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O artigo 9º recomenda que a criança possa conhecer a si e ao mundo; expressar-se por imagens,
canções, música, teatro, dança, movimento, língua escrita e falada; conhecer o mundo através da
natureza, da sociedade; construir seu protagonismo por meio da linguagem matemática e da
linguagem da brincadeira. A manifestação das múltiplas linguagens deve ser fortalecida no
cotidiano da Educação Infantil através de propostas e práticas pedagógicas que as viabilizem3.
Contudo, o que ainda se observa nos espaços de educação infantil jaraguaenses é uma grande
preocupação com a linguagem oral e a linguagem escrita sobrepondo-as às demais. As palavras de
Mello (2007, p. 85) sinalizam que a supervalorização dessas duas modalidades pode ser identificada
em muitas partes do país e certamente não deve orientar a construção e o delineamento dos
objetivos para a Educação Infantil. A autora esclarece-nos:
Estimulados – e mesmo pressionados – por pais e mães que crêem possível e desejável
antecipar a aprendizagem dos conteúdos do Ensino Fundamental, professores e
professoras da Educação Infantil criam salas de aula com rotinas, espaço, relações e
expectativas típicas do trabalho educativo com as crianças no Ensino Fundamental.
O trabalho que considera as diferentes linguagens implica uma postura profissional que se
preocupa em elaborar com as crianças e para elas a aproximação com a arte através do teatro, do
cinema, da dança, de exposições, da literatura, da música, como manifestação que vai além do
contexto escolar, sugere Gobbi (2010)4. O contato das crianças com as diferentes linguagens,
segundo texto das DCNEI (2010, p. 27), deve propiciar “[...] a interação e o conhecimento pelas
crianças das manifestações e tradições culturais brasileiras;” bem como possibilitar “[...] a
utilização de gravadores, projetores, computadores, máquinas fotográficas, e outros recursos
tecnológicos e midiáticos”.
As múltiplas linguagens, consideradas nos artigos 6º e 9º das DCNEI, querem que haja
promoção de experiências para meninos e meninas com base na interação com a música, as artes
plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura nas instituições e que
incluam professores/as e familiares, independente da condição social e cultural. Para Gobbi, a
formação do profissional da Educação Infantil é fundamental para que ele possa ampliar o contato
das crianças com as diferentes linguagens e, nesse caso, boas leituras aos docentes revertem que
eles ofereçam mais oportunidades às crianças para que elas possam se expressar plenamente.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil alertam para o respeito aos
princípios estéticos nas diferentes manifestações artísticas e culturais, que considerem a diversidade
cultural, religiosa, étnica e econômica do país 5. A dimensão lúdica e a dimensão estética são
condições fundamentais para a formação humana. Assim, no planejamento das jornadas com as
crianças e suas vivências deve-se incluir a expressão da fantasia e da criatividade sem necessidade
de cronometrar tempo específico para tal. As linguagens que Gobbi ressalta no trabalho com as
crianças são: desenhar e pintar, fotografar e filmar, poesia e literaturas diversas, música, sons e
4 Márcia Gobbi é autora do texto “Múltiplas linguagens de meninos meninas no cotidiano da educação infantil (2010).
Fonte: Consulta Pública.
5 O presente documento sinaliza que as DCNEI (2010) fazem alusão, na página 21, ao reconhecimento à valorização,
o respeito e à interação das crianças com as histórias e as culturas africanas e afro-brasileiras, bem como o combate
ao racismo e à discriminação. A Lei 10.639/03 instituí o dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), em
homenagem ao dia da morte do líder quilombola negro Zumbi dos Palmares. O dia da Consciência Negra é
marcado pela luta contra o preconceito racial no Brasil.
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Para contemplar a multiplicidade de linguagens a que as crianças têm direito, um dos pontos a
privilegiar nas propostas pedagógicas é a inclusão das culturas das quais as famílias fazem parte.
Para tanto, há de se conhecê-las e estabelecer parcerias para que a educação das crianças aconteça
integralmente.
As pessoas podem verbalizar um pensamento tanto quanto podem realizar produções artísticas
que comunicam esse mesmo pensamento, por isso, a Linguagem Visual é uma das formas
importantes de expressão e comunicação humana. Essas formas expressam, comunicam e atribuem
sentido às sensações, aos sentimentos, aos pensamentos e à realidade. Manifestam-se na pintura, no
desenho, na escultura, nos brinquedos, nos mapas, em diagramas, nas formas bidimensional e
tridimensional.
A Linguagem Visual se integra a todas as linguagens, uma vez que ela traduz uma
multiplicidade de percepções em respeito às culturas infantis. As perspectivas das crianças devem
ser valorizadas.
[…] o corpo na cultura ocidental, historicamente tem sido negligenciado como forma de
ser e estar no mundo, e os seus movimentos contidos, principalmente em nome da
disciplina e da ordem (BEBER, 2014, p. 21).
Todo o tempo estamos nos movimentando e expressando sentimentos para serem interpretados
através da leitura corporal, do movimento e do gesto do nosso corpo e dos corpos de nossos pares. A
Linguagem Corporal é mais do que apenas utilizar o corpo para a locomoção. É toda expressão e
experiência com movimentos realizada com o corpo.
As crianças, por exemplo, sinalizam seus desejos, emoções, curiosidades, sensações, angústias,
medos, fome, sede, ou seja, expressões faciais e corporais a serem interpretadas. As crianças
correm, pulam, saltam, engatinham, arrastam-se, andam, giram, tiram e colocam suas roupas,
dançam, movimentam-se de um lado para outro. Sendo assim, vão controlando seus corpos, gestos,
manuseios, movimentos, expressões e encontrando-se através da sua identidade, autonomia e
independência, conforme interagem com o meio e as pessoas, apropriando-se do repertório
cultural/corporal no qual estão inseridas. Segundo as Diretrizes é preciso garantir experiências que
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Na educação infantil podemos perceber que a Linguagem Corporal se mostra a todo momento e
pode ser percebida nos diferentes contextos de expressões e nas diversas vivências: na brincadeira
de faz de conta, na dança, no teatro, nos jogos de mesa, nas atividades de rotina e em todas as
vivências que possibilitam destaque ao corpo e ao movimento. É de suma importância o
envolvimento do/a educador/a para a mediação e interação, provocando e instigando a criança a
movimentar-se e comunicar-se através de seu corpo em todos os momentos.
• pular corda; correr na grama; chutar a bola; subir e descer nos brinquedos do parque;
brincar no balanço; brincar de pega–pega; de esconde–esconde; subir em árvores e
descer delas; andar de motoca; brincar na grama; jogar peteca;
• andar no banco e pular no colchão; subir e descer escadas; puxar arcos; cavalgar; dar
cambalhotas; engatinhar; balançar-se no lençol; subir e descer rampas; passar por
obstáculos; rolar; chutar; saltar; empurrar; colocar e tirar objetos; andar; agarrar;
sapatear; marchar; lançar; atirar; guiar; deslizar; equilibrar; pular com dois pés e com
um;
A Linguagem Musical é toda experiência que envolve expressão de ritmos, batidas, sons,
silêncios e a música.
Na Educação Infantil a criança tem contato com múltiplos sons. Essa multiplicidade pode ser
chamada como brincarmusical6, porque ela orienta a ação das descobertas cotidianas da dimensão
sonoro-musical. Esse contato da criança se faz sem a preocupação fundamental com a técnica
musical. As ações que caracterizam o contato com a Linguagem Musical são permeadas por sons
intencionais das crianças com elas mesmas e delas com o que lhes proporcionam o ambiente, o
outro, os objetos, os/as professores/as e a criatividade.
Pensemos que a brincadeira que os bebês fazem são os primeiros sons, as primeiras
manifestações sonoro-musicais como uma de suas linguagens. A música para a criança “é o próprio
brincar, a experiência cotidiana com o som, com as linguagens que a permeiam, a exploração
sonoro-musical cotidiana do corpo, dos objetos, do seu entorno” (CORREA, 2013, p. 22). O
conhecimento musical da criança pequena é predominantemente de ordem intuitiva, com base na
apreensão, na observação, na repetição, na imitação e na vivência. Os bebês, enfatiza Ilari (2006, p.
276)7, “são capazes de localizar a direção de uma fonte sonora minutos após o nascimento e que,
nesse momento, já estão atentos aos sons da fala”.
6 Essa expressão é utilizada por Aruna Noal Correa, em sua tese de doutorado, que teve como orientadora Maria
Carmen Silveira Barbosa, defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ano de 2013.
7 Apud CORREA, 2013, p. 34.
8 A ideia sobre o gosto musical de bebês leva muitos/as professores/as a selecionar um repertório de músicas que se
supõe ser da preferência dos bebês. Esse repertório geralmente se concentra em um único gênero considerado próprio
para o público infantil e divulgado pela mídia aos pequenos. Dessa forma, é recorrente que bebês não ouçam música
clássica, nem folclórica, nem música popular brasileira.
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O contato com o som, seja por meio daquilo que emana do cotidiano ou fruto das manifestações
culturais de uma região, deve estar presente onde quer que a criança se encontre, afinal, como diz
Zilma de Oliveira, “as crianças não vivem em um mundo à parte”9.
Sabe-se que todas as culturas do mundo têm canções especiais para bebês e crianças pequenas.
O fato é, mesmo que eles não entendam o que a letra significa, são capazes de compreender as
mensagens afetivas implícitas na voz e nos gestos daquele que canta. Além de se considerar que
esses primeiros contatos ajudam na organização do comportamento e do humor, acredita-se que
auxiliam na constituição de parte da base do pensamento musical humano ao longo da vida (ILARI,
2006, p. 296)10.
• cantar para as crianças ouvirem a voz do adulto, cantar para as crianças dormirem, dormir
com e sem música;
• dançar, dançar conforme a música que está tocando, brincar de dança da cadeira;
• bater e fazer sons com vários materiais (potes, mãos, pés, objetos de plástico, madeira,
metal, …), bater com colher (na mesa, no prato, no chão, no banco, na parede...), fazer sons
em cones, bacias, baldes, copos, em sala fechada, em sala aberta, no parque, na área coberta
e em outros lugares;
• ouvir e conhecer músicas de diferentes gêneros (além dos nacionais, os provenientes dos
povos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros países da América 11),
9 Fala da Profª. Zilma de Moraes Ramos de Oliveira, no programa da TV Escola “Salto para o futuro: Novas Diretrizes
para a Educação Infantil, jun. 2013.
10 Apud CORREA, 2013, p. 34.
11 Atendendo ao Princípio Estético (DCNEI, 2010, p.16) sobre a sensibilidade, criatividade, ludicidade e a liberdade
de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais.
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Enfim, a ampliação da experiência sonora das crianças deve ser planejada e explorada
intencionalmente pelo profissional da Educação Infantil, já que, como afirma Correa, “[...] música,
nem sempre é aquela que a televisão ou o aparelho de som traz. E esta sensibilidade precisa ser
apresentada de outra forma” (2013, p. 22).
A Linguagem Plástica, bem como a Visual são expressões artísticas intrínsecas às crianças e aos
adultos como marcas deixadas que envolvem sentimentos e particularidades de cada ser humano.
Ao iniciar suas garatujas, a criança realiza a transmissão de seu pensamento pela fala e pelo corpo.
Quando começa a fazer desenhos, ela os representa por várias formas e tamanhos, assim, transmite
suas ideias ao papel para que todos possam saber o que pensa. Esse estágio é anterior ao domínio da
ideia de que se pode escrever o que se fala. Sendo assim, é preciso ter cautela ao analisar uma
produção artística. Não devemos fazer avaliações do produto final, mas levar em consideração todo
o processo que a experiência trouxe ao momento vivido.
O ato de desenhar das crianças deveria ser visto como diz Leite (2004, p. 64) “uma de suas
tantas formas de expressar-se e fazer-se presente no mundo”. Porém o desenho da criança de 0 a 5
anos, nos espaços de Educação Infantil, não vem recebendo o devido valor. Esses desenhos são
substituídos por imagens prontas e estereotipadas que elas só precisam colorir. Essa possibilidade de
tentar se expressar sem ter modelo a seguir faria com que a criança colocasse em funcionamento
suas hipóteses e suas suposições sobre as formas como o mundo se apresenta.
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É através dos desenhos, das esculturas, das modelagens, das pinturas, ou seja, das experiências
plásticas que as crianças vivenciam, que elas exploram o faz de conta e desenvolvem as funções
psicológicas superiores afirmadas por Vigotsky.
O/a professor/a pode e deve, através da mediação pedagógica, oportunizar experiências com:
• giz de cera, carvão, tijolo, canetinha, lápis de cor, pincel, clara de ovo, casca de alimentos e
vários materiais de diferentes texturas e formas;
• utilizar parede, chão, calçada, tijolo, papel craft, cartolina, folhas de árvore, pisos, ladrilhos,
folhas e papel de diversos tamanhos como suporte;
• pintura de objetos, modelagem de esculturas, brincadeiras com água, areia, terra, lama,
barro, tintas misturadas aos elementos da natureza;
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• cores, marcas, massinha caseira, gesso, modelar biscuí, gelo (escultura, congelamento de
objetos...), colagens;
• construção de brinquedos (de forma coletiva e individual) com sucata (madeira, plástico,
metal, papelão...).
No entanto, o/a professor/a mediador/a precisa tomar cuidado com sua atitude para com o
trabalho da criança, não expondo os trabalhos de forma que sejam pouco valorizados e não
visibilizados. Observa-se, por exemplo, trabalhos das crianças colocados em saquinhos plásticos,
em pastas, em caixas de camisa, dentro de armários e outros lugares que escondem e não valorizam
as produções artísticas infantis. É preciso expor a produção das crianças de maneira que todos
possam ter acesso e a valorizem, principalmente ao alcance das crianças.
Também não podemos esquecer que é de suma importância permitir que as crianças revejam
seus trabalhos, podendo modificá-los se desejarem, criar narrações e outras produções baseadas
naquilo que já realizaram. Estes podem ser armazenados através de portfólio, em exposição
constante e de fácil manipulação das crianças.
Deixar a criança falar sobre o que produziu, contando detalhes e enredos, é uma forma de
valorizar e o/a professor/a se aproximar para mediar a interação com esse material. Ter contato com
diversos materiais, como experienciação, também é uma possibilidade de respeitar e interagir com
os pequenos. Os bebês também devem ter acesso a esses materiais. Levá-los às áreas externas para
que possam ter experiências sensoriais é fundamental para seu desenvolvimento e é o papel do/a
professor/a.
O adulto, como fonte de inspiração, é aquele que faz o incentivo para que os pequenos possam
ter o desejo pelas diversas expressões da arte. Para que esse incentivo aconteça é preciso vivenciar
junto, interagir e entrar no enredo da brincadeira, buscando e desejando o faz de conta. Dessa
forma, as crianças poderão, com o tempo, escolher, de forma autônoma, quais materiais e maneiras
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[…] o ensino tem de ser organizado de forma que a leitura e a escrita se tornem
necessárias às crianças, […]. Temos, aqui, o mais vívido exemplo de contradição básica
que aparece no ensino da escrita, […] a escrita é ensinada como uma habilidade motora e
não como uma atividade cultural complexa. Portanto, ensinar a escrita nos anos
pré-escolares impõe, necessariamente, uma segunda demanda: a escrita deve ser
“relevante à vida” - da mesma forma que requeremos uma aritmética “relevante” (1998,
p. 155).
Vigotsky14 recomenda que a escrita deve ter significado para as crianças. Uma necessidade
intrínseca deve ser despertada nelas, deve ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para a
vida. Só assim, assinala Vigotsky, “ela se desenvolverá não como um hábito de mãos e dedos, mas
como uma forma nova e complexa de linguagem”.15
12 As linguagens, que na Educação Infantil são múltiplas, não serão nesta Proposta hierarquizadas. Porém, devido à
preocupação de professor/as, pais e sociedade em geral com a linguagem escrita, privilegiaremos um texto mais
abrangente para esta modalidade, com a preocupação de dissipar algumas concepções que até agora se apresentaram
como equivocadas.
13 VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores,
organização de Michael Cole et al. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
14 Ibidem, idem, p. 156.
15 Ibidem, idem, p. 156.
16 Ibidem, idem, p. 156.
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Certa manhã, em visita a uma sala de Pré-Escolar I, foi observado que uma criança se ofereceu
para fazer um desenho para que fosse fotografado. A professora tinha disponibilizado algumas
folhas de papel e canetas coloridas a fim de as crianças que quisessem pudessem desenhar
livremente. Um menino trouxe o desenho para ser fotografado. Pedimos a ele que dissesse o que
havia desenhado. Então, começou a narrar:17
G - “Esta é uma vaca e esta é uma porta. A vaca não consegue abrir a porta, ela está trancada”.
N - “Não consegue abrir a porta, essa vaca?”
G - “Ela não tinha a chave. Só o pai dela”.
N - “E agora como que ela vai fazer?”
G - “Só que é... tem ligar pro pai”.
N -“E onde tá a vaca, mostra pra mim”. Ele mostra com o dedo.
G - “E aqui e aqui é o ventilador e aqui é a porta”.
N - “E como é o nome dessa vaca”?
G - “Bela”.
N - “Bela? E como é que a gente escreve o nome da Bela?”
G - “Eu não me lembro bem”.
N - “Tu não lembra bem?”
G - “Eu acho que começa com a letra B”.
N - “Então tenta escrever o nome da vaquinha Bela para a gente ver”.
Ele foi escrever.
G - “Eu vou escrever o b”.
N - “Ta bom.”
Ele mostra a escrita da letra b.
N - “Que mais agora será que dá de escrever?”
G - “Eu só sei fazer a letra b”.
N - “Ah! Tenta escrever o que você sabe, do seu jeitinho”.
Deita-se no chão e começa a copiar um nome do painel de aniversário. A caneta colorida falhava algumas
vezes e G forçava para que a cor saísse. De todos os nomes que estavam escritos na sala e colados na parede
ele escolheu copiar um nome que começa com a letra B. Assim que termina, vem nos mostrar.
G - “Bianca Bela”.
N - “Bianca você escreveu?”
G - “Eu copiei de lá. Bianca bela”, apontando para o painel.
N - “Então eu vou te ajudar a escrever Bela aqui”.
G - “Escreve embaixo Bela”, mostrando o local em que devia ser escrito.18
Esse relato remete refletir que as crianças de 0 a 5 anos de idade vivem imersas num mundo
letrado. Nas casas, na rua, no comércio, em eventos sociais de suas comunidades, as crianças estão
rodeadas da linguagem escrita. É de se esperar que, mesmo não tendo a Educação Infantil o objetivo
de ensinar formalmente como codificar e decodificar a escrita, as experiências vividas pelas
crianças, em contato com os adultos e com os espaços, oportunizam-lhes arriscar hipóteses de
escrita, brincar com os signos, num processo de apropriação da cultura humana. É salutar criar cada
vez mais oportunidades às crianças para que despertem o desejo de saber o para quê e o porquê se lê
e se escreve em nossa sociedade.
1998, p. 157).
O texto “A linguagem escrita e o direito à educação na primeira infância” 19, de Mônica Baptista
corrobora com os aportes teóricos de Vigotsky, indica que grande parte dos educadores da Educação
Infantil vivem imersos em dúvidas a respeito da prática pedagógica que leva à apropriação da
linguagem escrita, se devem ou não considerar isto uma prática preparatória e onde encontram
referenciais teóricos que os apoiem nessa concepção. Essa problemática se resume nas perguntas:
como realizar um trabalho pedagógico em direção à aquisição da linguagem escrita? É possível ou
desejável promover situações de aprendizagem que envolvam a leitura e a escrita para todos os
grupos de crianças que compõem a Educação Infantil?
Vigotsky (1998, p. 154) elenca três argumentos que responderiam as perguntas de Baptista: o
primeiro é de que as crianças, mesmo as mais novas, seriam capazes de descobrir a função
simbólica da escrita20. Dos três aos seis anos há um grande avanço no desenvolvimento da atenção e
da memória, facilitada em grande parte pelo brinquedo, como meio de desenvolvimento cultural da
criança. Vigotsky insiste na questão da organização da leitura e da escrita como uma necessidade
que as crianças devem perceber.
19 Mônica Correia Baptista é autora do texto de Consulta Pública “A linguagem escrita e o direito à educação na
primeira infância, 2010.
20 Vigotsky se baseia nos estudos de Hetzer. Ele indica que muitas crianças de três anos são capazes de dominar uma
combinação arbitrária de sinais e significados e que aos seis anos quase todas as crianças são capazes de realizar essa
operação.
21 Argumentos de Vera John-Steiner e Ellen Souberman baseados em Vigotsky, escritos por estes autores no Posfácio
da obra de Vigotsky, 1998.
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Um terceiro argumento é de que a escrita deve ser ensinada naturalmente. Quanto a isso,
Vigostsky busca em Montessori importante contribuição. Ela mostrou que os aspectos motores
poderiam ser acoplados com o brinquedo infantil e, ao invés de ser “imposta”, a escrita poderia ser
“cultivada”. Ela ocuparia, assim, um momento no desenvolvimento da criança e não um exercício
imposto de fora para dentro22. Montessori reforça a ideia de que as crianças deveriam aprender a ler
e escrever como decorrência de uma necessidade que se apresenta no e durante o brinquedo.
Reforça-se dessa maneira a presença do mediador adulto, ocupando papel de destaque quanto à
organização das situações que a favoreçam. Como aponta Mello (2007)23:
É a criança que quer se comunicar que está por trás do gesto, da fala, do desenho, da
brincadeira. É, igualmente, a criança que quer se comunicar que precisa estar por trás
da mão que escreve. Por isso, todas as atividades de expressão – que geralmente ocupam
lugar de segunda categoria em nossas escolas, como a fala, o desenho, o faz-de-conta, a
modelagem, a pintura – precisam ser estimuladas e cultivadas se quisermos que as nossas
crianças se apropriem da escrita como leitoras e produtoras de textos (Grifo na fonte).
Se somarmos os argumentos elencados por Vigotsky com os de Baptista, que tece importantes
considerações e motivos que as Diretrizes Nacionais sinalizam para a presença da leitura e da
escrita na educação infantil, encontraremos os seguintes pressupostos:
• a educação infantil possui uma identidade própria que leva em conta a criança como
sujeito de direitos, produtor de cultura e portador de saberes;
• linguagem escrita é escrita mesmo, bem como o uso social que se faz desta;
Um dos fortes argumentos elaborados por Baptista e reforçado como prática para este
município, para justificar o contato da criança com a linguagem escrita, é o seu direito à cultura
22 Como diz Mello, “[...] os partidários da teoria mecanicista do desenvolvimento – quer tenham consciência disso,
quer não – crêem que é possível ensinar qualquer coisa à criança pré-escolar por meio do treinamento e da repetição
forçada”. Esta citação encontra-se em MELLO, S. A. Infância e humanização: algumas considerações na perspectiva
histórico-cultural. Perspectiva, Florianópolis, v. 25, n. 1, p. 83 – 104, jan./jun. 2007.
23 Apud VALIENGO, A. Educação Infantil e Ensino Fundamental: bases orientadoras à aquisição da leitura e da
escrita e o problema da antecipação da escolaridade. Dissertação de Mestrado. Marília, SP: Universidade Estadual
Paulista, 2008.
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• a criança produz cultura pela interação que estabelece com outras formas e
manifestações culturais. Ela aspira novos conhecimentos e é desafiada a
compreender signos e símbolos e, sob mediação, nascem novos saberes,
conhecimentos e experiências;
• desde muito cedo a criança quer saber como funciona a linguagem escrita. As
crianças brincam imitando a escrita, criam histórias a partir de textos verbais e
visuais;24
24 Reportemo-nos às hipóteses do menino G. A partir de um desenho, ele conseguiu dar significado para a linguagem
escrita que, naquela situação, não se apresentou apenas como um exercício de verificação de sua competência em
relação ao domínio das letras do alfabeto.
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Para Baptista (2010), a linguagem escrita é forte instrumento de interação social porque:
• através da brincadeira a criança pode se colocar numa situação para a qual ainda não
tem mecanismos desenvolvidos e adequados mas possíveis pela zona de
desenvolvimento proximal;
• a criança acumula materiais a partir do que ouve e do que vê. Para que ela
desenvolva atividades criadoras é preciso ampliar sua experiência.
A construção de uma prática educativa comprometida com o direito da criança de expandir seu
conhecimento encontra na literatura infantil uma forte aliada. Os livros representam, dentre os
objetos e instrumentos criados pela cultura da humanidade, uma forma para desenvolver as
máximas qualidades humanas. As crianças devem, desde bebês, ter acesso aos livros,
manuseando-os, lendo suas imagens, elaborando hipóteses de enredos. O adulto é o grande
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responsável pelo contato com as gerações mais jovens com a literatura, devendo planejar e
sistematizar esse contato, construindo “cantinho da leitura” desde a sala do berçário, contando,
lendo, dramatizando, interpretando, oferecendo livros de qualidade e deixando-os ao alcance das
crianças. Para realizar o trabalho com a literatura infantil, como um dos elementos importantes em
nossa cultura que auxilia na humanização das crianças, são necessárias algumas orientações 25. São
elas:
1. considerar a literatura infantil como arte. Ela possui um valor em si mesma e não
deve estar vinculada à visão instrucional, pragmática e escolarizante;
2. superar a ideia de que a literatura infantil, através dos contos clássicos, tenha que
cumprir a tradição da “fantasia” para a criança;
6. um livro serve para ler e para ver. Desenhos, fotografias, colagens, dobraduras,
texturas são para serem vistos e tocados;
7. o que os/as professores/as escolhem como texto literário é, em grande medida, o que
pensam sobre suas crianças, a infância, a aprendizagem e o processo educativo.
No trabalho com a Linguagem Oral e Escrita, faz-se necessário considerar, também, que se deve
ensinar aquilo que a criança deseja saber e incentivá-la a saber mais. Por isso:
• desde os primeiros contatos com a língua escrita a criança se interessa pelo seu
funcionamento. Logo, o/a professor/a é a pessoa que pode promover situações que
incitem a curiosidade da criança por meio de perguntas, hipóteses que ela formula;
• ações do que escrever e desenhar devem ser planejadas intencionalmente: ler algo e
extrair seu sentido, representar por um desenho; escrever bilhetes, cartas, mensagens;
registrar um fato ocorrido na sala. Essas ações mostram mostram às crianças as
funções sociais da escrita;
• muito antes de dominar a escrita convencional, a criança deveria saber para que serve
escrever;
Uma das ações básicas de contato com a Linguagem Oral e Escrita é a organização de um
ambiente que o propicie, sistematizado e preparado pelo/a professor/a. Segundo Baptista, as
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A Educação Infantil deve despertar o desejo da criança pela leitura e pela escrita e fazer com
que ela acredite que seja capaz de vivenciar “[...] experiências de narrativas, de apreciação e
interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais
orais e escritos” (2010, p. 25). Algumas possibilidades de vivenciar experiências com estas
linguagens são:
• participar de rodas de conversa26, narrativas orais, conversas diárias, ouvir e contar histórias
26 Uma referência importante nesse sentido é a dissertação de Maria Cláudia Bombassaro, intitulada “A roda na escola
infantil aprendendo a roda aprendendo a conversar”, orientada por Gabriel de Andrade Junqueira Filho, na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ano de 2010.
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com vários recursos (fantoches, dedoches, livros com ilustrações diversificadas, livros com e
sem imagem, livros industrializados e ou confeccionados artesanalmente por adultos e
crianças...);
• dizer parlendas e trava-línguas rápido e devagar; aumentar e diminuir o tom de voz; falar
sobre origem de alimentos, cores, sabores; conversas durante a troca de fraldas, durante a
alimentação, a higiene, o acolhimento, a despedida, a hora do descanso e em todos os
momentos do cotidiano, ter suas ações interpretadas (nomear o que os bebês estão fazendo);
• dispor de: histórias, construção de textos coletivos e individuais (professor/a escriba), livros,
cartazes, guias de programação de TV, revistas, jornais, embalagens de brinquedos e de
alimentos, cartazes de propaganda com diferentes rótulos, agendas, calendário, bilhetes,
cartões, cartas, desenhos, recados, poesia com diferentes formas de letras, coleções de
álbuns com letras e fotos;
A Educação Infantil da Rede Municipal de Jaraguá do Sul tinha em sua Proposta Curricular
(2001) a concepção de que “Nenhuma forma de expressão deve ser privilegiada em detrimento de
outra”. Também explicita crer que a criança
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[…] traz consigo uma bagagem cultural adquirida em sua experiência de vida. Cabe à
Educação Infantil abrir espaço para que ela amplie sua leitura de mundo, proporcionando
situações que possibilitem o contato com a língua escrita de forma que a criança possa
compreender sua função social e avançar em sua simbolização e conceitualização. É
preciso deixá-la interagir com a escrita para descobrir como funciona. É preciso deixá-la
sentir, perceber e vivenciar todas as suas possibilidades 27.
Segundo o que sugere a citação, a criança tem os primeiros contatos com as letras em seu
universo familiar e bem antes de sua entrada no Ensino Fundamental. Cabe à Educação Infantil
respeitar as vivências e as experiências com a Linguagem Escrita de cada criança, ampliando sua
leitura de mundo e oportunizando o conhecimento da sua função social.
Passados treze anos da elaboração dessa Proposta, percebe-se que o trabalho desenvolvido com
a Linguagem Escrita ainda não atende às contribuições que Vigotsky elaborou em sua obra “A
Pré-História do Desenvolvimento da Linguagem Escrita”. Suely Amaral Mello 28 faz uma leitura
crítica e elucidativa dessa obra e auxilia na reflexão sobre os processos que estão envolvidos na
aprendizagem da Linguagem Escrita, fornecendo-nos base teórica orientadora necessária para essa
apropriação no intuito de compreender o quanto é complexo esse processo. Apesar das “boas
intenções”, como denomina Mello, é preciso compreender o sentido que se deve atribuir à escrita
para não atropelar o processo e prejudicar essa expressão que a criança utiliza como instrumento de
comunicação, para visualizar uma nova maneira de encarar o processo de aquisição da Linguagem
Escrita na educação infantil.
Aprender a ler e a escrever, para a maioria de nós, adultos, é passar a dominar a relação entre
letra e som, assim, quando se soubesse dizer ou grafar o som de uma palavra escrita, subentendia-se
que se estava alfabetizado. Na perspectiva do senso comum, a maneira mais fácil de ensinar a ler e a
escrever é dividir a palavra em partes, letras e sílabas. Mello, em seu texto, pergunta: “Qual o
problema com essa forma de ensinar?”
Segundo a leitura que essa autora fez da obra referida de Vigotsky, são três pontos:
• ensinar letras e sílabas não desperta a vontade da criança de ler e escrever, e projeta essa
vontade lá para o final do ano;
• “Se tratamos com crianças que não querem aprender a ler e a escrever - e não querem
porque nunca conviveram com a escrita como um instrumento de comunicação e expressão
-, essa maneira de ensinar não cria nas crianças essa vontade”;
• Quando escrevemos representamos o som da fala, que tem um significado. Esse significado
representa a realidade: nossas ideias, nossos sentimentos, o que falamos, as informações que
queremos dar e socializar.
Essa forma de proceder ao processo de letramento e alfabetização faz com que ler e escrever
não nos remetam a pensar no que a escrita significa. Mello enfatiza que a maioria de nós aprendeu a
ler e a escrever palavras vazias sem significado. Disso decorre grande parte das nossas dificuldades
e do esforço hercúleo para interpretar e compreender o significado do que lemos. Nessa condição,
muitas pessoas em níveis muito além do processo de alfabetização necessitam ler inúmeras vezes
para compreender o sentido do que acabaram de ler. A autora ressalta: “[...] essa forma de ensinar a
ler e a escrever por esta via que parece simples tem esse problema: forma gente que lê sem
compreender o que lê e que escreve sem autoria, ou seja, copia, escreve ditado, mas tem dificuldade
de produzir um texto seu”. A isso denomina-se, expressão já conhecida, analfabetismo funcional.
Como analfabeto funcional pensar “[...] no significado exigia um novo esforço, exigia uma atitude
que não havíamos aprendido com a aprendizagem da escrita e da leitura na escola”.
Quando ensinamos letras a uma criança e não a linguagem escrita, estamos negando a forma
como ela se relaciona com o mundo, com a cultura (tudo que as pessoas criaram) e também
impedimos que ela atribua sentido aos objetos. Por isso, é necessário tratar a escrita como um
importante instrumento que tem implicações fundamentais para a formação da inteligência e da
personalidade.
esforço por parte do/a professor/a que ensina e da criança que precisa aprender, além de inibir a
construção do significado. Para Mello “Ao enfatizar a relação entre som e letra, a escola deixou
para segundo plano a função social da escrita, o fato de que a escrita serve para a comunicação com
os outros, para expressar o que sentimos, pensamos, aprendemos; serve para divulgar uma idéia,
para lembrar”29. Por outro lado, letras e sílabas constituem apenas o aspecto técnico da escrita e não
a sua função social. Sobretudo, quando uma criança e um adulto dominam letras e sílabas não
significa que avançaram no desenvolvimento cultural.
Essa prática, segundo Suely Mello, rouba o tempo da Educação Infantil para as brincadeiras, as
fantasias e as culturas infantis.
Sem se dedicar ao faz-de-conta, sem ouvir histórias, sem manusear livros, gibis, etc., sem
vivenciar experiências significativas que as encantem, sem exercitar a expressão por meio
de múltiplas linguagens, as crianças deixam de formar as bases necessárias à
aprendizagem da escrita – a necessidade de ler e de escrever, a necessidade de expressão,
a função simbólica, o controle da vontade e da conduta (ou a auto-disciplina) e a
percepção antecipada do resultado que se forma no jogo de papéis e na atividade
exploratória da criança num espaço pleno de cultura e provocador da sua curiosidade e
sua atividade.
Quando o aspecto técnico é privilegiado, a criança pode acumular uma história de fracasso e
cansaço em relação à escola e à escrita. O professor/a ensina à criança que ler é reconhecer e
desenhar letras, quando de fato escrever é registrar e expressar ideias, emoções, sentimentos e
informações.
Para formar leitores e produtores de textos, é preciso, segundo o que recomenda Vigotsky,
apresentar a escrita como se ela fosse uma representação direta da realidade, isto é, chamar a
atenção da criança para o significado do texto e só mais tarde abordar o aspecto técnico da escrita
(maneira como se escreve, ligação entre escrita e fala). Essa forma de apresentar a Linguagem
Escrita às crianças é o contrário do que fazia-se até agora: “[...] em vez de apresentar as letras, para
29 Linguagem escrita: forma de comunicar e expressar aos outros, o que sentimos, pensamos, aprendemos, serve para
divulgar uma ideia, uma descoberta, para lembrar.
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depois formar sílabas, para depois formar palavras e depois formar os textos, primeiro apresentamos
textos, mais tarde destacar as palavras e só no final do processo é que chegamos às letras e sílabas”.
Significa dizer que primeiro se enfatiza a escrita em sua função social e só mais tarde apresenta-se
seu aspecto técnico, concluindo que não se deve iniciar o ensino da linguagem escrita pelas letras e
sílabas.
Retornamos àquilo que Vigotsky frisou em sua obra “A formação social da mente”, mencionado
anteriormente neste texto sobre como tornar aprender a ler e a escrever uma necessidade da criança.
Para o autor a melhor forma é usar a escrita junto com elas, em situações reais quando a escrita é
necessária, por exemplo escrever bilhetes junto com as crianças para os pais; escrever um
diário/memória das rodas de conversa; apoiar a criança nas suas iniciativas de escrita nos desenhos,
nas pinturas, nas brincadeiras de faz de conta,... Enfim, o/a professor/a deve escrever o desejo de
expressão e comunicação das crianças.
Para escrever é preciso ter algo a dizer. Conforme Vigotsky, a história da escrita começa muito
cedo na vida da criança, quando o bebê começa a fazer gestos, apontando um objeto do seu desejo.
A história da escrita encontra-se na vontade de se expressar e de se comunicar para a criança. Neste
ponto o adulto, professor/a, interpreta o gesto, conversa com o bebê, estimula sua expressão e
comunicação pensando-o como futuro leitor e produtor de textos. Esse processo se encaminha pela
fala, pelo desenho, pela pintura, pela modelagem, pela escultura e pelo faz de conta, como
expressões das experiências vividas e interpretadas pelas crianças. Assim a tarefa mais importante
do/a professor/a é proporcionar experiências para que as crianças tenham muito o que expressar.
Mello afirma: (2010) “Precisamos ser cúmplices das crianças no oferecimento e proposição de
atividades que sabemos que as crianças gostam (sabemos porque nos lembramos das nossas
infâncias e proporcionamos essas experiências felizes ainda que pais e mães não gostem, porque as
crianças sujam ou molham as roupas!)”.
Oportunizar às crianças que desenhem livremente suas vivências, estimular a dança como
expressão de sentimentos; possibilitar a produção de sons e músicas para expressar um acontecido,
propor fazer uma escultura para falar de um fato observado, tudo isso são formas de provocar as
crianças a se expressarem em diferentes linguagens e que compõem parte do repertório do “ter algo
a dizer” na expressão própria de Suely Mello. Portanto, “todas as atividades de expressão – que em
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geral ocupam lugar de segunda categoria […], como a fala, o desenho, o faz-de-conta, a
modelagem, a pintura – precisam passar a ser cultivadas como atividades essenciais se quisermos
que as nossas crianças se apropriem da escrita como leitoras e produtoras de textos”.
Para aprender a ler e a escrever é preciso que a criança forme a função simbólica da consciência,
que é a capacidade de uso de um objeto para representar outro. E como se forma essa função da
representação tão importante para a aprendizagem da leitura e da escrita? Quando ela brinca de faz
de conta. Quando ela transforma um paninho em manto de princesa, um pote plástico reciclado de
sorvete em capacete de motoqueiro, um cabo de vassoura em cavalo. Sobretudo, para brincar de faz
de conta é preciso que a criança tenha “tempo livre” nos espaços de educação infantil e tenha
objetos com os quais possa representar os enredos que ela pinça da sua realidade. Na brincadeira do
faz de conta ela ainda vai construir o autocontrole da vontade, a autodisciplina, bases estas para
aprender a ler e a escrever e que não podem ser abortadas em nome da falta de tempo e de outras
atividades.
Finalmente, aprender a ler e a escrever exige a antecipação (que pode ser uma imagem mental
ou uma ideia) do produto que vai ser obtido da atividade. Esse produto só vai interessar à criança
por volta dos seis anos, porque antes disso, a criança brinca sem pensar no resultado de sua
brincadeira ou num produto que vai ser alcançado.
O espaço é a primeira grandeza que se impõe à criança. É o primeiro dado do mundo que
a criança experimenta (MARX E ENGELS, 1978, p. 230).30
A Linguagem Matemática apresenta-se para a criança entre os primeiros conceitos que ela
constrói sobre o mundo. Para que isto aconteça, é necessário que se “recriem, em contextos
significativos para as crianças, relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço
temporais” (2010, p. 25 e 26). Para tanto, são ações:
• medir a sala com cabo de vassoura, braços abertos, passos, trena, fita métrica, fazendo
marcas ou números;
• brincar em diferentes posições (embaixo, em cima, do lado, deitado, em pé); contar os dias,
os meses, os anos; ver quantas crianças vieram e/ou se foram embora e recontar; consultar o
calendário diário (se há sol, chuva, ou nuvens, verificar ao longo do dia as mudanças
climáticas, se estava frio e agora está quente, se havia sol e agora está chovendo...); brincar
ao sol e à sombra (observar a temperatura);
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• falar o que foi feito ao longo do dia ou do período e registrar as mudanças (em desenhos, a
professora como escriba no texto coletivo);
• fazer coleções; boliche; argolas no poste (para contar os acertos); jogos com regras (dominó,
bingo, memória, quebra-cabeça, roubar o rabinho, pega-vareta, ludo, baralho...); manipular
blocos lógicos (classificar por cor, forma, tamanho e espessura, empilhar, criar figuras de
animais e objetos, brincar de faz de conta, derrubar...);
• dizer parlendas e trava-línguas rápido e devagar; marcar batidas com palmas e pés; aumentar
e diminuir o tom de voz;
• encher e esvaziar potes (com pedra, areia, água, barro, e todos os objetos possíveis), abrir e
fechar (gavetas, portas de armários, caixas); entrar em caixas e sair delas; colocar materiais
em garrafas pet (tiras de papel crepom, pequenas e grandes pedras, bolinhas de isopor,
canudinho, lápis...).