logo após este rompe com a ordem natural
da vida. Como também, interrompe com os sonhos, as esperanças, as expectativas e as esperas
existenciais que normalmente são depositadas na criança que está por vir.
Dentro dessa perspectiva, as formas de compreender a morte foram se modificando ao
longo do tempo e com ela os impactos que um luto pode trazer para as famílias. Atualmente, há
um crescente número de estudos (Gesteira, Barbosa & Endo, 2006; Kübler-Ross, 1998; Kovács,
2008) sobre a relação das pessoas com a morte, enfocando normalmente os processos de luto.
Por outro lado, há poucos estudos que tratam do luto perinatal. Este é constituído por
temas interditos e negados. Ressalta-se que o luto perinatal merece uma atenção especial visto
que é uma perda não reconhecida, que não é abertamente apresentada e muito menos socialmente
validada (Gesteira et al, 2006). Além disso, pode trazer repercussões consideráveis aqueles que
não tiveram a oportunidade de vivenciar essa perda de forma mais saudável.
Luto e conseqüências emocionais
A perda de qualquer ordem gera o sentimento de luto. Gesteira et al (2006) define o luto
como uma reação normal e esperada quando um vínculo é rompido, e sua função é proporcionar
a reconstrução de recursos e viabilizar um processo de adaptação às mudanças ocorridas em
conseqüência das perdas. Bromberg (1999, citado por Gesteira et al, 2006) ressalta a existência
de alguns fatores que geram o processo de luto como: fatores internos; estrutura psíquica do
enlutado; histórico de perdas anteriores; circunstâncias da perda; crenças culturais e religiosas; e
apoio recebido.
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Existem teorias a respeito do enlutamento que focalizam as fases observáveis do luto,
como as construídas pela Kübler-Ross (1998) que ao estudar pacientes sem possibilidades
terapêuticas destacou cinco estágios: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e
aceitação. De acordo com essa autora, a “negação funciona como um pára-choque depois de
notícias inesperadas e chocantes, deixando que o paciente se recupere com o tempo, mobilizando
outras medidas menos radicais” (p.44). Quando não é mais aceitável manter firme o primeiro
estágio de negação, “ele é substituído por sentimentos de raiva, de revolta, de inveja e de
ressentimento” (Kübler-Ross, 1998, p.55). A barganha, terceiro estágio, é pouco comentada na
literatura, mas apresenta-se como muito utilidade ao paciente, mesmo que por um tempo muito
curto. O quarto estágio consiste na depressão e pode-se afirmar que este é um instrumento na
preparação da perda iminente de todos os objetos amados, uma vez que pode facilitar o estado de
aceitação, encorajamento e confiança. Por último, tem-se o quinto estágio, o da aceitação, que
não é um estágio de felicidade, mas sim quase uma fuga dos sentimentos e intrigas.
Elisabeth Kübler-Ross foi uma pioneira no sentindo de sistematizar o processo de perda
em estágios, entretanto, outros autores entendem que o luto não é apenas um processo de
sucessivas fases, mas um carrossel de reações e sentimentos que se alternam de diferentes
maneiras em cada situação de perda. No entanto, a elaboração do luto pela morte de uma criança
antes de seu nascimento tem uma dinâmica diferente. De acordo com Duarte e Turato (2009) :
A construção de vínculos afetivos fortes e de recordações de convivência mútua fica
impossibilitada, uma vez que lembranças não podem ser evocadas posteriormente e a
ausência da criança é profundamente sentida, como se fosse retirada parte do corpo. Essa
ausência de lembranças também pode trazer a sensação de que a criança foi alguém que
não existiu. (p.487)

O processo de luto parental é parte integrante do processo de luto familiar, afetando todos
os outros subsistemas e sendo afetados por eles. O luto parental por si só já é um fator de risco
para o desenvolvimento de um luto complicado (Caselatto, 2002, citado por Silva, 2009). A
ameaça básica que paira sobre a função parental pode gerar conseqüências drásticas, como
inabilidade provisória ou permanente para o exercício dessa função, ou, ainda, um isolamento
social irrestrito e de duração indeterminada. Sob a perspectiva parental, não existe uma idade
menos traumática para a morte de um filho e estudos da área trazem que sentimentos como
frustração, decepção, revolta, tristeza, culpa e choro são comuns aos pais e familiares (Santos,
Rosenburg & Buralli, 2004).

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Gênero e desamparo social
Apesar de existir semelhança no que diz respeito ao sofrimento e dor de pais enlutados,
não se pode desconsiderar as questões de gênero, entendendo que as respostas ao luto se
diferenciam entre homens e mulheres como alguns estudos comprovam. Para Coelho (2005,
citado por Silva, 2009), ser homem e ser mulher implica desempenhar múltiplos papéis sociais
orientados pela ideologia social, presente nas práticas cotidianas e nos significados que o
indivíduo tem de si, do outro e das instituições sociais. As diferenças de gênero no
enfrentamento do luto e na expressão do pesar são apreendidas na convivência social.
De acordo com Bartilotti (2007) não é incomum que o luto perinatal desmantele o
entendimento do papel feminino que passa a ser acompanhado pelo desprezo, pela inadequação e
por um profundo sentimento de ineficiência. Normalmente é um “golpe” para a auto-estima da
mulher, para sua capacidade maternal e para sua feminilidade. Entende-se que a “criança morta”
também é “mãe morta”, pois a construção do papel de mãe e a identidade materna que se
constrói lentamente com a gestação são, de forma abrupta, interrompidas. E com isso,
sentimentos de intenso fracasso, incapacidade e inferioridade são despontados pela
impossibilidade de gestar o próprio filho (Bartilotti, 2007).
Por outro lado, essa mesma autora analisa uma prática comumente observada que diz
respeito a “poupar” e/ou supervalorizar a fragilidade da mãe em detrimento da expressão dos
sentimentos, igualmente presentes, por parte do pai. De acordo com Maldonato (1982, citado por
Bartilotti, 2007) com freqüência o pai é bruscamente comunicado da morte do bebê, e, não raro
permite-se que ele “desabe” e possa demonstrar a dor de ter perdido o filho. Ou seja, o pai é
colocado em contato com a realidade, normalmente de forma pouco cuidadosa, mas não costuma
encontrar acolhida para expressar honestamente a sua dor.
Observa-se ainda que a dificuldade de elaboração da perda de um filho que nem “chegou
a nascer” é comumente intensificada pela falta de apoio social. Iaconelli (2007) ressalta que no
luto perinatal, nem sempre é escutado o desejo dos pais de realizarem procedimentos ritualísticos
que fazem parte das demais perdas por morte e, quando são realizados, não deixam de criar certo
constrangimento. Estas diferenças no tratamento destes casos revelam uma impossibilidade de
atribuir à morte de um bebê (pré ou pós-termo) o status de morte do filho. Quando os rituais são
realizados - em caso de luto pós-termo, por exemplo -, ainda assim, os pais costumam ouvir
declarações de que seus bebês são substituíveis e sofrem pressão para acelerar o trabalho do luto.
A questão é que a impossibilidade de enxergar o lugar psíquico de onde emerge um filho faz

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com que as mínimas condições para a elaboração deste tipo de luto tendam a ser
desconsideradas.
Ainda segundo Iaconelli (2007), o luto de um bebê recém-nascido carrega em si um
aspecto de inerente incomunicabilidade e atrai, por sua vez, olhares de incompreensão. A morte
do filho inverte as expectativas das perdas pressupostas na vida - morte dos pais, dos mais velhos
- deixando os pais sem referências temporais. Há algo do mais profundo desamparo nesta
vivência. Não há como inscrever esta perda no psiquismo, pois ela é sistematicamente
desautorizada pelo outro. Não há como compartilhar deste luto no senso comum da
modernidade, ficando os pais duplamente desamparados: pelo bebê e pelos adultos.
O papel do psicólogo no luto perinatal
Assim, diante de toda repercussão que o luto perinatal pode acarretar para os pais,
familiares e até mesmo equipe de saúde, entende-se como fundamental a presença da psicologia.
Muitas vezes a equipe de saúde evidencia seu despreparo para lidar com a dor e a angústia do
outro, principalmente pelos próprios conflitos que possui na relação com a morte ou com a
eminência desta (Bartilotti, 2007). O psicólogo é o profissional que tem preparação para
viabilizar a expressão do luto.
“A psicologia entende que para dissipar a dor psíquica de uma perda, é necessário que ela
seja dita, vivida, sentida, refletida e elaborada, mas nunca negada” (Gesteira et al, 2006, p.465).
Contudo, há um tempo para todo esse processo se constituir que não pode ser apressado nem
pela família e nem pela equipe de saúde. Na verdade, o tempo tem que ser usado para melhorar a
capacidade do enlutado de elaborar a perda do bebê.
Segundo Carvalho e Meyer (2007) um dos papéis da psicologia diante de intercorrências
como o luto fetal é desafiar a mentalidade da morte como tema interdito, buscando identificar as
vulnerabilidades e alto risco dos pais que perderam seus filhos. Cabe a psicologia ajudar com
que os pais e familiares se apropriem da situação que estão vivendo, para posteriormente
conseguirem falar e aos poucos assimilar, e bem posteriormente aceitar. Gesteira el al (2006) traz
que os rituais fúnebres ajudam no processo de luto, pois a recuperação é centrada na aceitação, e
o velório permite que as pessoas se despeçam e que o enlutados seja considerado como tal.
Abordagens terapêuticas que possibilitam ajudar os pais no processo de perda do filho,
bem como torná-la mais real consistem em permitir que os pais visitem o recém nascido,
toquem-no, caso queiram, e que recolham lembranças possíveis (Bartilotti, 2007). Essas são
estratégias que favorecem a saúde psíquica de muitos casais, objetivo primordial da psicologia.

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No sentido de contribuir para o aprofundamento dos conhecimentos sobre o tema, o
presente estudo teve por objetivo conhecer o significado da perda perinatal para famílias
enlutadas, analisar a intervenção psicológica em situações de luto perinatal e sistematizar
modelos de intervenção psicológica diante da perda e do luto do bebê.

ESCOLHA METODOLÓGICA
Como metodologia de pesquisa, esse trabalho pautou-se pelo método qualitativo. A
pesquisa qualitativa procura estudar fenômenos nos termos das significações que as pessoas
trazem para estes. Turato (2005) afirma que não seria o estudo do fenômeno em si, o que
interessa na pesquisa qualitativa, mas sim, a significação que tal fenômeno ganha para os que
vivenciam.
Ainda segundo Turato (2005), os métodos qualitativos caracterizam-se pela busca dos
significados dos fenômenos humanos, tendo o ambiente natural do sujeito como campo de
observação e o pesquisador como parte do próprio instrumento de pesquisa. Com isso, as
pesquisas qualitativas são complexas e visam ir além do enumerar ou medir o fenômeno, mas
compreendê-lo em sua essência. Mostrando-se, portanto, adequada para o estudo do fenômeno
da perda perinatal, que se propõem nesta pesquisa.
Participante
Participaram dessa pesquisa cinco famílias que vivenciaram o luto perinatal em uma
maternidade de um hospital particular da cidade de Brasília, entre abril e maio de 2010. Para
assegurar a privacidade e garantir o sigilo dos participantes, utilizou-se um nome fictício para
cada família que aceitou participar da pesquisa e do bebê que veio a óbito, a saber: família
Lopes, Silva, Machado, Sinval e Pereira.
Em um primeiro momento, todas as famílias foram atendidas por uma psicóloga hospitalar
contratada pelo referido hospital, que também faz parte dessa equipe de pesquisa. Um prontuário
foi construído sobre cada caso, a qual as pesquisadoras tiveram acesso. O atendimento a família
Lopes foi feito junto ao pai, a mãe, as avós paterna e materna, aos tios e primos do bebê, aqui
chamado de Pedro. Quem recebeu atendimento na família Silva foi o pai e a irmã da criança,
Paulo. Na família Machado apenas o pai do bebê Maria, foi atendido pela psicologia. Na família
Sinval recebeu atendimento a mãe, o pai, a avó paterna e materna e as tias do bebê Luzia. O
atendimento a família Pereira ocorreu junto aos pais, avós paternas e tios do recém-nascido
Andrezinho.
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No segundo momento da pesquisa, em que o atendimento ocorreu por telefone os
participantes foram: família Lopes, pai e irmã; família Silva, mãe; família Machado, mãe;
família Sinval, pai e mãe; e família Pereira, mãe.
Instrumentos
O prontuário psicológico do serviço de psicologia do referido hospital: é um documento
construído para todos os pacientes e familiares atendidos pelo serviço de psicologia hospitalar do
hospital, fonte de dados do estudo.
Entrevista-pós-luto: entrevista breve, feita por telefone, com o propósito de conhecer como
as famílias enfrentaram a perda do bebê e de como eles perceberam o atendimento psicológico a
partir de duas perguntas norteadoras: como vocês estão hoje depois da perda do seu filho? E
como avaliam o atendimento recebido pela psicologia no período em que houve o luto do seu
filho?
Procedimento de coleta de dados

Em primeiro lugar, vale ressaltar que o projeto desse estudo foi submetido e aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica de Brasília, sob protocolo 268/10.
O procedimento de coleta de dados foi constituído das seguintes etapas:
1- Foram disponibilizados os prontuários psicológicos dos referidos casos para consulta da
equipe de psicologia do referido hospital.
2- Após a análise dos prontuários a psicóloga que atendeu as famílias realizou uma ligação
com o objetivo de explicar a pesquisa e solicitar a entrevista-pós-luto com as famílias. Essa
entrevista foi feita por telefone, de acordo com a disponibilidade dos participantes.
Antes de iniciar a entrevista foi informada aos participantes a necessidade e a importância
do preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que descreve o título do
projeto, sua justificativa, seus objetivos e procedimentos. Ao final da ligação foi acordada a
melhor data e localização para o preenchimento do termo de consentimento, onde também foi
proporcionado espaço para debater e dirimidas quaisquer dúvidas com relação ao termo. Coube
também nesse momento reforçar seu caráter voluntário sem deixar de relatar todos os riscos e
benefícios da participação deles junto a essa pesquisa, em alguns momentos se fez necessário
complementar a entrevista feita por telefone.

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Procedimento de análise dos dados
Os relatos contidos nos prontuários foram submetidos a análise documental e as
entrevistas foram submetidas a análise de conteúdo.
A análise documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica, sendo que a principal
diferença está na natureza das fontes. Segundo Gil (1999) na pesquisa documental os materiais
não receberam ainda um tratamento analítico, tendo como primeiro passo a exploração das
fontes documentais, que nesse estudo serão os prontuários psicológicos dos participantes.
A análise de conteúdo descrita por Bardin (1977) foi outro método utilizado nesse estudo
para análise das entrevistas realizadas com as famílias como também dos relatos dos prontuários.
Esta define por ser um método empírico, que por meio de técnicas de análise das comunicações,
de conteúdos das mensagens, de procedimentos objetivos e ordenados, tem o propósito de obter
indicadores para análise e interpretação fundamentada. Baseia-se na fragmentação de um texto
em unidades, que digam a respeito dos mesmos. Portanto, permite identificar categorias
explícitas de análise textual para fins de pesquisa, e ainda nomear valores, costumes,
representações e estereótipos. As categorias permitem visualizar por via indireta as informações
ocultas aos sujeitos, e podem resultar subcategorias, compreendidas como a confluência de
diversas fontes de informações, e indicadores, que fazem alusão clara a uma idéia nem sempre
verbalizada conscientemente pelos sujeitos envolvidos no processo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da leitura exaustiva dos prontuários e do conteúdo das entrevistas, procedeu-se à
análise dados. Identificou-se oito categorias que foram classificadas em três eixos-temáticos, que
englobam todo o período Perinatal: Prénatal, Transnatal e o Pósnatal. Dentro desses três eixos as
oito categorias foram manejadas dentro da correspondência de cada uma.
O eixo Prénatal constituiu-se de três categorias: a) história da gestação, b) história do
óbito perinatal e c) desejo de reparação. No eixo Transnatal as categorias foram três: a) reação
imediata a morte do bebê, b) despedida do bebê e c) reação ao atendimento da psicologia na
situação do luto. O eixo Pósnatal compreendeu duas categorias: a) reação tardia a morte do bebê
e b) reação ao atendimento da psicologia no pós-óbito As categorias mencionadas acima serão
apresentadas e discutidas a seguir, juntamente com a reflexão sobre a postura do psicólogo
hospitalar nessas situações.

Prénatal
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História da Gestação
Quando se fala em uma nova gestação, se pensa logo em nascimento, em alegria, em
começo, mas existem situações em que ocorrem intercorrências no ciclo gravídico puerperal,
contrapondo a essa imagem social da maternidade, como momento do nascimento e vida. Apesar
de apenas uma das famílias participantes desta pesquisa relatar que a gestação não foi planejada,
todas afirmaram serem gestações desejadas e idealizadas em algum momento de suas vidas.
Todos fizeram acompanhamento médico pré-natal.
Todas as mulheres tiveram parto cesárea e, em média, estavam entre a 23ª e 32ª semana
de gestação, sendo que, segundo Brasil (2002) a classificação quanto à idade gestacional, pode
ser definida como precoce (antes da 20ª semana), intermediário (entre a 20ª e a 28ª semana) e
tardio (após a 28ª semana). Natimorto é quando a morte do bebê ocorre in útero e neomorto
quando a morte ocorre até o 7º dia do nascimento. Portanto, pode-se classificar nesta amostra
dois natimortos e três bebês neomortos. Vale salientar, que desde o momento em que o
diagnóstico de óbito perinatal é comunicado à família, profundas alterações ocorrem em todos os
âmbitos das pessoas envolvidas, como mostram os relatos abaixo:
...Nós já estávamos pensando em ter filhos, mas não esperávamos que fosse tão sofrido e
que ela teria problemas. Se a gente imaginasse, nós teríamos adiado, até ela e eu ter um pouco
mais de estrutura emocional, porque a gente quando casa pensa em ter filhos. São sonhos. (pai -
família Machado)
...A gestação estava sendo mais que planejada e, sobretudo desejada há mais de três
anos. Nós temos 10 anos de casados, esperamos estabilizar a nossa vida, curtimos, fizemos tudo
o que estamos em nossos planos, antes de ter o Lucas, porque agora era a nossa hora, estamos
prontos para sermos pais. (Pai - família Lopes)
No decorrer dos relatos pôde-se perceber que para a maioria das famílias o risco na
gestação esteve presente. Apenas uma das famílias não vivenciou nenhuma intercorrência
durante toda a gravidez.
...eu já sabia que ele teria poucas chances de sobreviver... desde o início já estava
complicado, era muito arriscado, eu não imaginava que ela também corria risco... (pai - família
Silva)
...nós já estávamos nos preparando, pois ela vem sofrendo muito, sempre com ameaça de
aborto, fica de repouso o tempo todo e mesmo assim... (pai - família Machado)
...fomos extremamentes felizes nessas 32 semanas. Tudo ia correndo bem, sem dores. A
Ludy nunca teve náuseas, dores... nada, era só felicidade. (pai - família Lopes)
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A História do Óbito Perinatal
Como foi dito anteriormente apenas uma das famílias do estudo não teve nenhuma
intercorrência durante a gestação, a família Lopes. Eles relatam que a mãe em nenhum momento
sentiu algum desconforto e que só a partir da ecografia foi possível verificar que algo estava
errado, o bebê estava então com trinta e duas semanas. Os pais relatam que na noite anterior a
ecografia chegaram a sentir o bebê se mexer, portanto, a notícia do óbito fez com que os pais e
os familiares ficassem totalmente mobilizados e desestruturados.
Já as outras quatro famílias relataram intercorrências ao longo da gestação e com isso,
suspeitas quanto à possibilidade de óbito dos bebês durante a gravidez. Nessas quatro famílias
dois bebês foram a óbito ainda no útero da mãe e os outros dois chegaram a nascer, mas
morreram algumas horas depois.
A família Silva relatou que a gravidez foi considerada de alto risco porque a gestante
tinha apresentado pré-eclapsia gestacional, o que levava a sangramentos e hipertensão. A
criança, com vinte e três semanas e má formação chegou a nascer e imediatamente foi para a
UTIN (unidade de terapia intensiva neonatal), onde não sobreviveu por muito tempo.
A gestação da família Machado também foi permeada por muito sofrimento, pois a
ameaça de aborto esteve presente por todas as trinta e uma semanas de gestação. Após dores
intensas e sangramentos, uma ecografia foi feita e a notícia do óbito constatada.
A família Sinval relata que com trinta semanas de gestação a mãe começou a sentir dores
que a levaram a fazer uma ecografia, constatando-se que o bebê estava em sofrimento. Por conta
de sangramentos e em decorrência do descolamento de placenta, o parto foi realizado e a criança
chegou a nascer viva, mas infelizmente ela não conseguiu resistir.
A gestação da família Pereira foi de trinta e quatro semanas e com a constatação de uma
pré-eclampsia. Esta intercorrência geralmente traz complicações e riscos para uma gestação, o
que ocorreu a esta família. O parto chegou a ser realizado e a criança foi encaminhada para
UTIN, entretanto, o bebê não sobreviveu, mesmo com toda a dedicação da equipe de saúde do
hospital.

Desejo de Reparação
A morte de um bebê, antes de sua chegada, propicia na frustração de muitos desejos,
fantasias e, sobretudo, rompe a possibilidade do exercício da maternidade e da paternidade.
Estudos afirmam que frequentemente para as mulheres, a interpretação do papel feminino passa
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a ser de desprezo, inadequação. Em outras palavras, é um golpe para a auto-estima da mulher,
para a sua capacidade maternal e para sua feminilidade (Soifer, 1980). Já quanto à implicação
dessa perda ao papel paterno não foram encontrados relatos sobre o tema na literatura
pesquisada, o que não deixa de chamar a atenção, pois evidencia-se o descaso em relação ao
sofrimento do homem frente à sua perda.
Como já mencionado, a constatação de um óbito perinatal traz consigo significativas
repercussões emocionais, que são agravadas por uma sobreposição de perdas: “criança morta” é
também “mãe morta” (Bartilotti, 2002). A edificação do papel de mãe e a identidade materna,
que vinham se desenvolvendo lentamente são interrompidas de forma abrupta (Maldonado,
1986), e constata-se que junto à frustração materna há o sentimento de impotência e falha do pai,
como podemos observar nas falas anteriores, que foram mencionadas por participantes da
pesquisa.
Vários sentimentos podem surgir diante dessa situação, desde culpa, tristeza, até raiva e
hostilidade. É importante destacar que o intenso sofrimento psíquico diante da perda do bebê
(real ou imaginário) pode abrir caminhos para estados depressivos, caracterizados pelo desejo de
morrer, como meio de unir-se ao objeto de amor perdido (Bartilotti, 2002).
...Eu sempre quis ter um filho, seja homem ou mulher acho que com ele eu vou saber o
trabalho que dei aos meus pais. Já estava me programando para ficar acordado. (Pai - família
Machado)
...Desejei tanto te dar (referindo-se ao bebê) ao meu marido. Ele te desejou
ardentemente. Sei que você seria melhor filho do que eu... (Mãe - família Pereira)
Durante a gestação, ou seja, ainda na fase pré-natal, os pais podem ter três imagens do
seu filho: o bebê imaginário, o bebê real e o bebê fantasmático. O bebê imaginário é aquele
idealizado, uma combinação de impressões e desejos derivados da própria experiência da mãe
(Irvin, 1978). O bebê real é aquele que nasce (ou que morre). Nas falas dos pais, pode se
observar a transição do bebê idealizado, para o bebê real, que nasceu morto,, conseqüentemente,
a surge a imagem do bebê fantasmático.
Pode ser observado que o luto começa depois que o bebê é expelido, quando nasce. Nesse
momento há o encontro com a realidade. Dessa forma, faz-se necessário o desvencilhamento do
bebê ideal para o real. O que de fato, pode ser potencializado com o encontro do corpo do bebê,
e posteriormente, com o reconhecimento social, ou seja, no caso de algumas famílias, o enterro,
ritual de despedida.

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Ainda nestas falas, pode ser observado o desejo de reparação frente ao passado que os
pais tiveram, quando estavam no papel de filhos, dando ao próprio filho um significado de
recuperação de suas histórias. Pôde-se observar nos relatos também como é comum pais e
familiares criarem expectativas e planos sobre as crianças antes mesmo delas nascerem, como
vemos abaixo:
...esperei por isso durante tanto tempo, agora que eu ia curtir o meu neto, já havia feito
altos planos, uma vez que quando tive meus filhos, trabalhava muito... (avô - família Lopes)
...Maria Luiza era a primeira neta mulher por parte das duas famílias. Só existe menino
homem. Imagina o quanto a minha filha estava sendo esperada... (pai - família Sinval)
...todos nos queríamos que ele viesse e fosse um grande homem, ele deveria estudar e ser
um grande homem, servo de Deus. Nossa família tem muita gente certa, mas tem muitos errados
e eu orava todos os dias para que ele fosse uma pessoa do bem... (pai - família Silva)
Nas falas acima é possível identificar o que Melanie Klein (Laplanche, 2001) chama de
reparação, uma vez que entende que o sujeito procura reparar os efeitos produzidos no seu objeto
de amor, nesse caso os bebês, por suas fantasias destruidoras que fazem parte do imaginário
materno. Iaconelli (2007) reforça que o narcisismo materno engloba o objeto para depois, com a
chegada do bebê, ir fazendo o luto da fantasia, ou seja, todo o investimento, idealizações e
reparações são realizadas ou desconstruídas com o nascimento da criança e se ele não faz mais
parte da realidade dessa família, uma lacuna se abre que precisa ser preenchida com o decorrer
do processo de luto.
Transnatal
Reação Imediata a Morte do Bebê
Estudiosos da área afirmam que o homem dispõe de diferentes maneiras para enfrentar
crises, receber notícias ruins, lidar com mudanças, reagir a doenças e também, encarar a morte.
Kübler-Ross (1998) traz cinco estágios que normalmente a notícia de um óbito leva o sujeito a
enfrentar, a negação é uma delas, como se pôde visualizar no relato abaixo:
...não posso aceitar isso (morte do bebê), jamais aceitarei... (pai - Família Sinval).
Quando se trata da perda perinatal é muito comum a negação do sofrimento dos pais
favorecendo o desmentido da perda e obstruindo a possibilidade de representação (Iaconelli,
2007). Atualmente há o encorajamento de muitas pessoas enlutadas a deixarem prematuramente
a experiência do luto, principalmente quando se trata do luto perinatal. Dessa conduta, afirma
Iaconelli (2007) poderão ocorrer como resultado, dois fatores: o enlutado vivencia seu luto

13
isoladamente ou força-se a abandoná-lo antes de tê-lo completado trazendo prejuízos ao
psiquismo do indivíduo.
A raiva, a revolta são outros sentimentos comuns a quem está passando por um luto como
pode ser exemplificado por essa fala:
...não sei o que eu sinto, se é só dor, se é raiva, se é revolta... não sei... (pai - Família
Lopes).
... se ele nasceu e estava bem, como isso pode ter acontecido? (pai - família Pereira)
Meu filho você é algo que está difícil digerir! (pai - família Silva)
O momento imediato à perda é repleto de fortes emoções, exigindo dos pais e de sua
família bastante força e coragem. Autores como Carvalho e Meyer (2007) afirmam que os
sentimentos mais presentes nessas famílias são de culpa, tristeza e raiva. De acordo com o
Simonetti (2004) os estágios descritos pela Kübler-Ross não são fixos, não seguem uma ordem,
pois eles estão inseridos em uma órbita, sendo assim, é possível encontrar o sujeito enlutado em
qualquer momento que não seja predeterminada na sequência: negação, raiva, barganha,
depressão e aceitação.
O impacto que um luto pode trazer para uma família depende de inúmeros fatores, pois
está relacionado com o ciclo de vida familiar, com as crenças religiosas, com a cultura na qual
estão inseridos, entre outras questões. E o luto de um bebê possui peculiaridades, principalmente
por ser negado e desconsiderado na sociedade em que se encontram os participantes desse
estudo. Definitivamente o luto perinatal não possui um reconhecimento social e muito menos
uma aceitação daqueles que o vivenciam, o relato abaixo exemplifica essas compreensões:
...Todos nós queríamos virar a página como se nada tivesse acontecido. (tia materna -
família Lopes)
É importante que as famílias que perderam seus bebês se apropriem da situação que
vivenciaram, oportunizando em um primeiro momento o espaço de fala para aos poucos
assimilar e aceitar. Entende-se que em um primeiro instante há um momento de choque e mesmo
não sendo a hora ideal para tomar decisões, é a hora de entrar em contato com alguns
procedimentos. Novamente é importante que quem esteja vivendo o luto, os pais normalmente,
possam se apropriar da situação, ter consciência do que estão passando. E com isso, poderão
fazer escolhas, de acordo com seus próprios limites (Carvalho & Meyer, 2007, p. 45). Com essa
compreensão reforça-se a necessidade de existir profissionais capacitados que proporcionem
esses espaços e o protagonismos dessas pessoas.

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Carvalho e Meyer (2007) afirmam que conhecer os aspectos a serem enfrentados nestas
situações traz a possibilidade de prestar um melhor auxílio e acompanhamento, o que se constitui
em ação preventiva quanto ao desenvolvimento de dificuldades emocionais posteriores. O que
pôde ser observado no relato dos participantes do estudo foi o reconhecimento e a oportunidade
de falar sobre a perda do bebê e de estarem sendo acolhidos e reconhecidos em sua dor.
... me ajuda Drª (refere-se a psicóloga) entender tudo isso, me ajuda... (mãe - família
Lopes)
...Obrigado por acolherem a minha raiva (fala direcionada para a psicóloga), estou para
ter um infarto... (pai - família Sinval)

Despedida do Bebê
O momento de despedir-se do bebê é muito importante para o reconhecimento da perda
do filho. As outras formas de reconhecer esse bebê que veio a falecer e de valorizar o sofrimento
das pessoas que o perderam consistem na nomeação da criança, na decisão de ter ou não contato
com ela mesmo que morta, no recolhimento de lembranças possíveis, entre outros. No relato dos
participantes da pesquisa percebe-se que as famílias que tiveram a oportunidade de despedir-se
do bebê experimentaram uma gratificação e um reconhecimento do que viveram que
possivelmente fará muita diferença em seu processo de luto:
... amor você deveria ver o seu filho... o quão lindo era ele... estava perfeito, você deveria
vê-lo, a Drª me explicou e me ajudou a vê-lo, se você quiser ela também te ajuda, mas você é
livre... amor... vai ser melhor para nós... eu já me sinto aliviado. (pai - família Lopes)
... só posso te acariciar meu filho... afinal agradeço a Deus a oportunidade que Ele me
deu de ter você, mesmo que por pouco tempo... (pai - família Pereira)
Já para aqueles pais que não tiveram a mesma oportunidade percebe-se uma lacuna que
possivelmente irá trazer dificuldade no processo de elaboração da perda.
... não vi o meu filho, se eu tivesse visto meu filho ainda que morto eu ia gostar, ainda
que deficiente, ele era o meu filho. Deus que me deu... mas, como não foi possível, só escuto o
que o meu marido fala sobre ele. (mãe - família Silva)
... mas é que eu sinto muita tristeza e às vezes raiva. Se eu tivesse visto ele ao menos,
acho que teria sido melhor. (mãe - família Silva)
Oportunizar o encontro, proporcionar comunicação e contato dos familiares com esses
bebês permite o teste de realidade e com isso incentiva essas pessoas a lidar com o bebê real e a
enxergar o lugar psíquico que essa criança ocupava. De acordo com a Iaconelli (2007) esses
15
procedimentos, quando em conformidade com o desejo dos pais, permitem desconstruir todo o
investimento subjetivo que foi feito no bebê, proporcionando o momento de reconhecimento do
lugar do bebê falecido e assim comportando condições para a elaboração da perda.
...é preciso ver para acreditar no que está acontecendo. (pai - Família Machado).
... eu queria que ele, o Lucas, fosse enterrado em um caixão bem bonitinho e com aquela
roupa que foi comprada nos EUA. Meu Deus leva ele logo daqui já que não vou poder
amamentar... o que adiantou tanta preparação... não consegui salvar o meu filho. (mãe - família
Lopes)
... não tive tempo de conversar com ele, pois eu queria tanto, tanto esse filho, que tudo o
que as pessoas diziam para eu fazer eu fazia, conversava com ele, mesmo sem ter o nome
definido, nós já íamos escolher o nome para eu conversar melhor, mas nem isso eu pude fazer...
(mãe - família Silva)
De acordo com Iaconelli (2007):
Não nos cabe recomendar procedimentos ritualísticos adequados, se desejáveis ou não,
pois estes só poderiam sê-lo partindo da perspectiva do psiquismo dos pais e das
possibilidades oferecidas pelo entorno. Para que os pais possam expressar seu desejo há
que se evitar constrangimentos e interpelações precipitadas. O tempo sim, é condição que
não pode ser desprezada, pois o psiquismo não acompanha a velocidade exigida pela
modernidade. No respeito ao desenrolar progressivo do luto, pode-se realizar uma escuta
sensível e o que vem ajudar os pais a nomearem sua dor, evitando maiores sofrimentos
para si mesmos e para gerações posteriores. (p.622)

Como já foi dito anteriormente e reforçada por autores como Gesteira et al (2006) para
dissipar a dor psíquica de uma perda, é necessário que ela seja dita, vivida, sentida, refletida e
elaborada, mas nunca negada. Outro aspecto que também ajuda no processo do luto são os rituais
fúnebres, porque, a recuperação é centrada na aceitação, e o velório permite que as pessoas se
despeçam e que o enlutado seja considerado como tal. Para a Iaconelli (2007), no luto perinatal,
normalmente não há espaço de escuta para o desejo dos pais quanto à realização de
procedimentos ritualísticos que fazem parte das demais perdas por morte e, quando são
cumpridos, não deixam de criar certo constrangimento. Estas diferenças no tratamento destes
casos revelam uma impossibilidade de atribuir à morte de um bebê (pré ou pós-termo) o status
de morte de um filho (p.616).

Reação ao Atendimento da Psicologia na Situação do Luto


No aprofundamento desse estudo foi possível identificar a importância da atuação de
profissionais capacitados e cuidadosos na atenção aos sujeitos que vivenciam o óbito perinatal,
16
pois normalmente a população que experiencia essa realidade é negligenciada e desconsiderada
socialmente. Uma vez que até a própria instituição hospitalar não viabiliza a expressão do luto, o
desamparo social ao óbito perinatal já se inicia nesse espaço, onde médicos e enfermeiros vêem
essa perda como um fracasso da medicina, oportunizando espaço apenas para os sentimentos de
frustração e impotência (Santos, 2004).
Os profissionais da equipe de saúde que se propõem a ajudar essa população precisam
saber manejar os momentos iniciais de um luto, tanto no que se refere aos sentimentos dos
pacientes frente ao fenômeno da morte, como quanto aos seus próprios sentimentos (Carvalho &
Meyer, 2007). Tanto nos relatos do presente estudo, quanto na revisão da literatura, percebe-se
que normalmente é atribuída ao psicólogo a função e a capacidade de facilitar o contato com a
difícil realidade e de proporcionar um espaço de expressão das emoções e dos sentimentos,
favorecendo assim uma maior possibilidade de elaboração do luto do filho perdido.
... hoje eu posso dizer que se não fosse vocês (refere-se a psicologia), pegar (o bebê) nos
braços e tudo aquilo, seria muito pior. (mãe - família Sinval)
... obrigada por oportunizar que eu segure o meu filho nos braços... só tenho a agradecer
por esta despedida, mesmo sendo de uma forma que nós nunca imaginávamos... a gente fica
louca, nem sabe o que diz, eu queria sair correndo, nem pensava em segurar... e Deus manda
vocês. (mãe - família Pereira)
...não sei o que dizer, mas muito obrigada porque pude segurá-lo ainda que morto... (pai
- família Lopes)
Nos relatos referentes aos atendimentos imediatos ao óbito dos bebês não foi possível
perceber diferenças de gênero no que diz respeito à forma de lidar com o sofrimento. O que se
mostrou mais significativo foi o quanto o atendimento imediato aos familiares influenciará na
forma como vão vivenciar o luto a partir de então. Uma vez que ajudar aos pais e familiares a se
apropriarem da situação que estão vivendo, promoverá um espaço de expressão da dor,
possibilitando aos poucos assimilar a perda, e posteriormente a aceitação (Carvalho & Meyer,
2007).
Diante dessa realidade é possível identificar a necessidade de uma rede social de apoio no
sentindo de ajudar essas famílias a superarem a experiência vivida com tanto sofrimento.
Iaconelli (2007) afirma que grupo de pais pode ser um tratamento muito eficaz para evitar-se um
luto patológico, pois “compartilhar a dor com outros pais enlutados tem sido uma forma de
encontrar escuta do vivido e construir representações que dêem conta da perda” (p.622).
Entretanto esses são cuidados em longo prazo, mas que precisam ser incentivados nos
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atendimentos imediatos ao óbito fetal. Seguem alguns relatos do reconhecimento da rede social
aos participantes da pesquisa.
...as avós abraçam o casal que por sua vez agradecem a presença: vocês são para a nós o
nosso grande alicerce! (pai - família Sinval)
...sei que o meu sobrinho cumpriu a sua missão. Ele veio para nos mostrar o quanto
somos uma família unida, e mais uma vez, reforça o que nos foi passado por nossos pais que a
família é o grande porto seguro. Por isso que nos estamos aqui. (irmã - família Lopes)

Pósnatal
Reação Tardia a Morte do Bebê
No último momento da pesquisa foram realizadas entrevistas por meio de ligações
telefônicas, onde, buscou-se uma avaliação do processo vivenciado pelas famílias, desde o
momento da perda de seus bebês até o momento da entrevista, que ocorreu entre dois a cinco
meses após o óbito.
Como já descrito, à ideia de morte está associada à ideia da perda. Isto acontece porque
nas relações afetivas são investidos amor, amizade, segurança, esperança, e a separação traz a
dor psíquica de tristeza, de solidão, de medo e insegurança e de finitude. Ante uma perda, não
existe a possibilidade de trocas afetivas que foram prazerosas. Para essa dor, não há remédio que
proporcione alívio imediato e, muitas vezes, ela pode ser geradora de dor física e criar uma
dinâmica incompreensível para quem a vivencia e não a elabora (Grutapas, 2004).
As reações apresentadas pelos participantes desse estudo corresponderam a uma longa
trajetória de sofrimento e dor, que se iniciou no hospital, mediante a notícia do óbito, e que
continuou ao chegarem em casa, ao se depararem com tudo que seria para o bebê – berço,
enxoval, roupinhas – momento, marcante, identificado como o contato com a realidade da
ausência do bebê.
...Ainda não está sendo nada fácil, pois choro direto, afinal perdi um filho, mas se Deus
quis assim, assim foi. (Mãe - Família Machado)
...A médica que me acompanha disse que eu estou com depressão, por isso eu estou
tomando medicação. (Mãe - Família Machado)
Os relatos mostram que, à medida que os pais foram tomando consciência da perda do
bebê, muitas foram as manifestações afetivas que deles tomaram conta, revelados de forma
verbal e não-verbal: frustração, decepção, revolta, tristeza, culpa e choro. Estas respostas
emocionais associadas ao trabalho de elaboração psicológica da perda são conhecidas por
18
processo de luto. A despedida do bebê e das coisas que remetem a ele também faz parte de todo
esse processo como se pode visualizar abaixo:
...Quando olho as coisinhas dela é uma tortura, meu marido reclama comigo para eu
parar com isso. É um sentimento ruim..., eu agora, é que estou me recuperando.(Mãe - Família
Machado)
...Eu já estou bem, sofro, mas a Ludy ainda chora... choramos... quando penso que
segurei ele nos meus braços, me dá uma alegria enorme, conversei com ele ainda que ele não
tenha respondido.... A gente acha que por ser pequeno ou nem ter nascido, não vai trazer ou
deixar saudades... Mas no nosso caso, que coisa séria, ficamos todos muito mal, sobre tudo a
Ludy. (Pai - Família Lopes)
Como já mencionado, este é um processo de adaptação à perda. É uma experiência
profunda e dolorosa, que implica sofrimento, mas também a capacidade de encontrar alguma
esperança, conforto e alternativas de vida significativas. O período de dor e sofrimento
correspondente ao luto por uma perda, é normal e deve ser encarado como saudável e necessário.
É a ausência do luto que merece mais atenção, pois isso pode indicar a presença de uma
perturbação psicológica, como a culpa por exemplo. Essa questão pode ser observado nas
seguintes falas:
...Estou muito triste... choro, choro... Vou sempre a Igreja... mesmo assim tá sendo muito
difícil... Eu sinto muita saudade do meu Andrezinho... Lembro que naquele dia eu peguei ele nos
braços, acariciei meu filho. Eu penso que se eu estivesse melhor de saúde, teria ficado mais
tempo com ele. (Mãe - Família Pereira)
A lembrança do bebê foi manifestada, na maioria dos casos, com o desejo de que
estivesse vivo, a quem poderiam estar amamentando, com a imagem de que ele já estaria com
alguns meses e esperto. Pode ser identificado também que a perda não pode ser substituída por
outro filho, contudo, aponta atitudes perante a vida, inclusive o investimento em uma nova
gestação. Podem-se ressaltar as seguintes falas:
...Estamos bem e toda a família já aguarda ansiosa por outro bebê, mas claro vamos
esperar que a Ludy se recupere. (Irmã da Mãe - Família Lopes)
...Nós estamos ficando bem, mais pra frente teremos o nosso segundo filho. (Pai - Família
Lopes)
...Já voltei a trabalhar e estou fazendo um tratamento. A médica já disse que depois de
seis meses ou mais eu já posso engravidar. Mas eu só vou querer mesmo depois de um ano.
(Mãe - Família Silva)
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...Eu me sinto melhor trabalhando. Às vezes me sinto desanimada, mesmo assim eu vou.
Sei que vou me recuperar. Também estou fazendo tratamento. Se Deus quiser vou poder
engravidar e meu marido disse que eu vou ter aí nesse hospital da senhora. (Mãe - Família
Machado)
...Já estou trabalhando. Os alunos me ajudaram muito a superar tudo... só tenho a
agradecer o que vocês fizeram por nossa família. Já estamos bem melhor e logo teremos outros
filhos. (Mãe - Família Sinval)
Apenas um dos casos não mencionou planos de uma nova gravidez. Entretanto, a
maioria das repostas foram expressas com expectativas de futuro, seja em relação ao trabalho, a
uma próxima gravidez, à retomada dos estudos e ao desejo de se casar, ressaltando-se, como
ponto comum, a visão do futuro, do “ir para frente”. Diante disso, percebeu-se que já tinham
deslocado o foco de seu problema – a perda do nenê –, até então, o centro de suas preocupações,
para uma visão de futuro, projetado no presente.
Estudos mostram a melhoria do sofrimento dos pais quando estes são incentivados a lidar
com o bebê real. Estes procedimentos, quando em conformidade com o desejo dos pais,
favorecem o teste de realidade que permite lidar com a perda real vivenciada. A questão do
tempo tende a ser subestimada, e alguns pais têm o ímpeto e são incentivados a terem logo outro
filho numa tentativa de preenchimento do vazio angustiante (Iaconelli, 2007). No luto perinatal,
nem sempre é escutado o desejo dos pais, e geralmente, costumam ouvir declarações de que seus
bebês são substituíveis e sofrem pressão para acelerar o trabalho do luto. Como já mencionado, a
principal questão é que a impossibilidade de enxergar o lugar psíquico de onde emerge um filho
faz com que as mínimas condições para a elaboração deste tipo de luto tendam a ser
desconsideradas.
De acordo com Duarte e Turato (2009) é de extrema importância o apoio profissional,
principalmente no que se refere ao suporte quanto a lidar com as ansiedades relacionadas à
gestação e à perda gestacional anteriormente ocorrida. Assim é possível proporcional o apoio
necessário no momento de crise e prepará-los para uma possível gestação.
...se eu tivesse visto ele pelo menos, acho que teria sido melhor. (mãe - família Machado)
Nos relatos também foi evidenciada a necessidade de uma rede social, no sentido de
ajudar as famílias a superarem a experiência vivida com tanto sofrimento, especialmente os pais
enlutados de bebês que foram a óbito. A rede de apoio com que eles contaram foi sustentada em
dois pilares principais: a família e a igreja e, de maneira muito ambivalente, a figura do
psicólogo, conforme os relatos seguintes:
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...mas Deus levou, ele me dará outro. Desculpa doutora, mas até eu já pedi perdão a
Deus, mas é que eu sinto muito tristeza e às vezes raiva. Doutora, eu nasci de novo. Nem sei
como eu estou aqui... Só sei que foi muito sofrimento, fiquei toda furada, machucada e mais sem
meu filho, Mas tudo é vontade de Deus. Ele não quis que eu tivesse. (Mãe - família Silva)
...Meu pastor tem me ajudado muito com orações de cura... Sei que vou me recuperar.
Também estou fazendo tratamento. Eu não tenho mais raiva porque Jesus tem me curado... Mas
antes eu ficava com muita raiva... Eu tenho um marido ótimo que me apóia sempre. Se não fosse
ele eu acho que eu não teria aguentado, suportado tudo o que estou passando. Minha mãe
também me ajuda, ela também perdeu vários e está viva até hoje. (Mãe - família Machado)
...Hoje eu faço terapia, eu e meu marido... (Mãe - família Sinval)
...Oro muito a Deus por todos vocês que nos permitiu, ter e ficar com meu filho um pouco
com vida e depois segurar nos braços já sem vida. Ainda dói muito, é difícil, mas meu marido e
minha família tem me ajudado muito. (Mãe - Familia Pereira)
Segundo Assis (1999, citado por Santos, Rosenburg e Buralli, 2004), “um modo de
conhecer e explicar o mundo, de superar/suportar o cotidiano da existência, é associando-o à
esperança (...) em especial, em situações de crise, em que a vida parece ameaçada”. A figura do
religioso, citada por algumas delas, simboliza a ponte entre o mundo terreno e o transcendental.
A fé, como caução, conformou-as, reconfortou-as.
Autores como Carvalho e Meyer (2001) constatam a notória diferença no estado
emocional dos pais que recebem apoio familiar daqueles que estão sozinhos. Geralmente há o
discurso de que estão conseguindo reagir a todo esse sofrimento, porque têm seus familiares por
perto, os auxiliando, como é evidenciado nas falas. Bartilotti (2007) reforça a necessidade dos
pais serem avaliados de forma cuidadosa e articulada por diferentes profissionais. No âmbito da
assistência psicológica, o atendimento deve possibilitar o conhecimento da dinâmica do casal,
atentos às necessidades reais daqueles que procuram esse tipo de ajuda.

Reação ao Atendimento da Psicologia no Pós-óbito


...Obrigada, nunca que um médico me ligou (dirigindo-se a psicóloga), estou até sem
graça... (Mãe - família Silva)
Nenhum dos entrevistados mostrou-se resistente a abordagem psicológica. Em sua
maioria, ficaram surpresos demonstrando gratidão, e apesar do contato pessoal realizado com a
psicóloga ter sido realizado em um momento crítico, associam a figura deste profissional a um
suporte bem vindo e necessário.
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...Só Deus para colocar e preparar pessoas com esse carisma todo (refere-se a
psicóloga). Eu jamais teria sua coragem... Nunca achei que pegaria em um morto, de repente eu
me vejo com o Pedro nos meus braços. (Irmã da Mãe - Família Lopes)
Como podemos ver nos trechos citados anteriormente, este contato desmistificou o
papel do profissional comumente associado ao atendimento de loucos, abrindo portas para a
busca de um acompanhamento psicoterápico para se trabalhar questões relacionadas à perda do
bebê, ao luto e planejamento de gestações futuras:
...Sabe, assim que tudo aconteceu, eu não podia, quando eu ouvia falar de psicólogo eu
via você no momento mais difícil da minha vida. O sentimento era... eu conversava com Ludy...
era um sentimento de muita ambiguidade. Hoje estamos fazendo terapia juntos. O sentimento de
quem tinha que falar em relação a você, era a Ludy, (risos)... Ela que falava muito isso, como
você é psicóloga vai entender. Às vezes ela ficava com raiva de você (desculpa), mas também
daquele médico que deu para nós a triste notícia da morte do Pedro, e você.... porque
concretizou para nossa família que de fato ele estava morto, porque nós estávamos
esperançosos até no centro cirúrgico. Depois vem o sentimento de gratidão por tamanha
dedicação, de oportunizar o que ninguém jamais faria eu acho... Por isso só temos a te
agradecer, a toda a equipe. Nós estamos bem, mais pra frente teremos o nosso segundo filho.
Obrigado. (Pai- Família Lopes)
O sentimento de ambivalência foi precisamente descrito pelo próprio entrevistado,
ilustrando com precisão a fase da raiva descrita na teoria do enlutamento construída por Kübler-
Ross (1998): como não ficar com raiva se todos os planos e construções de uma vida são
interrompidos prematuramente, se limitações e restrições começam a fazer parte da sua história?
A dificuldade é que normalmente toda essa raiva é direcionada para a família, ou como neste
caso, para a equipe de saúde, se propagando em todas as direções e projetando-se nas pessoas
mais próximas.

Sistematização do Protocolo de Luto


Com o delineamento do estudo foi possível perceber como o luto perinatal possui um
grande desamparo social, proporcionando assim um campo fértil para a psicologia, pois é a
ciência que melhor prepara para sustentar a angústia diante de uma perda tão devastadora. Mas,
para o sucesso desse suporte é necessária a preparação para o atendimento das famílias
envolvidas neste processo, se possível, iniciando a atendimento antes mesmo do óbito do bebê.
Portanto, defendemos que a psicologia pode favorecer alguns norteadores que auxiliam no
22
atendimento e que ajudam quanto a elaboração do sofrimento, a prevenir traumas futuros e a
instalação de um luto patológico.
Os norteadores do atendimento psicológico consistem em:
• Conhecer a história da gestação;
• Entender se houve ou não intercorrências durante a gestação;
• Identificar se há rede de apoio e auxiliar na construção de novas redes se necessário;
• Dar voz ao sofrimento quanto à dor dos pais e familiares que perderam a criança,
reconhecendo e valorizando o que está sendo vivenciado;
• Identificar e conhecer que planos, sonhos e projetos que já existia para essa criança, como
também, buscar novos planos, sonhos e projetos diante da realidade em que essas pessoas se
encontram;
• Compreender medos, preocupações e culpas que possam envolver os pais e familiares,
oferecendo suporte e apoio quando necessário;
• Proporcionar a despedida do bebê, favorecendo ver, nomear, vestir a criança, como também
organizar rituais fúnebres e momentos de despedida de acordo com as crenças da família;
• Não reforçar “a negação social” que existe diante da perda de um bebê;
• Cuidar para que não haja a estímulo à pressa para uma nova gestação;
• Não incentivar o silêncio e o não dito;
• Garantir a essas famílias um espaço de expressão dos sentimentos, para que o luto possa ser
elaborado e cursar favoravelmente, sem deixar maiores sequelas emocionais nos pais,
familiares e bebês futuros.
Entende-se que inserir a equipe de saúde neste processo é uma ferramenta facilitadora
para se oferecer uma assistência mais humanizada. Faz-se necessária também, a marcação de
atendimento ambulatorial para rastreamento de transtornos psicopatológicos, luto patológico, por
exemplo, além de encaminhamentos para acompanhamento psicoterápico se houver necessidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo, de natureza qualitativa, permitiu uma aproximação da compreensão do
significado da perda perinatal vivenciada por cinco famílias, alcançando os objetivos propostos.
Por meio dos relatos, entendeu-se como a perda perinatal é avassaladora para as famílias
enlutadas, principalmente quando não têm um apoio social. Esse estudo também proporcionou

23
uma avaliação da uma intervenção psicológica em situações de luto perinatal e com isso, a
sistematização de um modelo de intervenção psicológica diante da perda do bebê.
No decorrer da pesquisa foi possível identificar diversas potencialidades que esse
trabalho suscitou como: a valorização do sofrimento das famílias enlutadas e o reconhecimento
do profissional da psicologia a essa perda, oportunizando assim, espaço de escuta. A pesquisa
também buscou desmistificar a morte, especificamente de um óbito perinatal, alertando para as
repercussões emocionais que um sujeito pode carregar se não houver o cuidado merecido, ainda
que este não tenha sido o foco da pesquisa. Percebe-se que houve ainda o reconhecimento da
psicologia tanto para as pessoas que receberam o atendimento, como também para a equipe que
prestou atendimento as famílias, reconhecendo a sua importância e relevância no espaço da
maternidade. Outro ponto do estudo que merece destaque consiste no cuidado com o sofrimento
de todos os envolvidos na perda perinatal, inclusive o pai, normalmente excluído na maioria dos
estudos, e do atendimento. Para finalizar, destacam-se os ganhos do estudo com a metodologia
empregada, pois ela favoreceu a construção de um modelo de intervenção junto a essa
população.
Outro aspecto que é preciso destacar consiste nas fragilidades desse estudo, como o
possível enviesamento no relato dos prontuários, por terem sidos produzidos pela própria
profissional que fez o atendimento aos participantes do estudo. Ressalta-se também que há a
possibilidade dos participantes não terem sido totalmente isentos no segundo momento da
pesquisa, no atendimento pós-óbito, já que quem realizou o atendimento psicológico prestado foi
a mesma profissional que fez a ligação pós-óbito. Reforça-se como a escassez de material
bibliográfico da área dificultou a pesquisa.
Um ponto positivo da pesquisa foi o número pequeno reduzido de entrevistas
possibilitando uma análise mais aprofundada de cada caso e, a partir daí, uma reflexão sobre a
postura das pessoas envolvidas neste processo. Sugere-se que estudos com um número maior de
famílias sejam realizados, a fim de identificar a presença desses achados de maneira mais
generalizada e consistente.
Para finalizar destaca-se o impacto que este estudo pode gerar para a psicologia
hospitalar, pois exige uma importante mudança de paradigma, oferecendo um acolhimento
humanizado independentemente do atendimento oferecido, seja ele em um contexto público ou
privado. Ficou muito evidente a necessidade do acompanhamento das famílias que tiveram uma
perda perinatal nos serviços de saúde, por uma equipe multiprofissional, que inclua o psicólogo
hospitalar. Ressanta-se, também, a importância de uma rede de apoio para famílias que
24
vivenciam esse problema, que pode e deve ser estimulada pela atuação do psicólogo hospitalar,
que atua no tripé: paciente, família e equipe de saúde, podendo inclusive oferecer grupos de
apoio pós-óbito.
O papel do psicólogo nesse contexto é o de “prevenção” de possíveis psicopatologias
relacionadas à vida ou morte do bebê, além de esclarecimento e atenção às fantasias dos
pacientes. Nesse caso o trabalho dever ser feito não somente com as mulheres mães, mas
também com o pai, e toda a família e a equipe médica. A elaboração do luto do bebê precisa
ocorrer de forma a devolver a saúde mental e a reestruturação psíquica a todos os que sofreram
com essa perda.

REFERÊNCIAS

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