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A atividade lúdica é […] uma das formas pelas quais a criança se apropria do
mundo e pela qual o mundo humano penetra em seu processo de constituição
enquanto sujeito histórico (ROCHA, 1994, p. 48).
1 Idade pré-escolar é subentendida neste documento como a criança em fase de Educação Infantil diferente de
Pré-escola, última etapa da Educação Infantil.
2 O jogo protagonizado, segundo Elkonin, 1998, as crianças ao serem separadas do mundo do trabalho dos
adultos iniciaram a necessidade de brincar de faz de conta, como forma de se apropriar da cultura e do mundo
dos adultos. Vigotsky refere-se ao jogo protagonizado como jogo de papéis.
3 Ibidem, idem, p. 42.
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Municipal de Jaraguá do Sul – 2015
Para Elkonin, a pré-história das ações lúdicas é a história das relações da criança com os
objetos, através de ações e aquisições sensório-motoras4, que vão sendo moduladas na cultura
em que ela se desenvolve5 . Esses primeiros contatos, no entanto, para Elkonin, não podem ser
chamados jogo de papéis. A não coincidência entre apropriação utilitarista 6 do objeto e as
atividades de significação desse mesmo objeto constitui dois tipos de atividades distintas. É
dessa segunda que deriva o jogo simbólico. Elkonin esclarece que não é durante o jogo
simbólico que a criança vai conhecer as propriedades dos objetos. Isso acontece ainda na
etapa da exploração e investigação.
4 Segundo a teoria dos estágios de desenvolvimento piagetiana, o estágio sensório-motor compreende a idade de
0 a 2 anos.
5 Ibidem, idem, p. 43.
6 A apropriação utilitarista do objeto significa manusear o objeto conforme a finalidade para que ele foi criado.
Por exemplo, uma xícara serve para tomar café; um pente, para pentear. Esse uso pode ser feito pela criança
quando ela ainda não está na fase do jogo de papéis.
7 Enquanto que por volta dos três a quatro anos a criança utiliza, pelo jogo simbólico, o significado do objeto
advindo do significado que os adultos lhe atribuíram, com a passagem do tempo ela poderá acrescentar novas
funções a esses objetos e recriar situações que antes não eram possíveis.
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Diferentemente dos bebês, nas crianças pequenas, por volta dos três e cinco anos, o jogo
de papéis é a atividade principal. Mas não porque é quantitativamente predominante e sim
porque é uma atividade com a qual ocorrem as mudanças mais importantes no
desenvolvimento psíquico do sujeito e no interior da qual se desenvolvem processos
psicológicos superiores8 que preparam o caminho em direção a um novo e mais elevado nível
de desenvolvimento e a novos tipos de atividades.
Leontiev afirma que a motivação da atividade lúdica se diferencia de uma ação real. Nesse
ponto vale frisar que as práticas pedagógicas com crianças dessa faixa etária não encontram
respaldo na concepção de que o adulto (professor/a) ensina e a criança aprende 9,
semelhantemente como acontece nos níveis posteriores da educação básica. A ação lúdica é
independente de seu resultado objetivo porque a motivação não reside no resultado. Os
motivos de brincar concentram-se no processo e não no produto da atividade. Esta é a
diferença em relação ao trabalho e outras atividades. Os ganhos em termos psicológicos não
operam de maneira intencional, do ponto de vista da criança (ROCHA, 1994). Porém, para os
estudiosos da Teoria Histórico-Cultural a atividade lúdica tem grande impacto no processo de
constituição do sujeito, como por exemplo, operar transformações entre o campo perceptual e
o comportamento da criança; construir a capacidade para aquisição das formas de
representação do mundo, incluindo a leitura e a escrita; invocar a formação da consciência e
da capacidade imaginativa.
O jogo de papéis, que tem suas próprias regras 10, apesar de não estarem estabelecidas e
formalizadas anteriormente, abre o caminho para a criança brincar com o jogo de regras11,
que, ao contrário do jogo de papéis, tem suas regras explicitadas e seu grau condicionante é
cada vez maior para a criança. Segundo Leontiev (1989, p. 139), “Dominar as regras significa
dominar seu próprio comportamento, aprendendo a controlá-lo, a subordiná-lo a um
propósito12 definido”13. Pelo jogo de regras a criança passa à autoavaliação de seu
comportamento, no que se refere a sua destreza, habilidades e progressos, bem como, a
alcançar um desenvolvimento moral decorrente de ou facilitado por essa modalidade de jogo.
De que forma o real penetra na atividade lúdica? As ações reais são substituídas, os
objetos são usados com outros significados, acontece o desempenho de papéis e a situação é
imaginária ou temática. Todo objeto lúdico tem de comportar a ação lúdica 14. Por isso “nem
para poder brincar, por exemplo brincar de roda, brincar de ovo choco, brincar de jogos de tabuleiro (xadrez,
ludo, memória, entre outros). O jogo de regras geralmente tem um mediador mais experiente, fazendo com que
essa brincadeira seja conhecida como uma brincadeira dirigida. Outro aspecto importante a ressaltar é que o jogo
de regras é do interesse da criança mais velha, quando ela já adquiriu mais consciência sobre suas capacidades,
seu autocontrole e reconhecimento da sua competência para o jogo.
12 O propósito é de assumir o papel do jogo protagonizado.
13 Apud ROCHA, 1994, p. 51.
14 O objeto que é escolhido pela criança conserva o mínimo de suas características. Então, se ela escolher
telefonar, poderá utilizar-se de um objeto que seja semelhante ao telefone, como por exemplo um controle de
televisão fazendo o papel de celular; um balde de areia pode servir como capacete.
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tudo pode ser tudo”15. Os objetos devem comportar um mínimo de correlação com seu uso
pelos adultos. O real também é inserido na atividade lúdica pela esfera imaginária porque no
desempenho de papéis a criança escolhe as ações possíveis que se ajustam às regras de
comportamento do papel desempenhado. As temáticas que as crianças escolhem para suas
brincadeiras também se originam de parcelas da realidade que elas observam e ou
experimentam em sua vida cotidiana16.
• primeiro ela nomeia a ação que executou. O objeto é falado segundo o que vai
representar;
• a criança denomina quem ela é no jogo de papéis e depois passa a agir de acordo com
o que cabe ao papel.
Num jogo de papéis existe a permanente alternância. Nem pura fantasia, nem pura
realidade transposta17. Objetos são usados com novos significados; objetos são usados com
significados reais. As ações são generalizadas e substitutivas; ações concretas, literais. Tudo
isso exige da criança a capacidade de ignorar determinadas características de um objeto; ao
mesmo tempo em que é necessário considerá-las para que a ação substitutiva seja possível 18.
O imaginário não é condição para a criança brincar; é consequência das ações lúdicas19.
Vigotsky explica que à medida que a criança cresce, o jogo de regras ocupa um espaço e
importância cada vez maiores e há um declínio do jogo de papéis.
17 Quando a criança brinca de faz de conta pinça fragmentos da realidade, não transpondo-a em sua totalidade
para a brincadeira. Na verdade, é possível perceber na brincadeira dados da realidade em que a criança vive
como também cria situações. Segundo Oliveira (2011, p. 32), as crianças constroem, jogam, completam,
modificam papéis.
18 Ibidem, idem, p. 63.
19 Uma das funções psicológicas superiores, que se constrói pela interação durante as brincadeiras de faz de
conta, é a imaginação. Por isso, apesar de a brincadeira desenvolver a imaginação, ela não é condição prévia para
brincar.
20 Ibidem, idem, p. 67.