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Princípios norteadores da engenharia popular

Chapter · January 2020

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4 authors, including:

Celso Alexandre Souza de Alvear Cristiano Cordeiro Cruz


Federal University of Rio de Janeiro Instituto Tecnologico de Aeronautica
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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Parte 1: A Engenharia Popular 1


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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia
e inovação social

Organização
SANDRA RUFINO
FERNANDA DEISTER MOREIRA

Parte 1: A Engenharia Popular 3


Ebook Engenharia Popular

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Organização
SANDRA RUFINO
FERNANDA DEISTER MOREIRA

Autores
 ADALBERTO T. DOS SANTOS  LIGIA M. SILVA
 ALICIANE DE S. PEIXOTO  LUANA CRISTINA O. PRADO
 ANA CLAUDIA A. ROSA  LUCCA P. POMPEU
 ANDRÉ S. KENEZ  LUCILA A. FERNANDES
 BIANCA PARTICHELI  LUISA DA S. MADEIRA
 BRUNA VASCONCELLOS  MABELI CAETANO
 CAMILA R. LARICCHIA  MARCELO DE S. F. C. SILVA
 CAMILA S. DE A. CORREIA  MARIANA M. GOMES
 CARLA MÂNCIO  MARIANA V. FILGUEIRAS
 CAROLINA V. P. COSTA  MATHEUS SCAGLIA MAINARDI
 CELSO ALVEAR  NATÁLIA T. MARGARIDO
 CINTHIA V. S. VARELLA  PAULIANA DA S. ARAÚJO
 CRISTIANO CRUZ  PEDRO H. S. THEBIT
 DÊNIS PACHECO  PRISCILA B. CAUDURO
 FERNANDA DE SOUZA CARDOSO  RAFAEL M. PRIVATO
 FERNANDA DEISTER MOREIRA  RENÊ DE CASTRO
 FRANCISCO DE P. A. LIMA  RODRIGO E. OLIVEIRA
 GABRIEL S. CHIELE  RODRIGO EDSON CASTRO AVILA
 GUILHERME S. C. MACHADO  SANDRA RUFINO
 GUSTAVO F. MORAES  SUED TRAJANO DE OLIVEIRA
 HUGO SOSINHO DA CUNHA  VICTÓRIA ABRAHÃO F. E SILVA
 ISABELA F. ALI  VINICIUS K. MUNIZ
 JÚLIA ANTUNES  VITOR HUGO DOS R. APARECIDA
 JULIANA J. STEK  VITOR T. CHAVES
 LAIS FRAGA

Parte 1: A Engenharia Popular 5


ENGENHARIA POPULAR:
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Copyright @2020 dos autores

Realização Associação Engenheiros Sem Fronteiras-Brasil


(ESF-Brasil)
Presidente
Cleuller Camilo da Costa Vieira Silva
Vice Presidente de Desenvolvimento
Nina Junqueira Ferracioli
Vice Presidente de Acompanhamento
Adalberto Teodoro dos Santos
Vice Presidente de Comunicação
Kamilla Suellen Teixeira Campos
Vice Presidente Técnico
Pedro Capalbo Becalette

Patrocínio Conselho Federal de Engenharia e Agronomia


(CONFEA)

Capa Maria Clara Pagotto de Freitas

Diagramação Sandra Rufino

Projeto Gráfico Sandra Rufino


Maria Clara Pagotto de Freitas

Revisão de Textos Fernanda Deister Moreira


Sandra Rufino
Victória Abrahão Fonseca e Silva

Organização Sandra Rufino


Fernanda Deister Moreira

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

A Associação Engenheiros sem Fronteiras Brasil (ESF-Brasil) é


parte de um movimento internacional que surgiu nos anos 1980 na
França. Nossa rede internacional, chamada de Engineers Without
Borders International (EWB-I), em busca de uma engenharia
voltada para a comunidade, está presente em mais de 65 países.
No Brasil desde 2010, o ESF-Brasil está presente em mais de
70 cidades do país através de seus núcleos os quais são os
responsáveis por fazer projetos sociais de engenharia na
comunidade em que estão inseridos. Todos os núcleos tem estreita
parceria com as Instituições de Ensino Superior a partir de ações e
projetos de extensão universitária.
Mais de 500 projetos já foram finalizados e constantemente
temos projetos em andamento nos eixos: infraestrutura,
sustentabilidade, educação e empreendedorismo e gestão social.
Somos mais de 2000 voluntários espalhados pelo país colocando a
mão na massa e transformando vidas!
Em 2019, fomos contemplados com prêmios importantes do
Terceiro Setor: Prêmio ENATS de Boas Práticas de Gestão no 3º
Setor, Prêmio 100 Melhores ONGs do Brasil e Prêmio Melhor ONG
de Desenvolvimento Local. Além de termos recebido certificado de
ONG transparente do Instituto DOAR e o certificado internacional
de transparência e boas práticas sociais internacionais da
PHOMENTA.
Além disso, fazemos parte de 12 coalizões e pactos de atuação
em busca de fortalecer nossos compromissos com o
desenvolvimento sustentável e justiça social.
Para conhecer mais sobre o nosso trabalho e saber formas de
se envolver com nossos projetos, acesse esf.org.br

Parte 1: A Engenharia Popular 7


Instituído em 1933, o Sistema Confea/Crea atua norteado
pelos objetivos que motivaram a sua criação: valorizar os
profissionais; participar ativamente do desenvolvimento do país;
integrar equipes técnicas, esferas de governo; e colaborar com a
definição de políticas públicas.
Representado nos 26 estados e no Distrito Federal pelos
Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia, os Creas, e, em
diversas localidades, por 575 inspetorias, o Sistema tem
registrados, aproximadamente, um milhão de profissionais e 265
mil empresas.
Em sua atuação, dinamiza a participação em diversos setores
da sociedade. Junto ao Poder Legislativo, o Confea mantém uma
agenda parlamentar que defende projetos de lei de interesse dos
profissionais e da sociedade.
Junto ao Poder Executivo, participa de representações
nacionais no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e
Ministério de Minas e Energia, por exemplo. A aproximação com
instituições de ensino e associações é item permanente da pauta de
atividades.
No campo das relações internacionais, o Conselho tem o
acordo de reciprocidade assinado com a Ordem dos Engenheiros de
Portugal e integra a Federação Mundial de Organizações de
Engenheiros.
Entre as autarquias de regulamentação e fiscalização mais
antigas do país, o Sistema Confea/Crea mantém a tradição de
decisões colegiadas, tomadas a partir das discussões feitas pelos
diversos fóruns consutivos que sustentam suas atividades: Colégio
de Presidentes de Creas, Colégio de Entidades Nacionais, Câmaras
Especializadas, Comissões Temáticas e Permanentes, e oficializadas
pelo plenário composto por 18 conselheiros federais.

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Prefácio
Desde sempre, a engenharia é considerada alavanca de
desenvolvimento em função mesmo de sua essência: reunir
atividades que se transformam em bem social para a humanidade.
Área diretamente vinculada à economia, a engenharia em suas
múltiplas modalidades depende de investimentos público e privado
para mostrar seu potencial de transformação interferindo e
fazendo girar as engrenagens que sustentam todas as atividades da
sociedade moderna. Uma transformação que, muitas vezes, ao
contrário do que seria lógico e esperado, aprofunda desigualdades
sociais.
Em maior ou menor grau, todas as economias, da mais rica à
mais pobre, revelam descuidos e desrespeitos com relação ao
cidadão comum no que se refere à qualidade da habitação popular,
saúde, educação e segurança pública, setores em que a engenharia
é a ciência base para o desenvolvimento social e econômico.
É nesse contexto que ganha maior importância a parceria
assumida pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia
(Confea) com a Associação Engenheiros Sem Fronteiras – Brasil
(ESF-Brasil) para a publicação do livro “Engenharia Popular:
construção e gestão de tecnologia e inovação social”.
Valiosa, a publicação é assinada por 50 autores – docentes,
pesquisadores, estudantes, profissionais e membros de
organizações sociais – fiéis aos objetivos revelados na contracapa
do livro: debater a engenharia como instrumento do
desenvolvimento social e ambiental.
Nessa empreitada, o Confea é mão de obra útil para ajudar a
reduzir desigualdades, reparar falhas e aproximar a engenharia da
base social, formada por um numeroso contingente de cidadãos
que através de gerações aplicam os conhecimentos adquiridos de
engenharia projetada a partir da realidade de cada pedaço de chão,
proposta da engenharia popular.
No Brasil, a Lei nº 11.888, sancionada em 2008, mais
conhecida como Lei da Engenharia Pública, pode ser um

Parte 1: A Engenharia Popular 9


instrumento a auxiliar a ESF-Brasil a realizar a sua missão. Baseada
em experiências populares bem sucedidas, realizadas pelos
Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia (Creas) do Paraná
e do Rio Grande do Norte, por exemplo, a legislação assegura o
direito das famílias de baixa renda, residentes em áreas urbanas ou
rurais, à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a
construção de habitação de interesse social, com até 60 m², para
sua própria moradia, como parte integrante do direito social
previsto na Constituição de 1988.
A assistência técnica definida na lei – cuja aprovação o Confea
defendeu no Congresso Nacional – alcança, inclusive, a
regularização fundiária da habitação ajudando a evitar a ocupação
de áreas de risco e de interesse ambiental. O outro aspecto é o
estímulo às prefeituras, aos governos estaduais e ao federal a
recompor suas equipes técnicas, desmanteladas ao longo dos
últimos 30 anos. Ao estimular o mercado de trabalho, a legislação
garante uma assistência técnica de qualidade a quem mais precisa.
É hora de participar. É hora de os engenheiros assumirem o
papel de educadores no que se refere à sustentabilidade ambiental,
fortalecer a importância da ecologia, debater novas alternativas,
novas possibilidades, refletir sobre práticas utilizadas, rever os
velhos e criar novos conceitos.
Agora parceiros, o Confea e a Associação Engenheiros Sem
Fronteiras – Brasil somam objetivos, esforços e compartilham
conhecimentos visando a uma sociedade menos desigual, mais
solidária e mais promissora para as gerações futuras.

Eng. civ. Osmar Barros Júnior


Presidente em exercício do Confea

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Sumário

Parte 1: Engenharia Popular ---------------------- 11

Princípios norteadores da engenharia popular ----------13


Engenharia e transformação social -------------------------25
Construir alternativas tecnológicas com as classes
populares: engenharia, educação popular e extensão
universitária ------------------------------------------------------37
Autogestão, sustentabilidade e replicabilidade de
projetos sociais na engenharia ------------------------------47
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a
Engenharia--------------------------------------------------------57

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e


Inovação Social --------------------------------------- 71

Definindo o escopo do projeto com a comunidade ----73


Mobilização de recursos e parceiros -----------------------83
Relação da organização e seus beneficiários em projetos
sociais --------------------------------------------------------------93
Execução do projeto -------------------------------------------99
Prestação de contas e divulgação dos resultados ----- 107
Avaliação do projeto ----------------------------------------- 115

Parte 1: A Engenharia Popular 11


Parte 3: Experiências e Vivências---------------123

Projetos de engenharia popular na prática: o que


podemos aprender com eles? ----------------------------- 125
Integrando as etapas da gestão de projetos de educação
ambiental ------------------------------------------------------- 137
Projeto Amenizar: mantas térmicas sustentáveis ----- 147
Programa de capacitação e aperfeiçoamento
profissional ----------------------------------------------------- 157
Captação de água de chuva -------------------------------- 165
Cooperação além das fronteiras -------------------------- 177
Sapiência Ambiental ------------------------------------------ 187
Habitat para a Humanidade Brasil: o programa de
melhorias habitacionais ------------------------------------- 197
Eventos em engenharia popular -------------------------- 207

Quem são os autores? -----------------------------217

Fotos dos Núcleos ESF -----------------------------221

12
11

Parte 1: Engenharia
Popular

Parte 1: A Engenharia Popular 11


Nesta parte serão discutidas questões conceituais sobre a
engenharia popular, para quem é, quem faz e discussões
relacionadas ao desenvolvimento sustentável, à extensão
universitária, autogestão e a educação popular. Essa parte do
livro foi desenvolvida por profissionais e docentes com
experiência em engenharia popular convidados pelo ESF-Brasil
pois acreditamos na engenharia popular como uma das formas
de alcançar o desenvolvimento local. Atualmente, o ESF-Brasil
trabalha com alguns dos princípios da engenharia popular e
sabemos que para alcançá-la plenamente existe uma longa
jornada. Estamos certos de que a engenharia engajada, as
tecnologias sociais e o objetivos do desenvolvimento sustentável
são ferramentas importantes para alcançar nossa missão.

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Princípios norteadores da engenharia popular


Celso Alvear, UFRJ, REPOS
Bruna Vasconcellos, UFABC, REPOS
Cristiano Cruz, ITA, REPOS
Lais Fraga, Unicamp, REPOS

A engenharia historicamente trouxe grandes avanços


tecnológicos para a humanidade, mas também foi uma disciplina
que ajudou a aprofundar desigualdades sociais. Dentre os
motivos, podemos apontar que ela foi feita por e para as elites.
Além disso, surgiu dentro de uma perspectiva militar.
Posteriormente, foi majoritariamente financiada pelo grande
capital para resolver seus problemas. E em seu processo de
tecnificação, ficou cada vez mais isolada dos problemas da
sociedade como um todo (BAZZO, 2015; DAGNINO; NOVAES,
2008; RILEY, 2008).
É importante ressaltar que, apesar de esse problema ficar
mais evidente nos países do sul, é apenas na aparência que no
norte a engenharia e suas tecnologias não geram desigualdades.
Um bom exemplo seria pensar o sistema tecnológico dos
telefones móveis. Enquanto temos ambientes de trabalho que
parecem maravilhosos na Google, nos EUA, ou na Nokia, na
Finlândia, essas tecnologias só são viáveis, porque em sua
produção material tem as fábricas na China, com trabalhos
degradantes, ou a energia que permite os datacenters geradas por
belomontes, ou por geradores que se utilizam do petróleo que
causa as guerras no Oriente Médio, ou pior ainda, da matéria-
prima coltan dos processadores, extraída à custa do sangue de
muitos africanos, de estupros e de muita violência. Esse processo
da relação entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento, que
é inerente ao capitalismo, já explicado por autores como o
economista Celso Furtado.
Embora a construção tecnológica e a engenharia estejam
intimamente relacionadas a esses processos de constituição de
desigualdades, essa é uma face recorrentemente – ou
propositalmente – escondida do fazer tecnológico. A engenharia é

Parte 1: A Engenharia Popular 13


Princípios norteadores da engenharia popular

fetichizada como instrumento mágico que poderia livrar a


humanidade de todos os seus problemas, e, portanto, como algo
inerentemente bom, que não precisa se ocupar de refletir sobre a
realidade onde está imersa. Uma das consequências disso é que
frequentemente nos cursos de engenharia estudantes se queixam
da falta de elementos que os conectem com a prática nas salas de
aula. Disciplinas e mais disciplinas teóricas da física, matemática,
química, entre outras, os mantêm distantes de uma compreensão
da ‘aplicabilidade’ de todo aquele conteúdo e das possibilidades
de sua atuação profissional.
É nesse contexto que, na América Latina, e especialmente,
no nosso caso, no Brasil, surgem diversas iniciativas, inicialmente
desarticuladas, de buscar repensar a engenharia a partir de nossa
realidade, de nossos problemas. Poderíamos dizer que essas
iniciativas buscam apenas cumprir o juramento da engenharia:
Prometo que, no cumprimento do meu dever de Engenheiro
não me deixarei cegar pelo brilho excessivo da tecnologia, de
forma a não me esquecer de que trabalho para o bem do
Homem e não da máquina. Respeitarei a natureza, evitando
projetar ou construir equipamentos que destruam o
equilíbrio ecológico ou poluam, além de colocar todo o meu
conhecimento científico a serviço do conforto e
desenvolvimento da humanidade. Assim sendo, estarei em
paz Comigo e com Deus (BITENCOURT, 2016, p. 65).
Ou seu código de ética:
Do objetivo da profissão: I) A profissão é bem social da
humanidade e o profissional é o agente capaz de exercê-la,
tendo como objetivos maiores a preservação e o
desenvolvimento harmônico do ser humano, de seu
ambiente e de seus valores (CONFEA, 2019, p. 30)
Assim, mesmo os manuais de ética e conduta da engenharia
sendo permeados de perspectivas que humanizam sua atuação, a
realidade de sua prática é muito distante disso. Via de regra os
grandes projetos de engenharia têm, não só contribuído para o
catastrófico cenário de degradação ambiental em que vivemos,
mas também para firmar grandes desigualdades sociais.
A ENGENHARIA POPULAR
Buscando tensionar esse papel historicamente cumprido
pelas engenharias e alimentar outras possibilidades para o fazer

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

tecnológico, surgem iniciativas que, enfrentando essa ordem


colocada, advogam pela construção de engenharias engajadas
com a construção de um mundo menos desigual e mais justo para
a humanidade como um todo. É nesse cenário que surge a
Engenharia Popular (EP).
A EP se enquadra em uma luta anticapitalista, pois está claro
que o capitalismo não conseguiu construir uma sociedade mais
justa, pelo contrário, avançamos cada vez mais para a barbárie
(PIKETTY, 2014; COUGHLAN, 2019). Mas também não temos claro
qual seria o caminho a seguir. Assim, dentro do que chamamos
engenharia popular, existem grupos com diversas perspectivas. E
talvez esse seja um elemento importante, pois percebemos que
não tem como existir um modelo só de desenvolvimento, que o
mundo é diverso, existem diferentes culturas, formas de ver a
realidade, e que temos que pensar em soluções plurais, mas
articuladas globalmente, para enfrentar a crise global em que
estamos vivendo.
Dessa forma, escolhemos apresentar a engenharia popular a
partir de princípios que consideramos fundamentais nessa luta.
Princípios estes que foram construídos a partir de debates
coletivos dentro da Rede de Engenharia Popular Oswaldo Sevá
(REPOS) (www.repos.net.br). A REPOS é uma rede que foi criada
em 2014, pela articulação de uma série de estudantes, docentes e
técnicos administrativos (de universidades), das engenharias, que
desde 2004 foram constituindo vínculos através da organização
dos encontros de Engenharia e Desenvolvimento Social
(www.eneds.org.br), e cujos(as) integrantes foram
mobilizados(as) ao longo desse período por diferentes práticas de
extensão tecnológica (ALVEAR; CRUZ; MIRANDA, 2017).
A REPOS (2020, sp) tem como objetivo:
articular a engenharia para dialogar com as lutas dos
movimentos sociais, grupos populares e trabalhadores(as)
organizados(as). Dessa forma, partindo de nossos princípios,
pretendemos auxiliar esses movimentos no
desenvolvimento e readequação de processos e tecnologias
de produção e comunicação, a partir do conhecimento da
engenharia contextualizado com as questões sociais,

Parte 1: A Engenharia Popular 15


Princípios norteadores da engenharia popular

políticas, culturais, ambientais e econômicas específicas de


suas realidades.
Assim, a rede busca reconhecer que o processo tecnológico
não é propriedade ou exclusivo das engenharias. Necessita de
outros conhecimentos acadêmicos, e principalmente de outras
formas de conhecimento que historicamente são excluídas pela
modernidade, como os saberes ancestrais, tradicionais:
Temos clareza que as tecnologias não são neutras, pois
foram concebidas dentro do sistema capitalista e trazem
seus valores em sua concepção. Assim, para que as
tecnologias possam caminhar junto com a luta desses
movimentos, devem ser concebidas a partir dos valores,
crenças, expressões culturais, formas de organização e
cultura política desses movimentos, sempre com o cuidado
à vida e respeito ao meio ambiente (REPOS, 2020, sp).
A seguir, apresentaremos aqueles que consideramos os
princípios norteadores da prática da EP: educação popular;
autogestão; justiça social e ambiental; feminismo, antirracismo e
contra LGBTfobia; cuidado com a vida; valorização da cultura em
sua diversidade; reconhecimento e diálogo entre os diversos
saberes (populares, tradicionais e acadêmicos).
EDUCAÇÃO POPULAR
A Educação Popular, como entendida no trabalho de Paulo
Freire, é norteadora da atuação da EP. Não apenas porque
entendemos a educação como elemento central nos processos de
transformação, e assim assumimos que como engenheiros(as)
somos também educadores(as), mediadores(as) no processo de
definição e construção coletiva da organização produtiva e das
tecnologias, mas principalmente porque compartilhamos da
compreensão de que as bases populares, marginalizadas pelo
sistema socioeconômico, constituem o lugar a partir do qual – e
para o qual – é possível transformar a realidade atual (FRAGA;
SILVEIRA; VASCONCELLOS, 2011).
Assim, a construção de uma consciência política
compartilhada e o desenho coletivo de outras possibilidades de
ser/estar no mundo são processos entendidos como
necessariamente dialógicos, e sobretudo, concretos. E como
engenheiros(as) educadores(as) nos cabe o trabalho de nos

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

colocar à disposição da construção coletiva de apostas


tecnológicas contra-hegemônicas, descendo do pretenso pedestal
usualmente designado aos conhecedores das técnicas, e nos
colocando lado a lado, ombro a ombro, com quem queremos
construir novos mundos. Tendo clareza que nosso saber é um, e
apenas um, diante de tantos saberes possíveis.
AUTOGESTÃO
O substrato a partir do qual tem sido possível construir essa
noção de EP, ao longo do processo de constituição da REPOS, tem
sido, em grande medida, as associações e cooperativas de
Economia Solidária. São lugares concretos a partir dos quais tem
sido experienciamos essas construções coletivas compartilhadas,
de consciência e atuação política, de modos de organização do
trabalho e da vida, assim como de outras possibilidades para a
tecnologia e a engenharia. Em especial, a autogestão, como
princípio de organização não-hierarquizada das relações,
sobretudo no ambiente de trabalho, mas também no ambiente da
vida comunitária, tem sido peça-chave como instrumento
concreto e utópico para repensar a engenharia (FRAGA, 2011).
A autogestão, como norte político, nos ajuda a refletir e
buscar caminhos de atuação pautado em um constante processo
de desconstrução de relações hierarquizadas, e
consequentemente, desiguais, não apenas no trabalho, mas
também na nossa vida cotidiana, na educação, nas casas, na
política etc (WIRTH; FRAGA; NOVAES, 2013). Repensar essas
hierarquias nos coloca diante do desafio de reconstruir as formas
como organizamos o trabalho, nas cooperativas e associações, por
exemplo, assim como as tecnologias que ocupam lugar central na
organização desses lugares e suas relações. Usar uma esteira ou
uma mesa, usar agrotóxico ou adubação verde, produzir em linha
ou em círculo, ter ou não cozinha na cooperativa, tudo isso são
decisões que passam necessariamente por uma profunda reflexão
sobre quais relações de trabalho queremos fomentar. Buscar a
construção da autogestão é, nesse sentido, um guia para que, no
cotidiano de nosso trabalho e de nossas vidas, as decisões sejam
tomadas na tentativa de des-hierarquizar as relações sociais, e

Parte 1: A Engenharia Popular 17


Princípios norteadores da engenharia popular

assim dar passos concretos na tentativa de construir um mundo


mais justo.
O princípio de autogestão da EP é discutido em maior
profundidade nos capítulos Autogestão, sustentabilidade e
replicabilidade de projetos de projetos sociais na engenharia e
Projetos de engenharia popular na prática: o que podemos
aprender com eles?
JUSTIÇA SOCIAL E AMBIENTAL
No mesmo caminho, não é possível conceber uma
engenharia engajada com a transformação social que não se
ocupe de refletir sobre o cenário ambiental catastrófico que
construímos para os nossos tempos, baseado em uma relação
extremamente hierarquizada entre humanos e aquilo que
definimos como natureza, ou mais marcadamente como ‘recursos
naturais’, limitando o mundo natural a recursos à disposição das
demandas humanas.
As recentes catástrofes ambientais, além de serem fruto do
modelo de produção e tecnologia que questionamos por meio da
EP, atingem desigualmente a humanidade (ACSELRAD; MELLO;
BEZERRA, 2009; PORTO; PACHECO; LEROY, 2013). Estudos
recentes mostram como no Brasil, por exemplo, a mineração –
uma das grandes causadoras de inúmeros crimes ambientais –
atinge desproporcionalmente a população branca e não branca,
sendo esta última aquela que sofre os piores impactos desses
processos, mostrando que o racismo alcança também as questões
ambientais (MILANEZ; LOSEKANN, 2016). É nesse sentido que foi
cunhado termo racismo ambiental (PACHECO; FAUSTINO, 2013).
Sendo assim, é necessário refletir sobre as inúmeras faces
dos desastres ambientais, e sobretudo compreender quem são as
pessoas envolvidas, sempre nos perguntando para quê e para
quem estamos fazendo engenharia.
FEMINISMO, ANTI-RACISMO E CONTRA LGBTFOBIA
A engenharia além de ser historicamente elitizada, é
território branco, é masculinizada e regida pela
heteronormatividade, ou seja, supõem e fomenta que a
heterossexualidade seja atributo compulsório de nossa

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

experiência relacional e sexual. Sendo assim, a engenharia e a


tecnologia também têm sido instrumentos de manutenção de
relações sexistas, racistas, colonialistas e homofóbicas, e
questioná-las passa, portanto, por repensar as hierarquizações de
gênero, raça e etnia constitutivas de nossos tempos.
A evidência mais óbvia disso é a própria composição dos
cursos de engenharia atualmente, que seguem sendo
majoritariamente ocupados por homens brancos das elites
urbanas, seguidos da presença de mulheres brancas da mesma
classe social (LOMBARDI, 2005), e que criam um ambiente
extremamente hostil e austero para pessoas que não
compartilhem com eles o mesmo lugar social. Além disso, depois
de formadas, estas últimas continuam a enfrentar mais
dificuldades no ambiente de trabalho hostil (BATISTA, 2018).
Por outro lado, embora um aumento do acesso e da
diversidade nos cursos seja necessário, apenas essa disputa não é
suficiente. A própria estrutura das engenharias precisa ser
repensada. Os livros, as disciplinas, as ementas, as linguagens
dos(as) professores(as), os sistemas de horários, os critérios para
bolsas, as tecnologias usadas e construídas, tudo isso carrega
traços das hierarquias em disputa, e para repensar a engenharia,
tudo isso precisa ser revisto.
O exemplo da webcam desenvolvida pela HP que era capaz
de fazer o reconhecimento facial dos(as) usuários(as), mas apenas
daqueles(as) com a pele branca, é um daqueles casos icônicos de
como a engenharia reproduz os valores, neste caso racistas, da
sociedade onde se desenvolve. No entanto, se formos mais a
fundo nessa questão, podemos perceber que as rotas do
desenvolvimento tecnológico como conhecemos é toda
permeada pelos valores hierarquizados que compõem nossa
realidade social.
CUIDADO COM A VIDA
Ao pensar a EP nos propomos também a refletir sobre os
desequilíbrios e as desigualdades geradas por uma engenharia
voltada a pensar apenas os espaços de produção, e que se cega às
demandas para sobrevivência e cuidados de nossa espécie (SILVA,

Parte 1: A Engenharia Popular 19


Princípios norteadores da engenharia popular

2014; VASCONCELLOS, 2017), disputando para que o cuidado com


a vida (ou seja, pensar para além do ambiente de trabalho, como
o ambiente doméstico, chamado de ambiente reprodutivo, onde
acontece o cuidado da casa, dos filhos, da alimentação etc) tenha
lugar central nas apostas políticas que construímos na engenharia.
Ou seja, alegamos que a hierarquia entre produção e reprodução
da vida, própria do sistema capitalista, seja também tensionada, e
repensada, colocando o cuidado com a vida como princípio
constitutivo da EP.
VALORIZAÇÃO DA CULTURA EM SUA DIVERSIDADE
É importante entender que outra separação artificial da
modernidade é a separação entre economia e vida (SHIVA, 1995).
Isso fica evidente nas populações tradicionais, como indígenas,
quilombolas e caiçaras, para as quais a pesca, por exemplo, não é
só uma atividade produtiva para gerar renda, mas também é uma
forma de vida, associada a festas, danças, forma de se relacionar
com outras pessoas etc.
Não é incomum, em processos de licenciamento ambiental,
quando se vai construir uma grande indústria ou um grande
empreendimento que vai afetar uma atividade produtiva,
oferecer como contrapartida capacitação / requalificação
profissional para que os afetados aprendam uma nova profissão.
O que vemos muitas vezes é adoecimento mental, depressão, e
inúmeros problemas sociais nas populações afetadas, que se
originam do fato de as pessoas que estão propondo soluções aos
problemas trazidos pelo empreendimento para esses grupos não
entenderem que o empreendimento produz a destruição da
cultura desses grupos (BONFIM, 2011; MARQUES, 2018).
Assim, projetos de engenharia popular devem buscar
reconhecer essas culturas de forma ampla. Mesmo em regiões
urbanas. Por exemplo, quando falamos da economia popular,
temos que entender que não é possível separar o trabalho da vida,
a atividade profissional da vida familiar. Que muitos
empreendimentos populares não são simplesmente um negócio,
mas são formas de produzir e reproduzir a vida de maneira familiar
e comunitária. Não é por nada que, muitas vezes, algumas
qualificações de base empreendedora, que pregam a separação

20
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

entre o negócio e a família, uma gestão eficiente, a busca pelo


crescimento e profissionalização, levam a conflitos e ao fim de
diversos desses empreendimentos.
RECONHECIMENTO E DIÁLOGO ENTRE OS DIVERSOS SABERES
Historicamente, a ciência foi construída em forte diálogo
com o colonialismo, num processo de assassinato físico e
simbólico dos conhecimentos e culturas daqueles que eram vistos
como outros, não-civilizados, bárbaros, sem alma etc. Nesse
sentido, Boaventura de Sousa Santos (1994) e Suely Carneiro
(2005) usam o termo epistemicídio:
o epistemicídio se constituiu e se constitui num dos
instrumentos mais eficazes e duradouros da dominação
étnica/racial, pela negação que empreende da legitimidade
das formas de conhecimento, do conhecimento produzido
pelos grupos dominados e, consequentemente, de seus
membros enquanto sujeitos de conhecimento (CARNEIRO,
2005, p. 96)
Dessa forma, esse é um desafio imenso, pois os engenheiros
e engenheiras são muitas vezes formados(as) para se colocarem
como experts, com um conhecimento matemático, objetivo,
racional, verdadeiro, único, para resolver os problemas da
sociedade.
Assim, na prática, exemplos interessantes podem ser vistos
em processos de assessoria a habitação popular, no qual
engenheiros(as) e arquitetos(as) populares pensam o projeto das
casas em diálogo com os(as) moradores(as) e os(as) pedreiros(as).
Tanto da perspectiva que ninguém melhor do que a pessoa que
habitará aquela casa para saber o que precisa nela, mas também
reconhecendo que os(as) pedreiros(as) e mestres de obra têm um
conhecimento prático (que, em parte, não deixa de ser teórico
também, pois ninguém faz sem refletir e acumular conhecimento
por meio das inúmeras práticas e tentativas) que muitas vezes
os(as) engenheiros(as) não têm. Um caso muito interessante a ser
buscado é o Coletivo Usina de SP (http://www.usina-ctah.org.br/)
e das cooperativas de habitação por ajuda mútua no Uruguai
(https://www.fucvam.org.uy/).

Parte 1: A Engenharia Popular 21


Princípios norteadores da engenharia popular

Outro exemplo interessante é a agroecologia. Esta pode ser


entendida com uma ciência construída a partir do diálogo entre o
saber tradicional e o conhecimento acadêmico. Por meio do
resgate do conhecimento ancestral de como produzir sem o uso
de venenos, com pouca maquinaria, mas combinando com
conhecimento atuais de biologia, engenharia, geografia etc. para
dar conta de novas questões climáticas, novas pragas etc. (NEDER;
COSTA, 2014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentamos ao longo deste capítulo os princípios que têm
norteado a organização da REPOS e da Engenharia Popular que
procuramos fomentar e fortalecer a partir dela. O fazemos não
com intuito de que isso funcione como um manual prático do
‘como fazer EP’, mas sim que sirva de base inicial de reflexão e
crítica, quando nos propomos a fazer engenharia de modo
engajado. Assumimos, talvez pretensiosamente, que aquilo que
acumulados ao longo desses anos possa ser inspiração para outros
grupos que compartilham conosco da utopia de que é possível que
a engenharia seja instrumento do necessário processo de
transformação radical da nossa sociedade. Falamos aos(às)
engenheiros(as) dispostos a construir coletivamente a engenharia
popular. Uma engenharia popular que só é possível, se formos
capazes de dialogar com o povo e se colocarmos o saber que
temos à prova, e ao serviço, das demandas populares por
transformação social.
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24
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Engenharia e transformação social


Cristiano Cruz, ITA, REPOS
Celso Alvear, UFRJ, REPOS
Bruna Vasconcellos, UFABC, REPOS

Grupos como o dos Engenheiros sem Fronteiras, existentes


em várias partes do mundo, e da Engenharia Popular, brasileira,
trazem em seu horizonte de atuação o desejo de transformar o
mundo. Enxergar que a transformação do mundo pode – ou deve
– passar pela construção da tecnologia em geral, e a prática da
engenharia, em particular, é, porém, algo bem recente na nossa
história.
Neste capítulo, apresentaremos um resumo de alguns dos
principais marcos da constituição desses tipos de práticas
engajadas da engenharia no Norte e no Sul globais. Ofereceremos
também breves explicações de alguns entendimentos
importantes que estudiosos da tecnologia desenvolveram a partir
da década de 1980.
Pelo espaço que temos disponível aqui, essa apresentação
será necessariamente introdutória. Para aqueles/as que
desejarem se aprofundar nessa reflexão, as REFERÊNCIAS
oferecidas são um dos caminhos para isso.
PROJETO PARTICIPATIVO, TECNOLOGIA E SOCIEDADE
A incorporação ou escuta das pessoas que usarão ou serão
afetadas por algum desenvolvimento técnico ao projeto deste é
algo relativamente recente. No Norte global, ela emerge no final
da década de 1960. Existe um disparador duplo desse processo lá:
o fim dos anos de ouro de crescimento econômico do pós-II
Guerra (que faz as pessoas se tornarem mais criteriosas com
respeito ao que comprarão); e a progressiva tomada de
consciência de que o desenvolvimento técnico-científico pode
produzir morte e devastação (cujo momento emblemático é o
lançamento de Silent Spring, de Rachel Carson, em 1962) (DE
VRIES, 2009).

Parte 1: A Engenharia Popular 25


Engenharia e transformação social

Esse movimento pôs em xeque não apenas o modus operandi


dominante na indústria, nos laboratórios de pesquisa e
desenvolvimento e nas áreas técnicas dos governos, como abalou
uma crença grandemente estabelecida então, a de que o
desenvolvimento tecnológico derivaria, de forma dedutiva, do
desenvolvimento científico; a famosa compreensão que assumia
que a engenharia seria ciência aplicada (DE VRIES, 2009).
Essa incorporação ou escuta das pessoas que usarão,
operarão ou serão afetadas pela tecnologia a ser produzida teve,
inicial e majoritariamente, uma intenção econômica: não se
investir dinheiro no desenvolvimento de produtos que não teriam
êxito comercial. Gradativamente, no entanto, ela possibilitou que
práticas projetivas comprometidas com o empoderamento dos
trabalhadores, ou, o que seria dizer o mesmo, com a
democratização dos espaços de trabalho, surgissem. Esse foi o
caso da tradição dos projetos participativos, de origem
Escandinava, que surge já na década de 1970.
Os projetos participativos vão sendo construídos na
perspectiva de, em uma Escandinávia fortemente sindicalizada,
proceder ao processo de informatização dos espaços de trabalho,
de modo não apenas a incorporar a expertise dos trabalhadores
nesse design, mas também de conformar um espaço laboral
melhor para eles (em termos ergonômicos e existenciais), e no
qual suas opiniões tivessem peso para as decisões a serem
tomadas (VELDEN; MÖRTBERG, 2015; ROBERTSON; SIMONSEN,
2013).
Atualmente, práticas de projetos participativos ocorrem no
mundo inteiro, sendo adotadas em uma grande variedade de
projetos técnicos, não apenas naqueles relativos a artefatos ou
processos produtivos. De igual modo, várias de suas aplicações
perderam o vínculo inicial com o empoderamento dos
coprojetistas (i.e., os usuários, operadores e/ou pessoas
potencialmente afetadas que são incorporadas ao esforço
projetivo), operando em uma perspectiva mercadológica de
design de uma solução vendável e aceitável por seus futuros
compradores e pela sociedade em geral (VELDEN; MÖRTBERG,
2015; ROBERTSON; SIMONSEN, 2013).

26
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Seja como for, a tradição dos projetos participativos


evidencia três aspectos centrais e absolutamente importantes da
tecnologia e do processo de seu desenvolvimento. Primeiro,
qualquer desafio técnico é passível de ser resolvido de distintas
maneiras. A informatização dos espaços de trabalho, por exemplo,
pode se dar incorporando os conhecimentos dos trabalhadores e
produzindo soluções grandemente amigáveis à operação por
essas pessoas, ou pode partir de cima para baixo e exigir um
enorme esforço ou reciclagem dos trabalhadores para serem
operadas.
Isso, que se chama de subdeterminação (FEENBERG, 2019,
caps. 1 e 4), pode ser visto em toda parte: no desafio técnico da
agricultura (que pode ser resolvido segundo uma perspectiva
agroecológica ou do agronegócio); no desafio técnico do
transporte urbano (que pode ser resolvido com preferência ao
transporte público ou aos carros); no desafio da gestão dos
resíduos sólidos urbanos (que pode privilegiar a reciclagem ou a
incineração, por exemplo); etc.
O segundo aspecto evidenciado pela tradição dos projetos
participativos é o de que, para escolhermos, dentre as soluções
possíveis, aquela que será implementada, necessariamente
lançamos mão de valores ético-políticos (como controle social ou
empoderamento, inclusão ou exclusão, justiça social ou
desigualdade, harmonização com ou submissão da natureza etc.).
A informatização empoderadora dos espaços de trabalho
escandinavos não se impõe por ser eficiente, ao passo que a
desempoderadora não o seria. Na verdade, ambas as soluções
seriam (ou poderiam ser) eficientes, mas se optou pela primeira,
em função de a democratização ser um valor inegociável para os
atores envolvidos.
Inúmeros são os exemplos históricos desse tipo de coisa,
desde o design das bicicletas (PINCH; BIJKER, 1986), da
infraestrutura urbana acessível a cadeirantes (WINNER, 2017), de
viadutos propositalmente baixos (idem), do trabalho infantil nas
tecelagens inglesas e do projeto de caldeiras mais seguras nos
Estados Unidos (FEENBERG, 2019), até tecnologias menos ou mais

Parte 1: A Engenharia Popular 27


Engenharia e transformação social

sustentáveis ecologicamente (FEENBERG, 2019) e procedimentos


de teste clínico de medicamentos (COLINS; PINCH, 1998, cap. 7).
Ou seja, o desenvolvimento tecnológico em geral, e a prática
da engenharia, em particular, são necessariamente conformados
pelos valores ético-políticos dos atores com poder de decisão
nesses processos. A sociedade, nesse sentido, conforma ou
determina, em certo grau, a tecnologia que produzimos. E isso não
é algo negociável. Sem valores ético-políticos balizadores,
simplesmente não teríamos como escolher dentre as várias
soluções técnicas possíveis para um mesmo desafio (p.e., uma
tecnologia mais poluidora e uma menos).
Por fim, o terceiro aspecto que os projetos participativos
evidenciam é que a tecnologia, de sua parte, também conforma a
sociedade. Com efeito, as soluções de informática produzidas na
Escandinávia dos anos 1970 geravam, a partir da sua mera
utilização, um espaço de trabalho no qual o conhecimento e as
opiniões dos trabalhadores tinham lugar central.
De igual modo, cidades sem rampas de acesso para
cadeirantes interditam a circulação deles por elas; viadutos que
não permitem a passagem de ônibus impedem que os usuários
destes acessem certos espaços; tecnologias menos sustentáveis
ecologicamente produzem degradação ambiental; linhas de
montagem produzem desqualificação profissional e
desempoderamento dos trabalhadores etc.
Ou seja, tecnologia e sociedade se conformam mutuamente
em certo grau. Elas, na prática, constituem os dois lados de uma
realidade indissociável; uma realidade que não é social e técnica
separadamente, mas que é sociotécnica. Por essa razão, qualquer
luta política para se transformar o modo como vivemos em termos
coletivos (e mesmo as possibilidades de subjetivação, de
construção de sentido e identidade pessoais) precisam ser
também lutas por se transformar a base tecnológica disponível.
Ou seja, qualquer outro mundo possível requererá uma tecnologia
diferente da convencional ou dominante hoje, que é aquela que
reforça ou emula, por sua mera operação, os valores hegemônicos
que a conformam e selecionam.

28
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

No Norte global, os projetos participativos são um modo de


se buscar dar esses passos transformadores. O que o Sul global
oferece para esse mesmo fim? É a isso que nos voltamos agora.
TECNOLOGIA APROPRIADA, TECNOLOGIA SOCIAL E ENGENHARIA
ENGAJADA
Na América Latina, assim como em boa parte dos países
periféricos, práticas questionadoras do status quo e que
contribuem com o empoderamento dos coprojetistas ganham
força sobretudo a partir do final da década de 1990. Para além da
importação e adaptação de práticas equivalentes às do Norte
global (como a dos projetos participativos), há também poderosas
abordagens locais, várias das quais emergem como
desdobramento crítico daquilo que ficou conhecido como
movimento da tecnologia apropriada.
Em linhas muito gerais, o movimento da tecnologia
apropriada (TA) se inicia ou se inspira no resgate do uso da roca
tradicional, por Gandhi, na Índia dos anos 1920. Em meio à luta
não violenta encabeçada por Gandhi contra a dominação inglesa
sobre seu país, a Charkha, uma tecnologia de fácil uso, baixo custo
de implementação e familiar à cultura indiana possibilitava uma
forma de o povo fazer frente à metrópole europeia, deixando de
consumir os produtos da poderosa indústria têxtil que os ingleses
mantinham no país (DAGNINO et al., 2004).
A TA se desenvolve primeiro na Índia e na China, vindo,
apenas na década de 1960, a se expandir pela América Latina
(THOMAS, 2009; SMITH et al., 2017). Diferentemente da roca de
Gandhi, uma tecnologia tradicional na Índia, o movimento se
caracterizou, grosso modo, pela transferência de soluções
tecnológicas maduras nos países centrais para os países da
periferia, aos quais elas eram oferecidas em uma versão
simplificada, de baixo custo e de fácil operação (e, em muitos
casos, também de fácil construção e/ou manutenção) pela
população local (THOMAS, 2009).
Constituíram exemplos desse movimento tecnologias de
construção civil (com processos de construção de casas, sistemas
de irrigação, estradas, saneamento básico etc.), de geração de

Parte 1: A Engenharia Popular 29


Engenharia e transformação social

energia (como os biodigestores e soluções de energia solar) e de


produção agrícola (como as primeiras práticas agroecológicas)
(THOMAS, 2009; SMITH et al., 2017). Ainda que, em várias
situações, essas transferências se processaram de cima para
baixo, sem diálogo com os grupos locais, nem adaptações a
algumas das especificidades de seus territórios, valores e
cosmovisões, em outras, a assistência técnica provida operou
quase como pretexto para a organização e a articulação política
das comunidades, em um tempo no qual boa parte da América
Latina vivia sob ditaduras militares (SMITH et al., 2017).
A TA, de todo modo, era majoritariamente financiada por
organismos internacionais, como o Banco Internacional de
Desenvolvimento (BID) e o USAID. Com isso, com a virada
neoliberal que o mundo experimenta, capitaneada por Ronald
Regan (EUA) e Margareth Thatcher (Inglaterra), a partir da década
de 1980, essas iniciativas param de receber verbas e,
gradativamente, vão desaparecendo (exceto na Índia e na China)
(THOMAS, 2009; SMITH et al., 2017). Como, porém, fome e
miséria não desaparecem do mundo, a segunda metade da
década de 1990 testemunhará um ressurgimento de iniciativas
voltadas à mitigação desses problemas e à transformação social. É
no bojo desse processo que eclode, na América Latina, a
tecnologia social (THOMAS, 2009).
A tecnologia social (TS) pode ser descrita como “conjunto de
técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou
aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que
representam soluções para inclusão social e melhoria das
condições de vida” (ITS, 2004, p. 26).
Como critérios inegociáveis para a TS estão o controle
democrático sobre a técnica, a autogestão e o empoderamento de
trabalhadores e usuários (DAGNINO, 2009). Em relação à
tecnologia apropriada, a TS assume explicitamente a crítica à
tecnologia convencional e à visão de mundo e valores
(tecnocrático-capitalistas) que a conformam e são por ela
reforçados sociotecnicamente, assim como o compromisso com o
empoderamento dos grupos com os quais ela é co-construída.

30
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Um modo específico de se produzir TS é aquele engendrado


pela engenharia popular (EP), apresentada no capítulo anterior
Princípios norteadores da engenharia popular.
Ao lado da TS e da EP, múltiplas outras abordagens técnicas,
no Sul e no Norte globais, têm pretensões em algum grau
transformadoras do status quo. Esse é o caso, por exemplo, da
indiana Honey Bee Network (SMITH et al., 2017, cap. 8), do
movimento maker e hacker (idem, cap. 6), da engenharia
humanitária (do tipo desenvolvido pelos Engenheiros sem
Fronteiras e pelo Teto ou Habitat para a Humanidade, por
exemplo) e do empreendedorismo social (do tipo promovido, por
exemplo, pela Enactus). Em comum, todas essas práticas
assumem um compromisso com a responsabilidade social, com a
melhoria das condições de vida das pessoas, prioritariamente, das
mais vulneráveis. É por isso que se convencionou englobá-las
todas sob o rótulo de engenharia engajada (KLEBA, 2017).
Há, entretanto, importantes diferenças entre as distintas
práticas de engenharia engajada. Isso tem a ver, por exemplo, com
o grande horizonte ou objetivo buscado com tais iniciativas, que
vai desde prover acesso a bens e serviços a sonhar e construir
outro mundo possível, passando por aprimorar a ordem
sociotécnica a partir da cosmovisão hegemônica estabelecida
(KLEBA, 2017).
Além disso, e como reflexo ou desdobramento do horizonte
assumido, o grau ou tipo de crítica à tecnologia convencional, ao
modo hegemônico de se praticar e ensinar engenharia, a políticas
públicas de ciência e tecnologia, às cosmovisões e sonhos de
mundo vigentes etc. pode variar grandemente de uma prática
engajada para outra. Para algumas dessas práticas, inclusive, a
estreita relação entre tecnologia e sociedade (que, como vimos,
conformam-se mutuamente em certo grau) passa despercebida
ou não problematizada, o que traz impactos evidentes aos tipos
ou graus de transformação social que elas podem de fato
promover.

Parte 1: A Engenharia Popular 31


Engenharia e transformação social

ENGENHARIA POPULAR
No que concerne especificamente à engenharia popular, a
atuação técnica, como vimos no capítulo anterior, não tem apenas
a pretensão de colaborar com o grupo popular, na construção de
uma solução que responda às suas necessidades, incorpore os
seus saberes e valores e contribua com o seu empoderamento. Em
paralelo e como condição para tudo isso, a EP tem um
compromisso inegociável com a educação popular, entendida
como processo não apenas de ganho de consciência crítica com
relação à ordem sociotécnica instituída, mas também de sonho e
gestação de outra ordem possível.
Dessa forma, as práticas da EP, seja junto a empresas
recuperadas por trabalhadores, cooperativas de catadores,
empreendimentos agroecológicos populares, iniciativas de
economia solidária etc., têm a pretensão de se oferecer como um
experimento de utopia, como a antecipação e a materialização
sociotécnica, ainda que em certa medida precária, desse outro
mundo possível.
Em termos históricos, a engenharia popular começa a se
constituir no início dos anos 2000, sendo a articulação de três
frentes que foram incentivadas ao longo dos governos Lula e
Dilma: economia solidária; tecnologia social; e extensão
universitária (FRAGA et al., 2020).
O movimento da economia solidária surge, no Brasil, no
início dos anos 1990, no contexto das altas taxas de desemprego,
fome e pobreza de então. Sua primeira iniciativa concreta foi a
Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, lançada
em março de 1993 por Hebert de Souza, o Betinho. Em 1994, a
Ação lança a campanha Natal Sem Fome. Em 1995, é lançada a
Ação pelo Emprego e o Desenvolvimento. Contudo, é apenas
2001, com a primeira edição do Fórum Social Mundial, em Porto
Alegre, que as diferentes forças e iniciativas desse campo
encontram fórum adequado para construir uma unidade. A partir
disso, a economia solidária será gradativamente identificada com
iniciativas produtivas coletivas (cooperativas, associações e
grupos informais) que operam de acordo com os princípios de
autogestão, cooperação e solidariedade (FRAGA et al., 2020).

32
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Em 2003, no primeiro ano do primeiro governo Lula, é criado


o Programa Nacional de Incubadoras (Proninc), que tinha como
um de seus objetivos prover assistência técnica a
empreendimentos de economia solidária, por meio da extensão
universitária. Nesses termos, o Programa atuava em sintonia com
a Secretaria Nacional de Economia Solidária, que foi criada nesse
mesmo ano. Ao mesmo tempo, o Proninc oferecia um âmbito para
a atuação da extensão universitária que satisfazia as orientações
por enraizamento da extensão no entorno das instituições de
ensino superior e pela descentralização dos processos de
concepção e execução das atividades extensionistas, conforme
preconizava o Programa de Extensão Universitária, que foi
reativado também em 2003 (FRAGA et al., 2020).
A engenharia popular, no modo como seus primeiros
praticantes a realizarão, será uma atividade executada a partir da
extensão universitária, tendo como objetivo a co-construção,
junto a grupos populares, de tecnologias sociais, e tendo como
horizonte ou ideal um outro mundo possível, norteado pelos
princípios da economia solidária. [Em si, o desenvolvimento de
tecnologia social será incentivado pela Secretaria Nacional de
Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social, criada no
primeiro governo Lula (FRAGA et al., 2020)].
A EP, de todo modo, não emerge pronta. Seu processo de
constituição, que segue sendo (re)feito, estará intimamente
atrelado aos Encontros Nacionais de Engenharia e
Desenvolvimento Social (ENEDS), que acontecem anualmente
desde 2004, e às versões regionais do encontro (EREDS), que
acontecem desde 2011. Esses eventos, que são abordados com
mais profundidade no capítulo Eventos em Engenharia Popular,
serão o equivalente, para a EP, do Fórum Social Mundial, para a
economia solidária. Neles: diversos núcleos e projetos de
extensão afinados com uma busca comum por outra ordem
sociotécnica encontrarão espaço para trocarem experiência,
aprimorarem suas práticas e construírem uma identidade comum;
pesquisas acadêmicas relativas a temas caros à EP encontrarão
audiência crítica interessada; estudantes simpáticos ao ideário da

Parte 1: A Engenharia Popular 33


Engenharia e transformação social

EP, mas desconhecedores dela, terão oportunidade de conhecê-la


um pouco; e, talvez sobretudo, todos poderão nutrir e
(re)acender, em si e uns nos outros, a chama da união,
solidariedade e compromisso com esse outro mundo possível
(FRAGA et al., 2020).
Em 2014, e como desdobramento dos ENEDS/EREDS,
constitui-se a Rede de Engenharia Popular Oswaldo Sevá (REPOS),
que congrega todos os núcleos que se auto identificam como de
engenharia popular.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos, múltiplos são os caminhos de, partindo-se da
prática da engenharia, contribuir-se com a transformação da
realidade sociotécnica em que vivemos. Cada um deles tem
potenciais e limites específicos, boa parte dos quais atrelada ao
objetivo de fundo que assumem (prover acesso a bens e serviços,
oferecer melhorias à ordem instituída ou colaborar com a
construção de outro mundo possível). No que concerne à
engenharia popular, cuja prática é analisada em maior detalhe ao
longo dos capítulos Princípios norteadores da engenharia popular
e Construir alternativas tecnológicas com as classes populares:
engenharia, educação popular e extensão universitária, o
experimento de utopias é inegociável. Isso marca profundamente
as abordagens que ela desenvolve.
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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

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Parte 1: A Engenharia Popular 35


Engenharia e transformação social

36
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Construir alternativas tecnológicas com as


classes populares: engenharia, educação
popular e extensão universitária
Lais Fraga, Unicamp, REPOS
Bruna Vasconcellos, UFABC, REPOS

Desde o início dos anos 2000 temos ouvido falar com


frequência de tecnologia social (FBB, 2004). Ainda que não seja um
tema que tenha destaque na grande mídia, existem diversas
experiências, encontros acadêmicos e não acadêmicos, uma
significativa produção bibliográfica (livros, revistas, artigos, teses
e dissertações), políticas públicas de ciência e tecnologia para
inclusão social (como a Secretaria Nacional de Ciência e
Tecnologia para a Inclusão Social – SECIS), o banco e o prêmio de
tecnologias sociais organizados pela Fundação Banco do Brasil
entre outras diversas iniciativas.
Desde então, nossa perspectiva sobre o tema é de crítica e
autocrítica daquilo que já realizamos e do que podemos realizar a
partir da relação entre universidade e sociedade, mais
especificamente da atuação com grupos populares e movimentos
sociais. Temos também insistido na necessidade de conectar essas
iniciativas com a formação e atuação de engenheiros e
engenheiras para que os processos já existentes ganhassem em
qualidade e complexidade e para que os/as profissionais dessa
área conhecessem uma possibilidade alternativa de atuação para
além da grande empresa privada.
Nesta perspectiva, apresentamos reflexões a partir do nosso
envolvimento tanto com a Tecnologia Social quanto com a
Engenharia Popular, para pensar as possibilidades de atuação a
partir da extensão e da Educação Popular. Essa escolha nos
permite compartilhar alguns acúmulos, na esperança de que esses
processos possam ser continuados, criticados e melhorados.
Almejamos contribuir para o fortalecimento dos processos de
construção de uma alternativa tecnológica baseada em valores

Parte 1: A Engenharia Popular 37


Construir alternativas tecnológicas com as classes populares

como a solidariedade, a justiça social, a igualdade de gênero, o


combate ao racismo, o cuidado com a vida.
Esse texto está organizado em três partes, além dessa
introdução e das considerações finais. Na primeira resgatamos a
ideia de alternativa tecnológica e como isso aparece em alguns
momentos de nossa história. Na segunda, abordamos a temática
da extensão e atuação da engenharia a partir dela. Por fim,
abordamos a educação popular como perspectiva necessária para
pensarmos nossa atuação como engenheiros/as a partir da
extensão universitária. As reflexões apresentadas tratam
especialmente do livro Extensão ou comunicação? de Paulo Freire,
que acreditamos ser um bom ponto de partida para coletivos de
engenharia popular refletir sobre suas práticas.
Um exemplo do engajamento do que propomos neste
capítulo é apresentado no capítulo Projetos de engenharia
popular na prática: o que podemos aprender com eles? que traz
uma perspectiva dialógica da relação entre engenheiros/as e
classes populares.
O PONTO DE PARTIDA: A CONSTRUÇÃO DE ALTERNATIVAS
TECNOLÓGICAS
A ideia de construção de alternativas tecnológicas, ou seja,
do desenvolvimento de sistemas sociotécnicos que se
contraponham à tecnologia convencional, não é uma novidade. A
tecnologia moderna, essa que conhecemos e que foi disseminada
pelo mundo a partir da primeira Revolução Industrial, enfrentou
historicamente inúmeros processos de resistência contra sua
implementação. Temos o clássico exemplo dos ludistas que
destruíam as máquinas nos seus lugares de trabalho na Grã-
Bretanha de final do século XVIII; e nos mais diversos territórios
onde se impunham violentamente esses processos produtivos –
através das invasões coloniais – haviam populações que se
organizavam para manter e melhorar sistemas tradicionais de
produção e desenvolvimento tecnológico. Os quilombos no Brasil,
e a resistência indígena em território latino americano podem ser
exemplos desses casos.
Segundo os registros mais recorrentes sobre o tema, a ideia
de tecnologia social emerge na América Latina inspirada no

38
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

movimento da tecnologia apropriada (TA) dos anos 1960-1970


(VASCONCELLOS, 2017). Um movimento que, em linhas gerais,
construía caminhos para a implementação de tecnologias mais
adequadas à realidade das zonas empobrecidas nos continentes
africano e asiático, sobretudo na área rural. Nesse sentido, ações
e programas internacionais de desenvolvimento eram
desenhados para que os países do norte ampliassem o leque de
oferta tecnológica considerada adequada aos países do sul,
visando minimizar as precárias condições socioeconômicas desses
territórios (VASCONCELLOS; DIAS; FRAGA, 2017).
Esse movimento, por sua vez, surge inspirado na atuação de
Gandhi no movimento nacionalista indiano de começo do século
XX, que toma uma roca de fiar, a charkha, como principal símbolo
de resistência ao Império Britânico. Ao disseminar uma tecnologia
como forma de resistência socioeconômica ao Império, o
movimento indiano teria difundido aquela que seria a primeira
tecnologia apropriada (HERRERA, 2010).
No Brasil dos anos 2000, parte dessa crítica ao modelo
hegemônico de desenvolvimento tecnológico se organiza ao redor
do conceito de Tecnologia Social. Esse movimento que se
consolida no país especialmente ao final dos anos 1990, começo
dos anos 2000, se inspira em outras experiências históricas que de
modo semelhante se organizaram para evidenciar a necessidade
da construção de alternativas tecnológicas.
A ideia de Tecnologia Social surge, por sua vez, inspirado
nessas experiências históricas, nas noções construtivistas da
tecnologia que ganham espaço no meio acadêmico do país, do
Pensamento Latino Americano em Ciência, Tecnologia e
Sociedade e também respaldadas pelas ações concretas com
grupos populares auto-organizados (DAGNINO; BRANDÃO;
NOVAES, 2004). Assim, embora o conceito possa ter muitas
definições, destacamos aqui seu caráter crítico ao sistema
tecnológico hegemônico, e sua importância ao longo das duas
últimas décadas na disputa por políticas de construção de
tecnologias adequadas às necessidades da auto-organização
popular e seu olhar atento às resistências sociotécnicas

Parte 1: A Engenharia Popular 39


Construir alternativas tecnológicas com as classes populares

construídas pelos movimentos sociais. Não menos importante são


as leituras mais recentes que trazem abordagens feministas e anti-
racistas como parte integrante dessas críticas.
Concebemos, vale destacar, a ideia de alternativa
tecnológica, ou alternativa sociotécnica, como propõe
Vasconcellos (2017), compreendida como um fenômeno amplo de
busca por alternativas à tecnologia moderna, hegemônica desde
as revoluções industriais. Nessa chave de leitura, Tecnologia
Social, Tecnologia Apropriada, resistência tecnológica,
desobediência tecnológica são fenômenos mais restritos e a ideia
de alternativa tecnológica contém essas experiências.
Para nós, a Engenharia Popular deve estar engajada na
construção de alternativas tecnológicas. Essa afirmação tem como
ponto de partida a ideia de que existem trajetórias tecnológicas
distintas (e muitas vezes concorrentes) que precisam ser
estudadas, compreendidas e apresentadas aos grupos populares
com os quais trabalhamos. E esta não é uma afirmação simples,
uma vez que escolher entre as diferentes trajetórias é uma ação
técnica e política e demanda uma relação dialógica com os grupos
populares e movimentos sociais.
Mas a mudança tecnológica não é orientada apenas pela
eficiência, isto é, pela melhor maneira de resolver um problema?
Não seria apenas resolver um problema social ou ambiental da
melhor maneira? A ideia de Tecnologia Social parte da negação
dessa perspectiva. É exatamente por isso que se propõe uma
outra forma de desenvolver tecnologia, uma alternativa
tecnológica.
Quando olhamos para propostas opostas de
desenvolvimento tecnológico como o agronegócio e agroecologia,
o software proprietário e o software livre, coleta seletiva solidária
e incineração, entre tantos outros exemplos, fica mais clara a ideia
de rotas ou trajetórias tecnológicas concorrentes (FRAGA, 2017).
E é aí que entra a importância de compreender a tecnologia
para além da perspectiva da engenharia (pelo menos da
engenharia convencional). Existem muitos outros fatores que
influenciam o desenvolvimento de uma tecnologia como aspectos

40
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

sociais, ambientais, éticos, estéticos, etc para além de aspectos


considerados puramente técnicos.
EXTENSÃO: ATUAR A PARTIR DA UNIVERSIDADE
Muitos dos coletivos de engenharia ou multidisciplinares que
atuam no desenvolvimento de Tecnologia Social são coletivos
compostos por estudantes universitários. Geralmente são grupos
que desenvolvem atividades de extensão universitária, isto é, de
interação da universidade com a comunidade.
Atuar a partir da universidade traz alguns limitantes, mas
também algumas potencialidades. A missão de formar pessoas da
universidade nos possibilita experimentar diversas maneiras de
atuação, como, por exemplo, a atuação da engenharia com grupos
populares e movimentos sociais.
Mas vamos nos ater a uma segunda missão da universidade
que é produzir conhecimento. Quando atuamos na extensão
estamos envolvidos com outros modos de conhecimento que não
apenas o científico. O conhecimento tradicional, popular, das
mulheres, dos quilombos, dos indígenas, dos/as catadores/as,
dos/as agricultores/as, do sujeito periférico se faz presente e
transforma aquilo que fazemos na universidade.
O livro Extensão ou comunicação? de Paulo Freire é um
marco no debate sobre extensão. O educador foi também um
extensionista e já no exílio critica duramente a ideia de estender o
conhecimento à sociedade. Freire (1983) afirma que o termo
extensão se encontra em relação significativa com transmissão,
entrega, doação, messianismo, mecanicismo, superioridade (do
conteúdo de quem entrega), inferioridade (dos que recebem),
invasão cultural, etc. A invasão cultural se dá “através do conteúdo
levado, que reflete a visão do mundo daqueles que levam, que se
superpõe à daqueles que passivamente recebem” (FREIRE, 1983,
p. 13). Por isso, Paulo Freire qualifica a ação de um extensionista
que transfere conhecimento como uma ação que nega o outro
como ser de transformação do mundo, isto é, como alguém
incapaz de transformar sua própria realidade.

Parte 1: A Engenharia Popular 41


Construir alternativas tecnológicas com as classes populares

Destacamos duas ideias centrais para nossa argumentação:


a invasão cultural e a passividade do sujeito que recebe o
conhecimento. A partir da primeira, decorrem dois argumentos
fundantes da transferência de conhecimento: a) a ação de
estender conhecimentos estende também normas e valores, isto
é, visão de mundo; e b) considera-se que tanto conhecimento
quanto a visão de mundo de quem transfere são superiores aos de
quem recebe. A segunda ideia, a passividade do sujeito, decorre
da negação do outro enquanto sujeito de transformação da
sociedade (FRAGA, 2012).
Thiollent (1984) amplia o debate para a transferência de
tecnologia e, refletindo especificamente sobre difusão tecnológica
no trabalho com produtores rurais, afirma que
a concepção prevalecente da difusão é essencialmente
recepcionista. Os usuários são simples receptores de
informação acerca das técnicas e estão mais ou menos
dispostos a aceitá-las. Não se imagina um esforço de criação
de técnicas e de mobilização coletiva em torno de práticas
adequadas à situação dos produtores. Pressupõe-se que a
técnica é sempre importada pelo grupo receptor. Não há
interesse particular na geração interna de ideias, técnicas ou
em modos de difusão dotados de relativos graus de
autonomia (THIOLLENT, 1984, p. 45).
Um ponto que merece atenção e que é pouco explorado
pelas diferentes formas de engenharia engajada (KLEBA, 2017) é
que o texto de Paulo Freire (originalmente escrito em 1969) se
refere à atuação do agrônomo e, por isso, é também sobre a
atuação técnica. Com algumas considerações, podemos
considerá-lo como uma das primeiras contribuições sobre esse
engajamento das áreas técnicas com as classes populares.
Nele o autor fala em agrônomo educador e foi de onde
tiramos nossa inspiração para escrever o texto “Engenheiro
Educador” no qual nos demos conta que havia uma atuação
convencional da engenharia e outra possibilidade de atuação a
partir da Educação Popular e da Tecnologia Social (FRAGA;
SILVEIRA; VASCONCELLOS, 2011).
Hoje nos entendemos como educadores/as populares, como
engenheiros/as educadores/as e engenheiros/as populares. Não
nos entendemos como detentores/as de um saber único e

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

superior a ser estendido, transferido, aos grupos. Nos vemos


como uma das partes em um processo coletivo de redefinição das
tecnologias, para que estas fortaleçam projetos políticos de
transformação social que sonhamos. Depois de dez anos dessa
descoberta, encontramos muitos pares para essa reflexão e
atuação na Rede de Engenharia Popular Oswaldo Sevá (REPOS).
EDUCAÇÃO POPULAR: UMA PERSPECTIVA PARA A AÇÃO
Este capítulo nos permite apenas uma breve aproximação
com os temas abordados. E acreditamos que a Educação Popular
merece mais atenção nas nossas discussões sobre a Engenharia
Popular. Em outras áreas, como na educação e na saúde, há um
espaço significativo para o tema nas reflexões acadêmicas e na
atuação com as classes populares.
Um bom ponto de partida é o livro de Paulo Freire,
anteriormente citado, ela nos dá pistas, instala dúvidas nas nossas
certezas e promove a autocrítica nas nossas ações. Será que, a
partir da engenharia, estamos sendo autoritários? Estamos
impondo aos grupos populares com os quais trabalhamos
soluções tecnológicas, imaginando que os mesmos ‘não tem
condições de opinar’ em assuntos técnicos? Discutimos qual é o
nossa perspectiva teórico-metodológica para planejar nossas
ações? Estamos estabelecendo diálogos verdadeiros com os
grupos populares potencializando suas capacidades para resolver
os problemas que enfrentam? Sabemos das nossas limitações
como engenheiros/as para atuação com grupos populares? Quais
as metodologias que temos utilizado para:
a) Diagnosticar problemas ou necessidades técnicas dos
grupos populares;
b) Socializar diferentes modos de conhecimento entre os
envolvidos nas experiências de extensão universitária;
c) Promover a decisão coletiva entre engenheiros/as e os
grupos populares para escolha das soluções técnicas
adotadas;
d) Avaliar as soluções escolhidas e implementadas?

Parte 1: A Engenharia Popular 43


Construir alternativas tecnológicas com as classes populares

É porque a Educação Popular considera as classes populares


sujeito da sua própria história, portadora de conhecimentos
válidos e necessários para mudar a realidade que ela é tão
aderente a ideia de construção de alternativas tecnológicas. Ela
nos ajuda a entender com profundidade a maneira pelas quais,
mesmo sem querer, podemos estar sendo autoritários e
silenciando os grupos populares.
Por isso, acreditamos que através de uma constante
interação dialógica entre engenheiros/as e os grupos populares é
que se desenvolveriam alternativas tecnológicas. O/A
engenheiro/a teria o papel de mediar diagnósticos participativos
para elencar quais seriam os principais problemas tecnológicos
enfrentados pelos grupos populares e, a partir disso, buscar
soluções para esses problemas e conceber tecnologias sociais
adequadas para essa realidade com esses grupos e não para esses
grupos.
Dizer que o/a engenheiro/a seria um/a mediador/a significa
dizer que seria responsável por transitar entre os diferentes
modos de conhecimento para mediar a construção coletiva de
tecnologias. Por outro lado, caberia ao/à engenheiro/a promover
processos educativos para que os grupos populares pudessem
também transitar entre os diferentes modos de conhecimento.
Para atingir esses objetivos, a engenharia deveria
necessariamente estar comprometida com processos dialógicos e,
por isso, deveriam ser não só engenheiros/as mas também
educadores/as populares. A esse/a engenheiro/a chamamos
Engenheiro/a Educador/a (FRAGA; SILVEIRA; VASCONCELLOS,
2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A extensão universitária tem sido ao longo das últimas
décadas uma das vias mobilizadas na organização de políticas,
ações, pesquisa e produção de conhecimento e alternativas
tecnológicas. Inspiradas na perspectiva de Educação Popular de
Paulo Freire. Procuramos destacar a necessidade de refletir
criticamente sobre nossa atuação como engenheiros/as populares
em processos coletivos de construção de tecnologias.

44
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Tendo a extensão e a Educação Popular como pano de fundo,


sugerimos especial atenção para não reproduzirmos uma lógica
hierarquizada das relações entre diferentes modos de
conhecimento e diferentes sujeitos. Alegamos que para essa
perspectiva se faz necessária uma atuação de Engenheiros/as
Educadores/as que se coloquem ao lado das classes populares
para a construção coletiva de alternativas tecnológicas.
Como sugestão para coletivos de engenharia popular,
indicamos que iniciem (ou continuem) a reflexão sobre suas
práticas a partir do livro clássico de Paulo Freire Extensão ou
comunicação? Acreditamos ser um bom ponto de partida para
pensarmos se, de alguma maneira, continuamos perpetuando as
desigualdades e violências às quais as classes populares estão
submetidas.
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Parte 1: A Engenharia Popular 45


Construir alternativas tecnológicas com as classes populares

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46
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Autogestão, sustentabilidade e replicabilidade


de projetos sociais na engenharia
Ligia M. Silva, Sapiência Ambiental, EPUSP
Lucca P. Pompeu, GPERT, EPUSP
Natália T. Margarido, ESF-São Paulo, EPUSP

A partir do debate em torno do conceito de autogestão, e das


nuances dos processos autogestionários enquanto vivenciamos
simultaneamente as contradições impostas pela realidade
heterogestionária, discute-se a sustentabilidade do projeto social
- atrelada à autonomia do público alvo, entendido como sujeitos
de direito, mesmo que espoliados destes, bem como a
possibilidade de replicabilidade do modo de trabalho conduzido
pelo promotor social, ao se assumir o papel de Engenheiro
Educador. São traçadas ainda considerações em relação ao
amadurecimento das partes envolvidas nos projetos sociais, bem
como ao desafio de atuação de grupos que se organizam prezando
a autogestão dentro da lógica de financiamento de projetos
sociais na qual, em geral, são privilegiados os resultados em
detrimento dos processos.
SOBRE A AUTOGESTÃO
A origem semântica do termo autogestão, segundo Verago
(2011), deriva da expressão russa samupravlieni, utilizada na
Revolução Russa pelos anarquistas, e do vocábulo servo-croata
samoupravlje (samo, equivalente ao prefixo grego auto; upravlje,
podendo ser entendido como gestão), que designa o controle da
gestão das fábricas pelos próprios trabalhadores. O termo se
disseminou na Europa em Maio de 68. No entanto, historicamente
foram associadas diversas experiências tidas como anti-
autoritárias, como a Comuna de Paris, a Revolução Espanhola, etc.
Ainda, mais recentemente, a expressão adquiriu conotações e
sentidos múltiplos, alguns contraditórios, outros que
desconsideram a historicidade do termo. No entanto, múltiplas
visões sempre são possíveis, por isso iremos tentar explicar o que
entendemos por autogestão nesta primeira seção.

Parte 1: A Engenharia Popular 47


Autogestão, sustentabilidade e replicabilidade de projetos sociais na
engenharia
Apesar de muito defendida no plano dos princípios por
algumas correntes políticas, há uma certa confusão de como
materializar no cotidiano o que se entende por autogestão,
principalmente pelas pessoas que estão se inserindo em
organizações que pautam a autogestão ou coletivos recém
formados. O que cada pessoa pode decidir? O que precisa ser
consensuado? Quem faz o que?
Novaes (2007, p. 14) pontua que “autogestão democrática
não quer dizer que todos decidam sobre tudo. Certas decisões
podem ser tomadas no nível do posto de trabalho, da fábrica, do
bairro, regionalmente, nacionalmente, mundialmente”. Ou seja, é
possível a existência de mecanismos de coordenação, divisão de
tarefas, delegação de decisões e até mesmo de certo grau de
representatividade. Mas afinal, o que distingue a autogestão de
outras estruturas?
Primeiramente, podemos dizer que a autogestão é um
princípio político e ético, fundado no antiautoritarismo em todas
as suas dimensões (econômica, cultural, sexual, racial, etc). Em
segundo lugar, é um objetivo: a construção de uma nova estrutura
social de poder, na qual se estabeleçam relações não assentadas
na dominação, abafando por coerção ou manipulação as
contrariedades e conflitos e privilegiando certas classes nas
imposições de suas vontades e desejos em detrimento de outras
(CORRÊA, 2015). Se por um lado o poder está espalhado nas
diversas relações (FOUCAULT, 1979), existem diversas formas
possíveis de poder, para além da dominação. Um poder
autogestionário ou popular, por exemplo, pode ser exercido
quando uma comunidade se organiza para impor seus interesses
frente à construção de uma barragem (LÓPEZ, 2001). Por fim, a
autogestão também pode ser entendida como uma postura frente
ao processo de sua própria construção, visando a coerência entre
os princípios e os objetivos finalistas. Nesse sentido, a Federação
Anarquista Uruguaia pontua que:
meios e fins constituem dimensões distintas; porém, a
necessidade, ainda que complexa, de articulação entre uns e
outros, não deixa dúvidas. Supomos que está claro que não
afirmamos que os princípios podem ser aplicados, absoluta
e completamente, aos processos sociais concretos.

48
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Referimo-nos a um modelo, e portanto a uma orientação de


trabalho militante (FAU, 2004, p. 6).
Seguindo essa linha, a autogestão enquanto princípio possui
um conteúdo normativo, ou seja, aponta para o sentido da
emancipação humana frente às estruturas de poder assentadas na
dominação. No entanto, assumir esse conteúdo não significa que
os defensores da autogestão devem assumir uma postura de juiz
frente aos processos concretos da realidade: toda prática é
resultante de diversas forças, contraditórias por vezes, muitas das
quais estão fora do controle dos agentes. Qualquer processo
apresenta contradições, obstáculos e avanços, e as experiências
de emancipação guardam também em si aspectos regressivos.
Mas isso não as invalida, pelo contrário; a experiência por vezes
alarga o campo do possível, revela novas contradições que seriam
impensáveis no patamar anterior, e que podem agora se tornar
alvo de considerações e problematizações. A própria ideia de
emancipação encontra-se entre a servidão e a liberdade, e remete
a um processo que não esgota, interminável, um horizonte: “a
emancipação não é a liberdade, é antes o caminho, o movimento
que visa libertar-se da dominação [..] uma luta contra a relação de
dominação” (DEJOURS, 2012, p. 171). Portanto, a autogestão aqui
está sendo compreendida como uma luta, um movimento que
chamamos de dialética da autogestão (POMPEU et al., 2019).
Por isso, a forma particular que a autogestão assume em uma
realidade vai depender não apenas dos princípios dos agentes,
mas do solo em que ela se estabelece. Uma fábrica têxtil vai
assumir uma estrutura organizacional completamente distinta de
um escritório de projetos, por exemplo. Não apenas a atividade é
distinta, mas também os horizontes temporais, os processos
tecnológicos, a relação com clientes, fornecedores, etc. Em suma,
não apenas os princípios, mas os processos internos e as
condições de contorno de cada organização são determinantes.
Além disso, pode-se estender a discussão para as alianças
inconscientes estabelecidas pelos agentes.
Existem organizações autogestionárias de larga escala, como
o Complexo de Cooperativas de Mondragón, bem como

Parte 1: A Engenharia Popular 49


Autogestão, sustentabilidade e replicabilidade de projetos sociais na
engenharia
experiências menores, mas bastante emblemáticas, como a
Fábrica Ocupada Flaskô. Cada uma encontrou seus mecanismos e
estruturas organizativas. Embora não exista uma fórmula, é
importante pontuar que historicamente a autogestão significa o
controle coletivo da organização, ou seja, não seria possível falar
em um dono de empresa autogestionária, tampouco em um
acionista, mas sim em associados. Há uma distinção entre o
controle político e o econômico: são sociedades de pessoas, e não
de capital, ou seja, a decisão não pende para quem investiu uma
soma maior. Cada sujeito tem uma importância similar nas
decisões fundamentais, ainda que seja apenas votando nas pautas
das assembléias gerais ou elegendo uma estrutura executiva.
Se por um lado, enquanto objetivo, há um olhar para o plano
macro da estrutura das relações de poder, pode-se compreender
outras dimensões da autogestão. Existe a dimensão da autogestão
dentro das organizações, o que Mothé (1980) denominou como o
plano micro da autogestão. É nesse plano que se dá a experiência
concreta autogestionária, mesmo que permeada por uma
sociedade heterogestionária e bastante opressora para
determinadas populações. A articulação dessas dimensões, micro
e macro, leva a um debate bastante longo, cujo resgate e
desenvolvimento está fora das possibilidades deste capítulo. Cabe
apenas dizer que a concepção de autogestão no plano macro será
importante para estruturar as formas concretas assumidas nas
outras dimensões.
Na dimensão micro, existem organizações que ocupam
posições bastante distintas. Existem as organizações populares,
como os Empreendimentos Econômico Solidários (cooperativas
de produção e consumo como de agricultores agroecológicos Sem
Terra ou catadores de material reciclável, bancos comunitários,
associações, etc). Por outro lado existem as organizações de apoio
e fomento, como as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas
Populares (ITCP’s), Organizações da Sociedade Civil de trabalho
remunerado ou voluntário (como o próprio ESF), entre outras.
Ainda que essas categorias também sejam gigantes e
heterogêneas, existem diferenças marcantes e pressões que
distinguem em grande medida uma organização de apoio e

50
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

fomento de um empreendimento popular. As metas, prazos,


pressões temporais são distintas e, mais do que isso, as
organizações de apoio e fomento são agentes externos, cujo
trabalho é fortalecer processos das organizações populares.
Ambas podem estar sujeitas a situações semelhantes de
precariedade, em certos casos, mas no geral os empreendimentos
populares contam com menos recursos.
SUSTENTABILIDADE E REPLICABILIDADE
As dificuldades de construir experiências de autogestão
imersas no contexto de heterogestão social ficam bastante
evidentes quando tentamos, em coletivos ou organizações da
sociedade civil, estabelecer relações interpessoais, processos de
trabalho ou indicadores de impactos diferentes do que os que
estamos habituados. Ao contestar, a partir de experiências de
autogestão, a relação tradicionalmente estabelecida no terceiro
setor entre benfeitores e beneficiários (optando pela relação
promotores sociais x sujeitos de direito), também passamos a
questionar a sustentabilidade de projetos sociais, e suas
possibilidades de replicação.
Neste capítulo, partimos do entendimento de que as
tecnologias não são neutras, ou seja, incorporam valores sociais
dos grupos envolvidos em sua criação e, ao mesmo tempo,
contribuem para a conformação da ordem social quando
utilizadas. Por isso, a construção de soluções tecnológicas em
processos autogestionários depende, em grande medida, do
contexto em que se encontram as partes envolvidas, sejam os
promotores sociais ou os sujeitos de direito.
Cruz (2017) destaca dois aspectos importantes no
desenvolvimento de projetos orientados à engenharia popular: a
aplicação de métodos profundos de educação popular,
assentados na escuta com os grupos com quem se trabalha (o que
torna necessária a construção de equipes interdisciplinares com
profissionais da antropologia, educação, psicologia, entre outros)
e o aprimoramento das soluções desenvolvidas de forma
intencional e sistemática, permitindo a construção de um
repertório de práticas, metodologias e processos.

Parte 1: A Engenharia Popular 51


Autogestão, sustentabilidade e replicabilidade de projetos sociais na
engenharia
A busca pela autonomia em projetos sociais na engenharia
A sustentabilidade de projetos sociais na engenharia
depende, em grande medida, do grau de autonomia que possuem
os sujeitos de direito (e não mais beneficiários) envolvidos.
Segundo Vallaeys,
Um dos maiores problemas dos projetos de
desenvolvimento social, que afeta tanto seu caráter ético
quanto sua eficácia e sustentabilidade, é a definição vertical
predeterminada, por parte dos agentes de desenvolvimento,
das ‘carências’ das populações e as respectivas ‘soluções
racionais’ para suas dificuldades (VALLAEYS, 2010, p. 2).
O desafio que surge, então, decorre do fato de que a
formação em engenharia tradicional e a experiência em iniciativas
capitalistas não contribuem para a formação de um perfil
condizente com a busca pela autonomia. Segundo Fraga, Silveira
e Vasconcellos (2011), surge a necessidade da formação de um
novo estilo de profissional, capaz de aplicar métodos de educação
popular, o qual é definido como Engenheiro Educador. Esses
engenheiros, que também são educadores populares, utilizam
suas habilidades técnicas em conjunto com os demais, e não
apenas dentro dos limites da universidade. Passa-se, segundo as
autoras, de responsável para mediador de processos
participativos para se atingir uma solução tecnológica.
As margens da replicação de projetos na engenharia popular
A solução de engenharia popular é sempre singular, pois é
construída com aqueles sujeitos envolvidos no processo. A própria
definição do que precisa ser solucionado se dá conjuntamente,
incorporando os valores do grupo na formulação de critérios do
que deve ser ou não alvo de uma intervenção sócio-técnica. Então,
como podemos falar em replicar os projetos, se dependerão de
outra construção, específica, com outros sujeitos?
O projeto pode não ser replicável, mas os princípios de
trabalho sim, podendo ser aproveitadas metodologias,
ferramentas de construção participativa, processos de
planejamento, técnicas projetivas e, até mesmo, as próprias
soluções tecnológicas já existentes. O repertório de projetos
construído pela organização é um importante recurso para

52
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

possibilitar novas soluções junto aos grupos. Frente aos processos


autogestionários pelos quais se chega às soluções nos projetos
orientados à engenharia popular, acreditamos que as
oportunidades de replicação surgem da experiência e
amadurecimento dos grupos que atuam como promotores sociais.
Conforme pontua Cruz (2018), a replicação torna-se possível a
partir da tomada de consciência da singularidade dos processos
desenvolvidos e, ao mesmo tempo, da formação de engenheiros
populares por meio da transmissão dos mesmos.
Cabe a reflexão, nesse sentido, de qual repertório pode
existir dentro de um mesmo grupo, de experiências pretéritas
e/ou que tenha contado com pessoas diferentes. No caso das
organizações não governamentais pautadas no trabalho
voluntário, é comum encontrar preocupação na evasão e
rotatividade dos membros, uma vez que isso pode comprometer
a gestão da organização e a continuidade do trabalho realizado
externamente (SILVA, 2004).
É possível minimizar as perdas em relação ao conhecimento
dos integrantes que se desvinculam da organização através do
registro das experiências e formação dos novos integrantes, como
forma de acumular repertório. A partir do relato, reflexões e
reconhecimento das situações enfrentadas, ou seja, da ênfase na
experiência concreta, torna-se possível manter os repertórios da
organização.
Além disso, iniciativas voltadas para a reflexão sobre a
prática e partilha de conhecimentos de projetos sociais na
engenharia também são muito valiosos. Destaca-se, aqui, os
Encontros Nacionais de Engenharia e Desenvolvimento Social
(ENEDS) e suas versões regionais (EREDS), bem como os
Congressos Nacionais dos Engenheiros Sem Fronteiras. Essas
iniciativas têm sido importantes para se contornar a falha na
formação na engenharia convencional no que diz respeito à
construção do perfil dos Engenheiros Educadores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há muitas complexidades envolvidas em se propor a
construir e fortalecer a autogestão. Por mais que a autogestão

Parte 1: A Engenharia Popular 53


Autogestão, sustentabilidade e replicabilidade de projetos sociais na
engenharia
possa surgir em momentos históricos, sua construção requer um
trabalho perene, de constante organização - assim como qualquer
organização precisa estar sendo permanentemente organizada,
desde uma casa a uma corporação internacional. É possível que
esse trabalho de organização seja ainda mais delicado em
organizações que apoiam e fomentam processos autogestionários
junto a movimentos populares, comunidades etc. A relação entre
distintos horizontes temporais, valores, culturas, racionalidades
requer um esforço, um trabalho grande para que exista diálogo,
de mediar essas lógicas distintas, traduzir, ensinar, aprender, estar
aberto ao outro, cuidar do outro e de si.
Surge, então, uma questão fundamental: como sustentar ao
longo do tempo e replicar projetos que precisam entrar na lógica
dos sujeitos que são, na verdade, seus protagonistas, sem
recursos? Ou então, como conseguir recursos na sociedade
heterogestionária que permitam entrar no tempo e nos valores
dos grupos populares? Muitas vezes as organizações de apoio e
fomento tem que lidar com patrocínios vindos do mundo
corporativo, que trazem também os códigos e lógicas de operar
desse mundo. Metas, prazos e resultados mensuráveis são
importantes para ajudar a guiar os trabalhos, mas nos projetos
populares muitas vezes esses aspectos têm que ser reformulados
conforme o ritmo dos grupos, que não estão buscando
necessariamente apenas um resultado objetivo.
Se a demanda do grupo é clara, pontual, específica e
delimitada, tudo bem que o projeto responda dessa forma. Mas
em outros grupos, o projeto popular acaba tendo que lidar com
desafios organizativos, e gerando resultados por vezes imateriais:
fortalecimento da organização coletiva, da clareza acerca dos
direitos, aprendizagem e incorporação de modelos cognitivos que
permitem projetar, aprendizado dos próprios engenheiros, etc. O
próprio escopo do projeto pode se estender: de uma ação com fim
delimitado, pode se transformar numa parceria, um vínculo para
projetos futuros, uma relação de construção de um horizonte
comum.
No entanto, alguns projetos são estruturados de maneira a
diminuir a permeabilidade da prática sócio-técnica aos grupos. A

54
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

lógica por trás de certas doações está em alcançar metas


quantitativas que esvaziam os processos e os resultados imateriais
em prol de indicadores e escalas formulados por departamentos
de marketing, ou por critérios financeiros que, mesmo quando
bem intencionados, exportam um jeito de fazer incoerente com a
proposta da engenharia popular.
Cabe lembrar que o processo é tão importante quanto o
resultado, se quisermos manter a coerência com o que
entendemos por autogestão.
REFERÊNCIAS
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2015.
CRUZ, C. C. Desafios epistemológicos da engenharia popular. In: XIV ENCONTRO
NACIONAL DE ENGENHARIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL (ENEDS), 2017,
Itajubá. Anais […]. Itajubá: UNIFEI, 2017.
DEJOURS, C. Trabalho vivo: trabalho e emancipação. Tomo II. Brasília: Paralelo,
2012.
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uma aproximação do tema. In: Lucha Libertaria. Uruguai: 2004.
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FRAGA, Lais; VASCONCELLOS, Bruna; SILVEIRA, Ricardo. O engenheiro Educador.
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Cooperativas Populares/Pró-reitoria de Extensão e Assuntos
Comunitários/Unicamp. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, 2011. p. 197-
220. Disponível em:
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INCUBADORA TECNOLÓGICA DE COOPERATIVAS POPULARES (ITCP/Unicamp).
Coletiva II: Sistematizações sobre a prática autogestionária. Campinas, SP:
Unicamp. IE, 2013
LÓPEZ, F. L. Poder e domínio: uma visão anarquista. Rio de Janeiro: Achiamé,
2001.
MOTHÉ-GAUTRAT, D. L'autogestion goutte à goutte. Editions du Centurion, 1980.
NOVAES, H. T. Qual autogestão? In: V Encontro Internacional de Economia
Solidária, 2007, São Paulo. Anais […] São Paulo: USP, 2007.
POMPEU, L. P.; HENRIQUESS, F. C.; NEPOMUCENO, V.; ATOLINI, T. M.; ARAÚJO, F.
S; HERNANDEZ, C. Dialética da autogestão na experiência da Flaskô: a dinâmica
da cooperação a partir da atividade do planejamento e controle da produção. In:
ARAÚJO, F. S.; NEPOMUCENO, V.; HENRIQUES, F. C.; SÍGOLO, V. M.; POMPEU, L.

Parte 1: A Engenharia Popular 55


Autogestão, sustentabilidade e replicabilidade de projetos sociais na
engenharia
P; ATOLINI, T. M. (org.) Dialética da autogestão em empresas recuperadas por
trabalhadores no Brasil. Marília: Lutas Anticapital, 2019.
SILVA, J. O. (org.). Novo voluntariado social: teoria e ação. Porto Alegre: Dacasa,
2004.
VALLAEYS, F. ¿Cómo trabajar para un desarrollo ético en comunidad? 2010.
Disponível em:
http://www.centroetica.uct.cl/documentos/archivos/PDF/T4%2002.pdf. Acesso
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VERAGO, J. L. Fábricas ocupadas e controle operário: Brasil e Argentina (2002-
2010). Os casos da Cipla, Interfibra, Flaskô e Zanon. Sumaré (SP): Edições CEMOP,
2011.

56
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável


para a Engenharia
Rodrigo Erdmann Oliveira, REPOS

ENGENHARIA E SUSTENTABILIDADE
Atualmente vivemos em uma sociedade regida por uma forte
racionalidade instrumental/econômica, a qual considera que o
desenvolvimento econômico e tecnológico é o meio para se
alcançar a melhoria das condições de vida. Contudo, os impactos
sociais e ambientais desses processos acabam sendo tratados
como meras externalidades, ou seja, decorrências extrínsecas às
atividades técnico-econômicas.
O paradigma tradicional da engenharia é dominado por esta
racionalidade tecnicista, cujas raízes podem ser associadas a
influências do positivismo, o qual considera a ciência um sistema
descolado do tecido social (BAZZO, 2015). Segundo a concepção
positivista, o cientista é o observador neutro dos fenômenos, os
quais constituem os objetos de pesquisa; e a ciência é um
processo de desenvolvimento autônomo, que necessariamente
traz consequências positivas para a sociedade.
Tal influência fez com que a prática da engenharia se
desenvolvesse sob uma racionalidade que também considera o
progresso tecnológico como neutro, autônomo, e
inquestionavelmente associado ao desenvolvimento do bem-
estar humano. Esta racionalidade contribui para que o modelo de
desenvolvimento tecnológico e econômico não seja questionado
pelos engenheiros, os quais acabam atuando de forma acrítica e
desconectada da realidade social, buscando o desenvolvimento de
tecnologias de ponta, do tipo high tech (DAGNINO; BRANDÃO;
NOVAES, 2004).
Entendemos, portanto, que o primeiro passo para um
engenheiro que deseja se engajar com o desenvolvimento
sustentável seja refletir criticamente sobre sua própria formação
e sobre quais são os objetivos e ações necessárias para atingir este
outro modelo de desenvolvimento, que não está dado e necessita

Parte 1: A Engenharia Popular 57


Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a Engenharia

reflexão. Assim, é importante refletir sobre os impactos das


soluções tecnológicas propostas, avaliando tanto os fatores
ambientais como humanos, para que os projetos de engenharia
possam gerar impactos socioambientais positivos.
Para refletir sobre isso podemos olhar para os processos da
natureza e nos perguntar: o que caracteriza um sistema
sustentável? Dentro das dinâmicas ecológicas encontradas na
natureza, observamos que há uma sustentabilidade quando os
processos ocorrem em um ritmo harmônico com o ritmo da
natureza, de modo que é possível se repor os recursos e manter-
se o equilíbrio.
A natureza é composta por ciclos fechados, também
chamados de ciclos biogeoquímicos, que interagem com a vida.
Por exemplo, uma planta e seu entorno, do ponto de vista
tecnológico, funciona em perfeito estado cíclico, pois cresce
através da luz solar, nutrientes e sua fotossíntese, faz trocas
gasosas de oxigênio e gás carbônico, produz água tanto quanto
absorve, e vira alimento para insetos e animais. Estes animais,
depois de se alimentarem, excretam, de modo que seus resíduos
naturais (carbono, fósforo, nitrogênio e magnésio) voltam ao solo
e são decompostos como adubo e nutrientes, o que contribui para
o crescimento das plantas e o ciclo se reinicia novamente.
Mas será suficiente a engenharia que busque atingir o
desenvolvimento sustentável pautar-se nas dinâmicas ecológicas
como inspiração? O que diz a agenda de desenvolvimento
sustentável atual para a erradicação da pobreza e desigualdade
social?
OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DA ONU
Desde o ano de 1972 as Organizações das Nações Unidas
(ONU), vem provocando debates por meio de Conferências que
ocorrem de vinte em vinte anos colocando a agenda ambiental em
pauta. A primeira Conferência, que tratou o Meio Ambiente
Humano, ocorreu naquele ano em Estocolmo, Suécia, e trouxe
para o debate, entre os 113 países presentes, o direito ambiental
internacional, a gestão sobre a exploração dos recursos naturais,
a prevenção da poluição e a relação entre meio ambiente e
desenvolvimento.

58
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Em 1992, no Rio de Janeiro, ocorreu com grande entusiasmo


a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, a Rio-92. O evento teve forte influência de um
mundo multilateral em ebulição, em um Brasil marcado pela
abertura a economia neoliberal, com forte apelo de consumo das
massas urbanas por produtos de mercados transnacionais.
O conceito de Desenvolvimento Sustentável (1987) trouxe
esperanças à integração das questões sociais, culturais, políticas,
econômicas na definição de políticas pautadas em um
desenvolvimento que respeitasse o limite exploração dos recursos
naturais e a qualidade de vida da população, atendendo as
necessidades humanas presentes e futuras, de modo
intergeracional no âmbito público e privado.
Após várias conferências ambientais durante a década de
1990, a ONU se esforçou por traçar uma agenda de
desenvolvimento global com um escopo não somente econômico,
mas de qualidade de vida e crescimento de renda para a redução
da pobreza entre agentes nacionais e internacionais que
contivesse metas quantitativas, temporais e indicadores
numéricos. Outras agências de promoção do desenvolvimento
global também concorriam com propostas semelhantes (LAUAR,
2019).
No início dos anos 2000, houve conciliação entre as
propostas da OCDE - Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, Banco Mundial, Fundo Monetário
Internacional (FMI), e o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), com protagonismo deste último
(LAUAR, 2019). A ONU então divulgou a Declaração do Milênio,
mobilizando sociedades e governos no cumprimento dos
Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), de 2000 a 2015,
no intuito de garantir que a globalização se tornasse uma força
positiva para o mundo, visto que seus benefícios eram
compartilhados de modo desigual pelas nações. A adoção ocorreu
pelos Estados membros da organização, para enfrentamento dos
principais desafios sociais, por meio de oito grandes objetivos,

Parte 1: A Engenharia Popular 59


Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a Engenharia

dentre eles a redução da fome e extrema pobreza no mundo no


início do século XXI.
Em uma conjuntura global de fortalecimento do papel do
Estado em economias emergentes, o protagonismo pela
implementação dos ODM no Brasil coube ao governo brasileiro via
decreto presidencial, que adaptou as metas e indicadores para a
realidade nacional e alinhou-as a uma série de políticas públicas.
Segundo análise de Roma (2019), o governo brasileiro
conseguiu obter progressos e cumpriu grande parte das metas
estabelecidas para o período de 2000 a 2015, principalmente
relacionada ao combate da pobreza extrema pelo Programa Fome
Zero, por exemplo. Para Carvalho e Barcelos (2014) os ODM
tiveram sucesso apenas do ponto de vista político para a ONU,
uma vez que estimularam um consenso mundial de que a pobreza
é um fenômeno multidimensional, onde os países do hemisfério
Norte forneceram direcionamentos de desenvolvimento humano
para os países mais pobres, mas do ponto de vista prático
fracassou de modo geral. Dentre os problemas que os autores
levantaram estão os problemas metodológicos na formulação de
metas e indicadores, os quais nem sempre puderam se equiparar
e adequar à desigualdade entre nações ricas e mais pobres. Além
disso, houve a priorização de resultados quantitativos em
detrimento de estratégias qualitativas para obtenção dos
resultados propostos, entre outros importantes questionamentos
dos autores.
Em 2012, foi a vez da Conferência das Nações Unidas sobre
o Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, onde se pôde avaliar a
trajetória desde a Rio-92 e o futuro dos compromissos
multilaterais com o meio ambiente. Oliveira (2014) diz que as duas
décadas após a Rio-92 foram de ajuste do desenvolvimento
sustentável aos pressupostos do neoliberalismo econômico, onde
os problemas ambientais da sociedade urbano-industrial dos anos
anteriores se deslocaram da produção industrial para o consumo
do cidadão, confundindo direitos e necessidades humanas com
direitos e necessidades de consumo.
A Rio+20, por consequência, nos demonstrou ser inócua
como ponto de inflexão crítico na construção de compromissos

60
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

concretos por parte dos governos. Chefes de Estado dos EUA,


Reino Unido e Alemanha não participaram do evento. Guimarães
e Fontoura (2012) dizem que os líderes mundiais não se voltaram
para o caráter de urgência do desenvolvimento sustentável, sendo
redigido um documento final com decisões vagas e reforço de
discursos pouco consistentes, com reafirmação de valores
econômicos do setor privado e países desenvolvidos.
No entanto, foi neste evento que se começou um processo
de reforma institucional do Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (PNUMA), como órgão subsidiário da ONU de
composição universal, dando maior poder de governança ao
programa (DE ABREU et al., 2012), tendo a Rio+20 definido o
Grupo de Trabalho Aberto (GTA) que estabeleceu os Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS). Estes deram continuidade
aos ODM, e foram instituídos em setembro de 2015, por meio de
metas aspiracionais, ou seja, não obrigatórias, a partir das
definições de cada governo nacional (GTA, 2014).
Ilustração 1 - Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Fonte: PNUD (2015)


Os ODS contêm 17 objetivos e 169 metas e indicadores
mensuráveis, sendo seu principal objetivo a erradicação da
pobreza como maior desafio global, cuja ênfase é não deixar
ninguém para trás. O prazo estabelecido foi de 2015 a 2030,
compartilhado por 193 países presentes na Assembleia Geral das
Nações Unidas, entre eles o Brasil. Diferente dos ODM, os ODS

Parte 1: A Engenharia Popular 61


Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a Engenharia

demonstraram menor ingerência da OCDE, FMI e Banco Mundial,


obtendo maior representatividade de negociação dos países do
hemisfério sul, propiciada por meio de plataformas participativas
para a sociedade civil e da inovação participativa do GTA (LAUAR,
2019).
Todavia, em relação aos ODM, as metas aspiracionais do ODS
evidenciam uma conjuntura diferente em termos de política
global. No Brasil, o contexto é de flexibilidade de investimentos
sociais e ambientais em políticas públicas convergentes aos ODS,
em vista da diminuição da dívida pública e promoção do
crescimento econômico, assim, a tendência deste
comprometimento cabe à iniciativa de empresas e a pressão da
sociedade civil.
Mudanças institucionais no Brasil trazem mais evidências
deste fato. A Comissão Nacional para os Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (CNODS), um colegiado de
administração pública paritário entre sociedade civil e o Estado
estabelecido em 2016 com o objetivo de fomento a incorporação
dos ODS ao planejamento e implementação de políticas públicas,
foi extinta via Decreto Federal (ver decreto federal 9.749/2019)
em abril de 2019. Em dezembro do mesmo ano, houve veto
presidencial a um artigo do Projeto de Lei (Art. 3º do Projeto de
Lei nº 21, de 2019-CN. ver
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2019/Msg/VEP/VEP-743.htm) que adotava os ODS como
uma das diretrizes do Plano Plurianual (PPA) 2020-2023. Tais
medidas não implicam na retirada do Brasil da Agenda 2030 dos
ODS, mas enfraquecem as políticas públicas nesse sentido.
Atualmente a implementação da Agenda 2030 está sob a
governança da Secretaria Especial de Articulação Social (SEAS) da
Secretaria de Governo da Presidência da República (SEGOV-PR).
Diante o cenário, desde 2017 o Grupo de Trabalho da
Sociedade Civil para a Agenda 2030 – GTSC A2030, publica
anualmente o Relatório Luz da Sociedade Civil da Agenda 2030 de
Desenvolvimento Sustentável, atualmente em sua terceira edição,
no intuito de construção de parcerias para a implementação,
monitoramento, divulgação e avaliação das políticas públicas

62
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

comprometidas com os Objetivos do Desenvolvimento


Sustentável. O relatório leva luz a dados estatísticos de
acompanhamento de todos os objetivos, demonstrando como o
Estado brasileiro atualmente acirra as violações e desrespeito aos
direitos sociais, ambientais e econômicos em curso no Brasil,
contrariando totalmente a sustentabilidade de erradicação da
pobreza prevista nos ODS.
OS ODS COMO POSSIBILIDADES DE NEGÓCIOS
Como os ODS poderiam estimular, sob a perspectiva do
crescimento econômico (8º objetivo) capitalista, o
desenvolvimento sustentável dos países do hemisfério sul e sua
erradicação da pobreza? Este parece um objetivo controverso e
talvez esse seja um desafio de difícil solução para o prazo
proposto. Sob a ótica do nosso problema principal, como os ODS
podem influenciar para uma engenharia mais comprometida? De
outro modo, a engenharia teria proposições convergentes com os
ODS?
Segundo Marinelli (2019), as sociedades viveram a expansão
industrial da produção em uma perspectiva disciplinar desde a
Revolução Industrial no século XVIII. Atualmente o pesquisador
nos diz que os sistemas técnicos e sociais estariam passando por
inovações de ruptura advindas da maturidade da sociedade da
informação a partir dos anos 2000, que proporcionariam expansão
social, não somente da produção, mas do propósito atribuído a
ela.
Aparentemente os ODS têm se tornado estratégicos e
funcionais no diálogo com a iniciativa privada, no intuito desta
última criar propósitos de impactos positivos junto aos
stakeholders por meio dos seus lucros, influindo em políticas
públicas e construindo narrativas de bem estar social, até há bem
pouco tempo sob maior influência do Estado e da sociedade. É
dessa forma que inúmeras cartilhas têm impulsionado diretrizes
de implementação dos ODS, compreendendo-os como
oportunidades de novos negócios (CEBDS, 2015).
Atualmente os modelos de negócios circular (ABADIA, 2019)
também interagem com os ODS sob a perspectiva dos propósitos

Parte 1: A Engenharia Popular 63


Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a Engenharia

ou eficácia do negócio em gerar impacto positivo socialmente.


Potencialmente se agregam diversas estratégias na integração
entre produção e consumo sustentável sob o que se tem
convencionado chamar de Economia Circular (EC). Trata-se de
uma proposta de modelo de produção que vem se desenvolvendo
em analogia aos ecossistemas naturais, por isso entendido como
restaurativo e regenerativo, em que se pretende fechar ciclos de
matéria e energia nos processos industriais, entendendo resíduos
como recursos e mantendo produtos, componentes e materiais
em seu mais alto nível de utilidade e valor, com distinção entre
ciclos técnicos e biológicos. Por distinção de ciclos técnicos e
biológicos devemos entender que os produtos podem ser
classificados como aqueles de recursos finitos, ligados a bens
duráveis, mas que busquem tecnicamente ser mantidos,
reutilizados, reformados e por fim reciclados (hierarquia do valor)
num novo ciclo de uso (ex. produtos de componente plástico ou
metal) e produtos de ciclos renováveis e mais semelhantes aos
ciclos biológicos ou biogeoquímicos (ex. alimentos ou produtos
químicos) (CNI, 2018; EMF, 2015).
Por definição, o modelo de EC se contrapõe ao modelo
tradicional de produção linear (extração, transformação, consumo
e descarte - ciclos abertos e que aceitam desperdícios),
objetivando ser mais eficiente quanto ao consumo dos recursos,
eliminando a produção de resíduos e assim fomentando novas
cadeias de valor. Segundo a Fundação Ellen Macarthur (EMF,
2015, p.5), “é concebido como um ciclo contínuo de
desenvolvimento positivo que preserva e aprimora o capital
natural, otimiza a produtividade de recursos e minimiza riscos
sistêmicos gerindo estoques finitos e fluxos renováveis”.
Diversos modelos de negócios têm sido utilizados como
exemplos de circularidade da matéria e energia. Entre eles, há os
insumos circulares, com utilização de materiais renováveis ou
projetados para manutenção ou recuperação dos componentes
sem descarte total do produto, aumentando seu valor de uso. Há
também investimentos em prolongamento de uso e durabilidade
dos produtos, diminuindo a obsolescência programada.

64
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Ilustração 2 - Modelo de economia circular em seu ciclo biológico e


ciclo técnico

Fonte: Eijk e Joustra (2017)


A servitização seria o acesso ao produto como serviço, com
foco na funcionalidade do acesso por meio de contrato de locação,
em vez do direito de propriedade do produto. Por último, há os
serviços de uso compartilhado (economia compartilhada) que
oportunizam maior acesso ao uso de um determinado produto por
mais de uma pessoa, reduzindo sua ociosidade e intensificando
seu desempenho.
No entanto, a EC enquanto negócio pode apresentar
limitações em termos de sustentabilidade. Marly Monteiro de
Carvalho (2019) em palestra proferida no Seminário Economia
Circular e Sustentabilidade explana:
“nem todo modelo de negócio circular pode ser considerado
um modelo de negócio para a sustentabilidade em seu
sentido amplo”
Se entendermos a sustentabilidade como integração das
perspectivas social, ambiental e econômica. Diz-nos a Marly
Monteiro de Carvalho (2019) que
“em momentos de crise do capital, este se defende em
modelos consolidados (perspectiva econômica), e os modelos
sustentáveis (perspectiva social e ambiental) perdem espaço
e dinheiro”
Ou seja, nem sempre os modelos circulares poderão trazer
impactos sociais positivos como prometido. Nesse sentido, a
pesquisadora se arrisca a dizer que

Parte 1: A Engenharia Popular 65


Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a Engenharia

“se o modelo de negócio não se preocupar com a perspectiva


social, não poderá ser considerado uma Economia Circular
Sustentável” (2019).
Como exemplo de negócios circulares não sustentáveis,
Carvalho (2019) apresenta dois exemplos, um deles relacionado a
UBER, onde há a economia compartilhada em termos de
intensificação de uso coletivo dos automóveis para transportes,
no entanto, os carros não têm garantia de manutenção dada pelo
negócio e seus componentes não retornam a circularidade após a
sua vida útil, ou seja, não foi pensado o ciclo de vida completo do
produto. Indo mais além, podemos dizer que são questionáveis as
condições de trabalho dos motoristas que utilizam a plataforma,
de modo que não há regulação das remunerações e empregos
criados, sob a justifica de serviço sob demanda.
Outro exemplo crítico de EC pode ser a grande utilização de
materiais secundários da reciclagem para produção de produtos
de segunda linha para atingir novos nichos de mercado de
menores preços e qualidade inferior (downcycling), que em vez de
inibir o consumo, pode aumentá-lo. Ademais, o comércio de
recursos secundários a disposição do mercado, sem
regulamentação de uso para a remanufatura, poderá representar
riscos de segurança ao consumidor.
Cagle (2019) aponta que empresas e executivos da economia
compartilhada que antes proclamavam a experiência e acesso de
uso comunitário dos produtos acima da posse individual, criaram
uma ilusão altruísta do capitalismo. A partir de 2015, segundo a
autora, a economia compartilhada começou a esvaziar-se de
sentido entre os consumidores, evoluindo para um poderoso
modelo econômico de plataformas, tendo a definição de
compartilhamento mudado e os modelos de negócio se ajustado
à centralização de locação mais tradicional. Os serviços que
impulsionaram o compartilhamento de uso dos consumidores, em
um primeiro momento, se tornaram baratos, mas pouco
regulamentados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar dos ODS refletirem alguns dos desafios para a
erradicação da pobreza nos países do hemisfério sul do globo, sua

66
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

adequação à conjuntura econômica global fez dele um


compromisso não obrigatório aos governos, a partir de suas 169
metas aspiracionais, com cada governo definindo seus objetivos
nacionais (GTA, 2014). No Brasil atual, percebemos que o
protagonismo para os objetivos não tem sido do Estado, mas sim
da economia, mais especificamente das empresas, organizações
sociais e negócios circulares que objetivem ganhos de reputação
e propósitos de impacto social, bem como otimização no uso dos
recursos naturais.
Há na verdade um silenciamento da perspectiva de políticas
públicas do Estado na consecução dos ODS, estando estes
relegados principalmente às empresas e a sociedade (entendida
como consumidores da perspectiva dos negócios). A engenharia
popular para a sustentabilidade precisa ter visão ampla sob as três
perspectivas. Os negócios com propósitos guardam promessas de
preenchimento do papel do Estado e da sociedade na resolução
de desigualdades sociais em um mundo cada vez mais
hiperconectado e precário em termos de acesso a direitos
humanos básicos, como moradia, saúde, habitação, valorização
cultural e justiça social e ambiental.
Para a engenharia, os sistemas lineares de produção podem
ser objetos de trabalho e pesquisa na transição para a Economia
Circular, usando como parâmetro as dinâmicas ecológicas como
analogia a modelos produtivos com menor desperdício, poluição
e reaproveitamento de matéria e energia. No entanto, a EC por si
só não garante a sustentabilidade, como demonstrado
anteriormente, se os modelos produtivos não internalizarem os
aspetos sociais em suas metas, de maneira proativa e de longa
duração (GEISSDOERFER et al., 2018).
Sendo assim, uma engenharia com propósitos de um mundo
menos desigual na erradicação da pobreza e garantidora de
direitos, deverá estar atenta para não se confundir ao tratar
problemas sociais complexos como simples oportunidades de
negócios. As interações são possíveis e necessárias, como por
exemplo, as oportunidades criadas pela circularidade de
componentes eletrônicos e a geração de trabalho e renda advinda

Parte 1: A Engenharia Popular 67


Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a Engenharia

da catação e separação de tais componentes por parte de


catadores de materiais recicláveis (ARAÚJO; VIEIRA, 2017). Mas
não devem se esgotar nos negócios. Há uma ampla disputa de
influência nas políticas públicas que precisam ser criadas como
regulação e controle social para a garantia da sustentabilidade do
âmbito público.
REFERÊNCIAS
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e sustentabilidade: estudo de múltiplos casos. 2019. Dissertação de Mestrado.
Universidade de São Paulo, São Paulo.
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de negócio para acelerar a transição. 2015. Disponível em:

68
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

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GEISSDOERFER, M.; MORIOKA, S. N.; DE CARVALHO, M. M.; EVANS, S. Business
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sustentável/Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Brasília:
PNUD, 2015. Disponível em:
<http://www.undp.org/content/dam/brazil/docs/agenda2030/undp-br-
Acompanhando-Agenda2030-Subsidios_iniciais-Brasil-2016.pdf> Acesso em 8
mar. 2020
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objetivos de desenvolvimento sustentável. Ciência e cultura, v. 71, n. 1, p. 33-39,
2019.

Parte 1: A Engenharia Popular 69


Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a Engenharia

70
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Parte 2: Gestão de Projetos


de Tecnologia e Inovação
Social

Parte 1: A Engenharia Popular 71


Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a Engenharia

Nessa parte são discutidos assuntos mais operacionais de como


elaborar e implementar projetos sociais. Foi elaborada por
membros do ESF-Brasil que trazem suas experiências
profissionais e na organização em gestão de projetos de
tecnologia e inovação social. Buscamos sempre melhorar
nossos processos e entendemos que cada projeto é particular
porque cada público alvo possui suas especificidades, a
regionalidade importa e a construção e apropriação das
tecnologias pela comunidade em que os projetos são realizados
é essencial.

72
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Definindo o escopo do projeto com a


comunidade
Bianca Particheli, ESF-Joinville
Carla Mâncio, ESF-Belo Horizonte
Fernanda de Souza Cardoso, ESF-Rio de Janeiro

Para que um projeto de engenharia popular seja bem-


sucedido a longo prazo, é crucial gerar e nutrir dentro da
comunidade um sentimento de pertencimento frente ao que está
sendo proposto. Para que isso seja possível, o primeiro passo é
abrir uma ponte de diálogo com representantes comunitários e
adaptar o projeto para as reais necessidades da população. Este
capítulo se propõe a apresentar ao leitor exemplos ilustrativos
baseados em projetos reais realizados em comunidades e
apresentar uma metodologia para auxiliar a definição do escopo
do projeto.
APRENDENDO COM OS ERROS
O primeiro exemplo é de uma comunidade de baixa renda
onde um terreno íngreme separa a população da parte baixa da
parte alta. Esta última, devido à dificuldade de acesso, não era
atendida pela empresa responsável por gerenciar o lixo da cidade.
Sem ter uma maneira prática de descartar seus resíduos, os
moradores da parte alta da comunidade chegaram a uma solução
aparentemente prática: utilizar seu lixo para aterrar o solo e,
assim, construir acima dele novas moradias.
Esta ilusória praticidade vinha com um preço. Chuvas fortes
arrastavam o lixo para a parte baixa da comunidade,
contaminando o solo e multiplicando o número de insetos,
roedores e outras pragas na comunidade. Além disso, após
juntarem um volume considerável de resíduos em um ponto,
ateavam-lhe fogo, aumentando o risco de incêndio na região,
principalmente no Verão, quando a grama do terreno se encontra
muito seca.
Frente a esta realidade preocupante, membros muito bem-
intencionados de uma ONG se propuseram a encontrar uma

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 73


Definindo o escopo do projeto com a comunidade

solução. A ONG entrou em contato com membros de uma


organização local, uma recém-formada associação de moradores,
situada na parte baixa e exatamente atrás do terreno íngreme que
separava as duas partes. Os tomadores de decisão desta
associação de moradores, apesar de não serem moradores da
comunidade, conheciam bem a segregação entre a parte baixa e a
parte alta da comunidade. Eles próprios já haviam tentado
diversas formas de aproximação e contato entre as duas partes,
porém sem sucesso.
Os próprios membros da ONG também foram para a parte
alta para tentar compreender o que se passava. Os moradores
acreditavam que a responsabilidade era da empresa responsável
pela gestão dos resíduos da cidade, apesar das dificuldades
associadas à sua localização, e se recusavam a aceitar alguma
solução logística que lhes agregasse mais trabalho. Os riscos
associados a utilizar o lixo como forma de aterramento não os
abalavam, já que era uma forma muito prática de se livrarem de
seus resíduos.
Sem sucesso na conscientização da parte alta, porém
preocupados com a questão da segurança da população, os
membros da ONG realizaram diversas reuniões internas para
chegar a um projeto que solucionasse o problema. Por fim,
concluíram que a melhor forma de agir seria construindo um muro
ecológico no topo do terreno íngreme, separando assim o lixo da
parte alta do terreno que dava para a parte baixa. Com isso, o lixo
não seria carreado pelas águas da chuva para a parte baixa e não
contaminaria ainda mais o solo já afetado. Depois, contratariam
uma empresa especializada para fazer um tratamento inicial do
solo, já saturado de matéria orgânica, vidro quebrado e plásticos.
Depois, convocariam voluntários para fazer um mutirão de
plantação de uma agrofloresta, que ajudaria a recuperar o solo e
reduziria o potencial de erosão e deslizamento.
Angariados de recursos e voluntários, a ONG de engenharia
executou seu projeto com perfeição e, após meses de trabalho
duro, estavam satisfeitos por terem solucionado o problema
inicial. Avisaram à associação de moradores de que a agrofloresta
recém-plantada necessitaria de cuidados inicialmente, como

74
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

irrigação e poda, e os membros da ONG se prontificaram a treinar


os membros da associação.
Voluntários da ONG voltaram umas semanas depois para
encontrarem muitas mudas secas. Após um outro mutirão para
substituir as mudas mal cuidadas, foi decidido que seria feito um
evento de conscientização dos moradores da parte baixa frente à
nova agrofloresta, já que a associação sozinha não se mostrava
prontificada a cuidar das plantas.
O evento contou com diversas performances culturais e de
distribuição de doações, porém, apesar do evento ter contado
com a presença de grande parte dos moradores da parte baixa,
estes não se mostraram animados a aprender a cuidar da
agrofloresta. Uma semana após o evento, a ONG foi informada de
que a agrofloresta havia sido queimada e ninguém tinha certeza
se fora proposital ou devido às mudas estarem muito secas.
O que aconteceu? O que fez com que um projeto muito
promissor e que foi elaborado com a melhor das intenções tenha
sido destruído em um período tão curto?
O problema foi que a ONG não se atentou a fechar o escopo
do projeto com a comunidade. Apesar de terem conversado com
a recém-inaugurada associação de moradores, falharam em
compreender que apesar do nome, a associação não representava
os moradores daquela comunidade. Os membros não eram
moradores da comunidade e, apesar de realizarem diversas ações
beneficentes e que ajudassem a população da parte baixa, não
eram representantes nem líderes tomadores de decisão da
comunidade como um todo.
Com isso, cada decisão tomada durante o projeto acabou
gerando transtornos. A construção do muro não só não resolveu
o problema do lixo carreado, como simbolizou a segregação entre
as duas partes da comunidade, alimentando a problemática pré-
existente. E a agrofloresta deixada não foi vista pela população
como algo positivo, mas sim como um fardo. A população não via
como uma prioridade tratar o solo daquele terreno, e nem
compreendiam sua importância. E quando voluntários que não
moram na região tentam lhes convencer a mudar sua rotina para

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 75


Definindo o escopo do projeto com a comunidade

regar plantas que não são suas, e que não lhe trarão nenhum
benefício palpável de imediato, baixíssimas são as taxas de
conscientização e de sucesso. Não foi gerada a sensação de
pertencimento daquele projeto pela população. Ao não
conversarem com líderes e representantes comunitários da região
para ouvirem seus reais problemas e preocupações para juntos
chegarem a um projeto que fosse benéfico para todas as partes, o
projeto estava fadado ao fracasso. todas as partes o fadou ao
fracasso.
Olhando de fora, parece óbvio o que a ONG fez de errado,
porém a detecção de um representante comunitário nem sempre
é tão simples. Comunidades, como a deste exemplo, podem não
ter uma associação de moradores representativa e/ou serem
internamente segregadas, e a decisão de atender à comunidade
como um todo ou apenas uma parcela de seus moradores não é
trivial.
Porém, ao identificar esses representantes, existem diversas
metodologias possíveis para chegar a um projeto que seja
benéfico para a comunidade.
APROXIMANDO-SE DA COMUNIDADE
Tornar-se próximo e ter uma relação amigável é uma etapa
importante para a boa execução do projeto, bem como, garantir a
sua manutenibilidade. Este elo formado inicialmente irá colaborar
para que os benefícios gerados com o projeto sejam permanentes,
ainda que, a organização não esteja mais presente.
Primeiro contato
Antes de comentar sobre formas de abordagem na
comunidade, é imprescindível ressaltar a importância de ouvir. Vá
livre de ideias e escopos pré-formatados de possíveis projetos. Se
tem intenção de colaborar com a melhoria de vida da comunidade
em questão o melhor que tem a fazer é ouvir. Para assim aprender
a forma com que as pessoas vivem e a relação que elas têm com
este local. É preciso fazer uma limpeza mental, e estar disposto a
entrar dentro de uma nova realidade, em uma diferente cultura.
“O futuro de toda comunidade consiste em capturar a
paixão, a imaginação e os recursos de seu povo” (Ernesto
Sirolli, 2012).

76
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Com isto em mente, inicia-se o contato com os moradores e


líderes comunitários. Neste momento é importante manter uma
atmosfera amigável, o que pode parecer uma tarefa simples,
porém não quando se trata de profissionais técnicos, que não
estão acostumados a trabalhar em comunidades. Para alguns
profissionais, devido à natureza de sua formação, é comum que
caia em uma reunião tradicional, criando um ambiente mais frio e
menos amigável. Vá a comunidade e sente-se com os locais em
seus ambientes comuns. Em um lugar que os moradores se sintam
confortáveis, e se possível converse individualmente com o maior
número de pessoas, mostre-se interessado em sua história e a
relação que tem com o ambiente que vivem. Torne-se um
conhecido, torne-se um confidente. Vá a reuniões comunitárias,
converse com seus líderes políticos e religiosos, mas, em nenhum
momento se limite a isso. Com a visão holística dos seus líderes e
ouvindo as dores individuais de seus moradores você terá
avançado no sucesso de seu futuro projeto.
Ouvir para descobrir
A ação de ouvir ainda não chegou ao seu fim, você
primeiramente ouve para se familiarizar com a cultura local. Após
isso passa a ouvir para descobrir o que há na imaginação dos
moradores da comunidade, o que eles almejam e em conjunto
quais os recursos que possuem para combater a suas
adversidades.
Ilustração 3 - Projeto Caminho Curto

Fonte: ESF Joinville (2019)

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 77


Definindo o escopo do projeto com a comunidade

A ilustração 3 apresenta um recorte de um documentário


sobre o projeto Caminho Curto realizado pelo ESF – Núcleo
Joinville. No vídeo a moradora Senilda comenta:
“Esse projeto dos ESF está ajudando e vai melhorar bastante,
porque tem muita criança envolvida, ficam doente. Já teve
um caso de a menina parar na UTI por causa de verme, por
falta de saneamento. Agora melhorou 100%, as vezes eu nem
acredito assim, que a nossa comunidade está melhorando
cada vez mais.”
Este bem sucedido projeto teve como base a interação com
a comunidade. Foram aplicados os conceitos descritos neste
capítulo. Um dos grandes fatores apontados como pilar para o
sucesso deste projeto foi o sentimento de pertencimento
desenvolvido pelos beneficiados desde a concepção do escopo até
a entrega da obra, com participação ativa dos moradores. O
projeto beneficiou aproximadamente 100 pessoas, levando rede
e tratamento de esgoto a comunidade.
Nem sempre o que um projeto bem intencionado almeja é o
que a comunidade precisa. E com a mesma lógica, nem sempre o
que as comunidades sonham é aplicável. Por este motivo na
próxima parte vamos discutir sobre o ideal a ser feito e descrever
o método Querer-Precisar-Oferecer (QPO), elaborado pelas
autoras deste capítulo.

MÉTODO QPO
O primeiro passo do planejamento de um projeto é a
elaboração detalhada do seu escopo. O escopo de um projeto
consiste no detalhamento do trabalho necessário para se entregar
um serviço ou um produto. Geralmente, o planejamento do
escopo procura responder a três questões essenciais do projeto:
Qual problema se objetiva solucionar? Quais são os resultados que
se esperam obter? Quais as metas devem ser atendidas para se
conseguir os resultados esperados?
Para responder a essas perguntas, é necessário que toda a
equipe, tanto de voluntários quanto da comunidade, esteja
alinhada e bem integrada ao projeto, conforme citado
anteriormente.

78
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Os projetos realizados por nós podem ser captados de duas


maneiras: quando um colaborador identifica um local como
potencial alvo para um projeto ou programa, ou quando a própria
comunidade entra em contato com a nossa ONG em busca de
algum auxílio ou orientação.
Em alguns casos, é comum que, em um primeiro contato, os
representantes da comunidade solicitem demasiadas ações e
intervenções que acreditam precisar e que, por vezes, mascaram
os problemas reais. Em contrapartida, nossos voluntários podem
apresentar soluções pré-estabelecidas antes mesmo de ouvir as
dores, necessidades e demandas do local que será atendido.
Dessa forma, depara-se com três fatores determinantes para
o desenvolvimento de uma metodologia que leva a um projeto
bem-sucedido: o que a comunidade quer; o que a comunidade
realmente precisa e o que a equipe técnica pode oferecer
(Ilustração 4).
Ilustração 4 - Projeto Caminho Curto

Fonte: Autoria Própria (2020)


O método QPO (Querer-Precisar-Oferecer) busca alinhar
estes três fatores igualmente importante, tendo em vista as
demandas e necessidades do local, as expectativas da
comunidade e o suporte que a ONG pode oferecer, seja ele por
meio de colaboradores, divulgação, conhecimento técnico ou mão
de obra.

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 79


Definindo o escopo do projeto com a comunidade

Acredita-se que, ao ouvir o que a comunidade quer sem


conceitos pré-estabelecidos; perceber, direcionar e guiar para o
entendimento colaborativo do que realmente precisam e assim
corresponder com o que a ONG pode oferecer; o resultado é um
projeto coerente, assertivo, duradouro e abraçado por todos os,
despertando o sentimento de pertencimento e cuidado em todos
os envolvidos.
A fim de exemplificar esta metodologia, será citado um caso
ocorrido durante um evento que buscava aproximar ONGs que
promovem ações sustentáveis em comunidades vulneráveis, onde
voluntários do ESF núcleo Rio de Janeiro (ESF-Rio) conheceram
uma ONG que objetiva implementar tetos verdes nas
comunidades cariocas.
Durante uma conversa inicial, os voluntários do ESF-Rio
foram convidados a visitar a casa do fundados da ONG que
constrói tetos verdes, que é usada como modelo, e conhecer o
sucesso do projeto. Os voluntários do ESF-Rio, implementadores
do Método QPO, sabiam naquele momento que deveriam entrar
de mente aberta e sem pré-julgamentos, ou pré-projetos.
Apesar do ESF-Rio possuir diversas soluções tecnológicas,
estas não foram apresentadas antes de conhecer a realidade da
comunidade. A energia solar talvez ajudasse a solucionar a
questão da segurança energética dos moradores, porém esta não
era uma de suas prioridades no momento e os voluntários
poderiam, inclusive, causar inconvenientes dentro da
comunidade. Como citado anteriormente, deve-se evitar a todo o
custo a famosa pegada de colonizador. Ao invés disso, os
voluntários perguntaram ao fundador desta ONG, que é um
morador conhecido e respeitado da comunidade em questão, qual
fora a sua motivação em criar esta ONG e o que ele precisava para
que seus projetos fossem mais bem-sucedidos.
Foi compreendido ao visitar a comunidade e conversar com
seus moradores que a principal prioridade e o que impulsionou a
ONG local a instalar tetos verdes foi a temperatura das casas.
Estas, construídas de maneira que o ar não circule
adequadamente e com telhas de amianto, retém o calor em seu
interior nos verões intensos e mesmo o uso de aparelhos de ar-

80
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

condicionado pode ser ineficaz. Apesar da casa do fundador ser


um caso de sucesso, suas tentativas de instalar os tetos verdes em
outras casas não foram tão bem-sucedidas, pois os moradores
teriam de gastar água para regá-los de tempos em tempos. Além
disso, as instalações dos tetos verdes eram feitas de maneira
inadequada e sem a devida segurança.
Desta forma, foi identificada uma possibilidade de parceria,
já que o ESF-Rio possui expertise em técnicas de captação de água
da chuva, potencialmente solucionando a questão da irrigação,
bem como em segurança do trabalho, contando com voluntários
que poderiam oferecer treinamento de trabalho em altura aos
membros da ONG parceria.
Com isso, é possível ilustrar a importância da criação de laços
com moradores representantes da comunidade. Os voluntários
tiveram o acesso à comunidade facilitado por uma ONG que já
atuava no local e cujo fundador era um representante bem
conhecido, preocupado em resolver os problemas locais. Logo,
esta parceria foi importante para evitar a pegada de colonizador e
aumentar as chances de sucesso de qualquer projeto aplicado na
comunidade, já que a sensação de pertencimento pelos
moradores estaria presente. Além disso, com a mente aberta e
livre de preceitos, os voluntários foram capazes de identificar os
três pilares do QPO e rapidamente chegar a um escopo de projeto.
Os moradores da comunidade queriam que suas casas fossem
mais frescas durante o verão. Já havia uma ideia bem estabelecida
da construção de tetos verdes para solucionar esta questão, mas
precisavam de uma solução para a questão da irrigação e da
segurança. Tendo em vista estas necessidades, a ONG visualizou
que poderia oferecer aulas de segurança e amadurecer a
possibilidade de implantar um sistema de captação de água da
chuva acoplada aos tetos verdes.

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 81


Definindo o escopo do projeto com a comunidade

REFERÊNCIAS
ENGENHEIROS SEM FRONTEIRAS – NÚCLEO JOINVILLE. Projeto Caminho Curto,
out. 2019. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=FFFvFXIrWDY&t=375s>. Acesso em:
15/03/2020.
SIROLLI, E. Quer ajudar alguém? Fique quieto e escute!, nov. 2012. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=chXsLtHqfdM>. Acesso em:
15/03/2020.

82
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Mobilização de recursos e parceiros


Júlia Antunes, ESF-Porto Alegre
Pedro H. S. Thebit, ESF-Belo Horizonte
Fernanda D. Moreira, ESF-Brasil /UFMG

Mobilizar recursos e parceiros se torna essencial para a


sustentabilidade de uma organização social sem fins lucrativos.
Não apenas para execução de seus projetos, mas também para
manter as atividades de gestão. O presente capítulo propõe
elucidar sobre o desenvolvimento do Terceiro Setor no âmbito da
captação de recursos. Apresentaremos, também, experiências e
desafios enfrentados na Associação Engenheiros sem Fronteiras
Brasil.
A IMPORTÂNCIA DE MOBILIZAR RECURSOS E PARCEIROS
Antes de falarmos sobre como mobilizar recursos para
atividades da organização, é importante definirmos quais as
fontes de recursos dos setores da sociedade. Enquanto o Primeiro
Setor - o Estado - se financia, principalmente, através do
recolhimento de impostos, o Segundo Setor - as empresas
privadas - se financiam através da venda e prestação de serviços
com fins lucrativos. A principal fonte de financiamento do Terceiro
Setor é a doação seja de pessoas jurídica ou física (GIFE, 2016).
De acordo com o censo do Grupo de Institutos, Fundações e
Empresas (GIFE), em 2016, a principal fonte de renda do Terceiro
Setor no Brasil eram doações de empresas mantenedoras (46%) e
fundos patrimoniais (28%) (GIFE, 2016). Apesar de ser a principal
fonte de receita para muitas organizações, outras formas de
captar recursos vêm sendo usadas tais como a venda de produtos
e serviços (GIFE, 2016). É importante que a organização possua
sempre mais de uma fonte de captação de recursos, pois ter
apenas uma pode colocar em risco todo o planejamento e
sustentabilidade se porventura essa receita reduza ou acabe.
A Mobilização de Recursos começou a se desenvolver no
início do século XX, quando foram surgindo campanhas
estruturadas a fim de se arrecadar fundos para uma causa social
(SARGEANT; SHANG, 2017). Desde então, cada vez mais

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 83


Mobilização de recursos e parceiros

elementos foram sendo incorporados nesse processo, como o uso


da Publicidade, do Marketing, a criação e regulamentação de leis
específicas, com o advento da televisão e da Internet.
Em razão disso, para alcançar a sustentabilidade financeira
das organizações é necessário captar recursos de pessoas e firmar
parcerias que acreditem na causa da organização, o que não é
tarefa fácil principalmente porque nos últimos anos passou-se a
exigir mais das organizações em relação à qualidade técnica e
gerencial e efetividade das ações realizadas (ARMANI, 2008). As
organizações que não tiverem um setor de planejamento para
captação de recursos encontrarão muita dificuldade de se
manterem, tanto para o pagamento de despesas quanto para
subsidiar suas ações ou projetos.
Encontrar aliados para a causa de sua organização, sejam
doadores ou parceiros institucionais, demonstra como sua causa
é importante para a sociedade e não só para os membros
integrantes da organização, mostra legitimidade e fica mais fácil
de convencer outras pessoas a apoiarem ou doarem para suas
ações (ESTRAVIZ, 2017).
Para prosseguimento das atividades de uma organização do
Terceiro Setor é necessário uma estrutura interna bem planejada
para alcançar o sucesso em parcerias com órgãos públicos e
empresas privadas (KOTHER, 2012). Por isso, devemos investir no
setor de desenvolvimento institucional para que sejam
estabelecidas estratégias de captação que tornem a organização
sustentável do ponto de vista financeiro e para tal é importante
que a organização invista em governança e transparência para
conquistar credibilidade e legitimidade.
Captar recursos é uma das principais dificuldades para
organizações sociais. Além disso, a falta de apoio governamental,
dificuldade em encontrar parcerias e a falta de recursos
monetários potencializa essa dificuldade (VIEGAS; ASSIS;
BARRETO, 2014) que deve ser superada através de um
planejamento participativo e integrado entre os membros da
organização para que a solução seja criativa, podendo ser
adaptada sempre que necessário (FERRARI, 2014).

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

É importante salientar que a mobilização de recursos e


parceiros vai além do caráter monetário e técnico abrangendo
desafios políticos, institucionais, de comunicação e gestão de
pessoas. Para superar esses desafios é necessário planejar e
conhecer as formas de captar recursos, mobilizar aliados e
aprender com a experiência de outras organizações.
ALTERNATIVAS PARA CAPTAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS
A diversificação das fontes é essencial para evitar
dependência de um único recurso, pois se este cessa, a atuação da
organização se restringirá e talvez até sua existência entrará em
risco. Tudo isso devemos observar na hora de desenharmos um
plano de captação.
Neste capítulo, discutiremos três formas de captar recursos
através de doações: i) Pessoa física; ii) Editais e; iii) Empresas.
Ao contrário do que o senso comum pode pressupor, a
captação com pessoas físicas pode render mais do que com
empresas ou governos. Uma pesquisa do Instituto para o
Desenvolvimento do Investimento Social - IDIS demonstrou que
no ano de 2015, quase metade da população brasileira doou para
alguma organização social e as doações individuais no Brasil
totalizaram R$ 13,7 bilhões (IDIS, 2015).
Algumas das formas mais comuns de se conseguir recursos
com pessoas físicas são os pedidos diretos, venda de produtos ou
prestação de serviços, eventos e campanhas de financiamento
coletivo também conhecidas pelo nome em inglês, crowdfunding.
Na primeira, sugerimos que o pedido ocorra diretamente
para beneficiários, familiares, comunidade do entorno ou público
em geral um valor único ou recorrente. É aconselhável possuir
diversas opções para recebimento de doações por exemplo
transferências, depósitos, boletos, cartão de crédito e débito em
conta.
Uma entidade também pode se fazer valer da venda de
produtos de qualidade fabricados por seus membros, bem como
cobrar um valor para ministrar oficinas e workshops. Além disso,
podemos vender produtos de parceiros, toda compra se

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 85


Mobilização de recursos e parceiros

destinando para um projeto específico. Essa modalidade de


vendas de produtos ou serviços precisa estar bem especificada no
Estatuto Social da organização.
Eventos com parceiros e patrocinadores é uma forma de
captação, como jantares beneficentes, bingos, rifas, e outras
formas de distribuir prêmios mediante sorteios podem ser
utilizadas para angariar fundos. Já as campanhas de crowdfunding
têm ganhado cada vez mais adesão por causa da internet. Outras
fontes de recursos com indivíduos são advindas de equipes face to
face (onde grupo de pessoas, devidamente identificadas, vão às
ruas para solicitar doações diretamente com outras),
telemarketing, verbas parlamentares, leis de incentivo, leilões,
etc.
A mobilização de recursos através de editais são destinações
onde empresas, fundações, governo ou mesmo outras
associações, nacionais ou internacionais, publicam um
regulamento para promover a seleção de iniciativas para
investimento social que estejam alinhadas aos critérios de seus
interesses. Assim, a organização proponente cadastra seu projeto
ou iniciativa e esta é avaliada internamente. A dificuldade de se
captar com este tipo de modalidade está nas especificidades que
cada edital possui. Além disso, os recursos via edital são chamados
de carimbados pois devem, em sua maioria, ser utilizados apenas
para o projeto submetido, não podendo ser utilizado para investir
em outro projeto ou na própria organização em seus custos de
manutenção administrativa. Assim, ao definir qual ou quais
projetos terão seus recursos captados via edital, é interessante
estabelecer uma rotina de busca ativa por editais que se encaixem
no perfil dos projetos da organização.
A maioria das empresas não se utiliza de repasses via leis de
incentivo ou editais para doar às organizações, e uma outra forma
de mobilizar recursos para uma organização ou projeto é buscar
empresas parceiras, ponto que discutiremos com mais
profundidade no próximo tópico.
A busca, por exemplo, de consultórios, escritórios, armazéns,
fábricas ou mesmo pequenos comércios, na área ou no entorno
da área da comunidade onde as atividades do projeto são

86
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

realizadas são possibilidades para captar recursos, não só


financeiros.
Mas não devemos se ater apenas a empresas locais ou de
pequeno porte, ou seja, devemos buscar também grandes
empresas, tendo em vista que muitas têm setor ou departamento
de investimento social. Uma maneira de começar é oferecer
contrapartidas por parte da organização por exemplo: colocar o
nome da empresa em uma placa de inauguração; em materiais
online, etc. Ambas partes se beneficiam, uma vez que a
organização consegue os recursos para realização do projeto e o
patrocinador agrega valor a sua marca, como uma empresa que
contribui para o desenvolvimento local.
MOBILIZAÇÃO E RELAÇÃO DE PARCEIROS
A mobilização de recursos para organizações do Terceiro
Setor também se dá através das relações de parcerias, sendo
necessário o cuidado para mantê-las. Com isso, se faz necessário
a identificação e descoberta das necessidades de recursos da
organização para buscar parceiros com as mesmas finalidades
sociais (CAMARGO et al., 2002). A relação com parceiros e
doadores é formada pela confiança mútua e pela causa ou missão
da organização. Para tanto, entendemos que a relação entre uma
organização sem fins lucrativos e o apoiador/doador ocorre por
um processo ativo, que se retroalimenta em sua própria dinâmica,
formando uma cadeia de ações de significados de propósitos
(KOTHER, 2007).
Antes de iniciar as relações de parcerias que envolvam
recursos é necessário que a organização esteja devidamente
equilibrada e organizada. Antes do contato é necessário a coleta
dos dados de empresas, universidades, órgãos públicos,
analisando se a visão e valores condizem com as da sua
organização. No caso de empresa o primeiro contato deve ser
pessoal, uma vez que dentro de uma empresa existem pessoas.
Assim, devemos envolvê-las no projeto, demonstrar que houve
também pesquisa sobre os diretores, situação financeira e
atuações da empresa. Não recomendamos que o primeiro contato
ocorra sem uma pesquisa prévia (CRUZ; ESTRAVIZ, 2003). Dessa

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 87


Mobilização de recursos e parceiros

forma, empresas, universidades e outras instituições de ensino


são potenciais parceiros, recomendamos a análise prévia dos
cursos e os valores da instituição para verificar estão alinhados
com o da organização.
Normalmente as relações de parcerias neste âmbito são para
fornecer recursos humanos através de voluntários e estagiários,
além de existir a possibilidade de cessão de espaços para eventos
da organização, devido a melhor estrutura de uma universidade.
Realizada a lista de possíveis empresas passamos por outras
etapas com a empresa escolhida até a formalização da parceria.
É nesse contexto que Kother (2007) conta que o parceiro
deve estar envolvido nas ações e projetos se sentindo parte do
mesmo, sendo importante ouvir e deixar o parceiro opinar.
Somente nessa relação, a parceria pode vir a se tornar
permanente (KOTHER, 2007). Observamos também que visitas no
local de atuação da organização são fundamentais, bem como
encontros e conexões dos parceiros com outros parceiros,
sentindo a sinergia entre eles para ações e projetos sociais.
Por fim, o terceiro setor apresenta uma política diferente ao
captar recurso sendo visto como atividade meio para alavancar
em ações e projetos, que atingirão os objetivos de cada
organização. No que tange a parcerias, verificamos que a boa
organização interna de entidade sem fins lucrativos e também do
contato frequente com os parceiros é o que mantém a relação.
Além da correta prestação de contas, precisamos cuidar para
entender a situação atual do parceiro e para quais valores a
empresa/universidade está traçando anualmente.
ENGENHEIROS SEM FRONTEIRAS: EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS
A diretoria nacional da Associação Engenheiros sem
Fronteiras Brasil possui uma coordenação de captação de recursos
formada por assessores institucionais, que são responsáveis junto
à presidência por executar planos de ação referentes à
mobilização de recursos, cuja finalidade é garantir a
sustentabilidade da organização e executar projetos.
Estrategicamente foram definidas duas principais vertentes
para arrecadar recursos financeiros para o ESF-Brasil. A primeira é

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construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

a captação por indivíduos, através de doações via depósito


bancário ou através de uma plataforma de doação disponível no
site da organização. A segunda é a inscrição de projetos em
editais, tanto pela diretoria nacional quanto através de seus
núcleos.
Para melhorar as propostas para os Editais nós, o ESF-Brasil,
buscamos participar de editais de mentoria, certificações e
prêmios para alcançar uma maior visibilidade no terceiro setor e
estabelecer uma melhora contínua no seu plano de captação,
podendo contar com uma maior rede de contatos. Como
resultado, a organização recebeu o Prêmio ENATS de Boas Práticas
de Gestão no Terceiro Setor, Prêmio 100 Melhores ONGs para se
doar e Melhor ONG de Desenvolvimento Local em 2019. Além
disso, foram contemplados com mentorias do Instituto Nissan,
PAIS, Doa Brasil,Toyota e VOA Ambev.
Em relação à mobilização de parceiros, a associação possui
forte atuação em pactos e coalizões alinhadas à sua missão como
o Pacto Global da ONU, o Conselho Nacional da Juventude, rede
Internacional dos Engenheiros sem Fronteiras (Engineers Without
Borders International), entre outros de grande importância
nacional e internacional. Além disso, formalizamos diversas
parcerias institucionais que nos oferecem mentorias, cursos e co-
criação de projetos. Os núcleos da nossa rede tem autonomia para
captar seus recursos.
Observamos que a venda de canudos reutilizáveis foi sucesso
em mais de um Núcleo, isso ocorreu porque o produto está ligado
diretamente com a sustentabilidade. Além da captação do recurso
financeiro, nesses casos a logomarca da organização nos produtos
serve também como divulgação. Alguns Núcleos também captam
recursos com a venda de doces e salgados, muitas vezes, nas
próprias dependências das universidades nas quais possuem
parceria.
Ademais, observamos certa dificuldade na formulação de
estratégias dos Núcleos dos Engenheiros Sem Fronteiras, e que os
planos de ações adotadas, muitas vezes, traz resultados a longo
prazo, gerando desmotivação dos voluntários. Diante disso,

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 89


Mobilização de recursos e parceiros

implementamos desafios de mobilização de recursos nos


processos seletivos, trazendo resultados mais imediatos e
gerando motivação dos potenciais novos membros, pela vontade
de fazer parte da nossa equipe.
Os Núcleos ainda possuem dificuldades com parceiros
financeiros ativos. As parcerias de maior volume são em relação
às Instituições de Ensino Superior (IES), visto que muitos núcleos
do ESF-Brasil são projetos de extensão dessas IES e nossos
membros são majoritariamente universitários. Dessa forma, os
núcleos utilizam os espaços da universidade para realizar
reuniões, eventos e buscam apoio de docentes para orientação
técnica. Essa parceria fortalece tanto a ação dos núcleos quanto
da universidade na comunidade do entorno.
Em suma, observamos nas experiências que é fundamental
sempre buscarmos diversas fontes de captação de recursos para
sustentar uma organização. Recomendamos a busca por pessoas
qualificadas para orientar a equipe, desenvolver o setor
institucional, buscar qualificações e transparência nas ações,
tendo em vista que transmite credibilidade aos investidores e não
esquecer de estar sempre alinhado ao setor de marketing e
comunicação da organização.
REFERÊNCIAS
ARMANI, D. Mobilizar para transformar: a mobilização de recursos nas
organizações da sociedade civil. São Paulo: Peirópolis, 2008.
CAMARGO, M. F.; SUZUKI, F. M.; UEDA, M.; SAKIMA, R. Y.; GHOBRIL, A. N. Gestão
do terceiro setor no Brasil: estratégias de captação de recursos para
organizações sem fins lucrativos. 2 ed. São Paulo: Editora Futura. 2002.
CRUZ, C. M.; ESTRAVIZ, M. Captação de diferentes recursos para organizações
sem fins lucrativos. São Paulo: Global, 2003.
ESTRAVIZ, M. Um dia de captador. 2017. Disponível em: <
http://www.estraviz.es/wp-content/uploads/2017/09/ebookdiadecaptador.pdf>.
Acesso em: 05/02/2020
FERRARI, M. Captação de recursos em organização da sociedade civil: uma
prática criativa. Revista Pensamento & Realidade, v. 29, n. 2, 2014.
GRUPO DE INSTITUTOS, FUNDAÇÕES E EMPRESAS (GIFE). Censo GIFE, 2016.
Disponivel em: <https://gife.org.br/censo-2016-keyfacts/panorama.html.>
Acesso em: 18/03/2020.

90
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

INSTITUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DO INVESTIMENTO SOCIAL – IDIS.


Pesquisa doação Brasil. 2015. Disponível em: <
https://www.idis.org.br/pesquisadoacaobrasil/>. Acesso em: 05/02/2020.
KOTHER, M. C. M. F. Captação de recursos: uma opção eticamente adequada.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.
KOTHER, M. C. M. F. Contexto e caminhos do terceiro setor. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2012.
SARGEANT, A.; SHANG, J. Fundraising: principle and practices. WILEY: 2nd
ed.2017.
VIEGAS, G.; ASSIS, L. B.; BARRETO, R. O. Captação de recurso, mobilização e
legalidade: o fazer estratégico de organizações do Terceiro Setor em Belo
Horizonte. REGE-Revista de Gestão, v. 1, n. 4, p. 525-541, 2014.

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 91


Mobilização de recursos e parceiros

92
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Relação da organização e seus beneficiários em


projetos sociais
Camila Sacramento de A. Correia, ESF-Aracaju
Luana Cristina O. Prado, ESF-Recife
Vitor Hugo dos R. Aparecida, ESF-Juiz de Fora

Quando tratamos de um projeto de forma genérica estamos


falando sobre algo que se espera alcançar em algum momento no
futuro, algo que será construído. Portanto, isso remete ao sonho,
o desejo de realizar alguma coisa que possa mudar determinada
situação. Quando nos referimos aos projetos sociais não é
diferente, afinal, seu conceito e conteúdo sempre irão tratar de
desejos de mudança. O que difere é o fato desse conceito estar
ligado, prioritariamente, com ideias coletivas, voltadas para a
construção do bem comum. Por isso, o presente capítulo traz a
discussão de projetos sociais à luz da relação da organização e seus
beneficiários.
A relação do projeto social com os beneficiários é algo que se
torna essencial no desenvolvimento do trabalho, afinal, o objetivo
final é a satisfação coletiva de quem usufruirá do projeto, uma vez
que esteja concluído. A participação ativa da população visa o
fortalecimento da cidadania e, além disso, gera um respeito e
reconhecimento da cultura da comunidade envolvida, não
impondo condutas e, consequentemente, preservando a cultura
da vida social, o que se torna de extrema importância para que as
mudanças ocorram dentro de uma relação de aceitação.
Deve existir transparência e respeito entre aqueles que irão
trabalhar de forma direta com o projeto social e aqueles que um
dia irão usufruir do projeto, uma vez que o mesmo esteja
concluído. Como a comunicação entre os mesmos é essencial
durante o desenvolvimento, ela precisa ser direta e clara, gerando
um bom relacionamento profissional entre as partes.
Dito isso, nós entendemos que para que sejam alcançados
resultados positivos a relação dos autores do projeto com os
beneficiários é de extrema importância desde o início, no

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 93


Relação da organização e seus beneficiários em projetos sociais

planejamento, até sua conclusão. É necessário um levantamento


detalhado de informações relacionadas às condições de vida dos
que irão usufruir do projeto concluído, essas informações serão
essenciais ao longo do desenvolvimento do projeto e suas
avaliações finais.
QUEM SÃO OS BENEFICIÁRIOS
Desde o planejamento até a execução, qualquer projeto
social tem um objetivo de impacto. Esse objetivo está ligado
diretamente a um público alvo que, em grande parte das vezes,
são as pessoas que se situam em algum tipo de vulnerabilidade
social. Esses grupos que são favorecidos com o projeto, os quais
podem ser chamados de beneficiários, têm em sua
representatividade uma ferramenta essencial para o sucesso de
qualquer projeto.
Segundo Prates Rodrigues (2014) os beneficiários podem ser
diretos ou indiretos. O primeiro diz respeito à aqueles que têm
vínculo ou contato próximo com o projeto, por exemplo alunos de
uma escola que recebem um projeto de educação ambiental. Já os
indiretos estão relacionados à pessoas que de alguma forma são
impactadas, mesmo sem participar diretamente. Seguindo a
mesma linha de exemplo, eles seriam os pais, no momento em
que os filhos contam o que aprenderam no projeto, propagando
assim os aprendizados.
Com isso, é possível observar o efeito do projeto social: a sua
capacidade de produzir experiências inovadoras para a
comunidade, sendo este de maneira direta ou não, contribui para
inovações em políticas sociais.
Frisando que o foco dos projetos sociais é causar um
benefício positivo na vida dos seu público alvo, é extremamente
necessário conhecê-lo e imergi-lo dentro do projeto em questão.
A pergunta que se faz é, como?
PROPONENTES X BENEFICIÁRIOS
O desejo de mudar a realidade, quando possível, torna-se um
projeto social. O projeto cria uma ponte entre o desejo e a
realidade, estruturando ações intencionais de uma organização
social ou de um grupo de pessoas que partem do diagnóstico de

94
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

uma determinada problemática e, assim, buscam contribuir para


uma nova e diferente visão do futuro, com possibilidade de
melhorias (STEPHANOU; MÜLLER; CARVALHO, 2003).
Mas como provocar a mudança de um determinado cenário
social? Stephanou, Müller, e Carvalho (2003, p. 11) também diz
que:
A elaboração de um projeto implica em diagnosticar uma
realidade social, identificar contextos sócio-históricos,
compreender relações institucionais, grupais e comunitárias
e, finalmente, planejar uma intervenção, considerando os
limites e as oportunidades para a transformação social.
Para que essa tal mudança seja alcançada, normalmente é
usada uma das mais importantes atribuições do homem: a
conversa. O relacionamento dos que propõem a mudança com os
que se beneficiarão, envolve os dois principais elementos de um
diálogo: o falar e o ouvir, pautadas sempre pela ética profissional
e o bom senso. De acordo com Souza (2001, p. 22):
A gestão da ação social sob a forma de projetos exige, em
primeiro lugar, o conhecimento do contexto em que os
projetos sociais estão inseridos. Este conhecimento
compreende a capacidade de diagnóstico das questões
sociais a serem abordadas pelo projeto.
Há um ditado popular que diz: “a natureza deu-nos duas
orelhas e uma só boca para nos advertir de que se impõe mais
ouvir do que falar”. Fazendo uma alusão, é exatamente o que um
projeto social mais necessita, ouvir. O ponto mais importante é
entender a real necessidade do seu público alvo, para então
transformá-lo em um projeto bem direcionado, planejado e com
impacto totalmente positivo para ambas as partes. Segundo Souza
(2001) os compromissos entre as organizações envolvidas
diretamente na implantação do projeto e a população, vão muito
além do repasse correto de informações. É necessário inserir as
populações nas rotinas diárias de decisões, afinal, a credibilidade
de um projeto será estabelecida por meio desta relação entre os
que estão propondo e os que estão sendo beneficiados.
Para isso, ao se iniciar um projeto social, é importante guiar
a conversa para um caminho em que o beneficiário conte suas

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 95


Relação da organização e seus beneficiários em projetos sociais

demandas, expectativas e dificuldades. Além disso, todo


beneficiário tem uma história, uma percepção e alguma
informação que ajudará dentro do planejamento do projeto. A
liberdade para se comunicar também ajudará o beneficiário a
interagir com o andamento do projeto, facilitando sua imersão.
Segundo Maciel (2015) após identificadas as necessidades e
oportunidades para uma nova intervenção e analisada sua
viabilidade, os trabalhos seguem em direção ao conhecimento da
problemática em questão, conhecimento esse que se dá através
do diagnóstico. Para Armani (2000) o diagnóstico deve permitir
que os que farão parte do desenvolvimento do projeto social
possam ter uma visão da situação inicial dos beneficiários em
potencial, através de um levantamento detalhado de informações
que demonstrem suas condições de vida.
Para Stephanou, Müller e Carvalho. (2003) deve existir uma
articulação entre os grupos de base e as lideranças locais que
forem consideradas importantes para o desenvolvimento do
trabalho, afinal, nenhum projeto consegue ir adiante sem apoio
local. Dessa forma, torna-se importante uma leitura da realidade
social e cultural local, ou seja, captar as situações de
vulnerabilidade social, cultural, econômica e a carência de
serviços.
Em conclusão, nós devemos fazer uma análise na realidade
local e conseguir o apoio da população neste contexto, apoio este
que será importante no desenvolvimento do trabalho.
A relação com os beneficiários também envolve o falar, onde
a instituição social tem um papel extremamente significativo e tal
comunicação deve ser pautada por alguns valores. Para Prates
Rodrigues (2014), como os projetos sociais lidam muitas vezes
com pessoas simples e com expectativas, é necessário cuidado ao
repassar informações para não gerar ilusões e decepções.
Visto que a conversa é um dos importantes pilares da relação
com os beneficiários, há outros que estão intrínsecos e que
merecem destaque. Não é possível extrair todas as informações e
imergir um beneficiário de modo que ele ajude e participe
ativamente de um projeto sem a constância de contato. Por isso,
visitas ao local onde está sendo devolvido o projeto, juntamente

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

com presença em reuniões aumentam a frequência de trocas de


informações e experiências. Se feito de modo periódico, esses
momentos formam um aparato que permitirá a aproximação
ainda maior entre ambas as partes, ajudando a fortalecer o
relacionamento.
Armani (2004) frisa que não são considerados resultados
positivos quando não acontece o envolvimento e participação dos
beneficiários nas ações dos projetos. Portanto, tornam-se
necessárias criações de consensos e uma participação coletiva no
planejamento em todos os níveis da organização e do projeto,
assim como a definição e distribuição de papéis e suas devidas
responsabilidades entre todos os envolvidos, incluindo, também,
diálogos que permitam espaços para debates e reflexões. Nesse
sentido, o autor conclui que:
Se a participação de beneficiários e de outros atores dá-se
de forma efetiva, ela fará com que os parâmetros de
condução e de avaliação de um empreendimento social
dêem-se pela construção coletiva a partir das várias visões e
interesses de todos os atores envolvidos e não por apenas
uma entidade de forma exclusiva (p.29).
A participação da organização provedora, da equipe gestora,
executora, dos que irão apoiar e, principalmente, do público alvo,
é extremamente relevante para que os fins propostos sejam
alcançados. Com isso, é importante estabelecer relações com os
beneficiários e seus apoiadores.
Stephanou, Müller e Carvalho (2003) ressalta que em nível
local, é muito importante que os projetos tenham o apoio das
instituições que atuam junto aos grupos sociais beneficiários. Este
apoio é essencial para a criação e manutenção de canais de
comunicação entre os grupos envolvidos no projeto, a fim de que
as propostas ganhem sustentação, criando-se uma conjunção de
esforços na mesma direção.
Para um projeto ser considerado como social e popular é
necessário que sua implementação tenha participação ativa da
população, de forma a promover cidadania dentro do ambiente
que está sendo construído.

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 97


Relação da organização e seus beneficiários em projetos sociais

REFERÊNCIAS
ARMANI, D. Como elaborar projetos? Guia prático para elaboração e gestão de
projetos sociais. Porto Alegre: Amenoar, 2000.
MACIEL, W. Projetos sociais. Palhoça: Unisul Virtual, 2015.
RODRIGUES, M. C. P. Planejamento e avaliação de projetos sociais em
organizações sociais. Rio de Janeiro: Fundação Dom Cabral, 2014.
SOUZA, M. R. Gestão administrativa e financeira de projetos sociais. In: ÁVILA, C.
Gestão de projetos sociais. 3ª ed. rev. São Paulo: AAPCS - Associação de Apoio ao
Programa Capacitação Solidária, 2001.
STEPHANOU, L.; MÜLLER, L. H.; CARVALHO, I. C. de M. Guia para elaboração de
projetos sociais. Porto Alegre: Fundação Luterana, 2003.

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Execução do projeto
Gustavo F. Moraes, ESF-Rio de Janeiro, UGB
Marcelo de S. F. C. Silva, ESF-Rio de Janeiro, UFRJ
Priscila B. Cauduro, ESF-Porto Alegre, UFN

A execução de um projeto é a fase considerada como retirar


o projeto do papel e envolve muitas questões que são difíceis de
prever no planejamento, mas que são tão importantes quanto a
própria técnica ou metodologia de execução. É quando outras
variáveis não planejadas corretamente podem acontecer, tais
como: comunicação inadequada, conflitos, mudança de
metodologias, mudança de práticas de execução, mudança de
prioridades, e inclusive acidentes de trabalho, etc. Este capítulo
tratará dos vários aspectos da execução do projeto: a segurança,
a comunicação e outros fatores que podem ocorrer nessa etapa e
que têm influência direta nos resultados (OPAS/OMS, 2014).
ASPECTOS DA EXECUÇÃO
A execução é a ação do que foi planejado, é a fase de gerar e
colher os resultados, mas também onde podem surgir as tensões
gerando os conflitos e crises. Para que a execução seja bem-feita
são necessárias uma boa gestão e uma equipe coesa e com
profundo conhecimento dos objetivos do projeto, da disposição
das prioridades, os recursos disponíveis para o projeto, e
principalmente do seu papel nele.
Falando em papéis, é bom todos terem funções bem
definidas, por mais que o processo ocorra com a maior
horizontalidade possível (a autogestão, tratada no capítulo
Autogestão, sustentabilidade e replicabilidade de projetos sociais
na engenharia), a função do gestor de projetos é crucial para um
bom direcionamento da equipe, e a gestão de pessoas
propriamente dita. A equipe por sua vez, principalmente em se
tratando de projetos sociais, geralmente é diversa e
multidisciplinar, sendo necessário gerenciar um conjunto de
diferentes personalidades e habilidades, sendo essa a parte mais
crítica de se gerenciar.

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 99


Execução do projeto

A metodologia de execução pode sofrer variação no decorrer


da execução do projeto, de acordo com os acontecimentos,
podendo inclusive mesclar metodologias distintas
simultaneamente em alguns momentos do projeto, além de
serem alteradas e ou complementadas por outras que no
momento da execução se apresentem mais viáveis, quer por
experiência dos membros da equipe de execução, ou por melhor
sintonia com o tipo de projeto.
Avaliação e controle, na etapa da execução, se tornam muito
solicitadas. Elas são responsáveis pela percepção e avaliação das
ações, prazos e recursos, dando uma visão mais ampla do projeto
e auxiliando na tomada de decisão, alteração, mudança,
reprogramação, ajustes, harmonização, com foco em mitigar
falhas decorrentes de incidentes do processo de execução e
reduzindo incertezas.
Existem diversas ferramentas para avaliação e controle da
execução de projeto, desde as mais tradicionais como planilhas,
gráficos, questionários, até as mais complexas como sistemas de
gestão da qualidade, softwares, etc. Cabe sempre uma pesquisa
para conhecimento dessas ferramentas para melhor
aproveitamento das mesmas.
Na verdade, a execução do projeto põe à prova todo o
planejamento, e é o momento onde são aplicados os recursos,
principalmente os recursos financeiros e recursos humanos, e a
resposta para qualquer contratempo deve ser a mais rápida
possível, pois são recursos que podem comprometer
consideravelmente a continuidade, e por isso merecem uma
atenção dedicada e específica bem de perto. A gestão financeira e
de recursos humanos precisam de gestores capacitados e
competentes para gerarem um sinal antecipado no caso de
qualquer possibilidade de desequilíbrio, inclusive já se deve ter
desde o planejamento ferramentas para contenção de crises e
gestão de riscos, desde a mais básica como a possibilidade de um
pagamento de passagem para um voluntário, participante, que no
momento esteja desprovido de meios próprios, chegando às
possíveis problemáticas de relacionamentos interpessoais na
equipe.

100
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

A gestão de riscos e crises é de suma importância na


execução de um projeto, pois oferece o apoio necessário
para a garantia de que as situações identificadas com
potencial impacto negativo sob a atividade ou processo
sejam tratadas de forma adequada e em tempo, de modo a
não prejudicar o cumprimento dos objetivos ou metas (INPI,
2018, p.3).
Outro aspecto que deve ser levado em consideração é a
organização, que é inclusive uma das bases para implantação de
sistemas de gestão da qualidade, com foco na melhoria contínua.
Qualquer tipo de projeto deve ter uma execução organizada, pois
isso resulta em um bom uso dos recursos disponíveis.
Quando se fala em organização, se pensa logo em limpeza e
arrumação, mas na verdade é um conceito bem amplo e que
merece o estudo e entendimento mais aprofundado, pois, quer
sejam as ferramentas manuais para execução de tarefas como
montagens, construção, ou manutenção de um equipamento, ou
quer seja um programa de computador, ou até mesmo um projeto
literário como este, a organização tem uma grande relevância para
o sucesso da execução e deve ser observada e inclusive
acompanhada metodicamente.
COMUNICAÇÃO
A comunicação tem um papel importante para o sucesso do
projeto, esta deve ser a mais clara e objetiva possível, alcançando
todos os interessados. A falha na divulgação de informações pode
levar o grupo de trabalho a cometer atrasos nas entregas e
paralisações, assim, levando todo o sonho ao fracasso.
Quando a comunicação é bem realizada, a informação
alcança toda a equipe e os interessados no projeto. Com isso, é
provável que diminua os erros na execução do projeto por
eliminar possíveis ruídos, aumentando assim a produtividade nas
atividades.
É importante que as organizações utilizem dessa ferramenta
também para se expressar, dando visibilidade às realizações e
resultados, observando que o objetivo da comunicação será
auxiliar a transformação da sociedade. Se utilizando da

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 101


Execução do projeto

comunicação, também, para motivar a equipe de execução, pois o


projeto é resultado da ação de pessoas que trabalham em equipe.
É estratégico saber estimular de forma coletiva o empenho e
motivação, o conhecimento em prol do projeto. Despertando
assim novos líderes para a criação de novos projetos ou parcerias.
Também é interessante que os envolvidos tenham
oportunidades e recursos para expressar suas opiniões, além de
também poder receber instruções, tornando os trabalhos mais
fluidos e produtivos sem a necessidade de retrabalho. Ajudando a
controlar os gastos e também a satisfação de todos os envolvidos.
As pessoas não podem encontrar dificuldades que as façam não
se entenderem, podendo arruinar tudo o que foi planejado em
etapas anteriores.
Quando não há problemas na comunicação do grupo, as
pessoas levam menos tempo na execução de suas atividades, além
de haver uma colaboração maior entre eles e sem a necessidade
de ficar aguardando uma resposta ou até mesmo em situações
mais burocráticas.
QUALIDADE, MEIO AMBIENTE, SEGURANÇA E SAÚDE
Na execução do projeto é preciso considerar fatores como
qualidade, meio ambiente, segurança e saúde, os quais são
ponderados desde a etapa de elaboração do projeto. Com esses
quatro fatores é possível realizar a gestão integrada de todos os
processos envolvidos no projeto e tornar o ambiente de trabalho
mais seguro e saudável.
Para que esse sistema seja eficaz é necessário que aconteça
o repasse das informações no momento mais adequado (SOUZA,
2000), geralmente é o gestor que ficará responsável por esse
repasse. No quesito qualidade é aonde deve ocorrer a conexão da
equipe com a execução do projeto, e a partir dele são
considerados outros dois pilares, a gestão de pessoas e a gestão
de conhecimento.
A gestão de pessoas envolve a identificação da qualificação e
competências de cada pessoa que irá participar, e o bem-estar da
mesma dentro da atividade que irá executar, para que possa ser
direcionada para atividade mais adequada. A gestão de

102
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

conhecimento refere-se a maneira de transmitir as etapas e os


detalhes da execução de cada atividade para a equipe, juntamente
com os riscos envolvidos, o porquê de manter a atenção durante
a realização das atividades e da utilização dos equipamentos de
proteção (SOUZA, 2000).
Já o fator meio ambiente é relacionado com a matéria-prima
utilizada e os resíduos gerados na execução do projeto. É
importante sempre buscar materiais alternativos e sustentáveis
para implementar o projeto, ou reutilizar partes de materiais que
sobraram de outros projetos e doações.
Nessa etapa também deve ser realizada a separação e
posteriormente a destinação adequada dos resíduos gerados. O
descarte dos resíduos deve ser conforme planejado nas etapas
anteriores do projeto.
Nos projetos realizados todos os riscos existentes devem ser
considerados e analisados, para que a segurança e a saúde da
equipe não sejam afetadas. Mesmo considerando que os
voluntários não façam tal atividade de forma repetitiva ou por um
longo período que possa causar doenças ocupacionais, ainda
podem ocorrer acidentes.
Na segurança da execução das atividades é necessário
implementar medidas de proteção na seguinte ordem, segundo a
Norma Regulamentadora 9 (2019) do Ministério do Trabalho,
sempre com a finalidade de proteger quem estiver trabalhando e
prevenir os acidentes:
 Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC’s): guarda-
corpo e redes de proteção, para impedir quedas;
extintores de incêndio;
 Medidas de caráter administrativo ou de organização do
trabalho: objetos depositados em qualquer local, as
pessoas podem tropeçar, ou então, derrubar de algum
lugar, como escadas, podendo atingir alguém que esteja
passando no mesmo momento;
 Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s): luvas
apropriadas para evitar o contato com materiais

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 103


Execução do projeto

indevidos; óculos transparentes para evitar projeções de


objetos nos olhos e também o contato com poeiras;
máscara conforme o tipo de atividade e o agente físico
e/ou químico que será liberado; capacete e cinto para
projetos que possuem atividades em altura,
carregamento de materiais em níveis altos e que tenha
risco de queda.
Daí a importância da discussão desses fatores e atenção
especial na eliminação dos riscos, sua avaliação, controle,
organização do trabalho e priorização da implementação das
medidas de proteção. Com isso, é possível executar o projeto de
maneira mais segura para a equipe e também para o meio
ambiente, com qualidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O capítulo teve como foco apresentar os principais fatores
para uma boa execução de projeto independente da metodologia
que será utilizada. Munido destas é necessário que sempre haja
uma reflexão, por parte de toda a equipe, trocando experiências e
ideias para que se tenha o resultado esperado.
É na execução que normalmente as organizações têm mais
dificuldades e para exercer seu papel deverá ser flexível e ao
mesmo tempo ágil devido às imprevisibilidades políticas, sociais e
econômicas que podem existir no meio do processo e que podem
acabar ditando o ritmo do projeto.
Uma boa articulação se faz necessária para toda a execução
visto que podem haver imprevistos, assim sendo, pode-se
estabelecer uma prioridade evitando uma quebra das ações. Uma
boa comunicação é um aspecto de vital relevância e sua falta pode
gerar desmotivação na equipe ocasionando atrasos de
cronograma, inclusive comprometer a transparência durante a
execução.
A comunicação e interação entre os membros da equipe
influenciam diretamente na melhoria da gestão e na qualidade do
serviço realizado. Por meio de treinamentos e outras informações
passadas em momentos distintos, que a importância de cada
função, seus reais riscos e quais cuidados devem ser tomados,

104
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

precisam ser transmitidos, e sucessivamente, ocorrer a entrega de


EPI’s com a devida documentação de recebimento, para que os
voluntários executem suas funções da forma mais segura.
Esses aspectos e outros são abordados no Guia PMBOK, que
descreve as melhores práticas para o gerenciamento de projetos,
por meio da aplicação de habilidades, conhecimentos,
ferramentas e técnicas (PROJECT BUILDER, 2015). O Guia
possibilita padronizar os processos, estabelecer diretrizes claras
de gestão e socializar a informação de maneira adequada
(STRATEC, 2017).
O Guia PMBOK trata do gerenciamento de projetos de forma
genérica, tendo que ser adaptado para cada tipo de projeto.
Sendo assim, é recomendado adotar metodologias ágeis, ou
também conhecidas por Agile, que defendem o planejamento
adaptativo, times auto-organizados e multidisciplinares, melhoria
contínua e desenvolvimento evolucionário (LIGA AGIL, 2019).
A Liga Agil (2019) apresenta os três tipos de metodologias
ágeis mais utilizadas no mercado: Lean, Kanban e Scrum. O Lean
utiliza sete pilares para extrair o máximo dos projetos, melhorar
processos e entregar o essencial: eliminação de desperdício,
fortalecimento do time, rapidez na entrega, otimização do todo,
construção da qualidade, adiamento de decisões, amplificação do
conhecimento.
A metodologia Kanban para projetos foca no registo e na
divisão das tarefas, representando as etapas da execução de
tarefas como Fazer, Em execução e Pronto. Ela também reduz o
desperdício de tempo e repetições desnecessárias.
O método Scrum é de fácil integração com outros métodos
ágeis, e é adotado principalmente em projetos que estão
suscetíveis a rápidas mudanças no escopo. Dessa forma os
métodos ágeis trazem benefícios como o aumento da qualidade,
possibilitam a customização, previsão de cronograma e custos,
mitigação de riscos, entre muitos outros.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério do Trabalho. Portaria SEPRT nº 1.359, de 09 de dezembro de
2019. Altera Norma Regulamentadora NR 9: Programa de Prevenção de Riscos

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 105


Execução do projeto

Ambientais. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p.


103, 11 dez. 2019.
Instituto Nacional da Propriedade Industria (INPI). Manual de gestão de riscos do
INPI: Versão 1.0. Coordenação-Geral de Qualidade (CQUAL), Divisão de Gestão de
Riscos – DIGER. Rio de Janeiro: INPI, 2018.
LIGA AGIL. Metodologias ágeis: O que são e quais os principais tipos. 2019.
Disponível em:<https://ligaagil.com.br/blog/metodologias-ageis-o-que-sao-e-
quais-os-principais-tipos/>. Acesso em: 20 mar. 2020.
Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde
(OPAS/OMS). Manual de planejamento, execução e avaliação de projetos da
Representação da OPAS/OMS no Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana da
Saúde, 2014.
PROJECT BUILDER. O que é PMBOK?. 2015. Disponível em:
https://www.projectbuilder.com.br/blog/o-que-e-pmbok/. Acesso em:
20/03/2020.
SOUZA, J. M. Metodologia para gestão integrada da qualidade, meio ambiente,
saúde e segurança no trabalho. 2000. Dissertação de Mestrado, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000.
STRATEC. O que é PMBOK e por que ele é importante para a gestão de
projetos?. 2017. Disponível em: <https://www.stratec.com.br/blog/o-que-e-
pmbok-e-por-que-ele-e-importante/>. Acesso em: 20/03/2020.

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construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Prestação de contas e divulgação dos


resultados
Aliciane de S. Peixoto, ESF-Brasil, UVA
Ana Claudia A. Rosa, ESF-Brasil, UFSE

Os projetos em geral são realizados através da mobilização


de recursos materiais e não materiais, em que uma pequena
equipe aciona os diversos stakeholders (ao pé da letra qualquer
pessoa envolvida ou afetada pela empreitada), como exemplo:
comunidades, agentes públicos, lideranças locais e políticas,
financiadores e apoiadores em diversas dimensões. As parcerias e
compromissos estabelecidos para viabilizar o projeto são
compromissos de ordem legal, tais como os contratos, seja o
parceiro público ou privado, através de editais ou termos de
parcerias, como aqueles que ocorrem com as Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
Como observamos, executar um projeto é, essencialmente,
reunir parceiros através de elos, formais ou informais. E para que
estes não sejam rompidos, continuem se renovando e impactando
o maior número de pessoas positivamente, os proponentes do
projeto precisam prestar contas e divulgar seus resultados aos
stakeholders. Prestar contas e divulgar resultados caminham
juntos, se complementam. Entretanto, podem ser abordados por
áreas diferentes da gestão de um projeto, pois a prestação de
contas está relacionada intimamente à contabilidade e divulgação
de resultados se relaciona com o marketing.
Apesar desta relativa separação, sabe-se que as múltiplas
face de um projeto se entrelaçam e se integram formando um
todo indissociável. É esse todo que a comunidade e parceiros
observam, que pode levar a identificação, gerando a tão almejada
adesão ao projeto. De acordo com Maciel (2015), a
sustentabilidade de um projeto social se pauta em: orçamento e
mobilização de recursos; prestação de contas (transparência e
equidade na aplicação de recursos) e análise de riscos, resultados
e impactos.

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 107


Prestação de contas e divulgação dos resultados

PROFISSIONALIZAÇÃO E TRANSPARÊNCIA NA PRESTAÇÃO DE


CONTAS DO TERCEIRO SETOR
Credibilidade e Confiança na Gestão para o terceiro setor:
accountability e disclousure
Crenças negativas e desconfiança coletiva, geram
dificuldades para que as organizações alcancem a
sustentabilidade financeira. Essa falta de credibilidade se deve não
só pela inidoneidade de algumas instituições, mas principalmente
pela falta de transparência na prestação de contas e na divulgação
dos resultados obtidos.
O exercício da transparência dentro da organização se utiliza
de uma ferramenta muito importante que é a accountability. A
accountability tornou-se fator de sustentabilidade, uma vez que
estão inseridas num ambiente competitivo por recursos
financeiros e não financeiros e aquelas que melhor atenderem às
necessidades dos doadores por informações, terão maior
probabilidade de captação desses recursos (MILANI FILHO, 2004
apud CARNEIRO; OLIVEIRA; TORRES, 2011).
Carneiro (2011) diz que a Prestação de contas efetivas e
transparentes são os desafios do milênio para todos os tipos de
organização, visto que, cada vez mais há disputa pela
confiabilidade e credibilidade em qualquer que seja o campo de
atuação. Para as organizações do terceiro setor, este princípio é
uma premissa básica a ser cumprida em busca de credibilidade
face à sociedade (MILANI FILHO, 2004).
Elementos para a prestação de contas
O Manual de Procedimentos para o Terceiro Setor (MTS)
define que prestação de contas é o conjunto de documentos e
informações disponibilizados pelos dirigentes das entidades aos
órgãos interessados e autoridades, de forma a possibilitar a
apreciação, conhecimento e julgamento das contas e da gestão
dos administradores das entidades, segundo as competências de
cada órgão e autoridade, na periodicidade estabelecida no
estatuto social ou na lei (CFC, 2015).
Sugere ainda algumas instruções de trabalho, normalmente
exigidas, mas destaca que é sempre importante observar as

108
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

exigências de cada órgão, são elas: plano de trabalho; relatório de


atividades; demonstrações contábeis; informações bancárias;
inventário patrimonial; declaração de informações econômico-
fiscais da pessoa jurídica (DIPJ); relação anual de informações
sociais (RAIS); parecer do conselho fiscal; relatório de auditoria
independente; cópia de convênio; contrato e termo de parcerias
e Siconv (CFC, 2015).
De acordo com MROSC, Marco Regulatório das Organizações
da Sociedade Civil, Lei nº 13.019/2014, a prestação de contas é o
procedimento em que se analisa e se avalia a execução da
parceria, pelo qual seja possível verificar o cumprimento do objeto
da parceria e o alcance das metas e dos resultados previstos.
Observamos que nas instruções das normas a prestação de
contas deve ser feita em toda organização para que assim seja
desenvolvida uma cultura de transparência por todos os setores.
A transparência e qualidade na prestação de contas são
importantes não só no cumprimento legal, mas para evitar
problemas com seus financiadores e assim garantir a
sustentabilidade financeira. Fica claro que transparência,
governança e gestão estão umbilicalmente ligadas.
Para uma prestação de contas de qualidade é importante o
entendimento do acordo na parceria e isto já se inicia na
elaboração do projeto. A prestação de contas deve ser feita
mesmo quando não há leis de incentivo e editais, a forma como
será feita é que dependerá da origem do recurso.
Em nossas experiências, cada destinação de dinheiro teve
que ser comprovada através de recibos ou notas fiscais, os
orçamentos deveriam estar o mais real e preciso do acordado e o
extrato bancário é o alicerce das entradas e saídas dos recursos
financeiros. É primordial, também, que a organização possua
procedimento para prestar conta dos recursos não financeiros e
divulgação dos seus resultados. Para isso, faça o levantamento de
tudo (fotos, jornais, publicações, uso dos bens doados e serviços
de parceiros). Coloque todos os registros em uma ordem lógica e
divulgue.

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 109


Prestação de contas e divulgação dos resultados

Outra ferramenta da transparência é o disclousure, expor ao


cidadão, ao órgão regulador, aos apoiadores, à comunidade e a
outros envolvidos ou afetados pelo projeto, informações claras
sobre as atividades desenvolvidas e os resultados alcançados.
Divulgação dos Resultados
Uma vez suprida a parte contábil, em que os relatórios e os
diversos documentos foram organizados e publicizados, ainda há
diversos stakeholders aguardando os resultados do projeto. A
transparência na prestação de contas é complementada pela
divulgação dos resultados, em que são mostrados os impactos das
ações, ou seja, os seus efeitos, ir além de mostrar as notas fiscais.
Maciel (2015) ressalta que a relação com os doadores, e
poderíamos estender para apoiadores em geral, baseia-se em
uma boa comunicação e na habilidade em manter os atores sociais
engajados na causa do projeto. Uma das diversas possibilidades
de trazer os resultados aos interessados é através do uso da
ferramenta de gestão Indicadores, divulgando-os em mídias
sociais, pelo seu alcance e baixo custo.
Indicadores de Resultados
Divulgar os resultados traz consigo a ideia implícita de avaliar
os resultados do projeto, verificar se chegou onde se queria, tanto
do ponto de vista qualitativo, quanto quantitativo. Apesar de
certo pragmatismo dos indicadores, da busca de uma relação
entre input e seu output, não deve-se perder de vistas os diversos
elementos imponderáveis que atuam sobre um projeto
(STEPHANOU; MÜLLER; CARVALHO, 2003).
Imagine uma organização que arrecadou fundos para uma
comemoração para o dia das crianças em uma comunidade em
vulnerabilidade social. Distribui-se brinquedos, balas e conjuntos
de materiais escolares. Será relativamente fácil mostrar aos
patrocinadores em que os recursos foram aplicados, pois tem-se
as notas das compras, recibos, entre outros comprovantes de
gastos, os registros das doações, entre outros. A prestação de
contas está contemplada, mas os resultados desta ação, como
mensurar? Que conjunto de indicadores pode ser apresentado aos

110
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

envolvidos sobre a importância deste, sobre o impacto desta


mobilização?
Os sorrisos e o carinho das crianças serão um indicador de
que ação gerou bons resultados, entretanto os apoiadores
precisam de elementos mais substanciais e que os mantenham
convictos de manter seu engajamento no projeto. Um indicador
qualitativo pode ser um questionário de satisfação com os
participantes, com perguntas simples, mas que consigam extrair
se essa projeto gerou impacto positivo nas crianças e seus
familiares ou responsáveis. No aspecto quantitativo, pode-se
levantar quantas crianças estavam sem frequentar aulas por falta
de material escolar e depois da distribuição dos materiais, quantas
delas voltaram a frequentar as aulas.
É apenas um exemplo hipotético, com diversas
simplificações para fins didáticos, e que a vida prática é um pouco
mais complexa! O objetivo é perceber a importância da percepção
de quais informações podem ser relevantes para serem
registradas e apresentadas aos Stakeholders. Um exemplo muito
comum de indicadores, são aqueles que relacionam o montante
investido com o resultado do projeto. Voltando ao nosso exemplo,
seria que para cada real investido no kit de material escolar, uma
criança voltou a frequentar escola. Outro exemplo seria, que ao
receber o kit uma criança melhora em certa percentagem suas
notas e reduz suas faltas em sala de aula.
Apesar do uso de indicadores ser uma ferramenta
consolidada na gestão de projetos, Cunha e Pereira (2012)
observaram no seus estudos para o Distrito Federal, através de
metodologia com suporte estatístico, que a maior parte das
entidades do Terceiro Setor não divulga indicadores suficientes
para preencher o banco de dados público do Cadastro Nacional de
Entidades de Utilidade Pública. No estudo supracitado, também
verificou-se até que ponto as informações divulgadas pelas
entidades eram úteis para dá suporte aos doadores particulares
em suas decisões, concluindo-se que as informações são
consideradas indisponíveis.

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 111


Prestação de contas e divulgação dos resultados

Em outro estudo, desta vez em Curitiba, Portulhak et al.


(2016) chegaram à conclusão que a qualidade da prestação de
contas é extremamente significativa para adesão de novos
doadores às organizações e por consequências viabilizar seus
projetos. Também conclui-se que ações de marketing podem ser
uma possibilidade de prestação de contas a doadores, devido ao
seu grande impacto. Sendo assim, pode-se inferir que as redes
sociais são um espaço muito interessante para organizações do
Terceiro Setor, que via de regra lidam com orçamentos apertados,
devido ao seu baixo custo e seu grande alcance.
Usufruir da Redes Sociais
Na era da inovação, como não tomar partido das redes
sociais e mostrar a organização e seus projetos para o mundo? É
intuitivo que divulgação de resultados deva chegar ao maior
número de pessoas, de forma clara, agradável e com um custo
compatível com a realidade do Terceiro Setor de um país em
desenvolvimento. As redes sociais se tornaram um novo canal de
comunicação tanto entre pessoas com outras pessoas, como
também de organizações e pessoas. Esse oceano de possibilidades
de comunicação, cada vez mais acessível e chegando aos
recônditos mais isolados, reforça a importância de explorar esses
canais como vitrines para divulgação dos resultados. A fusão do
mundo on-line e off-line já aconteceu, o mundo analógico ficou
para trás e se faz necessário que a organização, ainda que com
todas as dificuldades e limitações impostas, construa sua alma
digital (LONGO, 2013).
Tim Brown, o CEO da IDEO, uma das grandes empresas de
design da atualidade e defensor da inovação, acredita que uma
excelente ferramenta para divulgação de uma mensagem, neste
caso os resultados do projeto, é a ferramenta Storytelling.
Uma mensagem pode ser passada de várias formas,
entretanto, segundo Vieira (2019, sp) percebe-se que uma forma
de conectar o leitor em seu nível emocional é:
desenvolver e adaptar histórias utilizando elementos
específicos — personagem, ambiente, conflito e uma
mensagem — em eventos com começo, meio e fim, para

112
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

transmitir uma mensagem de forma inesquecível ao


conectar-se com o leitor no nível emocional
Convidar o espectador para uma jornada, em que
identificação surge aderência, e a audiência é cativada e
envolvida.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei nº 13.019 de 31 de julho de 2014, Marco regulatório das
organizações da sociedade civil (MROSC), Estabelece o regime jurídico das
parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em
regime de mútua cooperação [..], 2014. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13019.htm>.
Acesso em 20/03/2020.
BROW, T. Design Think: uma metodologia poderosa para decretar o fim das
velhas ideias. Rio de Janeiro: Alta Book, 2017.
CARNEIRO A. F.; OLIVEIRA, D. L.; TORRES, L. C. Accountability e prestação de
contas das organizações do terceiro setor: Uma abordagem à relevância da
contabilidade. Sociedade, contabilidade e Gestão, v. 6, n. 2, jul/dez 2011.
CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE (CFC). Manual de procedimentos para o
terceiro setor: aspectos de gestão e de contabilidade para entidades de interesse
social. Brasília, 2015.
CUNHA, J. H. C.; PEREIRA, J. M., Captação de recursos no terceiro setor: fatores
estratégicos para divulgação de informações. Revista Contemporânea de
Contabilidade, v. 9, n. 18, p. 83-102, 2012.
FILHO, M. A. F. M. A função controladoria em entidades filantrópicas: uma
contribuição para a avaliação de desempenho. São Paulo, 2004. Dissertação de
Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo.
LONGO, V. Marketing e comunicação na era pós-digital: as regras mudaram. São
Paulo: HSM do Brasil, 2013.
MACIEL, W. L. S. Projetos Sociais: livro didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2015.
PORTULHAK, H.; VAZ, P. V. C.; DELAY, A. J.; PACHECO, V. P. A qualidade da
prestação de contas das entidades do terceiro setor: uma análise a partir de sua
relação com o comportamento dos doadores individuais. 2016. In: 10º Congresso
da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Ciências Contábeis.
2016.
STEPHANOU, L.; MÜLLER, L. H.; CARVALHO, I. C. M. Guia para elaboração de
projetos sócias. São Leopoldo: Sinodal, Porto Alegre/RS: Fundação Luterana
Diaconiana, 2003.
VIEIRA, D. O que é Storytelling? O guia para você dominar a arte de contar
histórias e se tornar um excelente Storyteller. 2019. Disponível em:
<https://comunidade.rockcontent.com/storytelling/> Acesso em 05/03/2020

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 113


Prestação de contas e divulgação dos resultados

114
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Avaliação do projeto
Adalberto T. dos Santos, ESF-Belo Horizonte
Matheus Scaglia Mainardi, ESF-Porto Alegre

As ações executadas pelo terceiro setor devem possuir


acompanhamento durante todo seu ciclo de vida, a fim de que os
objetivos traçados sejam alcançados e o impacto social seja
positivo. Para tanto, cabe aos gestores a aplicação de
procedimentos de análise dos dados gerados, que venham
embasar a tomada de decisão referente ao prosseguimento do
projeto.
Nesse sentido, como demonstra a ilustração 5, podemos
dividir o programa em fases, consecutivas e correlatas, as quais
são descritas como: Iniciação, Planejamento,
Execução/Implementação, Monitoramento e Encerramento ou
Transição para o final do projeto. Entre estas etapas, estão
presentes as portas de decisão que, por sua vez, representam uma
oportunidade de reavaliação do escopo, do cronograma ou do
orçamento, à medida que nos permitem verificar quais são os
pontos que necessitam/podem ser modificados.
Ilustração 5 - Ciclo de vida de projetos PMD Pro

Fonte: Adaptado PM4NGOS (2020).


METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO
Uma organização pode adotar diversas formas de avaliação
durante o ciclo de vida do projeto, como descrito a seguir:
 Avaliação de viabilidade: permite que o gestor esteja
apto a avaliar a viabilidade e a sustentabilidade
financeira, política e institucional do projeto, sendo um

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 115


Avaliação do projeto

aspecto importante na tomada de decisão sobre a sua


implementação e ainda na seleção de prioridades para
maior impacto social;
 Monitoramento: identifica os pontos fortes e os elos
deficitários do projeto. Possibilita também apontar os
ajustes que devem ser feitos durante a implementação
do mesmo;
 Avaliação de resultados: ao fim do projeto é feita a
revisão dos objetivos traçados, verificando-se o
cumprimento das metas previstas. É o momento da
equipe/instituição mensurar os impactos e a efetividade
do projeto;
 Avaliação de impacto: analisa mudanças nos
indicadores-chave de desempenho (ICD), averiguando-
se o alcance dos impactos ou das transformações
esperadas pela comunidade/instituição a que se
destinava;
 Avaliação da via de impacto: utiliza o parâmetro do
impacto para gerenciar ações em ambientes complexos.
Desse modo, algum tempo após a conclusão do projeto
é feita uma avaliação ex-post, na qual os benefícios e os
impactos podem ser avaliados de forma independente,
sendo responsabilidade do avaliador estabelecer
parâmetros e vínculos plausíveis entre os resultados
alcançados e às mudanças no desenvolvimento do
beneficiário. Em um projeto de captação de chuva, por
exemplo, cuja pretensão seja sanar o problema de falta
de água, pode-se adotar como indicador a redução no
consumo proveniente de distribuidores locais;
● Avaliação participativa: tem como principal finalidade
compreender a perspectiva dos beneficiários em relação
às etapas do projeto, a fim de aproximar a comunidade
das tecnologias sociais. Os autores sugerem que seja feita
sempre que possível durante a etapa de execução, pois
ela visa suprir algumas deficiências das abordagens
tradicionais, devido a maior participação e colaboração
entre os beneficiários e os gestores.

116
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

INDICADORES DE AVALIAÇÃO
O conceito de sucesso, relacionado à área da engenharia, é
algo que vem sendo discutido ao longo das últimas décadas de
forma ampla. Segundo Toor e Ogunlana (2010), tal definição se dá
de maneira complexa, por depender da avaliação dos interesses
particulares e do alcance das expectativas de resultado traçadas
pelos envolvidos nos processos.
Na realidade dos projetos do terceiro setor que envolvem
obras de infraestrutura, as definições de desempenho dos
projetos tornam-se ainda mais críticas. As ações sociais, por via de
regra, atuam em realidades compostas por grandes adversidades,
dada à vulnerabilidade dos objetos da intervenção e dos agentes
mobilizados. Nesse contexto, as variáveis presentes muitas vezes
não conseguem ser estimadas, o que leva incerteza quanto aos
resultados a serem obtidos.
Assim sendo, faz-se necessário utilizar marcadores que
permitam a percepção e mensuração dos rumos das mudanças
propostas pelas ações sociais, que possam ser utilizados na
aferição do êxito da atuação (VALARELLI, 1999). Tais parâmetros
conferem transparência ao trabalho realizado, ao apresentarem
de maneira clara dados que podem ser escrutinados pelos atores
do projeto (RAPOSO, 2001), ao passo que também podem servir
como base para outras instituições que venham valer-se desses
registros para novas propostas.
Diante disso, o estabelecimento de diretrizes de Indicadores-
Chave de Desempenho (ICD) permite mensurar tanto questões
técnicas quanto organizacionais das atividades desenvolvidas
(CHAN; CHAN, 2004). Esses parâmetros atuam não apenas no
sentido de questionar se os projetos finalizados alcançaram os
resultados esperados na etapa de planejamento, como também
servem de ferramenta de controle durante a execução,
permitindo que sejam feitas correções ao longo do percurso, caso
necessárias, aprimorando assim a tomada de decisão (ORIHUELA;
PACHECO; ORIHUELA, 2017).
Dessa forma, adaptando-se o descrito no trabalho feito por
Chan e Chan (2004) para a realidade das obras no terceiro setor,

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 117


Avaliação do projeto

as variáveis pertinentes à definição de performance de projeto de


engenharia podem ser estimadas objetiva e subjetivamente,
conforme demonstra a Ilustração 6. Os indicadores objetivos,
assim sendo, apontam os resultados tangíveis, que podem ser
medidos e aferidos através de fórmulas matemáticas ou dados
concretos. Já os subjetivos correspondem àqueles que podem
somente ser captados de forma parcial e indireta, como opiniões
e julgamentos pessoais dos agentes envolvidos no processo de
construção (CHAN; CHAN, 2004).
Ilustração 6 - Indicadores-chave de desempenho

Fonte: Adaptado Chan e Chan (2004)


O tempo, nesse contexto, representa a duração de
implementação do projeto, estando assim intimamente
relacionado à produtividade dos colaboradores. Voltando tal
conceito para a realidade das intervenções sociais, deve-se
considerar que a maioria das organizações agentes, como é o caso
dos Engenheiros sem Fronteiras, dependem de trabalho
voluntário não remunerado, de dedicação parcial, o que exige
mais flexibilidade do cronograma de ações. Assim sendo, a
variação do tempo, para mais ou para menos do assinalado no
contrato, pode ser obtida seguindo a fórmula abaixo, onde o
tempo de construção equivale aos dias transcorridos entre a data
de início e conclusão e o período de contrato revisado diz respeito
ao tempo previsto no cronograma somado às eventuais extensões
de prazo (CHAN; CHAN, 2004).
Variação tempo =
çã í
, onde
í

Período contrato revisado=


Período contrato original +Extensão prazo

118
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

A questão dos custos também é um importante indicador de


eficiência do trabalho realizado, especialmente para o terceiro
setor, por envolver orçamentos apertados e administração de
recursos provenientes de doações ou editais, que requerem
prestação de contas detalhadas. Para tanto, Yeong’s (1994) apud
Chan e Chan (2004) apresenta o cálculo de variação líquida
percentual sobre o custo final, que possibilita verificar a
ocorrência ou não de extrapolação de valores em relação ao
orçamento realizado. Nesse sentido, as variações líquidas são
resultado da soma final estabelecida em contrato subtraída da
base, a qual por sua vez é obtida através da soma estabelecida no
contrato original, adicionada dos custos flutuantes (acréscimos ou
reduções dos valores inicialmente estipulados para a execução) e
subtraído dos valores de contingência (reservas financeiras
estipuladas para cobrir onerosidades de eventos futuros incertos,
que geralmente são embutidos na soma apresentada no
contrato).
çõ í
çã í = × 100%,
onde:
Variações líquidas = Soma final - Base
Base=
Soma contrato + Custos flutuantes - Valores de contingência
Entre as medidas objetivas, o impacto social é a variante mais
complexa de ser determinada, pela contabilização numérica de
beneficiários diretos/indiretos envolver questões amplas que
muitas vezes demandam um longo período de observação para
serem respondidas. Dessa maneira, a verificação das
transformações provocadas pelos projetos na população, e na
própria organização promotora, deve abranger indagações
pertinentes à interferência de fatores externos nos resultados, à
obtenção de soluções fora do planejado e às diferenças de
impacto entre grupos ou regiões semelhantes (MACIEL, 2015).
Ao considerar os critérios de desempenho verifica-se,
contudo, que indicadores de progresso e de custos do projeto,

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 119


Avaliação do projeto

apesar de importantes para o controle das atividades, não são


suficientes para medir os resultados (WIT, 1988). O que ocorre,
muitas vezes, é que programas criados e implementados por
grupos bem intencionados, como as organizações não
governamentais, frequentemente falham em atender as
expectativas dos assistidos, tornando as ações socialmente não
sustentáveis (POCOCK; STECKLER; HANZALOVA, 2016).
Nesse sentido, as avaliações subjetivas apresentam grande
valia, por permitem identificar as nuances que não se explicitam
em números. Para tanto, tais conceitos podem ser medidos
através de questionários de opinião, por exemplo, utilizando
como resposta a escala Likert de 5 pontos, onde: 1) discordo
totalmente; 2) discordo; 3) indiferente (ou neutro); 4) concordo; e
5) concordo totalmente.
Assim sendo, a qualidade entra na avaliação como uma
variável que expressa o atendimento dos projetos executados aos
padrões construtivos e às normas pertinentes. Já a funcionalidade
concerne à característica das ações feitas de suprir uma demanda
social, no caso específico das ONG's. A satisfação, por fim, diz
respeito ao atendimento das expectativas criadas pela família
e/ou comunidade e equipe de trabalho, como projetistas e
construtores.
A fim de exemplificar os indicadores expostos, vamos tomar
por exemplo uma ação hipotética, na qual nós, os Engenheiros
sem Fronteiras, atenderíamos a demanda de instalação de
coletores de água da chuva, na Associação de Moradores de um
bairro socioambientalmente vulnerável. Para tal projeto, o tempo
de construção estipulado em Termo de Compromisso é de uma
semana e o orçamento previsto no contrato é de R$ 600,00 reais.
Digamos, no entanto, que a execução ultrapassou o tempo
previsto em contrato, levando a estipulação de 7 dias adicionais
de trabalho, dos quais 5 acabaram efetivamente sendo utilizados.
Tomemos no exemplo que o orçamento também foi superado,
resultando em acréscimo de R$ 200,00 reais ao valor inicialmente
calculado, tendo-se assim de ser utilizada parte da reserva de
contingência de R$ 250,00 reais, que estava embutida no
orçamento. Dessa forma, verificamos a partir dos cálculos

120
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

apresentados abaixo, que o tempo teria extrapolado 14,28% do


estipulado em contrato, ao passo que o orçamento teria
acréscimo de 41,66% do acordado previamente.
Variação de Tempo
çã = 100% = −14,28%,
onde
Período contrato revisado = 7+7=14
Variação de Custo
çã í = 100% = 41,66%,
onde
Variações líquidas = 800 – 550
Base= 600 + 200 - 250
A medição do impacto social dessa obra, por sua vez, estaria
ligada a quantidade de moradores que iriam usufruir do sistema
implementado de forma direta, referente ao número de
funcionários da associação e moradores que eventualmente
participassem das atividades por ela ofertadas, e de forma
indireta, a comunidade como um todo.
Quanto às questões subjetivas, poderiam ser elaborados
formulários de avaliação presenciais ou virtuais, utilizando-se a
escala Likert, para verificar os graus de qualidade, funcionalidade
e satisfação percebidos pelos usuários diretos/ indiretos em
relação ao projeto executado. Dessa forma, teríamos um
panorama completo da ação, que comporia um banco de dados
vital para o acompanhamento do desenvolvimento do núcleo.
O sucesso dos projetos desenvolvidos depende, como
observado, do monitoramento regular dos indicadores. Tais
avaliações permitem que seja desenvolvido um processo de
aprendizado contínuo, no qual os acertos são repetidos e os erros
são corrigidos nas próximas ações. Para tanto, a instituição
depende de parceiros comprometidos, que realizem de forma
imparcial tais análises e que disseminem de forma transparente as

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 121


Avaliação do projeto

informações, possibilitando tanto o crescimento da população


beneficiária quanto da própria organização indutora.
REFERÊNCIAS
CHAN, A. P. C.; CHAN, A. P. L. Key performance indicators in: CHAN, A. P. C.;
CHAN, A. P. L. Key performance indicators for measuring construction success.
Benchmarking: An International Journal, v. 11, p. 203-221, 2004.
MACIEL, W. L. C. Projetos Sociais. Palhoça: UnisulVirtual, 2015.
ORIHUELA, P.; PACHECO, S.; ORIHUELA, J. Proposal of Performance Indicators for
the Design of Housing Projects. Procedia Engineering, v. 196, p. 498-505, 2017.
PM4NGOS. Guia PMD Pro. Disponível em: <https://www.pm4ngos.org/pmd-pro-
portugues/>. Acessoem: 01/02/2020.
POCOCK, J. STECKLER, C., HANZALOVA, B. Improving Socially Sustainable Design
and Construction in Developing Countries. Procedia Engineering, v. 145, p. 288-
295, 2016.
RAPOSO, R. Avaliação de ações sociais: uma abordagem estratégica. In: ÁVILA, C.
M. Gestão de projetos sociais. 3a ed. rev. São Paulo: AAPCS – Associação de
Apoio ao Programa Capacitação Solidária, 2001, p.90-101.
TOOR, S. R.; ONGULANA, S. O. Beyond the ‘iron triangle’: Stakeholder perception
of key performance indicators (KPIs) for large-scale public sector development
projects. International Journal of Project Management, v. 28, p. 228-236, 2010.
VALARELLI, L. L. Indicadores de resultados de projetos sociais. In: Revista do
Terceiro Setor. Rio de Janeiro: Rede de Informações do Terceiro Setor (RITS),
1999. Disponível em:
<https://www.fcm.unicamp.br/fcm/sites/default/files/valarelli_indicadores_de_r
esultados_de_projetos_sociais.pdf>. Acesso em: 03/02/2020.
WIT, A. Measurement of project success. International Journal of Project
Management, v. 6, p. 164-170, 1988.

122
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Parte 3: Experiências
e Vivências

Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e Inovação Social 123


Avaliação do projeto

Nessa terceira e última parte, projetos realizados por núcleos


da rede ESF-Brasil, por integrantes da REPOS e organizações
parceiras são apresentados e discutidos relacionando-se com as
etapas da gestão de projetos e mostrando desafios da execução
de projetos sociais de engenharia engajada e engenharia
humanitária. Para fechar, apresentamos eventos em
engenharia popular que acontecem no Brasil.

124
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Projetos de engenharia popular na prática: o


que podemos aprender com eles?
Cinthia V. S. Varella, UFMG, REPOS
Camila R. Laricchia, UFRJ, NIDES, REPOS
Francisco de P. A. Lima, UFMG

Tecnologias desenvolvidas em um modo específico podem


ser utilizadas em outros modos de produção? Sabemos que, na
produção capitalista, máquinas, além de instrumentos de
trabalho, são também meios de dominação dos trabalhadores,
sendo necessária uma transformação das máquinas existentes
para serem apropriadas. A passagem da gestão capitalista à
autogestão deveria, assim, ser acompanhada de uma adequação
sociotécnica (AS) (DAGNINO, 2014; NOVAES, 2007). Mas em que
consiste esta adequação? Como promover processos de
concepção que visam não reproduzir as relações de dominação da
tecnologia capitalista? A saída apontada é a participação dos
próprios trabalhadores nos processos de AS. Mas esses processos
participativos colocam outras questões quanto às condições
necessárias; que expertises são necessárias para participar do
projeto? Que ferramentas, ou objetos intermediários da
concepção, podem apoiar uma participação efetiva dos
trabalhadores, sobretudo quando também participam do projeto
engenheiros e outros especialistas externos? Como a participação
se efetiva em cada etapa do processo de concepção, da definição
de necessidades à operação, passando pela ideação,
desenvolvimento, testes, construção e implementação? Como
promover o retorno de experiência para poder melhorar nos
próximos projetos?
Este capítulo aborda as questões específicas relativas à
participação dos trabalhadores de empreendimentos econômicos
solidários e sua relação com especialistas nos projetos de
concepção de tecnologia, não de forma teórica ou conceitual, mas
por meio de casos concretos de projetos técnicos, feitos para
atender demandas de dois coletivos autogestionários: uma
cooperativa de catadores e um assentamento do Movimento dos

Parte 3: Experiências e Vivências 125


Projetos de engenharia popular na prática

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Esses projetos foram feitos


em parceria com grupos de pesquisas e de extensão de
universidades públicas brasileiras: Núcleo Alternativas de
Produção (UFMG) e Laboratório Interdisciplinar de Tecnologia
Social (LITS/UFRJ). Em ambos os casos são mostrados como a
experiência dos cooperados ou agricultores orienta o processo de
adequação sociotécnica, colocando problemas particulares no
processo de projeto e nas relações com os especialistas.
CASO COMARP
A Coooperativa de Materiais Recicláveis da Pampulha
(Comarp) é uma cooperativa de catadores localizada no município
de Belo Horizonte - MG fundada em 2004. A atividade principal da
cooperativa é de triagem de materiais recicláveis provenientes de
um sistema de coleta seletiva; a partir de 2019, ela foi contratada
pela municipalidade para oferecer também o serviço de coleta
seletiva.
Inicialmente, a cooperativa ocupava um galpão alugado pela
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (galpão CR) e, em 2007, a
prefeitura cedeu um outro galpão, com apenas 230m² construídos
(galpão AC). Com cedeu outro galpão o este último galpão é
pequeno, em 2008 os catadores ocuparam um lote localizado ao
lado da cooperativa, onde passou a ser realizada a triagem. Em
2014, houve o processo de reintegração de posse do terreno e o
galpão perdeu toda a área dedicada à atividade de triagem. Para
tornar o galpão AC mais produtivo (produção/m²), absorver os
cooperados que não tinham mais espaço para trabalhar,
aumentar a produtividade na triagem e melhorar as condições de
trabalho (postura), foi decidida pela coordenação, a aquisição de
uma esteira de triagem. Serão discutidos neste capítulo: o
processo de concepção do dispositivo; a construção; implantação;
e organização do trabalho, acentuando no processo de projeto a
participação dos catadores e como isso conformou a tecnologia.
Processo de concepção da esteira
A esteira foi concebida, de forma participativa, pelos
cooperados e por nós, pesquisadores do Núcleo Alternativas de
Produção da UFMG, que já tínhamos experiência em análise de

126
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

processos de triagem em esteira e em projetos participativos.


Elaboramos um anteprojeto arquitetônico, a partir de discussões
entre os atores, dos detalhes da esteira e de sua implantação no
galpão, questão complicada pelas pequenas dimensões do galpão
e de sua topografia plana. Ao final, validamos o projeto com os
cooperados.
Para discutir os detalhes da esteira nós fizemos um
protótipo, utilizando lego. Nessa atividade, foram evidenciados
dois limites importantes: o primeiro relativo ao próprio
instrumento e outro relativo à expertise necessária para discutir o
projeto. Com relação ao primeiro limite, o lego não permitiu
reproduzir o dispositivo em escala e nem foi possível representar
os detalhes, o que já limitava a discussão inclusive entre os
pesquisadores-projetistas. Com relação ao segundo, os
cooperados tinham experiência em triagem no chão, ou em
bancadas improvisadas, que é, por natureza, uma atividade
diferente da triagem em esteira. A diretora da Comarp conhecia,
por meio de visitas, o processo de algumas cooperativas que
trabalhavam com esse processo e o restante dos cooperados
nunca haviam visto uma. Assim, os cooperados não tinham a
expertise necessária para discutir os detalhes da esteira. Triadores
com experiência em esteira seriam mais adequados para
participar do processo de elaboração do projeto.
Já para discutir a implantação da esteira com os cooperados,
o processo foi mais coletivo. Um dos desafios do projeto era
conjugar o uso de uma esteira – e a consequente mudança das
outras atividades – com a dimensão reduzida do pátio onde ela
seria instalada (apenas 300m²), com geometria bastante irregular
e em um galpão com demasiados cortes. Essas limitações deviam
ainda considerar o espaço de manobra para o caminhão e o
espaço necessário para descarregamento, prensagem de papelão
e estoque do material. Imprimimos uma planta do galpão que foi
fixada no chão e elaboramos protótipos, em papelão e tecidos, da
esteira e de outros equipamentos (bags, prensas etc.),
respeitando a escala da planta, para que pudessem ser
manipulados pelos cooperados. Nessas condições, a dinâmica

Parte 3: Experiências e Vivências 127


Projetos de engenharia popular na prática

promoveu mais discussão. Ao final do processo, foram deixados a


planta e os protótipos para que os cooperados continuassem a
discussão, porém, os objetos não foram utilizados.
Refletindo sobre o processo de concepção do dispositivo,
podemos dizer que os cooperados, que participaram dos
encontros, contribuíram nas definições do tipo de dispositivo, do
seu local de implantação, do comprimento da esteira e da altura
da plataforma. Porém, o protagonismo do projeto acabou sendo
nosso. A nossa experiência, na avaliação do processo de triagem
com o apoio de esteira, a partir de análises da atividade de
trabalho baseadas na AET e na Grounded Theory, permitiu revelar
detalhes e problemas de esteiras triagem, a partir dos saberes dos
triadores de outras cooperativas. Esse conhecimento nos permitiu
dimensionar o dispositivo de forma adequada ao trabalho de
triagem e desenvolver inovações em relação às esteiras que são
comumente utilizadas, dentre elas: a utilização de dois funis de
separação entre cada posto de trabalho, gaveta para facilitar a
troca de bags e bancos de apoio para os triadores para reduzir os
esforços da postura em pé. Apesar do nosso protagonismo na
elaboração do projeto, vale ressaltar que, quando a máquina
começou a operar, as adaptações e alterações no dispositivo
foram feitos pelos cooperados, que assumiram o protagonismo de
adaptar a tecnologia à sua realidade.
Construção da esteira
Com o recurso para a compra da esteira garantido, a
coordenadora da Comarp escolheu uma empresa que fazia
prensas robustas e de boa qualidade para as associações e
cooperativas de catadores. Ao longo do processo de construção,
fizemos várias visitas de acompanhamento ao galpão do
construtor. Essas visitas permitiram que nós e os cooperados
acompanhássemos as alterações e participássemos das tomadas
de decisões.
Algumas variáveis, que não eram conhecidas na fase de
elaboração, levaram a alterações no projeto. As principais
modificações foram: na largura da plataforma; largura da esteira;
alteração na quantidade, dimensão e localização dos funis;

128
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

comprimento da esteira de elevação; e motor sem regulagem de


velocidade.
Implantação da esteira
Mais imprevistos aconteceram na implantação da esteira no
galpão da Comarp, que ocasionaram mais mudanças no projeto e
a necessidade de obras, são eles: desnível e dimensões da área do
pátio da Comarp. Algumas mudanças foram decididas a partir de
discussões entre nós, os cooperados e o construtor, outras foram
tomadas sem a nossa participação.
No pátio do galpão da Comarp, onde foi implantada a esteira,
havia um desnível que não foi percebido a olho nu pela equipe que
projetou a esteira (pesquisadores e cooperados). Esse desnível
impossibilitou a implantação da esteira diretamente no solo,
assim foram construídas estruturas de concreto sob a base de
cada um dos pilares da esteira, possibilitando que a esteira fosse
nivelada. Essa solução ocasionou duas alterações no projeto da
esteira: a altura da plataforma e o aumento da inclinação da
esteira de alimentação.
Já para a instalação da esteira de alimentação, a inclinação
teve uma influência negativa, pois aumentava a inclinação da
mesma, que já havia sido intensificada devido ao comprimento
reduzido da esteira que havia sido construída. Para contornar esse
problema, todo o nível da área de descarregamento foi elevado.
Essa elevação ainda ocasionou redução no dimensionamento do
fosso de alimentação e necessidade de mais investimento.
Definições acerca da organização do trabalho
Uma vez que o equipamento estava em vias de finalizar,
tinha que definir questões relativas à organização do trabalho:
quais e quantos cooperados iriam trabalhar no galpão AC, quais
seriam os postos de trabalho, como seria a remuneração e o
horário de funcionamento, se haveria rodízio e como seria ele. Nós
propomos várias atividades, utilizando diferentes ferramentas e
estratégias, como apresentação de vídeos e imersão de trabalho
de todos os cooperados da Comarp em uma cooperativa com
esteira. O objetivo dessas atividades era de promover

Parte 3: Experiências e Vivências 129


Projetos de engenharia popular na prática

conhecimento sobre o processo para subsidiar as discussões e


decisões relativas à organização do trabalho, o que de fato
aconteceu. A esteira foi inaugurada em julho de 2017.
CASO CASA DE FARINHA
O Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Osvaldo de
Oliveira possui 60 famílias e é o primeiro assentamento em
modelo agroecológico do estado do Rio de Janeiro, localizado no
município de Macaé. O PDS é uma modalidade alternativa de
assentamento criada pela Portaria/INCRA nº 477/1999 para áreas
de proteção ambiental. Para uma área ser caracterizada como
PDS, os habitantes devem seguir alguns princípios, dentre eles a
agroecologia e a valorização de áreas coletivas de produção.
No final de 2018 e em 2019, desenvolvemos uma casa de
farinha no PDS, com financiamento do CNPq e da FAPERJ. A
descrição do processo está dividida em: a concepção e construção;
a implantação e o uso; e a organização do trabalho.
“De farinha eu só entendo de comer!”: a concepção e a
experiência do usuário
A experiência da construção participativa de uma casa de
farinha aconteceu dentro da disciplina Aprendizagem por projetos
da Universidade Federal do Rio de Janeiro campus Macaé
(UFRJ/Macaé). A disciplina, com carga horária semestral de 15
horas, teve como proposta, por meio de metodologia ativa e
ementa livre, ensinar e aprender engenharia a partir de demandas
reais. Em 2018, a disciplina foi ministrada por dois professores, um
da engenharia mecânica e outra da produção, e a turma era
composta por 15 alunos das engenharias mecânica, produção e
civil. Em 2019, uma professora e uma aluna da nutrição se
aproximaram, inserindo mais elementos interdisciplinares no
projeto.
Após três aulas teóricas, sobre tecnologia social e educação
popular, a turma se reuniu com os assentados no PDS, onde
apareceram diversas demandas de artefatos tecnológicos, dentre
elas uma casa de farinha para aproveitar o aipim que estava
estragando no lote de produção coletiva. Avaliamos algumas
alternativas de maquinário disponíveis no mercado. Em uma

130
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

reunião realizada na universidade, decidimos desenvolver as três


máquinas que compõem uma casa de farinha: triturador, prensa
e forno, levando em consideração as capacidades dos professores
e alunos, e a limitação do tempo da disciplina.
Realizamos aulas no polo universitário para discutir o projeto
só com os alunos e reuniões com os assentados na universidade
ou no assentamento. Dessa forma, o projeto foi feito de forma
participativa, utilizando desenhos de várias perspectivas do
triturador, prensa e forno.
Durante a concepção, algumas decisões exigiam que os
usuários e projetistas tivessem experiência com farinheira, como
por exemplo, para definir o tamanho do triturador. Uma parte dos
agricultores já havia trabalhado em casa de farinha, mas a maioria
não. Da equipe da universidade, apenas o professor de engenharia
mecânica tinha tido uma experiência pontual. Então, quando não
havia conhecimento suficiente para tomar uma decisão era posto
em prática o método da tentativa e erro.
Isso ficou evidenciado no desenvolvimento do forno, que foi
desenhado pelos alunos e construído pelos assentados (com
experiência de pedreiro). Dentre os professores da disciplina,
nenhum era engenheiro civil e isso prejudicou a orientação dos
alunos que estavam projetando o forno. Estes só sabiam projetar
forno retangular, quando quem tinha experiência com casa de
farinha informava que era melhor ser redondo. Outro motivo, que
levou a construção do forno retangular, foi a falta de chapa de aço
circular no mercado. Além disso, não sabíamos qual material
utilizar para aguentar altas temperaturas do forno a lenha. Os
assentados envolvidos escolheram construir com bloco de
concreto, pois era mais barato e acreditaram que daria certo.
As máquinas não podiam usar energia elétrica pela falta de
redes de distribuição no assentamento. Então, construímos um
triturador movido à bicicleta, também pensando no seu uso por
pessoas com diferentes intensidades de força.

Parte 3: Experiências e Vivências 131


Projetos de engenharia popular na prática

“A casa mais bonita do mundo”: O uso das máquinas


Com as máquinas prontas, organizamos um mutirão no
assentamento para colocá-las para funcionar, em setembro de
2019. No dia seguinte, fizemos uma avaliação do uso, onde as
pessoas estavam satisfeitas e emocionadas com o resultado, mas
também listaram alguns imprevistos: o pé do ciclista ficava muito
perto do aipim triturado; estava desperdiçando muito aipim no
triturador; a farinha não ficou fina o suficiente para comercializar;
a tinta usada na prensa e no triturador não aderiu muito bem; o
forno rachou com a temperatura elevada; e a prensa estava
bamba. Além dos erros previstos: o tacho tinha que ser redondo
para facilitar o manuseio da farinha; a chaminé não estava
posicionada na direção do vento (a direção do vento considerada
no projeto estava equivocada); e as tábuas entre os sacos com
aipim triturado na prensa eram inteiriças (tinham que ser furadas,
mas não tivemos tempo de furá-las).
As experiências de alguns assentados com manutenção de
equipamentos e com casa de farinha ajudaram a adaptar o
maquinário após o primeiro mutirão. Um dos assentados realçou
a diferença entre o processo de concepção tradicional e a
experiência em projetos participativos
“a diferença entre trabalhar para o capital e para nós
mesmos é que a aqui a gente pode errar e consertar sem
ninguém ser demitido” (assentado)
Na terceira produção de farinha, o forno tinha sido refeito e
havia adaptações na trituradora e na prensa.
“O forno a gente arranca ele e coloca no lugar certo, mas […] as
pessoas vão ser as mesmas”: A organização do trabalho
Na construção do triturador pensamos alguns elementos que
pudessem influenciar na organização do trabalho cooperada: (1)
tivemos o cuidado do ciclista não ficar de costas para a pessoa que
alimenta a máquina com aipim, a fim de promover o contato visual
entre os dois trabalhadores; e (2) a máquina poderia ter sido feita
de forma que só precisasse de um trabalhador, como são alguns
raladores de aipim manual do mercado, mas no PDS não tinha essa
necessidade. Em uma empresa capitalista, não seria uma opção a
concepção de um triturador que necessitasse de duas pessoas

132
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

para funcionar, pois a lógica é de produzir com o mínimo de mão-


de-obra. No assentamento, a lógica é da cooperação na
autogestão.
No entanto, a concepção das máquinas influencia na
organização do trabalho, mas não garante que não tenha
exploração. No PDS Osvaldo de Oliveira já houve muitas
experiências de trabalho coletivo e os assentados sabem que
existe dificuldade em organizá-lo:
“o erro agora, no início da gestão, é pior do que o erro na
colocação do forno. O forno a gente coloca ele no lugar
errado, mas a gente arranca ele e coloca no lugar certo. Mas
quando as pessoas aprendem a fazer uma coisa, já começa a
fazer com a coisa desviada, ai depois vai ser fogo, porque a
gente não pode trocar as pessoas. As pessoas vão ser as
mesmas” (assentado).
A construção da casa de farinha é um processo que
repercutiu no melhoramento das máquinas e na evolução da
organização coletiva do trabalho, ou seja, é um processo contínuo
e inacabado.
CONCLUSÃO
No caso da cooperativa, projetamos e instalamos uma
esteira de triagem, sabendo que a esteira (ou linha de montagem)
é um dos casos mais típicos de uso da tecnologia para submissão
dos trabalhadores a um ritmo intenso e monótono (LINHART,
1978; MORAES NETO, 1989). Esse fato trouxe particularidades
para o processo que não foram aprofundadas neste capítulo. O
caso da Comarp nos ajuda a refletir sobre algumas questões
relativas à participação, como as expertises necessárias para
contribuir em um projeto, ferramentas e objetos intermediários
adequados para poder promover a troca de saberes e o diálogo
entre os atores, a necessidade da participação em todas as etapas
do processo de concepção e o lugar do técnico como tradutor
entre formas de vida diferentes (o construtor, os financiadores e
os cooperados).
No caso da casa de farinha, ressaltamos uma série de
adaptações definidas durante do processo de projeto
colaborativo, algumas delas causando problemas durante o uso, e

Parte 3: Experiências e Vivências 133


Projetos de engenharia popular na prática

solucionadas de forma colaborativa, associando conhecimentos


técnicos de engenharia e a experiência dos agricultores.
Destacamos também, neste caso, como se deu a aprendizagem
coletiva em torno da tecnologia, sem que os erros fossem usados
como punição de pessoas do coletivo. Aprender com os erros
sempre foi um lema pronunciado, mas pouco praticado. Neste
caso, foi visto o modo específico de lidar com as falhas, que
acontecem com frequência em qualquer projeto técnico.
Que reflexões nos trazem esses casos? Não podemos, aqui,
retomar uma a uma, mas apenas para indicar a complexidade sob
o desenvolvimento de tecnologias sociais vale ressaltar:
1. diversas limitações e restrições temporais, materiais e
financeiras, que vão surgindo no processo de
concepção, moldando a tecnologia e que não devem ser
consideradas intrínsecas a ela, como componentes
disponível no mercado, características percebidas do
espaço onde será utilizada a tecnologia e disponibilidade
de energia elétrica;
2. expertises necessárias para participar do projeto, efeitos
de uma herança negativa da divisão social do trabalho
entre concepção e execução, mas que podem ser
superados;
3. ferramentas mais ou menos adequadas para permitir a
expressão da experiência e efetivar a participação;
4. a importância de acompanhar todas as etapas do
processo e de avaliar a experiência para melhorar os
próximos projetos, instituindo ciclos reiterados de uso-
experiência-projeto;
5. a relação entre universidade, Empreendimentos
Econômicos Solidários e movimentos sociais. Ou seja,
entre uma instituição que nasce da divisão social do
trabalho e outra que pretende superar essa divisão
entre concepção e uso, teoria e prática. Mais
concretamente, isso se manifesta em dificuldades para
conciliar ensino, pesquisa e extensão, de modo a
atender as demandas sociais; em dificuldades de

134
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

imersão a longo prazo, necessária para criar uma relação


orgânica capaz de aprimorar os objetos técnicos e
contribuir para a emancipação dos trabalhadores.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Portaria INCRA/Nº
477, de 04 de nov. de 1999. Cria a modalidade de Projeto de Desenvolvimento
Sustentável - PDS. Boletim/INCRA nº45. Brasília, DF, 08 de nov. 1999.
DAGNINO, R. Ciência e tecnologia para a cidadania ou Adequação Sociotécnica
com o Povo? In: DAGNINO, R. Tecnologia Social: contribuições conceituais e
metodológicas. Campina Grande: EDUEPB, 2014.
LINHART, R. Greve na fábrica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
NETO, B. R. M. Marx, Taylor, Ford: as forças produtivas em discussão. São Paulo:
Brasiliense, 1989.
NOVAES, H. O fetiche da tecnologia: a experiência das fábricas recuperadas. São
Paulo: Expressão Popular, 2007.

Parte 3: Experiências e Vivências 135


Projetos de engenharia popular na prática

136
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Integrando as etapas da gestão de projetos de


educação ambiental
Lucila A. Fernandes, ESF-João Pessoa
Mariana V. Filgueiras, ESF-Juiz de Fora
Vinicius K. Muniz, ESF-Tupã

Desde a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), o Brasil


documenta o Meio Ambiente como o conjunto de fatores Físicos,
Químicos e Biológicos que compõem a Natureza e compreendem
estruturalmente os arredores dos seres vivos (FREITAS, 2000).
Sendo assim, a partir da constitucionalização do mesmo, percebe-
se o surgimento de políticas que visem sua proteção e assegurem
a qualidade e disponibilização deste aos seres vivos, como parte
do Direito à vida, de acordo com o ART. 225 da CF de 88:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988, sp)
Dessa forma, no âmbito do Direito Civil, regulamenta-se a
necessidade de proteção deste bem de uso comum, a qual deve
ser efetivada por diferentes ferramentas, dentre elas a Educação
Ambiental (EA). Este termo, por sua vez, representa o conjunto de
atividades individuais ou coletivas da prática social, que visam
proteger o Meio Ambiente e pode ser norteado por um conjunto
de Diretrizes, pré-determinadas como essenciais (DCNEA, 2012).
Nesse contexto, verifica-se também o Programa Nacional de
Educação Ambiental (ProNEA) lançado em 2005 pelo Ministério
do Meio Ambiente (MMA) em parceria com o Ministério da
Educação (MEC), os quais buscam determinar a necessidade de
execução de atividades referentes a este contexto, bem como,
determinar metas e contribuir com as instituições interessadas
nele.
Concomitantemente à importância da preservação
ambiental, existe o desafio de como abordá-la e incentivá-la. Por
esse motivo, os projetos de Educação Ambiental, os quais são

Parte 3: Experiências e Vivências 137


Integrando as etapas da gestão de projetos de educação ambiental

deveres das escolas e empresas previstos na Lei nº 9.795/1999


(BRASIL, 1999), se tornam cada vez mais essenciais. Tais propostas
abordam a sensibilização diante da preservação e
sustentabilidade, e as atividades práticas, nas quais são criados
jogos lúdicos nas escolas ou dinâmicas e palestras em outras
instituições.
A aplicação de conteúdos práticos em ambiente escolar
possibilita uma melhor absorção dos conteúdos trabalhados em
sala de aula. Tais atividades proporcionam um momento de
diversão aliado ao estudo. Além do seu papel pedagógico, a EA
pode ser disseminada para outros ambientes extraescolares. Os
alunos poderão aplicar em casa as práticas realizadas na escola,
atuando como agentes multiplicadores.
Em meio a este contexto, o objetivo geral dos diversos
processos que constituem a EA é promover a sensibilização da
população e desenvolver competências e habilidades que
permitam a todos agirem conforme o dever de preservar e
participar ativamente da gestão ambiental pública.
Assim, os projetos de Educação Ambiental propostos pelos
núcleos do Engenheiros Sem Fronteiras Brasil caracterizam-se
como instrumentos fundamentais para difundir o conhecimento
acerca do desenvolvimento sustentável, a fim de atuar como
ferramenta de prevenção e redução dos impactos ambientais,
além de sensibilizar crianças e jovens, tornando-os mais críticos e
comprometidos com a sustentabilidade do planeta.
Os projetos de EA dos núcleos do ESF-Brasil são alinhados aos
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização
das Nações Unidas (ONU). Lançados pela ONU em 2015, os ODS
fazem parte de um plano de ação ligados às questões das
mudanças climáticas, energias renováveis, segurança alimentar,
saúde, equidade e justiça social, que busca a promoção de um
futuro melhor e mais sustentável (ONU, 2015). A educação
ambiental é, portanto, uma ferramenta que auxilia a pôr em
prática os ODS. Nos projetos da rede ESF-Brasil, os projetos de
educação ambiental são alinhados diretamente aos ODS 4
(educação de qualidade), 6 (água e saneamento para todos e

138
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

todas), 11 (cidades e comunidades sustentáveis) e 12 (produção e


consumo sustentáveis).
NA REDE ESF
O tema dos resíduos sólidos é bastante abordado nas
atividades de educação ambiental. Nele são discutidas questões
sobre coleta seletiva, poluição, aplicação dos 3Rs (reciclagem,
reutilização e reuso) e redução da geração dos resíduos. Para
tanto, as principais metodologias adotadas são: palestras, oficinas,
jogos e gincanas, como por exemplo competições a fim saber
quem consegue coletar mais resíduos recicláveis em uma
determinada área. Seguindo essa temática, pode ser implantado
ainda o projeto de sabão ecológico, em que o óleo usado é
coletado para a produção de sabão, evitando que esse resíduo
seja despejado em locais inadequados.
Em Juiz de Fora - MG, foi realizado um workshop sobre
educação ambiental com o intuito de apresentar formas de
reutilização de materiais, utilizando a imaginação e criatividade
das crianças. Alguns brinquedos produzidos nesse evento são
mostrados na Ilustração 7:
Ilustração 7 - Brinquedos confeccionados a partir de material
reciclável.

Fonte: ESF-Juiz de Fora (2016)


A horta também é uma prática educativa muito utilizada
pelos núcleos do ESF. Comumente, esse projeto vem precedido
por uma palestra sobre meio ambiente e em paralelo é feita a
construção de um minhocário e/ou composteira. Esse sistema
auxilia na redução do desperdício de alimentos além de produzir

Parte 3: Experiências e Vivências 139


Integrando as etapas da gestão de projetos de educação ambiental

adubo para a horta, reforçando o comprometimento com os ODS


12 de produção e consumo sustentáveis
No âmbito escolar, esse projeto favorece a compreensão da
importância do cuidado com o meio ambiente, além de incentivar
a discussão sobre hábitos alimentares saudáveis. Para deixar a
horta mais sustentável, podemos construir um sistema de
captação de água da chuva para que a água acumulada seja
utilizada para irrigar as plantas, projeto do eixo infraestrutura
abordado no presente livro. O núcleo de Tupã–SP é um exemplo
de execução deste projeto de horta o qual ocorreu na Casa do
Garoto e promoveu sensibilização de diversas crianças (Ilustração
8).
Ilustração 8 - Horta Orgânica criada na Casa do Garoto.

Fonte: ESF-Tupã ( 2019)


De maneira geral, percebemos que grande parte dos
projetos associados ao tema de Educação Ambiental, realizados
pelos diversos Núcleos da rede ESF, consistem na primícia de levar
conhecimento àqueles para os quais o acesso se dá de maneira
deficitária, ou seja, às comunidades com menor suporte financeiro
e educacional. Diante deste contexto, compreendemos que a
necessidade por aporte social, torna-se ainda mais evidente, o que
colabora significativamente para o surgimento da demanda.

140
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

As demandas podem surgir por diferentes maneiras, como


uma solicitação dos beneficiários que, desprovidos de suporte
social, educacional ou financeiro, enxergam, na instituição, a
possibilidade de sanar suas dificuldades. Também pode surgir a
partir da percepção e proposta de um dos membros da
organização ou até mesmo de um membro da sociedade, que
percebe a necessidade e relata aos responsáveis para iniciarem
um projeto.
Outra forma de percepção da demanda é feita através da
seleção de locais propícios para a implantação de projetos, por
exemplo, escolas e associações. Em seguida, é realizada uma visita
a esses locais para conhecer a realidade e suas práticas
sustentáveis e, através da escuta, compreendemos suas
necessidades e anseios. O papel do ESF nesse caso é realizar a
implantação ou adequação dessas práticas para que os resultados
sejam otimizados.
Como exemplo, temos o projeto Conscientização e Educação
Ambiental do núcleo de Juiz de Fora, realizado na Escola Normal.
Foram os membros do próprio ESF que realizaram a chamada
prospecção ativa, ou seja, encontraram a escola em questão,
conversaram com os responsáveis e depois de uma análise,
perceberam a necessidade do projeto de Educação Ambiental no
colégio. Dessa forma, ao planejarem em conjunto com o diretor e
professores da escola, puderam escolher a melhor estratégia para
abordar o assunto: primeiro foi feita uma introdução em sala de
aula sobre Meio Ambiente e a partir disso, foi ensinado e realizado
com os alunos uma oficina de sabão ecológico.
Além disso, previamente ao início do projeto, executamos o
planejamento, como cotar os materiais que serão necessários
para a realização do mesmo e a estruturação de um plano de
mobilização de recursos (para maior detalhamento, vide capítulo
Mobilização de recursos e parceiros). A obtenção de recurso
financeiro representa, em grande parte dos projetos, uma dentre
as maiores dificuldades. Entretanto, os membros da instituição,
cientes de sua importância, utilizam de diferentes ferramentas
para sua aquisição, tais como a participação em editais públicos

Parte 3: Experiências e Vivências 141


Integrando as etapas da gestão de projetos de educação ambiental

ou privados, parceria com instituições ou empresas, ou até mesmo


a venda de produtos, como foi o caso do Núcleo de Tupã-SP. Os
membros fizeram e venderam Yakisoba e Palha italiana e todo o
lucro foi destinado à realização do projeto de reforma do
parquinho de um abrigo.
Essa atitude, além de representar uma estratégia para
arrecadar fundos, torna-se também uma ferramenta de
integração e de estímulo para os membros, os quais possuem uma
função essencial para a realização do projeto.
Outro tipo de parceria muito forte são as Universidades e
Institutos federais. O núcleo de Ilha Solteira–SP juntamente com
professores da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e da
Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (FEIS) promoveram um
minicurso voltado à prática da bioengenharia. Uma equipe de 30
voluntários do núcleo se mobilizou para alcançar os recursos
necessários para a realização do evento. Eles buscaram patrocínio
junto ao comércio local, como bares, academias e farmácias, e a
própria UNESP colaborou financeiramente. Além disso, foi
cobrada uma taxa de inscrição no valor de R$ 120,00. De acordo
com os beneficiários, o minicurso foi de grande importância para
o crescimento pessoal e profissional. Financeiramente o projeto
teve um impacto positivo no caixa do núcleo, pois arrecadou
fundos para execução de projetos (AROUNIAN et al., 2019).
Além do bom andamento do projeto, é necessária uma boa
relação dos membros do ESF com os beneficiários, aqueles que
estão recebendo os benefícios do projeto proposto. Dessa forma,
cabe aos membros manterem sempre o contato com a instituição
e realizarem levantamentos de feedback com a mesma para
atender as demandas que forem surgindo. Como por exemplo, o
Núcleo referente à cidade de Vitória-ES que por meio do feedback
percebiam o grau de satisfação dos participantes, da instituição e
até mesmo dos pais das crianças, o que possibilita dinamismo e
cria oportunidades para corrigir erros e suprir possíveis falhas
associadas ao escopo do projeto.
Ademais, é importante avaliar os resultados obtidos, durante
e após a finalização do projeto, como forma de quantificar e
qualificar o impacto gerado. Uma das maneiras para isso, se dá a

142
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

partir da aplicação de questionários que apontem o


desenvolvimento do beneficiário a respeito do tema abordado. O
núcleo da cidade de Uberaba-MG, em seu projeto intitulado Horta
Ecológica, aplicou questionários trimestralmente, de forma a
avaliar o desenvolvimento das crianças e jovens participantes do
projeto, e identificaram, a partir das respostas, um aumento
significativo da quantidade de acertos e a maior sensibilização dos
mesmos, dada suas respectivas preocupações ambientais. O
núcleo de Juiz de Fora-MG também aplicou uma metodologia de
obtenção de feedback. Eles implementaram um projeto piloto de
educação ambiental com 100 crianças no Instituto Padre João
Emílio. Foram realizadas oficinas e jogos sobre a temática do meio
ambiente. O projeto foi implantado em março de 2017 e cinco
meses depois os voluntários do ESF retornaram na instituição para
realizar palestras e quizzes com o intuito de avaliar se o
conhecimento havia sido fixado. Além do bom desempenho dos
alunos, foi verificado contentamento com a presença da equipe
(MOREIRA et al., 2017).
A maioria dos projetos do eixo da EA foram realizados com
crianças e adolescentes na faixa entre 6 e 14 anos, já que estas
possuem o maior potencial de aprendizado e transformação de
suas atitudes. Dessa forma, passa a ser necessária a utilização de
ferramentas e estratégias diferenciais, para prender a
concentração das crianças e fazê-las adquirir o conhecimento
necessário, como a partir da realização de gincanas e atividades
didáticas. Sendo assim, a comunicação com os beneficiários, neste
âmbito, deve ser a mais simples e extrovertida possível, para que
a relação com os mesmos, se torne, muitas vezes, menos formal,
criando vínculos e proximidades diferentes, quando comparadas
aos representantes da instituição.
Por fim, as maiores dificuldades ao se realizar projetos nesse
âmbito são a maneira adequada de abordar o público alvo, a
mobilização das ferramentas necessárias e a busca do
conhecimento para a realização da estratégia escolhida. Sendo
assim, é sempre necessário analisar a situação do local e dos
beneficiários para decidir o projeto que se encaixa naquele

Parte 3: Experiências e Vivências 143


Integrando as etapas da gestão de projetos de educação ambiental

momento, pensar nos materiais que vão ser utilizados


previamente para conseguir doações ou planejamento financeiro
para a compra e procurar pessoas (os membros ou profissionais)
ou materiais, como os manuais que possuímos de alguns projetos,
para auxiliar na execução dos mesmos.
O trabalho de sensibilização ambiental, tanto de adultos
como de crianças, é um processo árduo e demorado, visto que
muitas pessoas ainda sofrem com a falta de informação sobre
quais ações devem ser tomadas para preservar o meio ambiente,
ou nem mesmo sabem que o nosso meio precisa desses cuidados.
A nossa rede, por meio de seus diversos projetos ambientais vem
colaborando para a disseminação desse conhecimento, buscando
transformar o conhecimento teórico em prática. Esse trabalho
deve ser contínuo a fim de desenvolver uma nova mentalidade e
uma nova atitude por parte da população.
REFLEXÕES
A partir dos exemplos citados, notamos as frentes que
podem ser seguidas dentro da área de Educação Ambiental. Na
grande maioria dos projetos, o sentimento de gratidão dos
beneficiários e dos próprios membros do ESF foi percebido, uma
vez que ambos os lados adquiriram conhecimentos ao longo do
percurso. Essa sensibilização pode ser notada com alguns
depoimentos dos membros participantes dos projetos, como a
Júlia e a Isabella do Núcleo de Juiz de Fora:
“O projeto de educação ambiental foi muito especial pra
mim, porque além de trabalhar com educação foi um projeto
em que a gente aplicou uma espécie de programa, em que a
cada retorno na escola comentamos com as crianças a
evolução do experimento e a etapa do processo que
estávamos!! Isso tornou o projeto muito mais real,
acompanhamos imprevistos e mostramos a eles, explicando
inclusive como contornar a situação. Demonstramos como
diferentes formas de fazer, justamente por ser algo caseiro,
poderia criar resultados variados. Isso foi muito bacana!![..]”
(Júlia Sanseverino)
“Em 2019, tive o prazer de participar de um projeto incrível
de educação ambiental. O projeto foi realizado com crianças
da sexta série com intuito de sensibilizá-los quanto a
preservação do meio ambiente. […] O projeto foi muito legal
desde o planejamento até a execução, acredito que com a

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

oficina conseguimos passar a ideia da reutilização do óleo de


cozinha e como é prejudicial o seu descarte inadequado.
Além disso, como levamos a oficina de maneira lúdica foi
divertido para as crianças.” (Isabella Mendes)
Ademais, em vários casos, percebemos também a
sensibilização dos beneficiários, principalmente nos trabalhos
com crianças e idosos, os quais, por diversas vezes demonstram
que não gostariam que o projeto fosse finalizado, solicitando aos
membros pela continuação do mesmo, ou por manter o contato
entre as instituições para a realização de outros. Dessa forma, o
encerramento de projetos, de maneira geral, representa um
momento de grande sensibilização, a partir do qual nota-se com
maior facilidade o impacto social compreendido por ele.
Além disso, bons resultados na finalização de um projeto,
podem aumentar a possibilidade de executá-lo em outra
instituição, ampliando assim, o impacto do mesmo para a
sociedade. A replicabilidade de projetos, representa uma variável
importante para o controle de qualidade do mesmo, além de
possibilitar a correção de erros e das melhorias encontradas com
a execução anterior.
Portanto, compreendemos a importância do
desenvolvimento de atividades referentes à Educação Ambiental,
como ferramentas que promovem a sustentabilidade, em seus 3
eixos: Social, Ambiental e Econômico. Dessa forma, aplicar e
disseminar o conhecimento acerca da responsabilidade ambiental
é dever governamental e de todos os cidadãos, de maneira
individual e comunitária. Sendo assim, incentivar organizações
que busquem atingir as metas da EA, como sensibilizar parcelas
importantes da população, principalmente crianças, é uma
contribuição relevante, dado impacto que essas podem provocar.
REFERÊNCIAS
AROUNIAN, R.; HOLTZ, I.; GRANCE, S. F.; SERENI, B.; FUSUMA, L. M. N.
Desenvolvimento e realização de curso de bioengenharia voltado à comunidade
local e acadêmica da cidade de Ilha Solteira. In: VI CONGRESSO BRASILEIRO DOS
ENGENHEIROS SEM FRONTEIRAS. Juiz de Fora - MG, Brasil, 2019. Anais […]. Juiz
de Fora: UFJF, 2019.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:

Parte 3: Experiências e Vivências 145


Integrando as etapas da gestão de projetos de educação ambiental

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em:


16/03/2020.
BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental,
institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências.
Brasília: Diário Oficial da União, 28 de abril de 1999. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9795.htm. Acesso em: 16/03/2020.
BRASIL. Resolução nº 02, de 15 de junho de 2012. Estabelece as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental. Diário Oficial da União, 15 de
junho de 2012. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias
=10988-rcp002-12-pdf&category_slug=maio-2012-pdf&Itemid=30192. Acesso
em: 16/03/2020.
FREITAS, V. P. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais.
Revista CEJ, p. 114-118, 2000.
MOREIRA, F. D.; PILATE, L. Q.; DIAS, L. M. de A.; GOMES, M. H. R. A importância
da Educação Ambiental Informal na formação básica de crianças: projeto
realizado no Instituto Pe. João Emílio na cidade de Juiz de Fora. In: IX Simpósio
Brasileiro de Engenharia Ambiental, XV Encontro Nacional De Estudantes De
Engenharia Ambiental e III Fórum Latino Americano de Engenharia e
Sustentabilidade, 2017, Belo Horizonte. Anais […].Belo Horizonte: UFMG, 2017.
Organização das Nações Unidas (ONU). Transformando nosso mundo: a agenda
2030 para o desenvolvimento sustentável. 2015. Disponível em:
<https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-
br.pdf.> Acesso em 26/02/2020.

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Projeto Amenizar: mantas térmicas


sustentáveis
Gabriel S. Chiele, ESF-Porto Alegre
Pauliana da S. Araújo, ESF-Teresina
Luisa da S. Madeira, ESF-Santa Maria

O relatório Panorama dos Resíduos destaca que em 2018


foram coletadas cerca de 79 milhões de toneladas de Resíduos
Sólidos Urbanos (RSU) no país, considerando que 29,5 milhões de
toneladas foram destinados em locais inadequados (ABRELPE,
2019). Um destes resíduos é a caixa tetra pak, popularmente
conhecida como caixa de leite ou de suco. Segundo o relatório de
sustentabilidade da empresa Tetra pak foram comercializadas,
aproximadamente, 190 bilhões de embalagens tetra pak
no ano de 2019 (TETRA PAK, 2019). Esse produto demora,
aproximadamente, 100 anos para se decompor (CARVALHO,
2009).
As embalagens longa vida são compostas por 75% de papel
cartão, 21% de polímeros, que tem a função de evitar a entrada e
saída de umidade, e 4% de alumínio. Assim, recomenda-se a
reutilização do produto, sendo encontrada uma nova função para
esse resíduo na melhoria do desempenho térmico em moradias
(FILAPPI, 2019). Essa técnica pode ser usada para beneficiar
famílias que se encontram em vulnerabilidade social,
principalmente àquelas que possuem suas casas com bastante
frestas, que provocam problemas de saúde e mal-estar. A ideia
contribui com a redução de valores médios de índice de
temperatura e umidade da edificação (SILVA et al., 2015).
A reutilização de caixas tetra pak em moradias surge em 2010
em Passo Fundo, no Estado do Rio Grande do Sul, através do
coletivo Brasil Sem Frestas. O projeto desde o seu início surge de
maneira sustentável visando reutilizar as embalagens longa vida.
Ele atende aos três pilares da sustentabilidade: o social, ambiental
e econômico. Sendo o primeiro para resolução dos problemas de
saúde, principalmente, doenças respiratórias. Já o segundo para
evitar a destinação incorreta de um resíduo que tem valor e, por

Parte 3: Experiências e Vivências 147


Projeto Amenizar: mantas térmicas sustentáveis

fim, o econômico por causa do aumento de renda indireta, uma


vez que evita-se gastos médicos (CAMOZZATO, 2016)
A nossa associação, Engenheiros Sem Fronteiras – Brasil, se
identificou com os propósitos do projeto e sugeriu que os Núcleos
realizassem nas suas cidades, sendo reconhecido pela associação
por Amenizar: mantas térmicas sustentáveis. O projeto está
alinhado com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da
Agenda 2030 da ONU (ONU, 2015). Diretamente atingindo o ODS
3 de saúde e bem estar por melhorar as condições de salubridade
da moradia, bem como o objetivo de melhorar a infraestrutura por
evitar a entrada de umidade no espaço. Ademais, o projeto auxilia
no gerenciamento de resíduos do município, auxiliando no
cumprimento da meta do ODS 11. Por fim, a iniciativa atende ao
objetivo de consumo responsável uma vez que reaproveita o
resíduo e traz finalidade social ao mesmo.
EMBALAGENS TETRA PAK
As embalagens longa vida fomentam o mercado da
reciclagem, tendo em vista que se formam outros produtos
reciclados como vassouras, placas e telhas. Em 2018, foram
recicladas 29,1% de embalagens longa vida, totalizando mais de
73 mil toneladas no Brasil (CEMPRE, 2018).
A embalagem longa vida tem como benefício o conforto
térmico. Segundo a American Society of Heating, Refrigerating and
Air-Conditioning Engineers (ASHRAE, 2013, p.3) conforto térmico
é “o estado de espírito que expressa satisfação com o ambiente
térmico”. Por isso, a temperatura interna de uma casa pode se
determinar pela sua arquitetura. Dessa forma, a caixa tetra pak
como material resistente e impermeável à água, se torna um
recurso que permite a vedação de frestas e o conforto térmico em
moradias com infraestrutura precária.
Com isso, inspirados na iniciativa Brasil sem Frestas,
disseminamos nas cidades de Porto Alegre, Teresina, Santa Maria,
Rio Grande e Porto Velho o projeto contribuindo para melhorias
habitacionais. Recebemos algumas orientações do Brasil Sem
Frestas, sendo a mais importante a necessidade de sempre aplicar
o revestimento no forro da casa. Recebemos algumas orientações
do Brasil Sem Frestas como por exemplo: sempre aplicar o

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

revestimento no forro da casa. Além de cuidados como vedação


dos furos no telhado; desligar o disjuntor da casa; cuidar dos fios
desencapados; nunca cobrir os fios de luz; não revestir atrás de
eletrodomésticos.
PROCEDIMENTOS
O projeto Amenizar é focado para melhorias em casas de
estrutura precária, principalmente àquelas de madeira.
Normalmente estas apresentam frestas entre as tábuas
permitindo a entrada de umidade, vento e insetos. Além disso,
não possuem forro, sendo apenas uma estrutura de telhado o que
permite também a entrada de calor e chuva na moradia. Para
estrutura do projeto nos organizamos em equipes para um melhor
processo de execução, estabelecendo líderes para cada equipe.
Existem três momentos: pré, durante e pós execução da manta
tetra pak, que devem ser bem planejados para evitar
contratempos. O momento pré se estabelece com o planejamento
e o cronograma do projeto; a próxima fase é a parte da execução,
que consiste em colocar em prática o que foi planejado, por fim, o
momento pós é a visita ao local para avaliar a eficiência do
revestimento e coleta de depoimentos dos beneficiários.
Realizamos o cronograma de acordo com a realidade dos
voluntários e dos beneficiários. No planejamento deve constar a
arrecadação das caixas tetra pak, análise de ferramentas
necessárias para a reforma e ajuda de custos para os voluntários.
É necessário, também, verificarmos na equipe a quantidade de
voluntários disponíveis para ajudar no projeto, pois o cronograma
pode ser alterado de acordo com esta quantidade. Depois do
planejamento finalizado, passamos para a arrecadação das caixas
tetra pak. Ressaltamos a importância de realizar parcerias para
facilitar este passo, sugerimos com estabelecimentos que utilizam
leite ou suco para preparo de refeições e com universidades.
Após a arrecadação das caixas, é necessário realizarmos um
procedimento de preparo das mantas tetra pak. Em cada caixa é
necessário realizar nove etapas. Primeiramente, devemos
levantar as abas laterais da caixa, e também as de baixo. Feito isso,
conforme a imagem à esquerda da Ilustração 9, cortamos a borda

Parte 3: Experiências e Vivências 149


Projeto Amenizar: mantas térmicas sustentáveis

superior abrindo a parte de cima totalmente, e a borda inferior da


mesma forma. Como última etapa do corte, na imagem à direita
da Ilustração 09 devemos fazer um corte transversal onde há uma
emenda abrindo a caixa em uma folha única. Com a folha aberta,
higienizamos a caixa com detergente e esponja de cozinha
lavando ambos lados. Por fim, enxaguamos bem, deixando-a secar
por um dia. Para uma melhor organização, solicitamos na etapa de
arrecadação que as caixas já sejam doadas limpas e cortadas, uma
vez que otimizamos o nosso tempo.
Ilustração 9 - Corte da caixa tetra pak

Fonte: ESF-Porto Alegre (2019)


Realizamos a prospecção de residências para aplicação do
projeto a partir de indicação de líderes comunitários. Além dessa
alternativa, o contato com escolas e instituições religiosas do
entorno da comunidade facilita o mapeamento das famílias
beneficiadas. Durante o projeto buscamos o engajamento dos
professores das escolas próximas para que desenvolvam, junto
aos alunos, atividades de sensibilização dos problemas ambientais
e sociais. Observamos que um dos cuidados é a abordagem junto
a família sobre a sua situação de vulnerabilidade social. Sendo
assim, orientamos os voluntários para não serem invasivos em
seus questionamentos, deixando fluir uma conversa
naturalmente.
Realizada a visita, nos reunimos para confeccionar as mantas
térmicas de tetra pak. Para tanto, usamos tesouras, guilhotina,
grampeadores escolares, grampos. Recomendamos a

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construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

padronização da manta em duas fileiras de 6 caixas existindo dois


métodos para unificá-las. O primeiro é utilizando grampeadores
para a formação da chapa. Outra alternativa é costurá-las com
linha e máquina de costura, entretanto para este procedimento é
necessário pessoas especializadas. A vantagem do primeiro
método é a facilidade na execução, pois não precisamos de
pessoas especializadas e, também, encontramos os grampeadores
a baixo custo. O segundo método, por sua vez, dá um melhor
acabamento , porém precisamos de costureiras para realização do
trabalho.
A quantidade de mantas a serem utilizadas em cada
residência depende da área da mesma. Estimamos que as
dimensões nominais da chapa citada acima sejam de 0,3 m x 1,10
m (largura, altura), sendo uma área de 0,33m². Supondo uma
residência com 20m² e pé direito de 2 m, seriam necessárias 122
chapas para revestir a mesma.
EXECUÇÃO
A execução do projeto Amenizar: mantas térmicas
sustentáveis possui algumas etapas. Como primeiro passo
recomendamos realizar visitas técnicas na casa onde a manta será
executada, fazendo medições e um croqui para mensurar
quantidade de material. Além disso, verificamos o estado das
paredes e telhado, observando a infraestrutura do local. Outro
ponto importante é a análise da ventilação, iluminação e
instalações elétricas. Essas análises são próprias para prevenir
ocorrência de incêndios.
As ferramentas para execução podem ser obtidas por meio
de doações ou adquiridas com recursos do Núcleo, por vezes,
adquirimos outros materiais para manutenção da residência.
Conforme nossa experiência observamos que para o revestimento
do forro é necessário a colocação de ripas de madeira e preparar
a rede elétrica. Utilizamos os seguintes materiais: martelo,
tesouras, grampeadores de estofador, grampeadores escolares e
grampos. Além desses materiais básicos, destacamos os materiais
de proteção individual para cada voluntário, tais como luvas,
óculos, capacete, entre outros.

Parte 3: Experiências e Vivências 151


Projeto Amenizar: mantas térmicas sustentáveis

Na Ilustração 10, a imagem do lado esquerdo mostra a casa


sem forro apenas com a estrutura do telhado original, já na
imagem do lado direito visualizamos o revestimento com mantas
tetra pak. A execução do forro é imprescindível, pois o
revestimento apenas nas paredes aquece mais a moradia. No
Núcleo de Santa Maria, observamos este problema, uma vez que
realizamos o revestimento apenas nas paredes com a logomarca
das caixas voltada para a parede (FILAPPI, 2019).
Ilustração 10 - Aplicação das mantas térmicas no forro

Fonte: ESF-Porto Alegre (2019)


Na cidade de Teresina, município localizado no nordeste do
país, executamos o projeto em uma casa de quatro moradores no
bairro Vila Mocambinho. Contamos com auxílio da liderança
comunitária que mapeou famílias encontrando o primeiro
beneficiário. Durante o processo de execução refizemos a
instalação elétrica da casa, pelo risco de incêndio que se
apresentou. Conseguimos doações de materiais e o serviço foi
realizado por terceiros de forma gratuita. Além disso, destacamos
a importância de consertar goteiras no telhado, pois podem
danificar as mantas tetra pak. Colocamos telhas novas e contamos
com a participação dos próprios moradores para a execução. Ao
final da ação realizamos uma confraternização com almoço e
doação de alimentos para a família.
De acordo com a região do país onde esse projeto será
executado há algumas diferenças na aplicação da manta tetra pak.
Em Teresina, aplicamos com a logomarca das caixas para o interior
da residência, pois o objetivo é reduzir a temperatura interna da
casa. O outro lado da caixa é voltado para o telhado, repelindo o
calor que passa através das telhas. Sendo assim, pintamos a manta

152
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após instalação eliminando a poluição visual. Recomendamos a


tinta esmalte sintético, pois adere melhor na superfície da caixa
sendo recomendado o uso de um compressor para aplicar a tinta.
Já em regiões mais frias, como em cidades do Estado Rio Grande
do Sul, a aplicação do revestimento é inversa amenizando
temperaturas extremas, ou seja, resfriando no verão e aquecendo
no inverno. Este método não é necessário posterior pintura.
Com as nossas experiências percebemos alguns riscos, os
quais devemos cuidar. A principal fonte de problemas, após a
aplicação, é a chuva. Por isso a manta deve ser aplicada para evitar
o acúmulo de água entre as caixas, colocando a manta no sentido
do escoamento da água. Observamos que cobrir os furos do
telhado com massa durepoxi ou manta asfáltica são alguns
métodos para impermeabilização do telhado.
Além disso ocorrem outros problemas, não somente de
cunho técnico ou materiais, mas também com relação aos
moradores, que muitas vezes vivem em situação precária. Com
isso, acreditamos que a participação dos moradores é importante
na execução do projeto, dando caráter de pertencimento ao
mesmo.
O projeto Amenizar no geral possui um custo baixo, sendo os
materiais de maior valor a guilhotina e os grampeadores de
estofador. No entanto, a maioria dos materiais são comprados
com finalidade de atender muitas etapas e outros projetos. As
experiências nos Núcleos sobre arrecadação de caixas tetra pak
sempre foram positivas, visto que tem um forte apelo à
sustentabilidade e ao viés de melhoria habitacional.
Apresentamos a seguir alguns depoimentos:
“A minha experiência no projeto foi sensacional. Era uma
mistura de choque por ver a situação que o pessoal morava,
com alegria de poder ajudar eles a ter uma casa pelo menos
um pouquinho mais confortável, muito bom também ver os
moradores fascinados quando o projeto terminava na casa
deles.” Matheus Filappi - Núcleo Santa Maria.
“Tudo ficou ótimo. Meu quarto não está tão quente e o
banheiro ficou mais agradável tomar banho. Ficou ótimo sem
goteiras.” Dona Liane, moradora do Bairro São José, na
cidade de Porto Alegre.

Parte 3: Experiências e Vivências 153


Projeto Amenizar: mantas térmicas sustentáveis

“Participar de um projeto que tanto faz pelos que mais


precisam é um prazer, gratidão a Deus por poder ajudar,
agradeço também à Engenheiros Sem Fronteiras - Núcleo
Teresina por me proporcionar essa alegria de contribuir com
a doação do material para instalação elétrica no Projeto
Manta Térmica.” (José Martins Lopes Júnior - Engenheiro
Civil doador para o Núcleo Teresina)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil existem muitas famílias em situação de
vulnerabilidade social, com moradias insalubres e infraestrutura
precária. No intuito de amenizar essa situação, o projeto Amenizar
reutiliza caixas tetra pak para vedação de frestas, melhorando
condições de habitabilidade, tornando-as mais confortáveis. Além
disso, a reutilização deste produto auxilia no gerenciamento de
resíduos sólidos urbanos, tendo em vista que aproveita um
resíduo que leva anos na sua decomposição.
Em suma, executamos o projeto Amenizar desde 2018,
promovendo o conforto térmico e levando dignidade às casas
populares. Verificamos junto aos moradores beneficiados que,
após o revestimento, houve alteração dos ambientes internos da
casa, amenizando temperaturas extremas da residência.
Contabilizamos 45 casas revestidas com uma área total de 567,85
m², reutilizando 21.259 caixas tetra pak. Observamos pelos
depoimentos dos voluntários as suas percepções frente a outras
realidades, e atuações para modificar a vida dos beneficiários,
trazendo uma engenharia mais solidária.
REFERÊNCIAS
ASHRAE 55. Thermal environmental conditions for human occupancy. American
Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers, Inc. Atlanta, GA,
2013. Disponível em:
http://www.labeee.ufsc.br/sites/default/files/disciplinas/Apostila%20Conforto%2
0T%C3%A9rmico_2016.pdf. Acesso em:05/02/2020.
Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais -
ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2018/2019. [recurso on-line]
São Paulo: Abrelpe. 2019. 68 p.
CAMOZZATO, M. L. O. Projeto Brasil sem frestas. Passo Fundo: Brasil Sem
Frestas, 2016.
CARVALHO, M. T. de M.; VILELA, A. F. da C.; JUNQUEIRA, R. B. M.; LANNA, A. C.
Qual é a sua pegada? O reflexo do seu consumo. Santo Antônio de Goiás:
Embrapa Arroz e Feijão. 2009.

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construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

CEMPRE. Embalagens longa vida. 2018. Disponível em:


<http://cempre.org.br/artigo-publicacao/ficha-tecnica/id/9/embalagens-longa-
vida>. Acesso em: 28/02/2020.
FILAPPI, M. V.; et al. Avaliação de temperatura e umidade em residências
revestidas internamente com embalagens longa vida. [recurso on-line]
Florianópolis: Mix Sustentável, v. 5, n. 3, jul.2019.
Organização das Nações Unidas (ONU). Transformando nosso mundo: a agenda
2030 para o Desenvolvimento Sustentável. 2015. Disponível em:
<https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-
br.pdf>. Acesso em: 29/02/2020
SILVA, K. C. P.; CAMPOS, A. T.; JUNIOR, T. Y.; CECCHIN, D.; LOURENÇONI, D.;
FERREIRA, J. C. Reaproveitamento de resíduos de embalagens Tetra Pak em
coberturas. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 19, n. 1, p.
58-63, 2015.
TETRA PAK. Sustentabilidade em ação: relatório de sustentabilidade 2019.
[recurso on-line] 2019. Disponível em:
<https://tetrapak.com/br/sustainability/sustainability-updates>. Acesso em:
23/02/2020.

Parte 3: Experiências e Vivências 155


Projeto Amenizar: mantas térmicas sustentáveis

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Programa de capacitação e aperfeiçoamento


profissional
Carolina V. P. Costa, ESF-Viçosa
Isabela F. Ali, ESF-Limeira
Victória Abrahão F. e Silva, ESF-Brasil

No Brasil, a situação do desemprego e da necessidade de


adquirir uma renda extra traz como consequência um aumento da
quantidade de pessoas em busca de especializações que possam
ajudar a alcançar uma vaga de emprego ou até mesmo a
começarem seu próprio negócio. Tendo em vista esse cenário que
envolve tanto a empregabilidade quanto a escolaridade da
população, o Programa de Capacitação e Aperfeiçoamento
Profissional, projeto nomeado PROCAP que é realizado por nossos
núcleos do Engenheiros Sem Fronteiras Brasil, foi estruturado com
o objetivo de promover cursos que tornassem jovens e adultos
melhor preparados para o mercado de trabalho.
O PROCAP tem como finalidade oferecer oportunidades para
esses jovens e adultos a se aproximarem do âmbito profissional e
receberem certa qualificação, adquirindo, assim, maior
competitividade no mercado empregador ou empreendedor
através de cursos dos mais diversos temas contendo conteúdo
teórico, técnico e de qualidade. Dentre esses temas, podemos
citar os de Logística, Controle de Qualidade e Segurança do
Trabalho, que já foram oferecidos pelo núcleo Limeira, em São
Paulo, e os de Alimentos, Elétrica e Hidráulica Predial, já
apresentados pelo núcleo Viçosa, em Minas Gerais. Para ambos os
núcleos há artigos que foram escritos para o V Congresso
Brasileiro dos Engenheiros Sem Fronteiras em Natal e para o VI
Congresso Brasileiro dos Engenheiros Sem Fronteiras em Juiz de
Fora por nossos membros.
Com o intuito do projeto alcançar o público alvo desejado,
mudar o cenário de desemprego e baixa frequência escolar e se
disseminar por diversas regiões brasileiras, buscamos elaborar o
conteúdo transmitido de forma simples e objetiva, adequando-os
aos alunos e as suas necessidades educacionais, e tornando-os

Parte 3: Experiências e Vivências 157


Programa de capacitação e aperfeiçoamento profissional

atrativo e completo. Para tanto, após as edições realizadas no


núcleo de Limeira e as no núcleo de Viçosa, fizemos uma
padronização do projeto, seguida da estruturação de um manual
por parte do Engenheiros Sem Fronteiras Brasil, fator que facilita
a replicação do projeto por vários outros núcleos de nossa ONG.
Além do benefício voltado à empregabilidade e ao
empreendedorismo, quando o projeto é aplicado para
beneficiários integrantes do ensino médio de escolas públicas, é
capaz de complementar as práticas escolares desses adolescentes,
assim como aproximá-los do contexto universitário, aumentando
a acessibilidade a conhecimentos técnicos e acadêmicos e
estimulando seus participantes a se envolverem em atividades
extracurriculares, fazendo-os continuar os estudos em busca de
um grau educacional cada vez maior ao colocá-los em contato com
o ambiente universitário.
De maneira geral, com o PROCAP, contribuímos para a
realização de dois dos 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas do
qual o Brasil é signatário, sendo estes a Educação de Qualidade e
Redução de Desigualdades (ONU, 2015, sp.), tendo como sua
principal meta:
Aumentar substancialmente o número de jovens e adultos
que tenham habilidades relevantes, inclusive competências
técnicas e profissionais, para emprego, trabalho decente e
empreendedorismo.
Dessa forma, entendemos que o projeto tem importância
não só de aprimorar pessoalmente e profissionalmente os
participantes individualmente, como também é capaz de impactar
toda uma comunidade por conta de sua perspectiva social.
Baseando-se no cenário brasileiro que diz respeito à
educação e ao trabalho, a principal demanda realizada por nossos
núcleos do Engenheiros Sem Fronteiras através do PROCAP, é a
identificação da dificuldade dos jovens e adultos encontrarem
empregos e neles se estabilizarem.
A partir disso, a união de universidade, temas atuais e cursos
técnicos busca aproximar a comunidade beneficiária do estímulo
ao estudo e do aperfeiçoamento profissional, agregando diversas

158
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construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

qualidades aos currículos desses jovens e adultos participantes


dos cursos oferecidos pelo projeto.
Analisamos, inclusive, que em Limeira 30,5% da população
participa de domicílios com rendimentos mensais por pessoa de
no máximo meio salário mínimo (IBGE, 2017) e em Viçosa essa
desigualdade social também é perceptível, visto que
aproximadamente 34% das pessoas têm rendimento nominal
mensal per capita de até meio salário mínimo (IBGE, 2017).
Além disso, muitas pessoas trabalham em empregos sem
muita instrução, ou fornecem serviços sem capacitação para
realmente exercê-lo de forma segura e de qualidade, por isso,
houve uma adaptação dessas demandas aos conceitos da
engenharia a partir da escolha de temas específicos importantes
para o mercado atual, sendo alguns deles, como já citamos, os de
logística, controle de qualidade e segurança do trabalho, os quais
se aproximam da engenharia de produção e manufatura para
Limeira, enquanto que, para Viçosa, buscamos suprir a demanda
optando por temas como produção de alimentos, elétrica e
hidráulica predial. As Ilustrações 11 e 12 mostram,
respectivamente, os beneficiários recebendo os cursos de logística
e alimentos pelos membros de nossa organização.
Em relação aos recursos mobilizados para nossos cursos, os
custos variam de acordo com a quantidade de alunos, o local e a
data em que o projeto é realizado. Os principais gastos envolvidos
são os relacionados às fichas de inscrição, divulgação por folders e
cartazes, apostilas com o conteúdo das aulas, material para as
práticas dos cursos, coffee break, transporte de membros e
alunos, crachás para credenciamento, materiais de papelaria e
impressão de certificados.

Parte 3: Experiências e Vivências 159


Programa de capacitação e aperfeiçoamento profissional

Ilustração 11 - Aplicação do curso de logística pelo Núcleo Limeira na


Faculdade de Ciências Aplicadas da UNICAMP

Fonte: ESF-Limeira (2018)


Ilustração 12 - Aula prática de fabricação de Queijo Minas Frescal no
laboratório da Universidade Federal de Viçosa

Fonte: ESF-Viçosa (2018)


Em Viçosa, os cursos são totalmente custeados pela
Prefeitura Municipal, ocorrendo em parceria com o Centro de
Inclusão Produtiva, sendo totalmente gratuito para os
beneficiários. A edição do curso de Elétrica Predial, que ocorreu
em parceria com o Centro de Prevenção, Acolhimento,
Tratamento e Reinserção Social do Dependente Químico, foi
totalmente custeado pela instituição.
Uma vez realizada a compra dos materiais, o curso de Elétrica
e Hidráulica Predial têm como vantagem o reaproveitamento dos
itens utilizados no módulo anterior, não sendo necessário, como
acontece no módulo de Produção de Alimentos, a compra de

160
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construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

todos os materiais novos, fazendo com que haja uma diminuição


dos gastos para as próximas edições.
No caso de Limeira, todo o recurso financeiro vem do caixa
da organização, que algumas vezes é beneficiada pelo apoio de
empresas parceiras no decorrer do projeto, reduzindo os gastos.
Além disso, no caso do PROCAP Segunda Edição - Limeira, que foi
um curso de extensão gerador de certificado oficial aos
beneficiários, houve um abono da taxa de inscrição por aluno,
devido ao processo realizado em contato com a Apex (Diretoria de
Pesquisa e Extensão da UNICAMP).
Ademais, não só os recursos financeiros são importantes
para que consigamos realizar o PROCAP, como também contamos
com a plena participação dos membros do projeto, o apoio dos
outros departamentos do núcleo e o contato com professores e
profissionais que nos auxiliem na parte teórica e burocrática.
O PROCAP em Limeira e Viçosa, assim como em qualquer
outro núcleo do ESF, contribuem para a formação de jovens e
adultos de todas as idades, sendo ofertados cursos para
estudantes de escolas públicas do ensino médio, beneficiários do
Bolsa Família ou outros programas de assistência social, membros
do Centro de Referência Especializado de Assistência Social
(CREAS) e do Centro de Prevenção, Acolhimento, Tratamento e
Reinserção Social do Dependente Químico.
Nós, enquanto membros do Engenheiros Sem Fronteiras,
somos os responsáveis pelo planejamento das aulas e capacitação
desses alunos, portanto, para que o projeto seja bem sucedido e
cumpra seu objetivo, é necessário uma relação de respeito,
estabelecimento de laços e limites entre os membros do projeto e
os alunos. Fazendo isto, a relação entre os ministrantes e os
participantes dos cursos é de liberdade de expressão,
esclarecimento de dúvidas e compartilhamento de experiências.
No total, são dadas aproximadamente oito aulas por curso
em turmas que têm em média 20 alunos, as quais são preparadas
para jovens e adultos e de formas distintas, atendendo às
diferenças educacionais. Adultos geralmente carecem de maior
atenção didática, com ênfase nos conteúdos para melhor

Parte 3: Experiências e Vivências 161


Programa de capacitação e aperfeiçoamento profissional

aprendizado, já o público jovem, de maior dinamismo e interação,


para que consigam manter seu foco sem dispersões do início ao
fim.
Para o PROCAP Limeira Segunda Edição, pequenas falhas de
comunicação e organização por parte dos membros do projeto no
primeiro curso do semestre e certa flexibilidade em relação às
inscrições dos alunos, trouxeram algumas dificuldades para que
conseguíssemos realizar o projeto. Planejamento de datas e
cronograma e burocracia da Extecamp também foram pontos
trabalhosos.
Em Viçosa, a primeira dificuldade que encontramos foi na
divulgação do curso para o público adulto, pois não é encontrado
através de redes sociais, fazendo-se necessária uma abordagem
mais direta nas feiras e ruas da cidade. Quem mais nos auxilia
nessa divulgação são os centro de referência de assistência social
(CRAS), centro de inclusão produtiva e a prefeitura municipal de
Viçosa. Uma dificuldade enfrentada pelos alunos foi a exigência de
frequência em pelo menos 70% nas aulas, devido a compromissos
de trabalho ou sábados letivos, atrapalhando a conclusão do
projeto e o recebimento de certificado.
O PROCAP, independentemente do local em que é realizado,
tem contribuído para evolução de muitas pessoas em crescimento
pessoal e profissional, sendo um projeto com grande potencial à
reaplicação nos nossos núcleos do Engenheiros Sem Fronteiras
pelo país.
Em Viçosa, é um programa muito elogiado dentro da
Universidade Federal de Viçosa, principalmente pelos professores
dos departamentos de Engenharia de Alimentos e Engenharia
Elétrica, assim como por todos os que têm conhecimento ou já
participaram dele. De forma semelhante, tanto a primeira quanto
a segunda edição de Limeira foram bastante elogiadas dentro do
núcleo, assim como por professores da UNICAMP.
O PROCAP Limeira Segunda Edição, inclusive, foi premiado
no V Congresso Brasileiro dos Engenheiros Sem Fronteiras em
Natal, no Rio Grande do Norte, no ano de 2018. Rafael Kondo, ex-
membro do ESF-Limeira e participante do PROCAP no mesmo ano
da premiação, fez a seguinte afirmação:

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construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

“Ter participado do PROCAP Limeira Segunda Edição foi uma


experiência muito gratificante, através da qual tive a
oportunidade de me desenvolver pessoalmente e
profissionalmente. Atuar em um cenário em que eu estava
ensinando conteúdo da minha graduação ao mesmo tempo
que tinha contato direto com professores e contribuía para o
crescimento de jovens fez com que eu aprendesse muito a
cada aula, criando, inclusive, amizade com os alunos, os
quais demonstravam muita confiança e alegria, e com os
companheiros de projeto. Estar no papel de tutor e
compartilhar o conhecimento é uma prática para ser
eternizada, que com certeza me incentiva a aproveitar mais
momentos semelhantes.”
Os alunos também se mostraram satisfeitos com os cursos,
os quais puderam trazer uma base de conhecimento a respeito
dos temas fornecidos. Quando o projeto chega ao fim, eles
continuam tirando suas dúvidas com os nossos membros e
mantendo contato através de grupos nas redes sociais, questão
importante para que seja possível avaliar o desenvolvimento do
aluno antes e depois do projeto.
Na última aula, fazemos um questionário de avaliação do
PROCAP, nesta, os alunos dão a sua opinião e possíveis sugestões.
Em Viçosa, uma das beneficiárias declara a eficácia do projeto
após alguns meses passados de sua realização:
“O PROCAP me ajudou a aperfeiçoar o meu trabalho, crescer
como profissional, e além de todo aprendizado, também fiz
uma nova família.” (beneficiária)
Em Limeira, vídeos de entrevistas foram feitos desses alunos
registrando o que gostaram no projeto. Esses feedbacks são
imprescindíveis para que se tenha uma visão minuciosa do
projeto, analisando as falhas e os acertos, procurando maneiras
de aprimorar as próximas edições, a fim de que os anseios
profissionais destes sejam alcançados.
O PROCAP é capaz de trazer muitas experiências e
aprendizados tanto aos beneficiários quanto a quem leciona. Ele
mobiliza nossa rede a melhorar, lidar com imprevistos que podem
surgir, trabalhar com pessoas diferentes, procurar parcerias,
planejar e elaborar materiais teóricos e gráficos.

Parte 3: Experiências e Vivências 163


Programa de capacitação e aperfeiçoamento profissional

Além disso, é um projeto facilmente replicável que pode ser


pensado para diversos temas relacionados às atividades
econômicas e, se houver engajamento e perseverança de toda
equipe, parcerias sólidas e profissionais na área que sejam
acessíveis e estejam dispostos a contribuir, o projeto tem grande
potencial de atingir o sucesso.
Nesse sentido, existe, ainda, um Manual de Projeto do
PROCAP que elaboramos no Engenheiros Sem Fronteiras Brasil
para que ele possa ser realizado por outros núcleos com maior
facilidade, qualificando, assim, um maior número de jovens e
adultos para competirem no mercado de trabalho por todo o
Brasil.
A diferença de realidades é existente e perceptível. Lidar com
pessoas em vulnerabilidade social é algo que pode sensibilizar a
nós, membros do projeto, e ao núcleo como um todo e, assim, o
PROCAP é capaz de transformar as vidas dos beneficiários.
Portanto, sua replicabilidade é de extrema importância para o
desenvolvimento humano e profissional de ambas partes, assim
como é capaz de promover mudanças em um cenário que é
repleto de desigualdade e desemprego.
REFERÊNCIAS:
IBGE. Brasil em Síntese. São Paulo, Limeira. Panorama. Disponível em:
<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/limeira/panorama>. Acesso em: 26/01/
2020.
IBGE. Brasil em Síntese. Viçosa, Minas Gerais. Panorama. Disponível em:
<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/vicosa/panorama>. Acesso em:
26/01/2020.
ORGANIZAÇÂO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Agenda 2030. 2015. Disponível em:
<https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>. Acesso em: 10/02/2020.
PEGORARO, C. A.; KONDO, R. M. P. Relatório PROCAP Limeira - Segunda Edição.
ESF-Limeira. 2018. Disponível em:
<https://doity.com.br/media/doity/submissoes/artigo-
a55267b125ef1c74525dd77276ffc2427c917109-arquivo.pdf>. Acesso em:
10/02/2020.
SILVA, K. C. M.; CAMPOS, A.; AMOGLIA, S. M.; GANDINI, P. H. T.; FERRACIOLI, N.
Relatório PROCAP: Um modelo de programa que aproxima Viçosa do mercado de
trabalho e constrói pontes com a universidade. ESF-Viçosa. 2018. Disponível em:
<https://doity.com.br/media/doity/submissoes/artigo-
db0320ce793b602ebfd3e631054a9ff85691288b-arquivo.pdf>. Acesso em:
17/02/2020.

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Captação de água de chuva


Guilherme S. C. Machado, ESF-Vitória
Juliana J. Stek, ESF-Limeira
Mariana M. Gomes, ESF-Brasil

A água é o recurso natural mais precioso que existe na Terra.


Não há ouro, alumínio, ferro ou petróleo que substitua a
importância e a indispensável necessidade da água para a vida,
apesar de ter sido reconhecida como um direito humano pela
Organização das Nações Unidas (ONU) somente em 2010. A falta
de acesso à água potável pode gerar cenários caóticos como a
fome e o desencadeamento da proliferação de incontáveis
doenças relacionadas ao consumo de água contaminada, higiene
e preparação de alimentos. Essas situações são configuradas como
desumanas para os afetados e, ainda assim, o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF) indica que, hoje, o acesso global a
esse recurso natural de forma potável é ausente para 2,1 bilhões
de pessoas; ou seja, 25% da humanidade vive de forma sub-
humana (UNICEF, 2019).
O cenário no Brasil não é muito diferente: são mais de 15%
de brasileiros, cerca de 35 milhões, que não possuem acesso à
água potável, segundo dados do Sistema Nacional de Informação
sobre Saneamento (SNIS, 2018). Dentre os fatores responsáveis
por essa situação estão o crescimento demasiado da população, a
alta densidade demográfica em locais de baixas reservas de água,
como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o uso
inconsciente dos recursos hídricos, fruto da criação de uma
mentalidade coletiva de que água não é um problema no país, e,
por fim, um dos fatores mais críticos: a falta de planejamento de
infraestrutura e gestão pública das cidades; todos esses fatores
associados às alterações climáticas, caracterizadas por chuvas
abaixo da média, tornam a questão da água no Brasil cada vez
mais desafiadora.
O Brasil é uma das maiores potências mundiais quando
falamos em engenharia com uso de água; um exemplo dessa
engenharia são as usinas hidrelétricas, e tal potencial se deve ao

Parte 3: Experiências e Vivências 165


Captação de água de chuva

fato de que o país é detentor de aproximadamente 12% da água


doce do planeta, segundo dados da Agência Nacional de Águas
(ANA, 2020b). No entanto, o Brasil é um país que ainda possui uma
estrutura precária no saneamento, uma vez que cerca de 45% do
esgoto produzido é lançado in natura nos corpos hídricos (ANA,
2020a), tornando a qualidade da água cada vez pior e
transferindo, também, esse problema para jusante, pois o esgoto
lançado em um ponto é a água captada em outro. Esse fato
aumenta os custos para o tratamento de água nas estações e
também dificulta a obtenção da qualidade da água própria para
consumo humano, dado que as Estações de Tratamento de Água
não foram feitas para tratar efluentes domésticos. Dessa forma, a
falta de investimento no tratamento de esgoto, o despejo de
resíduos sólidos em rios e córregos e a pouca cobrança, e até
mesmo preocupação, por parte da população finda por incentivar
soluções mitigadoras dos problemas, ao invés das preventivas
deles. Essas condições, por conseguinte, impulsionam soluções
que visam amenizar as consequências da preocupante situação
hídrica, como por exemplo a construção de reservatórios de água.
A captação de água de chuva é uma técnica milenar que foi
utilizada por civilizações como Astecas, Incas e Maias. Há registros
mais antigos, segundo Tomaz (2003), de aproveitamento de água
de chuva em 850 a.c. no Oriente Médio, onde o Rei Mesha indica
a construção de reservatórios de água de chuva em cada
residência. A técnica, hoje, consiste em captar a água do telhado
por meio de calhas que, então, são acopladas em um sistema de
tubulações, filtros, um reservatório para água pluvial e um
descarte para onde vai a primeira água da chuva, água essa que
não é ideal para uso devido às partículas de poeira e sujeiras dos
telhados. A água é captada em quantidade relativa à demanda do
local e pode ser utilizada em diversas atividades, como irrigação,
descarga de vasos sanitários e limpezas gerais, substituindo,
então, o uso da água potável para esses fins. Tanto o reservatório
quanto o descarte são calculados a partir da área do telhado para
que o sistema possa aproveitar de forma otimizada toda a água
precipitada.

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construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

NA REDE ESF
Sob a perspectiva de todas as problemáticas que o país e o
mundo enfrentam, e na esperança de melhorar o cenário de vida
de muitos brasileiros, diversos núcleos dos Engenheiros Sem
Fronteiras começaram a construção de sistemas de captação de
água de chuva pelo país. As construções aconteceram em
diferentes cidades, como Belo Horizonte, Ilha Solteira, Juiz de
Fora, Limeira, Natal, Santa Maria, São Paulo, Viçosa e Vitória e,
concomitante a instalação desses sistemas, foram realizadas
atividades e campanhas de sensibilização ambiental sobre o uso
racional e sustentável desse recurso vital à vida.
Ilustração 13 - Sistema instalado em escola municipal de Vitória - ES.

Fonte: ESF-Vitória (2018)


Estima-se que, em um futuro próximo, cada vez mais
instituições de diversas cidades possam receber um sistema de
captação de água de chuva próprio, promovendo, assim, o uso
sustentável da água por meio da captação e utilização de água
pluvial e da sensibilização da população. Essa tecnologia, além de
diminuir o impacto dos racionamentos de água, ainda comuns em
certos locais no Brasil, promove, também, a redução de gastos
com água e esgoto tratados, o que viabiliza, em curto prazo, o
investimento realizado. O dinheiro economizado pode ser
utilizado para investir em outras demandas e problemáticas
existentes, contribuindo, assim, para a promoção de
desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias que podem,
evidentemente, assim como os sistemas de captação de água de

Parte 3: Experiências e Vivências 167


Captação de água de chuva

chuva, contribuir para que os países possam alcançar o


cumprimento dos ODS.
No entanto, para que se possa, em um futuro próximo,
impactar cada vez mais instituições de diversas localidades do
país, precisamos conhecer a história de como os projetos de
captação de água de chuva surgiram dentro da caminhada dos
Engenheiros Sem Fronteiras no Brasil. Essa trajetória teve início,
sobretudo, quando uma forte seca atingiu a região sudeste do
Brasil de 2012 a 2015, causando uma intensa crise hídrica que
impactou diversos setores da sociedade. Essa crise provocou um
processo de racionamento em algumas cidades da região, como
Juiz de Fora e Viçosa em Minas Gerais, Guarapari e a Grande
Vitória no Espírito Santo, Angra dos Reis e Niterói no Rio de Janeiro
e, em São Paulo, Guarulhos e Bauru, por exemplo. Com isso, o
cidadão brasileiro, além de todas as dificuldades socioeconômicas
que já enfrenta diariamente em sua vida, teve também de lidar
com a falta de água. Assim, percebemos a contradição evidente
do racionamento em um país que possui água em abundância,
porém distribuída de maneira desigual entre as regiões e, em
diversos casos, com qualidade abaixo do ideal para consumo
humano devido à poluição e falta de tratamento adequado.
Em meio a esse cenário contraditório, diversas escolas e
instituições públicas começaram a ter problemas com a falta de
água, deixando de lado, assim, atividades necessárias para o
convívio público social, como a limpeza de pátios e salas dentro
das escolas. Aliada a essa problemática, estava também a falta de
conhecimento por parte da população em como economizar água,
uma vez que este nunca fora um problema frequente no dia a dia
das famílias. Diante de um panorama tão impactante para os
brasileiros, os Engenheiros Sem Fronteiras de diversas cidades do
país começaram a se reunir para iniciar ações a fim de mitigar as
consequências da crise hídrica que atingiu o país, consequências
que perduram até os dias atuais, 2020.
Iniciativas foram observadas em algumas cidades, como Belo
Horizonte, Juiz de Fora e Viçosa em Minas Gerais, Vitória no
Espírito Santo, São Paulo, Limeira e Ilha Solteira em São Paulo,
Santa Maria no Rio Grande do Sul e Natal no Rio Grande do Norte.

168
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

É evidente a grande participação de cidades da região sudeste,


que sofreu severamente com a seca. Os trabalhos dos núcleos nas
respectivas cidades têm impactado diretamente no alcance dos
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030
da Organização das Nações Unidas (ONU, 2015), sobretudo nos
Objetivos 6 e 12, que nessa ordem determinam:
 Objetivo 6: Assegurar a disponibilidade e gestão
sustentável da água e saneamento para todos;
 Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de
consumo sustentáveis.
Dentro dessa perspectiva, os núcleos que tiveram a iniciativa
de realizar projetos de captação de água de chuva desenvolveram
uma forma muito semelhante de trabalho: a união entre palestras
de sensibilização e educação ambiental, para o público impactado
pelo projeto, e a instalação do sistema. Dessa forma, além de
assegurar padrões de consumo sustentáveis, assegura-se a
disponibilidade e gestão sustentável da água, como é evidenciado
nas ODS citadas.
Ilustração 14 - Sistema instalado em escola municipal de Viçosa - MG.

Fonte: ESF-Viçosa (2018)


Prática comum encontrada na execução dos projetos pelos
Engenheiros Sem Fronteiras é a participação dos voluntários da
rede para planejamento e execução das ações definidas pelo
escopo. A comunicação é facilitada, pois informações de projeto e
lições aprendidas a partir de sua execução em determinado núcleo
são disponibilizadas às equipes de outros Engenheiros Sem

Parte 3: Experiências e Vivências 169


Captação de água de chuva

Fronteiras. Os núcleos procuraram, também, tutoria de


profissionais especializados na área de captação de água de chuva,
o que resultou em bons resultados. Sendo assim, os núcleos
tiveram auxílio de profissionais da área, mão de obra voluntária e,
em média, equipes de 5 pessoas, tanto para a execução das
palestras de sensibilização e educação ambiental, como para a
instalação dos sistemas nos locais escolhidos.
No que tange aos materiais que são utilizados durante todas
as etapas dos projetos, cada núcleo, de acordo com sua evolução
e história, possui uma forma específica de arrecadação. A forma
mais comum de arrecadação dentro da rede é a busca
por parcerias com empresas de construção civil e do ramo
hidrossanitário. Quando a obtenção dos materiais necessários ao
projeto não é possível por meio de parcerias, os voluntários se
unem e, assim, são realizadas ações para levantamento de fundos.
Alguns núcleos trabalham com a venda de itens, outros realizam
ações entre amigos, campanhas nos semáforos, entre outros.
Muitas são as formas que os voluntários encontram para levantar
fundos e elas dependem especificamente de cada equipe de
projeto em sua cidade.
Um caso interessante é o dos Engenheiros Sem Fronteiras do
Núcleo Viçosa que construíram, junto a Prefeitura Municipal, uma
parceria para receber as necessidades mais latentes do município
em relação a diversos tipos de projetos. O núcleo realizou a
instalação de um projeto piloto em sua sede e, após o sucesso
dessa instalação, junto da parceria com a Prefeitura Municipal de
Viçosa, foram colocados um total de 5 módulos em diferentes
escolas municipais da cidade até o fim de 2019. Essa parceria
evidencia que o potencial para a construção de mais módulos de
captação de água de chuva ao longo do país é muito possível com
auxílio das prefeituras municipais, uma vez que a mão de obra e o
conhecimento técnico são oferecidos pelos voluntários dos
núcleos e, segundo os estudos já realizados, rapidamente o
investimento é retornado devido à economia de água pelas
escolas e instituições públicas beneficiadas.

170
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

GESTÃO E EXECUÇÃO DO PROJETO


Como é possível observar nos núcleos dos Engenheiros Sem
Fronteiras no Brasil, é comum a abordagem em escolas, mesmo
que os projetos não estejam limitados somente a elas.
Trabalharemos, sobretudo, nesse capítulo, com a abordagem de
escolas, que possui uma motivação mútua a todos os núcleos: uma
vez que as crianças e jovens possuem maior capacidade e vontade
de aprendizado, o resultado é que as lições ensinadas são
absorvidas com maior qualidade e, assim, essas crianças e jovens
podem impactar mais efetivamente os adultos que estão ao seu
redor; ademais, as escolas, em maioria, já possuem um sistema de
cobertura mais estruturado, que permite realizar a captação de
água de chuva de maneira mais rápida e eficiente. Assim, é
possível impactar com maior qualidade uma maior quantidade de
pessoas.
Diante disso, os voluntários nos núcleos abordam, em
primeira instância, a direção das escolas. O bom relacionamento
com a direção é muito importante para um projeto de impacto
bem sucedido, uma vez que é preciso apoio pedagógico e logístico
por parte das escolas. Após a elaboração do plano estratégico de
ação de cada equipe de projeto junto à equipe pedagógica da
escola, é realizada então, em segunda instância, a abordagem com
os alunos e profissionais da limpeza, uma vez que são eles os
utilizadores principais dos sistemas de captação de água de chuva.
Como a primeira abordagem é com a direção da escola, esse
contato deve ser feito com muito cuidado, uma vez que o apoio
da instituição pública é vital para uma boa execução do projeto.
Foram relatados por diversos voluntários de diferentes núcleos,
por vezes, certa resistência por parte da direção e professores com
relação às visitas nas escolas para instalação do sistema e o acesso
aos estudantes para as palestras de educação ambiental e outras
atividades. Isso porque muitas vezes é necessária uma mudança
no planejamento de aulas, idas à escola no final de semana para
instalar o módulo e mobilização de funcionários e estudantes em
horários diversos. Toda essa mudança de rotina na vida dos alunos
e da equipe administrativa muitas vezes acaba por criar

Parte 3: Experiências e Vivências 171


Captação de água de chuva

dificuldades ao acesso dos voluntários à escola para execução do


projeto.
No que concerne aos cuidados com cada beneficiário,
devemos atentar, sobretudo, ao contato com os profissionais da
limpeza, uma vez que a inserção de novos elementos na rotina de
trabalho pode impactar na motivação do colaborador e, se não
bem informado e instruído, o sistema pode entrar em desuso
rapidamente e, assim, não provocar uma diferença no consumo
de água dos locais onde foram instalados. Igual atenção devemos
dar àqueles que participarão da palestra de sensibilização e
educação ambiental, uma vez que os aprendizados de boas
práticas para redução do consumo e melhor cuidado do recurso
natural água devem ser efetivamente aplicados no dia a dia
daquela pessoa. Para isso, sugerimos que sejam realizadas
dinâmicas participativas e lúdicas para que os conceitos sejam
bem absorvidos por cada participante.
Ilustração 15 - Sistema instalado em Limeira - SP

Fonte: ESF-Limeira (2019)


Após o gerenciamento de todo o projeto, execução das ações
definidas juntamente com o corpo administrativo das escolas e
instalação do sistema de captação, iniciamos, por fim, a etapa de
melhoria contínua e lições aprendidas dos projetos. Percebemos
ao longo das instalações que existem diversas dificuldades
encontradas por nós e por nossos colegas voluntários de outros
núcleos. Dentre as lições aprendidas mais notórias, em primeiro

172
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

lugar está o que concerne à captação de recursos para compra dos


materiais, pois muitas vezes os valores estão acima do que se
possui no caixa das ONGs no momento e as escolas não possuem
muito recurso para contribuir na compra dos materiais.
Além disso, existem muitas lições aprendidas no que se
refere ao projeto, uma vez que uma dificuldade muito comum
durante as execuções é a falta dos projetos hidráulicos e
estruturais das instituições visitadas, que podem ser necessários
para o projeto do sistema de captação; a depender do caso, isso
acaba atrasando a instalação por diversas vezes. Além disso,
possíveis falhas podem ocorrer devido à inexperiência dos
voluntários que executam o sistema, como vazamentos
posteriores e materiais mal colocados.
Outra dificuldade muito observada é a falta de comunicação
das escolas com o núcleo sobre a existência de possíveis
problemas com o módulo, sendo que os problemas só foram
detectados após a iniciativa de voluntários para saber como está
a utilização do sistema. Por fim, o próprio desuso do sistema por
parte da escola devido à falta de hábito dentro do fluxo de limpeza
foi outra dificuldade comumente encontrada. Para tentar
minimizar essas problemáticas, os núcleos começaram a realizar
retornos nos 6 primeiros meses de instalação do sistema, para
auxiliar o processo de transição do uso da nova tecnologia ali
implementada.
Concomitante aos retornos para verificação de problemas e
dificuldade de uso do sistema, nós também realizamos
formulários para mensurar qual foi a resposta e aceitação do
projeto pela escola e seus beneficiários. Os diferentes Engenheiros
Sem Fronteiras espalhados pelo Brasil possuem diferentes formas
de avaliar essa resposta, mas destaca-se a grande importância de
ouvir o que os alunos e os profissionais da limpeza têm a dizer
sobre o sistema e seu uso. Sugere-se que para crianças mais novas
sejam utilizadas figurinhas para demonstrar como é o sentimento
da criança em relação às perguntas. Abaixo são dispostas algumas
das perguntas realizadas pelos Engenheiros Sem Fronteiras de
Vitória e Limeira:

Parte 3: Experiências e Vivências 173


Captação de água de chuva

 Como você analisa o comportamento da equipe? Ela


trabalhou sendo respeitosa, profissional e ética?
 Quão importante foi a realização do projeto para a sua
instituição/comunidade/família?
 Suas expectativas iniciais foram atendidas?
 De 0-10, qual nota você daria para o projeto?
Ressaltamos que, analogamente como é executado nas
escolas, o projeto captação de água de chuva ao ser realizado em
outras instituições públicas ou privadas seguem um mesmo
padrão, como pode ser observado na Ilustração 16:
Ilustração 16 - Fluxograma Genérico dos projetos de Captação de
Água de Chuva dos ESFs.

Fonte: Autoria própria (2020)


REFLEXÕES
Considerando os aspectos socioambientais envolvidos nos
projetos de captação de água da chuva em todo o país
percebemos que, seja pela escassez hídrica ou pela economia de
água potável, os módulos de captação se mostram bastante
capazes de atingir os mais diversos tipos de públicos e
comunidades.
Sua fácil replicabilidade traz à comunidade uma tecnologia
de simples acesso e promove uma maior consciência ambiental ao
no seu entorno, trazendo questionamentos sobre o uso potencial
de recursos hídricos e formas de aproveitamento mais diretas,
sem a necessidade de depender por completo do sistema de
abastecimento do município.

174
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Além disso, algumas cidades já incentivam, como Viçosa


(MG), Juiz de Fora (MG) e Curitiba (SC), por meio de leis e decretos,
a instalação de sistemas de captação de água da chuva em
prédios, galpões e construções como uma forma de aliviar e
desafogar o sistema de drenagem urbana. O aumento das
superfícies impermeáveis nas cidades leva ao aumento do
escoamento superficial, causando muitas vezes enchentes,
dependendo do volume precipitado em um período de tempo.
Com o auxílio dos módulos de água de chuva, acreditamos que
seja possível diminuir a quantidade de água encaminhada para as
ruas e sistemas de drenagem, ajudando assim na regularização da
vazão das galerias e calhas de rios em trechos urbanos.
Assim, sabendo dos diversos proveitos obtidos pela captação
de água de chuva, a implementação desse projeto é muito bem
recebida pelas pessoas dos locais favorecidos, no entanto, o uso e
a manutenção do sistema ainda é uma barreira a ser superada
para que o projeto seja sustentado pelos próprios beneficiários.
As comunidades ou instituições que o recebem poucas vezes
entendem o funcionamento do projeto e como ele deve ser
preservado. Sendo assim, para que essa manutenção possa
ocorrer da forma mais eficiente, é necessário que haja a inclusão
de todos os voluntários e beneficiários em todas as etapas do
projeto com o objetivo que entendam o funcionamento do
mecanismo e, por fim, possam se tornar independentes das
pessoas que o instalaram. A partir do momento que os
beneficiários entendem que o sistema de captação também
pertence a eles, e não apenas aos executores (nesse caso, os
Engenheiros Sem Fronteiras), o projeto ganha escalabilidade e
pode ser replicado e aperfeiçoado cada vez mais com o uso do
conhecimento do coletivo.
Por se tratar de um projeto de âmbito popular, a gestão do
conhecimento se torna fator decisivo para seu avanço. A
Engenharia Popular traz à sociedade a proposta de propagar um
conhecimento que, muitas vezes, limita-se aos profissionais da
área de engenharia, mas que tem o potencial de mudar vidas ao
ser levado de forma adaptada e simplificada à sociedade. A

Parte 3: Experiências e Vivências 175


Captação de água de chuva

sociedade, por sua vez, é capaz de assimilar a teoria dos projetos


quando explicadas de forma clara e didática e, a partir disso,
reproduzi-los, podendo, assim, levar o benefício da captação de
água da chuva para bairros, escolas e instituições de todo o país.
REFERÊNCIAS:
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS-ANA. Atlas de esgoto.2020a Disponível em:
<http://atlasesgotos.ana.gov.br/.> Acesso em 20 fev. 2020
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS-ANA. Quantidade de água. 2020b Disponível em:
<https://www.ana.gov.br/panorama-das-aguas/quantidade-da-agua.>. Acesso
em 15 /02/2020
Organização das Nações Unidas - ONU. Transformando nosso mundo: a agenda
2030 para o desenvolvimento sustentável. 2015. Disponível em:
https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso em 25/01/2020.
Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento SNIS. Diagnóstico dos
serviços de água e esgotos 2018. Disponível em:
<http://www.snis.gov.br/diagnostico-anual-agua-e-esgotos.>. Acesso em
28/02/2020.
UNITED NATIONS CHILDREN’S FUND (UNICEF) AND WORLD HEALTH
ORGANIZATION (WHO). Progress on household drinking water, sanitation and
hygiene 2000-2017: special focus on inequalities. 2019. Disponível em:
https://www.who.int/water_sanitation_health/publications/jmp-2019-full-
report.pdf?ua=1. Acesso em: 21/02/2020.
TOMAZ, P. Aproveitamento de água de chuva para áreas urbanas e fins não-
potáveis. São Paulo: Navegar, 2003.

176
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Cooperação além das fronteiras


Rodrigo Edson Castro Avila, ESF-Boa Vista
Hugo Sosinho da Cunha, ESF-Boa Vista
Sued Trajano de Oliveira, ESF-Boa Vista

Nós, os Engenheiros Sem Fronteiras Brasil, somos uma


organização não governamental integrante de uma rede
internacional (Engineers Without Borders International) atuando
também além das fronteiras brasileiras através de projetos,
participação em eventos e atividades colaborativas com outros
países. No ano de 2019, duas ações se destacaram pela gravidade
dos eventos ocorridos em Moçambique e a cidade de Boa Vista
apresentada no presente capítulo.
DESASTRE NATURAL EM MOÇAMBIQUE
Dois ciclones graves atingiram a nação de Moçambique
dentro de um período de cinco semanas nos meses de março-abril
no ano de 2019. Fortes chuvas levaram a grandes danos e
inundações em várias partes do país. Um estado de emergência
foi declarado e milhares de pessoas foram afetadas. As províncias
de Cabo Delgado, Inhambane, Manica, Sofala (especialmente a
cidade da Beira) e Zambézia foram abaladas com danos na
infraestrutura incluindo energia, comunicações e instalações de
saúde.
Diante desse cenário, o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) solicitou ao Engineers Without Borders
United States (EWB-USA) que realizasse uma revisão do atual
código de construção de Moçambique e recomendasse um
caminho a seguir.
A equipe foi formada por quatro engenheiros, sendo dois
brasileiros enviados por nós, ESF-Brasil, um especialista em
estruturas, um especialista em meio ambiente, um norte-
americano (chefe da equipe) com alta experiência em
atendimento a desastres e uma engenheira da Nicarágua.
O objetivo principal da missão foi estudar especificamente as
cargas de furacões de alta velocidade e cargas sísmicas a fim de

Parte 3: Experiências e Vivências 177


Cooperação além das fronteiras

realizar uma análise do código de construção do país para regular


a concepção e construção de edifícios.
Contexto local
Moçambique é um país da África Meridional, tornando-se
independente da colonização portuguesa no ano de 1975. De
acordo com Maloa (2016), o país está localizado na costa sul-
oriental, no sudeste africano e possui superfície terrestre de
799.38km² contendo 2% de águas internas.
Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (UNCTAD) (ONU, 2018), Moçambique é
considerado um dos países mais subdesenvolvidos do mundo. O
IDH é organizado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e considera como pilares a expectativa
de vida do cidadão, a taxa de mortalidade, os investimentos
públicos na área da saúde e o nível de desigualdades.
Durante o regime colonial, Moçambique viveu o período de
ascensão econômica principalmente em sua última década. Para
Santos; Trindade (2005) o ano de 1973 foi a época de maior
crescimento econômico observado, na qual as Nações Unidas
estimaram o Produto interno bruto (PIB) per capita em US$ 139
para 1962 contra uma média de US$ 121 para toda a África.
Entretanto, para além dos níveis e tendências dos
indicadores, existem dois outros aspectos na economia colonial
não menos relevantes para a reconstrução económica atual e
futura de Moçambique. Um destes aspectos relaciona-se com as
fontes e componentes do rápido crescimento económico na
última década da governação colonial portuguesa, considerado
independentemente dos seus beneficiários. “O segundo aspecto
relaciona-se com os tipos de ligações existentes entre o
crescimento económico e o desenvolvimento humano” (SANTOS;
TRINDADE, 2005, p.147).
Para Santos; Trindade (2005) a expansão da indústria de
exportação iniciada a partir da II Guerra Mundial foi direcionada
essencialmente para o mercado interno, em especial as indústrias
de moagem de trigo e produção de pão, descasque de arroz, de
sapatos, vestuário, mobiliário, papel e tipografias, cimento, pregos

178
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

e diversos produtos metálicos como máquinas agrícolas e


equipamentos de lanternagem, por isso, Moçambique contribui
com 4% da produção industrial do continente, chegando a obter
100.000 trabalhadores no ano de 1973.
Ações do ESF-Brasil
A primeira fase da missão durou 30 dias, esse período foi
dividido em:
 1ª Semana: reuniões, apresentação, conhecimento do
problema, busca de dados;
 2ª Semana: conhecimento da realidade nos locais
atingidos pelos furacões;
 3ª Semana: Elaboração de Estratégias;
 4ª Semana: Implantação e disseminação de
conhecimento.
A prioridade básica da missão foi o restabelecimento do
Estado, através de reconstrução de infraestrutura (Ilustração 17),
polícia, exército, judiciário e realização de visitas para diagnóstico
de hospitais, escolas e residências.
Ilustração 17 – Fórum da cidade de Beira destruído pelo desastre

Fonte: ESF-Boa Vista (2019)


Durante esse período, foram feitas reuniões, para
compreensão do problema e ouvir suas sugestões, com os
diversos segmentos da sociedade, sendo estes: artesãos (mestre-
de-obras), associação de empreiteiros, associação de consultores,
representantes das Associações e Ordens dos Engenheiros e

Parte 3: Experiências e Vivências 179


Cooperação além das fronteiras

Arquitetos, funcionários públicos, sociedade em geral além de


ministros de Estado, prefeitos e políticos.
Uma análise da legislação foi feita em conjunto com uma
conferência da bibliografia utilizada nas universidades do país. O
que se buscava era entender o porquê do abalo contínuo às
estruturas das construções mesmo após seus reparos. O tempo da
missão foi muito curto para uma ação mais efetiva. Foi escolhido
então preparar um documento de orientação para ser direcionado
às autoridades locais com a finalidade de colaborar na construção
de uma legislação mais firme na resposta aos desastres.
Durante o trabalho de campo constatamos que o código
precisava ser atualizado. De acordo com as discussões com
construtores, engenheiros e arquitetos, a falta de regulamentação
regional exige que eles usem uma abordagem desatualizada que
não atenda às características regionais e climáticas de
Moçambique. O mapeamento utilizado até então era de outro
país (Portugal), o que dava aos profissionais orientações
equivocadas quanto às decisões dos projetos a serem
implantados. Para a região de Sófala e seus distritos, é ainda mais
impreciso.
Em geral, há a necessidade de aperfeiçoamento da mão de
obra, uma atualização urgente da legislação, fortalecimento dos
Conselhos profissionais, das escolas profissionalizantes e das
universidades. É um processo lento, mas necessário a fim de que
Moçambique (que é um país sujeito a constantes furacões e
outros desastres naturais) possa se preparar adequadamente.
IMIGRAÇÃO VENEZUELANA NO BRASIL
O Brasil tem se destacado mundialmente pela forma como
tem tratado e protegido os refugiados. Em parceria com as Forças
Armadas e outras agências, o núcleo Boa Vista tem trabalhado
desde 2018 em apoio aos refugiados venezuelanos recém-
chegados do país que tem passado por uma crise político
econômica desde 2014. O Alto Comissário das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR), António Guterres reconheceu os esforços do
governo brasileiro na proteção de refugiados, destacou que:
O Brasil é hoje um país exemplar quer por ter uma das
legislações mais avançadas do mundo em matéria de

180
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

refugiados, quer porque tem uma prática de proteção


particularmente positiva, exatamente nesse momento em
que tantos países adotam medidas restritivas em relação ä
proteção. [...] é bom mostrar ao mundo os exemplos que
devem frutificar e são merecidos de admiração de todos,
como no caso brasileiro (DOMINGUEZ, 2005, p. 11).
Segundo a ONU através de relatório da ACNUR (ONU, 2018)
até fevereiro de 2020, 4,8 milhões de venezuelanos se deslocaram
para países vizinhos. É o equivalente ao provocado por guerras
como Síria e do Afeganistão podendo chegar a 8 milhões nos
próximos anos. Dados da Polícia Federal, no ano de 2018
(Ilustração 18), informam que 61.681 venezuelanos solicitaram
reconhecimento de Condição de Refugiados (Ministério da Justiça,
2019). Como a principal porta de entrada desses imigrantes ao
Brasil é por Roraima, acaba impactando negativamente o estado
menos populoso do nosso país.
Ilustração 18 - Solicitações de reconhecimento da condição de
refugiado

Fonte: Ministério da Justiça (2019)


Essa massa de pessoas que entra dia após dia, na sua maioria
permanece no Estado de Roraima, criando série de problemas
pouco conhecidos na história brasileira.
A população residente de Boa Vista foi estimada pela
Secretaria de Desenvolvimento e Planejamento de Roraima
(SEPLAN) no ano de 2019 em 399.213 pessoas, ou seja, a

Parte 3: Experiências e Vivências 181


Cooperação além das fronteiras

população da capital do Estado teve um aumento 6,66% em


menos de um ano. Este novo panorama tornou-se uma
preocupação aos gestores quanto à administração de estrutura
para receber essa nova população.
De acordo com a Operação Acolhida (2020) passam
diariamente cerca de 300 a 500 pessoas pela fronteira de
Pacaraima sendo que a maioria destes imigrantes fica na capital
de Roraima (Boa Vista). A ação de interiorização destes
venezuelanos não acontece na mesma proporção. Atualmente há
11 acampamentos oficiais em Boa Vista abrigam mais 6000
pessoas em suas instalações. Os acampamentos são organizados
na grande maioria pelas Forças Armadas e aqueles que não o são,
recebem apoio de mão de obra, alimentos e materiais necessários
para manutenção.
Os acampamentos possuem sistema de entrada, espaço para
convivência, lavanderia, banheiros, atendimentos. A maioria dos
espaços são abertos, as famílias são divididas em barracas ou iglus,
doados por entidades internacionais. Os abrigados podem sair
para trabalhar durante o dia e retornam para pernoitar. O abrigo
que possui tratamento diferenciado aloja apenas indígenas,
localizado no bairro Pintolândia. O espaço contem áreas para
cultivo de frutos e uma cozinha comunitária para que eles mesmos
façam sua própria alimentação conforme seus costumes. Os
indígenas venezuelanos também produzem artesanato e expõem
seus produtos para venda.
Segundo relatório de janeiro de Organização Internacional
para as Migrações (OIM, 2019), ainda vive em Boa Vista
aproximadamente 2.742 imigrantes em situação de
vulnerabilidade, morando nas ruas, aguardando vagas em abrigos,
sendo destes, 877 menores de 18 anos. As Forças armadas
mantêm perto da rodoviária um espaço para os que não estão em
abrigos possa guardar seus pertences e tomar banho.
Ações do ESF-Boa Vista
O papel do ESF-Boa Vista, nesta crise é dar suporte técnico a
todas as agências e a Força-Tarefa Logística Humanitária em
Roraima o qual foi implantado pelo governo Federal em março de

182
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

2018, todos trabalhando de forma voluntária, que tange a


levantamentos, elaboração de projetos, especificações,
orçamentos e assistência técnica.
Desde o início de sua atuação, várias ações foram
desenvolvidas dentre elas:
 Adaptação de Cozinhas Industriais nos Abrigos;
 Elaboração de projetos voltados à higiene e convivência
(ilustração 19);
 Apoio nas melhorias das instalações dos Abrigos;
 Cursos profissionalizantes para Imigrantes (ilustração
20).
Ilustração 19 – Implantação de áreas de Convivência e higiene:
ESF-Boa Vista

Fonte: ESF-Boa Vista (2019)


Ilustração 20 – Curso profissionalizante: ESF-Boa Vista

Fonte: ESF-Boa Vista (2019)

Parte 3: Experiências e Vivências 183


Cooperação além das fronteiras

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Missão Moçambique foi a nossa primeira missão
Internacional, permitindo a nossa colaboração com outras
entidades internacionais no que tange uma resposta a desastres.
Ao final da missão, viu-se a importância de se fortalecer os
Conselhos profissionais, os Centros profissionalizantes,
Universidades, a atualização constante de legislação e normas
para a construção de obras com segurança para a população.
Nós demonstramos estar preparados para fornecer mão de
obra, conhecimento e participar de missões de ajuda humanitária
em possíveis desastres futuros.
Quanto aos refugiados Venezuelanos, percebemos uma
demanda em relação à mobilidade social dessas pessoas que tem
enfrentado dificuldade em se inserir no mercado de trabalho,
muitas delas em situação de vulnerabilidade vivendo nas ruas
esperando vagas em abrigos.
Nesse contexto, nós do ESF-Brasil por meio do núcleo Boa
Vista entendemos que além das ações atuais de abrigo,
alimentação, saúde, educação e interiorização é necessária
implantação de projetos voltados para a capacitação de
refugiados (abrigados ou não) que não possuem oportunidades
profissionais, proporcionando conhecimentos técnicos em várias
áreas. Proporcionar qualificação possibilita nova perspectiva de
vida para motivação na procura de outras fontes de renda através
da aplicação do conhecimento adquirido e são ações no horizonte
futuro do núcleo.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Refúgio em números
– 4ª. Edição, 2019. Disponível em:
<file:///C:/Users/nanda/Downloads/RefgioemNmeros_2018.pdf>. Acesso em:
07/01/2020.
DOMINGUEZ, J. A.; BAENINGER, R. Artigo programa de reassentamento de
refugiados no Brasil, 2005. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/dl/programa-reassentamento-refugiados.pdf>.
Acesso em: 07/01/2020.
MALOA, J. M. A urbanização Moçambicana: uma proposta de interpretação.
2016. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, USP, São Paulo.

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

OPERAÇÂO ACOLHIDA. Histórico. 2020. Disponível em:


<https://www.gov.br/acolhida/historico/>. Acesso em: 08/12/2019.
ORGANIZAÇÂO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). LA Agencia de la ONU para los
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ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES (OIM). Monitoramento do
Fluxo Migratório Venezuelano. 2019. Disponível em:
<https://dtm.iom.int/reports/brazil-%E2%80%94-monitoramento-do-fluxo-
migrat%C3%B3rio-venezuelano-1-abril-2018> Acesso em: 06/12/2019.
SANTOS, B. D. S.; TRINDADE, J. C. (org.). Conflito e transformação social: uma
paisagem das justiças em Moçambique. Portugal: Ed. Afrontamento, 2005.

Parte 3: Experiências e Vivências 185


Cooperação além das fronteiras

186
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Sapiência Ambiental
Vitor T. Chaves, Sapiência Ambiental, EPUSP
Ligia M. Silva, Sapiência Ambiental, EPUSP
Rafael M. Privato, Sapiência Ambiental, FATEC
André S. Kenez, Sapiência Ambiental, EPUSP

Este capítulo tem como objetivo apresentar a experiência da


Sapiência Ambiental e refletir sobre a importância das práticas e
princípios da Engenharia Popular como diretrizes estruturantes de
nosso trabalho. Para tal, inicialmente apresentamos a trajetória
do grupo fundador, nossas bases no trabalho voluntário e
extensão universitária, organização interna como escritório
cooperativo e frentes de atuação. Em seguida, discorremos sobre
o projeto Cuidando das Águas, por meio do qual temos evoluído
como engenheiros educadores e como agentes animadores no
trabalho popular. Por fim, destacamos a importância de nosso
aprendizado com a engenharia popular para a Sapiência
Ambiental.
NOSSA TRAJETÓRIA
A Sapiência Ambiental surgiu em 2015, a partir da reunião de
um grupo de engenheiros, gestores ambientais e permacultores
recém graduados. Desde então, o que nos movia era a
possibilidade de consolidar um modelo de negócio capaz de gerar
uma remuneração digna para seus membros e, ao mesmo tempo,
ter sua atuação calcada nos princípios da Permacultura (cuidar das
pessoas, cuidar da terra e partilha justa das riquezas) e da
Engenharia Popular (criação de tecnologias sociais e participação
social).
Nossos membros possuem experiência com projetos de
agricultura urbana, Permacultura, saneamento ecológico e
agroecologia. Durante a graduação e pós, atuamos de forma
voluntária, em projetos de extensão Universitária do Núcleo de
Tecnologias Sociais e Agroecologia (Agroeco) do Escritório Piloto
da Escola Politécnica da USP, e também do Núcleo São Paulo dos
Engenheiros Sem Fronteiras.

Parte 3: Experiências e Vivências 187


Sapiência Ambiental

Enquanto membros do Agroeco, colaboramos com o


desenvolvimento de tecnologias sociais de saneamento rural,
tendo atuado em parceria com o assentamento Dom Pedro
Casaldáliga, localizado em Cajamar e vinculado ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Como membros dos
Engenheiros Sem Fronteiras, participamos ativamente da frente
Permacultura em Movimento, em especial nos projetos:
Bioconstrução (em parceria com a EMEF Desembargador Amorim
Lima), Cidade Agroecológica (junto à Regional Grande SP do MST)
e Permacultura na Ocupação (em parceria com movimentos de
moradia vinculados ao Programa Minha Casa Minha Vida
Entidades).
A atuação de forma voluntária em projetos de extensão
universitária e nos projetos dos Engenheiros Sem Fronteiras abriu-
nos os olhos para a possibilidade de uma atuação alternativa na
engenharia, pautada na solidariedade, autogestão e trabalho
popular. Com o passar dos anos, percebemos que, para aumentar
o impacto e a longevidade de nossas ações, seria importante
profissionalizar nossa atuação, a fim de poder dedicar mais tempo
e com mais profundidade aos projetos.
Escritório cooperativo de projetos socioambientais
Em conjunto, definimos a Sapiência Ambiental como um
escritório cooperativo de projetos socioambientais. Isso significa
que somos uma organização que não tem como objetivo a
distribuição de lucro, mas, sim, a geração de renda para seus
membros, viabilizando a dedicação integral de nosso tempo à
realização de projetos e ações com alta relevância para a
sociedade. Temos como pilares a engenharia popular, a educação
e os princípios da permacultura, e somos formados por 4
membros: André Kenez, Ligia Monteiro, Vitor Chaves e Rafael
Martese.
Ressaltamos que o trabalho da Sapiência Ambiental,
diferentemente da grande maioria das iniciativas encontradas no
mercado, não possui como diretriz a obtenção do lucro máximo.
Porém há, certamente, um enfoque de gerar renda para seus
membros e para a manutenção e expansão de nossa estrutura.
Esta característica é importante de ser observada, pois, se por um

188
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

lado há empresas que pouco se importam com as consequências


socioambientais resultantes de suas ações, há, por outro, uma
visão romântica por grande parte da sociedade de que os projetos
sociais devam ser feitos apenas a partir de trabalho voluntário e
benevolência.
Hoje em dia, frente a atual conjuntura política, observamos
inclusive um movimento de criminalização do terceiro setor, no
qual diversas Organizações da Sociedade Civil vêm sendo taxadas
como oportunistas e acusadas de utilizar sua atuação apenas em
benefício próprio. A experiência mostrou-nos, entretanto, que a
não profissionalização dos membros resulta em alta rotatividade
de recursos humanos e/ou precarização do trabalho, o que acaba
por diminuir a qualidade, longevidade e complexidade dos
projetos.
Frentes de atuação
Em 2019, consolidamos as 3 frentes de atuação da Sapiência
Ambiental: (1) os cursos Permaculturais, a partir dos quais
buscamos compartilhar conhecimentos em permacultura e
tecnologias sociais, (2) projetos de Permacultura Urbana e design
sustentável, os quais têm como objetivo reduzir a pegada
ecológica de residências e empreendimentos em São Paulo e (3) o
projeto Cuidando das Águas, que tem como objetivo universalizar
o acesso ao saneamento básico na zona rural sul de São Paulo,
colaborando com o desenvolvimento da agricultura orgânica e
com o crescimento da região como pólo de ecoturismo.
Ao longo do último ano, a execução dos cursos
Permaculturais e de projetos de Permacultura Urbana
apresentaram-se como uma alternativa importante para a
geração de renda dos membros da Sapiência Ambiental e para a
manutenção da estrutura da organização. Internamente,
definimos que uma parte da remuneração advinda dessas frentes
deve ser destinada ao caixa, de modo a viabilizar gastos e
trabalhos não remunerados no projeto Cuidando das Águas. Este
último, por sua vez, exige grande esforço da equipe no que diz
respeito à captação de recursos, tendo em vista que os sistemas

Parte 3: Experiências e Vivências 189


Sapiência Ambiental

de saneamento ecológico são instalados sem custos nas


propriedades dos agricultores rurais com quem trabalhamos.
O PROJETO CUIDANDO DAS ÁGUAS
Atualmente, a maior parte do tempo de trabalho dos
membros da Sapiência Ambiental é dedicada ao projeto Cuidando
das Águas. Desde agosto de 2019, construímos 6 sistemas de
saneamento ecológico na zona rural sul de São Paulo, em parceria
com agricultores orgânicos e membros da Cooperativa
Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa da Região
Sul de São Paulo - Cooperapas. O projeto foi escolhido por votação
popular para receber o apoio de 100.000 reais, viabilizado pelo
Movimento Bem Maior e pelo Instituto Phi. Até julho de 2020,
estão previstas construções de mais 4 sistemas unifamiliares na
zona sul, concluindo o projeto com a execução de 10 sistemas.
Metodologia de trabalho
A metodologia que utilizamos no projeto consiste em: (1)
encontros com os agricultores para conhecer suas histórias,
partilhar conhecimentos sobre a tecnologia de tratamento de
esgoto que utilizamos e avaliar as condições do terreno, (2) pré-
obra com preparo do terreno em parceria com os agricultores e
parceiros locais e (3) mutirão pedagógico de construção do
sistema de saneamento ecológico.
Antes de iniciar o projeto na zona sul, entramos em contato
com agricultores locais com quem já possuíamos diálogo e
estabelecemos uma parceria com o projeto Ligue os Pontos, da
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo. A
parceria foi extremamente importante, pois o projeto já havia
mapeado todos os agricultores da região (428 Unidades de
Produção Agrícola no Grajaú, Parelheiros e Marsilac).
Assim, os encontros iniciais com os agricultores foram
facilitados pelo parceiro Arpad Spalding, agricultor e atuante no
projeto Ligue os Pontos. Nessa primeira visita, conhecemos as
histórias de vida dos agricultores, suas propriedades,
apresentamos a forma como trabalhamos e os questionamos se
faz sentido construir o sistema de saneamento ecológico em
conjunto. Em seguida, agendamos uma fase pré-obra, na qual os

190
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

agricultores responsabilizam-se por preparar o terreno para a


implantação da tecnologia. Por fim, nós levamos os materiais do
sistema e instalamos os biodigestores anaeróbios.
Feito isso, convidamos parceiros e voluntários da Sapiência
Ambiental para um mutirão pedagógico. Nesse dia, organizamos
um almoço junto aos agricultores e apresentamos a todos o
funcionamento do sistema de saneamento ecológico. Então, nos
dividimos em grupos e finalizamos as tarefas pendentes:
preenchimento do biofiltro com pedras, brita e plantas
fitorremediadoras disponíveis na propriedade e arredores. Em
geral, contamos com a participação de cerca de 15 pessoas nos
mutirões, sendo uma experiência muito rica de trocas de saberes
e histórias.
Ilustração 21 - Voluntários em mutirão pedagógico no sítio da Cleide,
janeiro 2020

Fonte: Sapiência Ambiental (2020)

Monitoramento e sustentabilidade
Concluído o sistema, mantemos o contato com os
agricultores e buscamos visitá-los em suas propriedades ao menos
uma vez por mês. Nessa visita, conversamos sobre como tem sido
a experiência e realizamos coletas do efluente final para análise
de qualidade. Essa análise é de extrema importância, pois o
efluente final pode ser utilizado como um biofertilizante na
irrigação de frutíferas, como limão e laranja. Dos sistemas
construídos, temos verificado eficiência de aproximadamente
99,9% de remoção de E. Coli, um microrganismo indicador de

Parte 3: Experiências e Vivências 191


Sapiência Ambiental

patógenos nocivos à saúde, e 90% de Demanda Química de


Oxigênio (DQO), parâmetro de mensuração de matéria orgânica,
comprovando sua qualidade para a finalidade proposta.
Atualmente, as análises são realizadas em parceria com o
Laboratório de Saneamento de Poli-USP, com apoio do Fundo
Patrimonial Amigos da Poli.
Formação em saneamento ecológico
Trabalhar com soluções ecológicas de saneamento
descentralizado, seja na zona urbana ou rural, requer um processo
de educação ambiental e de participação social. Apenas com esse
processo pedagógico é que se pode garantir a sustentabilidade e
o sucesso dessas ações no longo prazo (BARDOSH, 2015;
MCGRANAHAM, 2015; POORTVLIET et al., 2018; SELEMAN; BHAT,
2016).
Nesse sentido, além de trabalhar com os mutirões
pedagógicos e com o envolvimento dos agricultores no processo
de planejamento e execução dos sistemas de saneamento
ecológico, temos organizado as formações. Essas iniciativas têm o
intuito de aprofundar os conhecimentos técnicos dos agricultores
e de sensibilizar e envolver mais moradores do território nas
questões relativas ao saneamento, debatendo possíveis soluções
ecológicas e descentralizadas.
Nas formações, temos 4 momentos: (1) café da manhã
coletivo com roda de conversa e apresentação; (2)
problematização do saneamento, expondo dados e informações
sobre o contexto atual; (3) aprofundamento sobre as tecnologias
de saneamento existentes; (4) aula com agricultor que já
participou do projeto e que apresenta os sistemas de tratamento
de sua propriedade. Observamos que os princípios e metodologias
da engenharia popular e das tecnologias sociais, que propõem a
produção coletiva de conhecimentos e o rompimento com a
tradicional dicotomia existente entre concepção e execução,
projetistas e beneficiários, técnico e social, são fundamentais para
o sucesso desse tipo de construção. Conforme Paulo Freire (1987,
p.39): “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os
homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.

192
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Ilustração 22 -: Formação em Saneamento Ecológico no sítio da


Valéria, fevereiro 2020

Fonte: Sapiência Ambiental (2020)


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, apresentamos o trabalho realizado pela
Sapiência Ambiental, com foco especial no projeto Cuidando das
Águas, por meio do qual temos crescido como engenheiros
educadores e como defensores das tecnologias sociais (e da
engenharia popular).
Consideramos importante ressaltar a importância de nossa
atuação passada em projetos de extensão universitária (no
Agroeco do Escritório Piloto da USP) e no terceiro setor (no Núcleo
São Paulo dos Engenheiros Sem Fronteiras) para a nossa
formação. Em paralelo à prática, espaços de reflexão sobre a ação
também foram fundamentais para nosso crescimento: a
participação nos Encontros Nacionais de Engenharia e
Desenvolvimento Social (ENEDS) e grupos de estudo em
Engenharia Popular foram e continuam sendo fundamentais para
o desenvolvimento do nosso trabalho.
A partir desses espaços, tivemos o contato inicial com
referências que embasam nossa atuação e nos trazem para a
reflexão sobre a prática. Clodovis Boff (1986), Dagnino (2004,
2009), Laís Fraga, Ricardo Silveira e Bruna Vasconcellos (2011),
Cristiano Cruz (2017) são algumas das nossas leituras e pessoas
inspiradoras. Tais estudos, bem como as experiências práticas com

Parte 3: Experiências e Vivências 193


Sapiência Ambiental

a extensão universitária, o terceiro setor e as trocas e reflexões


realizadas por meio dos ENEDS são fundamentais para suprir o
déficit identificado na formação padrão, provida à média dos
graduandos em engenharia, em relação ao perfil desejado para se
desenvolver tecnologias sociais e engenharia popular (CRUZ,
2017).
Afinal, para se construir engenharia popular na prática, além
dos conhecimentos técnicos e teóricos, é fundamental que se
adote outra visão ontológica da engenharia e postura
epistemológica. Em outras palavras, precisamos reconsiderar o
que é engenharia e como construir esse conhecimento.
Engenharia é pensar e resolver problemas socialmente relevantes;
não é apenas resolver problemas de alta complexidade técnica,
como a construção de grandes pontes, arranha céus ou aeronaves.
Construir tecnologias sociais de saneamento rural a partir de
processos pedagógicos também é engenharia. E certamente há
uma grande complexidade nisto, afinal, se não tivesse, porque
ainda não universalizamos o saneamento? A engenharia popular
contribui para que olhemos os problemas com um enfoque mais
interdisciplinar, sendo fundamental para projetos de engenharia
que visam resolver problemas com profundas raízes sociais,
culturais e políticas.
A visão crítica herdada dos estudos e práticas de engenharia
popular nos fazem, ainda, questionar mais além: qual problema
tecnológico não tem uma raiz social e política? Qual projeto de
engenharia não tem impactos ambientais, sociais e políticos?
REFERÊNCIAS
BARDOSH, K. Achieving total sanitation in rural African geographies: poverty,
participation and pit latrines in Eastern Zambia. Geoforum, v. 66, p. 53-63, 2015.
BOFF, C. Como trabalhar com o povo. Rio de Janeiro: Vozes, v. 6, 1986.
CRUZ, C. C. Desafios epistemológicos da engenharia popular. In:. In: XIV
ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL (ENEDS),
2017, Itajubá. Anais […]. Itajubá: UNIFEI, 2017.
DAGNINO, R. Ciência e tecnologia para a cidadania ou Adequação Sócio-técnica
com o Povo?. Revista Tecnologia e Sociedade, v. 5, n. 8, p. 1-23, 2009.
DAGNINO, R.; BRANDÃO, F. C.; NOVAES, H. T. Sobre o marco analítico-conceitual
da tecnologia social. Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvimento.
Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil, p. 65-81, 2004.

194
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

FRAGA, Lais; VASCONCELLOS, Bruna; SILVEIRA, Ricardo. O engenheiro Educador.


In: Coletiva: reflexões sobre incubação e autogestão. Incubadora Tecnológica de
Cooperativas Populares/Pró-reitoria de Extensão e Assuntos
Comunitários/Unicamp. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, 2011. p. 197-
220. Disponível em:
<https://www.itcp.unicamp.br/assets/docs/itcp/Revista%20Coletiva_ITCP_UNICA
MP_vol_1.pdf> Acesso em: 29 abr 2020.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17a Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MCGRANAHAN, G. Realizing the right to sanitation in deprived urban
communities: meeting the challenges of collective action, coproduction,
affordability, and housing tenure. World Development, v. 68, p. 242-253, 2015.
POORTVLIET, P. M.; SANDERS, L.; WEIJMA, J.; VRIES, J. R. Acceptance of new
sanitation: The role of end-users’ pro-environmental personal norms and risk and
benefit perceptions. Water Research, v. 131, p. 90 – 99, 2018.
SELEMAN, A.; BHAT, M. G. Multi-criteria assessment of sanitation technologies in
rural Tanzania: Implications for program implementation, health and socio-
economics improvements. Technology in Society, 46, p. 70-79, 2016.

Parte 3: Experiências e Vivências 195


Sapiência Ambiental

196
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Habitat para a Humanidade Brasil: o programa


de melhorias habitacionais
Dênis Pacheco, Habitat para a Humanidade Brasil
Renê de Castro, Habitat para a Humanidade Brasil
Mabeli Caetano, Habitat para a Humanidade Brasil

A Habitat para a Humanidade (Habitat For Humanity) nasceu


em 1976 nos Estados Unidos e hoje está presente em mais de 70
países, tendo beneficiado com seus projetos mais de 22 milhões
de pessoas no mundo. Desde seu nascimento, a nossa organização
global atua para promover o acesso à moradia digna.
Começamos a atuar no país em 1992 e, desde então, já
desenvolvemos projetos sociais em 11 estados e apoiamos mais
de 87 mil pessoas na construção ou melhoria de suas casas, assim
como no acesso à água potável em regiões de seca. Nós também
atuamos em espaços democráticos para propor e incidir por
políticas públicas de acesso à moradia. A organização também
atua em espaços democráticos para propor e incidir por políticas
públicas de acesso à moradia.
Para que os programas tenham sucesso e possam impactar o
maior número de pessoas, realizamos diagnósticos locais em cada
país que atuamos, buscando a priorização da demanda
comunitária, entendimento da cultura local e fortalecimento das
redes já existentes das redes já existentes.
Outro elemento que é presente desde o surgimento da nossa
organização e tem sido um dos nossos pilares de atuação é a
sensibilização para causa, para que mais pessoas entendam os
benefícios e diferenças de uma moradia adequada para a saúde
das pessoas. Dessa forma, em grande parte dos nossos projetos,
além de envolvermos mão de obra especializada e a família
beneficiada, envolvemos voluntários em algumas etapas.
No Brasil, a demanda por moradia digna ainda é enorme. O
dado mais recente aponta que 11 milhões de moradias precisam
ser melhoradas para se tornarem adequadas para morar
(FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2018). Com os programas atuais,

Parte 3: Experiências e Vivências 197


Habitat para a Humanidade Brasil

através da promoção da moradia digna, impulsionamos cinco


objetivos do desenvolvimento sustentável: 1 – Erradicação da
pobreza, 5 – Igualdade de gênero, 6 – Água potável e saneamento,
7 – Energia limpa e acessível e 11 – Cidades e comunidades
sustentáveis.
Uma das formas que buscamos resolver o problema da
precariedade habitacional é com a realização de melhorias em
moradias insalubres já existentes. Nós fazemos isso em conjunto
com as famílias afetadas, buscando mapear as precariedades da
moradia que afetam a qualidade de vida dessas pessoas.
PRECARIEDADE HABITACIONAL E CRITÉRIOS DE ATENDIMENTO
O critério adotado por nós leva em consideração a
precariedade habitacional, entendida dentro do nosso modelo de
Atendimento por Assistência Técnica como Melhoria Habitacional,
que visa sanar a precariedade da edificação através da
intervenção por obra, a fim de equalizar as condições de
habitabilidade de uma edificação. De maneira a assegurar pela
ordem, os itens abaixo elencados, são eles:
1. Iluminação e ventilação adequada;
2. Resistência a umidades provenientes de intempéries
e/ou infiltrações de solo;
3. Segurança das instalações elétricas / hidráulicas;
4. Instalações sanitárias adequadas;
5. Caixilharia que ofereça segurança adequada para a
edificação.
Dessa maneira, durante a visita técnica da equipe de obras,
a moradia será analisada considerando os itens elencados acima.
O parecer técnico deverá apontar resoluções, ou seja,
intervenções que visem a solução dos problemas encontrados na
edificação, levando-se em consideração o Grau de Habitabilidade
da Edificação e este será dado pela indicação de intervenções cuja
finalidade seja:
 A: Sanar na totalidade problemas de vazamento e
infiltrações no telhado;

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ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

 B: Sanar na totalidade da edificação e/ou cômodo os


problemas apresentados nas instalações elétricas;
 C: Sanar na totalidade problemas de infiltrações e
umidades nas paredes;
 D: Sanar na totalidade problemas de infiltrações e
umidades provenientes da base da edificação;
 E: Sanar na totalidade problemas nas instalações
hidráulicas (água, esgoto e pluvial) na edificação e ou
cômodo que receberá a melhoria.
Ilustração 23 - Banheiro antes (à esquerda) e depois (à direita) da
melhoria habitacional

Fonte: Habitat Brasil (2020)


São consideradas residências com Grau Adequado de
Habitabilidade as edificações que, guardadas as proporções da sua
localidade, não apresentem necessidades de melhorias nos itens
A,B,C,D e E. Itens de embelezamento cuja finalidade é apenas
melhorar a estética da edificação, não servirão de subsídios para
a classificação.
Sabendo-se que os recursos arrecadados para financiar as
ações dificilmente alcançarão o índice máximo de habitabilidade,
torna-se necessária, em conjunto com a Avaliação da Edificação, a
Avaliação Social para elencar quais os itens serão contemplados
no universo de necessidades apresentadas pelas famílias como
necessidade de melhorias.

Parte 3: Experiências e Vivências 199


Habitat para a Humanidade Brasil

Ao aplicarmos esses critérios, buscamos como impacto


positivo para a família beneficiária os seguintes itens:
 A: Impactar de forma positiva e diretamente em
situações de saúde física dos moradores. Ex.: infiltrações
e umidades;
 B: Impactar de forma positiva e diretamente em
situações de melhoria de lay-out da edificação, bem
como a melhoria do adensamento por cômodo da
edificação. Ex.: distribuição de número de pessoas por
cômodo;
 C: Impactar de forma positiva e diretamente na
segurança da locomoção das famílias no interior da
edificação. Ex.: pisos, contrapisos e escadas;
 D: Impactar de forma positiva e diretamente na
economia doméstica. Ex.: instalações elétricas e
hidráulicas;
 E: Impactar de forma positiva e diretamente em
situações de segurança da edificação. Ex.: instalação de
corrimão, instalação de proteções, muros e anteparos;
 F: Substituição de pisos e azulejos afim de sanar
infiltrações e umidades nas áreas molhadas da
edificação.
Ilustração 24 - Quarto antes (à esquerda) e depois (à direita) da
melhoria habitacional

Fonte: Habitat Brasil (2020)


A aplicação dessa matriz de avaliação da precariedade
habitacional possibilita um alto grau de assertividade nas
intervenções. Além disso, garante à instituição a transparência na

200
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

relação com os beneficiários, pois, tendo a clareza dos critérios e


da sua aplicação, o resultado para o universo de moradias
atendidas é justamente a equalização das questões de
precariedade e o entendimento por parte do beneficiário a
respeito da dimensão da intervenção em sua moradia. Dessa
forma, não ficam dúvidas quanto às diferenças de atendimento
entre moradias, pois torna-se transparente e objetiva a análise da
especificidade e a busca da solução adequada para cada problema
apresentado.
Existem solicitações não elegíveis a priori e, de maneira geral,
elas são as seguintes:
 A: Aumento do número de cômodos com construção de
paredes e estruturas;
 B: Execução de obras de escadas, vigas, pilares e lajes;
 C: Obras de contenção de edificação que sofra com
trincas e rachaduras provenientes do peso próprio da
edificação, movimentação de solo e/ou sobrepeso de
contribuição de edificações lindeiras;
 D: Obras de caráter de embelezamento (emassamentos,
pinturas e acabamentos correlatos).
Ilustração 25 - Sala antes (à esquerda) e depois (à direita) da melhoria
habitacional

Fonte: Habitat Brasil (2020)


ANÁLISE DA VULNERABILIDADE SOCIAL DAS FAMÍLIAS E
PRIORIZAÇÃO DO ATENDIMENTO
As famílias que procuram a nossa organização para obtenção
de melhorias habitacionais em suas moradias passam por um

Parte 3: Experiências e Vivências 201


Habitat para a Humanidade Brasil

processo de cadastramento, no qual são colhidas informações,


que darão condições à análise social.
Para identificação da vulnerabilidade social das famílias são
avaliadas diversas situações embasadas no conceito de
vulnerabilidade social, no qual são considerados fatores que
remetem à fragilidade da situação socioeconômica, questões
referentes a gênero, idade, deficiências, doenças crônicas, baixa
escolaridade e condição social.
As famílias atendidas pelo nosso programa de melhorias
habitacionais em São Paulo, estão enquadradas no grupo
classificado como baixa renda, ou seja, são famílias que a renda
familiar não ultrapassa a faixa de três salários mínimos ou a per
capita não ultrapassa meio salário mínimo. Considerando o perfil
das famílias atendidas por nós em São Paulo, identificamos que
quase 50% dos responsáveis pela família estão inseridos no
mercado informal, desempregados ou são mulheres donas de
casa. Esses fatores contribuem para um contexto social fragilizado
e desprovido de recursos.
A questão de gênero também pode remeter a uma situação
de vulnerabilidade social, no contexto da Habitat Brasil em São
Paulo, existe um número relevante de famílias cadastradas em
que a mulher declara-se chefe de família. São mulheres com dupla
jornada de trabalho, trabalhando fora e dentro de casa. Essas
mulheres estão expostas a uma sobrecarga de responsabilidades,
pois se tornam as provedoras do lar e se dividem entre as funções
domésticas e a educação dos filhos. Parte das famílias chefiadas
por mulheres atendidas pela nossa organização, em São Paulo, é
composta de mães solo, ou seja, são famílias denominadas
monoparental feminina que apresentam na sua composição
familiar, apenas a figura materna e os filhos.
A baixa escolaridade, outro critério de análise social, também
é caracterizada por vulnerabilidade social, pois os poucos anos de
estudo refletem em menores chances de ascensão social, de
oportunidades melhores de emprego e de acesso a remunerações
com salários maiores. O grau de escolaridade predominante entre
os responsáveis das famílias atendidas por nós em São Paulo é o
ensino fundamental incompleto.

202
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Outro grupo que está inserido no contexto de


vulnerabilidade social são as crianças, adolescentes e idosos que
necessitam de proteção especial, conforme dispositivo em lei, o
Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), lei nº 8.069 de 13 de
julho de 1990 (Brasil, 1990) e o Estatuto do Idoso, lei nº 10.741 de
outubro de 2003 (Brasil, 2003). Dessa forma, o processo de
seleção de famílias que aplicamos em São Paulo tem como
prioridade de atendimento, famílias que apresentam em sua
composição familiar membros que estejam na faixa etária de
vulnerabilidade.
São identificadas também as situações de vulnerabilidades
relacionadas aos problemas de saúde crônicos, problemas
respiratórios e/ou deficiências. As famílias que apresentam
membros com doenças respiratórias recebem pontuação maior,
pois há estudos que correlacionam a insalubridade da casa com
problemas respiratórios (PASTERNAK, 2016).
Para identificar todas as situações de vulnerabilidades que
foram expostas anteriormente, a organização faz uso de uma
tabela para verificação da vulnerabilidade social, na qual é feita
uma análise individual de todos os membros que compõem o
núcleo familiar. Essa análise oferece um panorama das situações
de vulnerabilidade que a família está inserida.
A pontuação para cada item avaliado pode variar de 1 a 3
pontos, sendo 3 pontos atribuídos às situações que avaliamos de
maior vulnerabilidade social, como, por exemplo, famílias sem
renda ou com percapita inferior a ¼ do salário mínimo, famílias
cujo responsável tenha limitação intelectual e/ou cognitiva e/ou
física e/ou idade igual ou superior a 70 anos e indivíduo que viva
sozinho e tenha limitação intelectual e/ou cognitiva e/ou física
e/ou idade igual ou superior a 70 anos (para essas situações
específicas a pontuação 3 é multiplicada por dois, totalizando
nesses quesitos 6 pontos). Também são atribuídos 3 pontos para
as seguintes situações: famílias com nenhum responsável adulto
em idade produtiva, famílias cujo responsável tenha baixa
escolaridade, famílias com mãe solo, famílias com crianças
menores de seis anos, famílias com membros idosos a partir de 70

Parte 3: Experiências e Vivências 203


Habitat para a Humanidade Brasil

anos, famílias com membros que possuam limitações físicas,


intelectuais e/ou cognitivas, auditivas e visuais, famílias em que
seus membros apresentem algum tipo de doença respiratória.
Quando na mesma família houver mais de um membro
apresentando a mesma vulnerabilidade avaliada, cada um
receberá a devida pontuação que deverá ser somada. Se a família
avaliada tiver três crianças com menos de seis anos, cada uma
receberá sua pontuação, nesse caso 3, totalizando nesse quesito
9 pontos.
Após a análise da situação de vulnerabilidade social
associada à análise da equipe de obras sobre o impacto da
melhoria habitacional, obtemos a classificação de prioridade de
atendimento das famílias aprovadas. Essa classificação
determinará o lugar que a família ficará na fila de espera. Quanto
maior for a pontuação, que é resultado da presença de situações
de vulnerabilidades, mais rápido a família será atendida.
As famílias que recebem o nosso atendimento em São Paulo
são convocadas a participar da oficina de Moradia Saudável, que
tem como objetivos principais: abordar a relação da moradia com
a saúde, orientá-las sobre a conservação das reformas realizadas
e a necessidade de realizarem manutenções, quando se fizer
necessário.
Durante a reunião são discutidos temas relacionados à
condição da moradia e a interferência na saúde da família
(insalubridade, falta de ventilação, iluminação, infiltrações, mofo
e problemas respiratórios), qualidade estrutural (proteção contra
riscos estruturais), habitabilidade (aspectos fundamentais que
tornam uma moradia habitável), segurança da posse (informações
sobre instrumentos jurídicos que reconhecem o direito de
propriedade da terra), proteção contra vetores de doenças
(importância de cuidar da moradia, a fim de combater a presença
de ratos, pernilongos, carrapatos e outros insetos que transmitam
algum tipo de doença) e acesso aos serviços (equipamentos de
saúde, educação, saneamento básico, energia elétrica, transporte
público e comércio).
Em todas as etapas do atendimento é nossa prioridade
envolver a família, pois essa participação viabiliza uma melhor

204
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

compreensão da família sobre o tipo de melhoria habitacional que


está sendo proposta à sua moradia, a fim de que a família entenda
que as melhorias têm como objetivo principal contribuir para uma
moradia mais saudável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo dados do Conselho de Arquitetura e Urbanismo
(CAU), 85% da população do Brasil autoconstroem suas moradias
e esse dado independe se a família está em região precária da
cidade ou não (CAU, 2015). Grande parte das famílias acredita que
o serviço do arquiteto é caro, e acaba não tendo acesso a esses
profissionais.
É importante ressaltar que a assistência técnica não pode ser
vista apenas como o projeto arquitetônico. As famílias precisam
de apoio na execução, contratação de pedreiro, definição de
etapas da obra, orçamento, compra de materiais e um elemento
pouco debatido, o acesso ao crédito.
Entendemos que, em muitos casos, as famílias conseguem
comprar os materiais com cartão de crédito, boleto ou carnê.
Porém, para o pagamento do serviço do profissional de obra, que
geralmente representa 60% do total, as famílias não conseguem
parcelar, e nem possuem o conhecimento necessário para
priorizar o que será feito de fato.
Com o programa de melhorias habitacionais, junto com o
subsídio e parcelamento, conseguimos atender mais de 600
famílias nas comunidades de Heliópolis (São Paulo), Parolin
(Paraná) e Cantagalo – Pavão – Pavãozinho (Rio de Janeiro). Porém
os desafios ainda são enormes.
O acesso ao recurso para subsidiar esses valores ainda é
muito restrito. Isso impede que possamos escalar o modelo para
o tamanho que a demanda necessita. Por sua vez, as famílias
quando solicitam crédito nos bancos tradicionais, ou conseguem
com juros muito altos, o que torna inviável para o orçamento
familiar, ou em muitos casos o crédito não é liberado por conta da
restrição no nome.

Parte 3: Experiências e Vivências 205


Habitat para a Humanidade Brasil

Outro obstáculo é a baixa qualidade da mão de obra local. A


dinamização desse mercado tem um enorme potencial de
desenvolvimento econômico, se associado à capacitação
profissional.
Desde 2019, começamos a realizar parcerias com outras
organizações do Terceiro Setor e negócios sociais, como os
Engenheiros sem Fronteiras e a Favelar, para expandir a
metodologia de atendimento, com parceiros que já atuam nas
comunidades que seriam atendidas em outros estados. Dessa
forma, são alavancadas iniciativas que compartilham dos valores
e missão da organização.
Outro caminho que está sendo trilhado é articulação no
setor, criando eventos, propondo agenda, criando redes e
debatendo metodologias para aumentar ainda mais o impacto a
nível nacional das iniciativas.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, Câmera dos Deputados, Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990. DOU de 16/07/1990 – ECA. Brasília, DF.
BRASIL. Estatuto do idoso: lei federal nº 10.741, de 01 de outubro de 2003.
Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2004.
CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO NO BRASIL (CAU). Percepções da
sociedade sobre arquitetura e urbanismo.2015. Disponível em:
<https://www.caubr.gov.br/pesquisa-caubr-datafolha-revela-visoes-da-
sociedade-sobre-arquitetura-e-urbanismo/>. Acesso em:26/03/2020.
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP). Estatística e informações: demografia e
indicadores sociais: déficit habitacional no Brasil: 2015. Belo Horizonte: FJP,
2018.
PASTERNAK, S. Habitação e saúde. Estudos Avançados, v. 30, n. 86, p. 51-66,
2016
.

206
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Eventos em engenharia popular


Sandra Rufino, REPOS, ESF-Brasil, ESF-Natal, UFRN
Fernanda Deister Moreira, ESF-Brasil, UFMG

INTRODUÇÃO
A educação tecnológica deveria encontrar um equilíbrio
entre um ensino centrado no técnico-científico tradicional e um
ensino centrado nas significações sociais das tecnologias, ou seja,
um ensino que comporte uma dimensão teórica importante, mas
enraizada no cotidiano com a intenção de alcançar uma visão mais
ampla (GÉRARD FOUREZ, 1995, 1997, 1999).
No decorrer da história, a engenharia veio se modelando e
remodelando. Aos poucos foi perdendo seus motivos
humanísticos e tornando-se mais compromissada com o poder
financeiro, assumindo grande participação no desenvolvimento
ou expansão tecnológica. Essas mudanças determinaram um
grande impulso na profissão, gerando uma diversidade de
especialidades, competências exigidas pelo mercado de trabalho
e novas funções exercidas.
As diretrizes curriculares anteriores (CNE/CES nº. 11, 2002) e
atual (CNE 2, 2019) orientam para criação de cursos para formação
de egressos de engenharia que atendam as demandas da
sociedade, considerando, na resolução de problemas, seus
aspectos ambientais, sociais e econômicos, a fim de que possa agir
com de maneira técnica e humanística.
Entretanto estudos feitos sobre a formação do engenheiro
civil (COLOMBO, 2004), do engenheiro de alimentos (FRAGA,
2007), do engenheiro de materiais (DWEK, 2008) e do engenheiro
de produção (FRANKEL, 2009), analisaram estruturas curriculares
dos cursos de engenharia. Mostraram que há predominância de
uma visão tecnicista fechada, clara separação entre teoria e
prática, e com ações e exemplos focados num segmento:
indústrias e setor privado. Mesmo pesquisas recentes sobre a
formação dos engenheiros de alimentos, aquicultura, ambiental e
sanitarista e alimentos (BORDIN; BAZZO, 2019) em uma

Parte 3: Experiências e Vivências 207


Eventos em engenharia popular

universidade pública e popular com o desenvolvimento de


tecnologias sociais e forte vinculação com movimentos sociais,
ainda têm dificuldades de conceber um curso na perspectiva de
engenharia popular.
Dado a escassez de espaços para discussão e difusão da
engenharia popular, os eventos dedicados a essa temática são
estratégicos para a formação (de graduandos, pós-graduandos e
profissionais) que buscam em sua prática atuar com comunidades
e/ou movimentos sociais.
Apresentamos a seguir eventos organizados pelos ESF (Brasil
ou núcleos) bem como pela Rede de Engenharia Popular Osvaldo
Sevá (REPOS) para a leitora ou leitor conhecer e participar tanto
para sua formação como para troca de experiências, reflexão ou
construção coletiva.
EVENTOS DO ESF-BRASIL
Desde 2014, com a realização do I Congresso Brasileiro dos
Engenheiros sem Fronteiras, a associação Engenheiros sem
Fronteiras-Brasil vem buscando realizar eventos para promover e
fomentar projetos em engenharia humanista e popular através de
troca de experiências, workshops, palestras, apresentação de
projetos e capacitação a seus voluntários.
Congresso Brasileiro dos Engenheiros sem Fronteiras (cbESF)
O cbESF surge com a proposta de reunir voluntários dos
núcleos brasileiros para troca de experiências e vivências
buscando assim fomentar o sentimento de unidade. Esse
sentimento se viu necessário aos gestores da organização ao
compreenderem que pessoas com o mesmo propósito estavam
espalhadas pelo país fazendo projetos parecidos mas a
comunicação entre elas não era efetiva. Na 1ª edição, em 2014,
foi realizada a assembleia geral com aprovação do estatuto que
ficou vigente até 2019. Em 2020 passa vigorar um novo estatuto,
homologado no cbESF 2019. Esse evento que se tornou tradição e
é o principal evento da rede é organizado e sediado por núcleos
da rede ESF-Brasil.
O cbESF já foi realizado em Viçosa (MG), São Leopoldo (RS),
Rio de Janeiro (RJ), Lavras (MG), Natal (RN), Juiz de Fora (MG) e a

208
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

edição de 2020 será realizada virtualmente devido à pandemia de


COVID-19. A linha do tempo do cbESF pode ser vista na Ilustração
26:
Ilustração 26 - Linha do tempo cbESF

Fonte: ESF-Brasil (2020)


Ao longo do tempo, o evento foi se modificando e tomando
forma de uma conferência que não era apenas um espaço de
formação através de workshops e palestras mas um espaço de
desenvolvimento de habilidades importantes para o terceiro
setor, como a convivência em harmonia, empatia, relação com a
comunidade, captação de recursos para projetos sociais,
resolução de conflitos, prestação de contas para patrocinadores e
doadores, uso de tecnologias apropriadas, sociais e assistivas,
entre outras ferramentas importantes para o crescimento do
grupo como um todo. Todo final de evento uma ação social é
realizada em conjunto pelos participantes para fomentar o
sentimento de rede e unidade.
Com o passar dos anos as assembleias gerais foram
ganhando mais espaço para que o evento também fosse um
momento importante de exercício e prática autogestionária, em
construção, para tomada de decisão com os líderes de núcleos
presencialmente e, assim, a relação entre a diretoria nacional e os
voluntários fosse fortalecida.
Apesar de ser um evento voltado para a formação de
voluntários e apresentação de trabalhos desenvolvidos na rede, o
congresso é um evento aberto ao público externo já tendo
participado membros de outras organizações parceiras,

Parte 3: Experiências e Vivências 209


Eventos em engenharia popular

estudantes de engenharia não vinculados à rede e membros das


comunidades em que a rede atua.
Eventos realizados por núcleos da rede ESF-Brasil
Os núcleos da rede ESF-Brasil também realizam eventos
locais e/ou regionais para promover a formação de seus
voluntários, uma relação próxima com a universidade e o meio
acadêmico em que estão inseridos e com a comunidade que se
beneficia dos projetos que realizam. Alguns eventos serão
abordados em destaque:
Semana sem fronteiras: são eventos que já foram realizados
pelos núcleos Juiz de Fora, Rio Paranaíba e Maringá com o objetivo
de levar para o ambiente acadêmico a experiência do
voluntariado, beneficiários de projetos, outros projetos sociais
locais e minicursos relacionados com os projetos que realizam.
AMPLA: esse evento de caráter regional é desenvolvido pelo
núcleo Santa Maria desde 2018. Com objetivo de aproximar as
pessoas dos princípios do voluntariado e mostrar que a
engenharia é muito além do tecnicismo, o evento em sua primeira
edição contou com 171 participantes e 261 na segunda edição
(CARDOSO et al., 2019).
Encontro Latino Americano de Engenharia e Sociedade: esse
evento se mostra como uma tendência a ser explorada pelos ESF
da América Latina. Com a primeira edição em 2019, em São Paulo,
o evento reuniu 462 participantes para discutir questões
relacionadas a autogestão, territórios sustentáveis, formação na
engenharia, engenharia popular e objetivos do desenvolvimento
sustentável, economia solidária e trabalho associado. No evento,
a maioria dos participantes eram brasileiros mas membros do ESF
Argentina e Chile também estavam presentes além de pessoas da
Costa Rica, Colômbia, Paraguai e Austrália. O evento foi co-
organizado pelo ESF-São Paulo em parceria com o Escritório Piloto
da Escola Politécnica da USP.
Encontrão sem Fronteiras: o evento co-organizado por
núcleos do ESF dos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo
tem objetivo de promover a integração entre os voluntários
dessas regiões, buscando o fortalecimento da rede através da

210
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

troca de experiências e conhecimentos. O evento foi realizado na


cidade do Rio de Janeiro e no primeiro dia de eventos contou com
atividades de caráter técnico e social, com palestras sobre direitos
humanos, ferramentas úteis para projetos sociais, inovação,
sustentabilidade e empreendedorismo social. O segundo dia foi
para colocar a mão na massa e construir um sistema de
saneamento ecológico e um sistema de captação de água de
chuva. Foi um evento de grande sucesso e se mostra como
tendência para que núcleos de outras regiões do país possam se
integrar e trocar experiências positivas para o trabalho em
engenharia humanitária e popular.
EVENTOS DA REPOS
Os Encontros Nacional e Regionais de Engenharia e
Desenvolvimento Social: ENEDS e EREDS tem por objetivo abrir
um espaço de reflexão dentro da engenharia, para discutir os
caminhos e as possibilidades de desenvolvimento social. Busca
interligar as instituições de ensino e pesquisa, setores públicos e
privados, movimentos sociais e a própria sociedade civil, com o
intuito de sensibilizar os participantes sobre a demanda popular
da ciência e tecnologia de forma emancipadora.
Os eventos nacional e regional têm promovido: o
intercâmbio de conhecimentos, experiências e ideias no âmbito
da engenharia popular e desenvolvimento social e humano entre
os participantes; sensibilização e formação complementar para
atuação com a integração tripé ensino-pesquisa-extensão e
ampliação do campo de visão para o exercício profissional para
atendimento das demandas sociais; diálogo e integração entre
universidade, comunidades e movimentos sociais; incentivo à
criação, ampliação e parceria de redes, ações e projetos;
proposições de políticas públicas para desenvolvimento
socioambiental; debate sobre público, privado, urbano, rural,
teoria e prática.
Os assuntos abordados nas atividades dos eventos tem sido
diversas: formação do engenheiro (estrutura curricular, extensão
universitária, pesquisa-ação), trabalho (organização, ergonomia,
saúde, agricultura, extrativismo, empresas recuperadas,

Parte 3: Experiências e Vivências 211


Eventos em engenharia popular

empreendimentos de economia solidária, autogestão, catadores),


sustentabilidade (energia, água, reciclagem, objetivos de
desenvolvimento sustentável), direito à cidade (habitação,
mobilidade, acessibilidade), questões de gênero/raça/etnia
(desigualdade, opressões, xenofobia), tecnologia (social, assistiva,
inclusão digital, software livre) dentre outros.
Encontro Nacional de Engenharia e Desenvolvimento Social
O encontro nacional nasceu em 2004 da iniciativa de
estudantes e professores do Núcleo de Solidariedade Técnica –
SOLTEC/UFRJ. A partir da IV edição passou a ser organizado por
diversos grupos de estudantes de engenharia em várias cidades
do Brasil e orientado e coordenado pela REPOS. Em 2020, em sua
17a edição, já é considerado o principal evento de debate sobre o
engenharia engajada e popular no país.
Cada evento traz uma temática diferente e passou por 13
cidades em 7 estados. A programação normalmente é de quatro
dias de atividades composta por mesas, palestras, apresentação
de artigos, minicursos, oficinas, rodas de conversa, visitas
técnicas, atividades culturais e de integração, e por fim com
plenária para definição dos próximos EREDS e do ENEDS do ano
seguinte, bem como deliberações do coletivo para próximos
eventos ou ações conjuntas. A seguir apresentamos a plenária do
ENEDS 2015 (Ilustração 27), evento do qual criou-se o lema da
REPOS e seus eventos: Por uma engenharia popular e solidária!
Ilustração 27 - Plenária final ENEDS 2015

Fonte: REPOS (2015)


Apresentamos no Quadro 1 os ENEDS realizados, com suas
respectivas localidades, universidades organizadoras e temáticas
do evento.

212
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

Quadro 1 - Dados dos ENEDS


Ano Encontro Cidade IES Tema
Engenharia e desenvolvimento
Rio de
2004 I ENEDS UFRJ social: elaboração, monitoramento
Janeiro/RJ
e avaliação de projetos solidários.
Rio de Tecnologia e desenvolvimento
2005 II ENEDS UFRJ
Janeiro/RJ social e solidário.
Rio de A tecnologia na geração de trabalho
2006 III ENEDS UFRJ
Janeiro/RJ e renda no Brasil.
IV Rio de Outra universidade, outra
2007 UFRJ
ENEDS Janeiro/RJ economia.
Os impactos da engenharia e os
2008 V ENEDS São Paulo/SP USP
limites da sustentabilidade.
VI O que a engenharia tem a ver com
2009 Campinas/SP Unicamp
ENEDS desenvolvimento social.
VII Teófilo Troca de saberes entre os Vales e o
2010 UFVJM
ENEDS Otoni/MG Brasil.
O desenvolvimento tecnológico e
VIII Ouro
2011 UFOP social do ponto de vista do
ENEDS Preto/MG
trabalho.
O Brasil que se quer e os caminhos
2012 IX ENEDS Natal/RN UFRN
que se trilham.
Rio de Engenharia para ver com os olhos
2013 X ENEDS UFRJ
Janeiro/RJ do outro.
Repensando a tecnologia e a
2014 XI ENEDS Castanhal/PA IFPA
sustentabilidade da Amazônia.
XII Por trás de cada tecnologia, há
2015 Salvador/BA UFBA
ENEDS sempre uma ideologia.
XIII Florianópolis/
2016 UFSC Quem faz a tecnologia?
ENEDS SC
XIV
2017 Itajubá/MG UNIFEI Movendo outras engrenagens
ENEDS
XV O direito à universidade pública,
2018 Alagoinha/BA UNEB
ENEDS gratuita e de qualidade
XVI Amazônia: espaço de luta,
2019 Belém/PA UFPA
ENEDS tecnologia e inovação
Fonte: autoria própria (2020)

Parte 3: Experiências e Vivências 213


Eventos em engenharia popular

Encontro Regional de Engenharia e Desenvolvimento Social


Em 2010 o ENEDS adquiriu proporções maiores e a
necessidade de mais espaços de debate, em especial para foco nas
questões locais, surgem os EREDSs. São organizados nas
macrorregiões brasileiras (norte, nordeste, sul, sudeste e centro-
oeste). Os primeiros foram EREDS-Ne em Natal e EREDS-Se em
João Monlevade organizado pelos estudantes da UFRN e UFOP
respectivamente em 2011. Os eventos regionais têm o mesmo
caráter ideológico que o nacional, mobiliza e integra pessoas
interessadas (novas ou experientes) pelo tema, e na troca
experiências, reflexão e debate contribuem para formação de uma
teoria técnica engajada na transformação e emancipação social.
Até 2019 realizaram-se quatro EREDS-N, seis EREDS-Ne, seis
EREDS-S, oito EREDS-Se e um EREDS-Co. Organizados em 20
cidades e sediada por 22 universidades. O Quadro 2 apresenta a
síntese dos eventos ao longo dos anos nas regiões:
Quadro 2 - Dados dos EREDS
Ano/
201 201 201 201 201 201 201 201 201
ERED
1 2 3 4 5 6 7 8 9
S
N - PA PA - PA - PA - -
NE RN CE - BA CE - BA CE -
S - - - SC RS RS RS RS RS
SE MG RJ MG SP MG MG SP - SP
CO - - - - DF - - - -
Fonte: autoria própria (2020)
Informações sobre os futuros eventos nacional e regionais e
anais do evento podem ser encontrados no site do ENEDS
(www.eneds.org.br).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentamos nesse capítulo eventos organizados pelos ESF
e REPOS, eventos que são marjoritamente para discussão e
reflexão sobre engenharia humanitária e engajada no âmbito da
engenharia popular. Entretanto outros eventos abrem eixos ou
sessões que permitem a discussão, mesmo que isolada dos vários
assuntos relacionadas engenharia popular. Eventos locais,

214
ENGENHARIA POPULAR
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social

regionais, com edições pontuais ou de longo prazo. A leitora e


leitor que se interessa pela temática, pode, pelas palavras chaves,
encontrar esses outros eventos, e caso não exista em sua
localidade, pode solicitar ajuda à essas duas instituições para
orientações na construção de novos espaços de debate.
REFERENCIAS
BORDIN, L.; BAZZO, W. C. Sobre (in)coerências entre a universidade pública e
popular, a engenharia e o desenvolvimento de tecnologias sociais. Educitec,
Manaus, v. 05, n. 11, p. 55-72, jun. 2019.
CARDOSO, A.; MARTINELLI, G. D.; HISSERICH, M. S.; ZANIBONI, V. Evento Social
AMPLA: Multiplicador de ideias, inovação e trabalho social. In: VI Congresso
Brasileiro dos Engenheiros sem Fronteiras, 2019, Juiz de Fora. Anais [..], Juiz de
Fora, UFJF, 2019.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES n. 11, de 11 de
março de 2002. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação em Engenharia. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, Seção 1, p. 32, 9 abr. 2002. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES112002.pdf>. Acesso em: 23
janeiro 2020.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES n. 2, de 24 de abril
de 2019. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Seção I, p. 43, 26
abr. 2019. Disponível em: <
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias
=112681-rces002-19&category_slug=abril-2019-pdf&Itemid=30192>. Acesso em:
23 janeiro 2020.
DWEK, M. Perspectivas para a formação em engenharia: o papel formador e
integrador do engenheiro e o engenheiro educador. 2008. Trabalho de Conclusão
de Curso. Universidade de São Paulo, USP, São Paulo.
FOUREZ, G. A construção das ciências. São Paulo: UNESP, 1995.
FOUREZ, G. Alfabetización científica y tecnológica. Buenos Aires: Colihue, 1997.
FOUREZ, G. Compétences, contenus, capacites et autres casse-têtes. Forum, p.26-
31, 1999.
FRAGA, L. S. O curso de graduação da faculdade de engenharia de alimentos da
UNICAMP: uma análise a partir da educação em ciência, tecnologia e sociedade.
2007. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de Campinas., UNICAMP,
Campinas.
FRANKEL, R. Por uma engenharia de produção comprometida com a sociedade.
2009. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
UFRJ, Rio De Janeiro.

Parte 3: Experiências e Vivências 215


Eventos em engenharia popular

216
Quem são os autores?
ADALBERTO T. DOS SANTOS CAMILA R. LARICCHIA
Vice-presidente de Docente da UFRJ/Macaé. Mestre em
Acompanhamento no ESF-Brasil. engenharia de produção. Integrante
Engenheiro Civil, especialista em da REPOS.
processos e operações de construção CAMILA S. DE A. CORREIA
civil senai-mg e com certificação em Diretora de arte. Arquiteta - Terraço
project management of Engenharia e Arquitetura. MBA em
development. desenvolvimento.
ALICIANE DE S. PEIXOTO CARLA MÂNCIO
Engenheira Ambiental, especialista Vice-Diretora de Projetos no Núcleo
em Gestão e Tecnologias do ESF-Belo Horizonte. Engenheira Civil
Saneamento pela ENSP-Fiocruz. CEO e Design de Ambientes.
da Monã Engenharia e Consultoria
Ambiental. Diretora Geral do ESF-Rio CAROLINA V. P. COSTA
de Janeiro e Assessora de Captação Coordenadora do PROCAP -
de Recursos do ESF-Brasil Produção de Alimentos no ESF-
Viçosa. Graduanda em Engenharia de
ANA CLAUDIA A. ROSA Alimentos pela Universidade Federal
Assessora de desenvolvimento ESF- de Viçosa. Técnica em Agropecuária
Brasil e colaboradora do Núcleo pelo Instituto Federal do Espírito
Aracaju. Servidora da Universidade Santo.
Federal de Sergipe e Consultora em
Responsabilidade Socioambiental. CELSO ALVEAR
Engenheira Civil, Pós Graduanda em Professor do mestrado em
Marketing e Responsabilidade Tecnologia para o Desenvolvimento
Socioambiental e Mestranda em Social do NIDES/UFRJ. Engenheiro
Ciência da Propriedade Intelectual. Eletrônico e de Computação com
doutorado em Engenharia de
ANDRÉ S. KENEZ Produção pela COPPE/UFRJ.
Sapiência Ambiental. Ex-membro Integrante da REPOS.
ESF-Núcleo São Paulo. Engenheiro
Civil (Poli/USP). CINTHIA V. S. VARELLA
Graduada e mestre e doutoranda em
BIANCA PARTICHELI Engenharia de Produção pela UFMG.
Vice-Diretora Geral do ESF-núcleo Participa do Núcleo Alternativas de
Joinville. Engenheira Civil. Já Produção (NAP). Integrante da
trabalhou no poder público na área REPOS.
de Planejamento Urbano e também
com Energias Renováveis em uma CRISTIANO CRUZ
empresa privada. Pesquisador de pós-doutorado junto
ao Instituto Tecnológico de
BRUNA VASCONCELLOS Aeronáutica (ITA). Doutor (USP) e
Docente da UFABC. Mestre e bacharel (FAJE-BH) em filosofia.
doutora em política científica e Mestre e graduado em engenharia
tecnológica. Atua especialmente no elétrica (Unicamp). Integrante da
campo dos estudos feministas em REPOS.
ciência e tecnologia. Integrante da
REPOS.

Parte 3: Experiências e Vivências 217


DÊNIS PACHECO GUSTAVO F. MORAES
Dênis Pacheco é Gerente de Voluntário colaborador e
Programas do escritório de coordenador no ESF-Rio de Janeiro.
inovações urbanas da Habitat para a Especialização em andamento em
Humanidade. Arquiteto, pós- Gestão Urbana e Saúde pela
graduado em Gerenciamento de Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Projetos PMI (Senac. Foi responsável Graduado em Engenharia Civil pelo
por quase 4 anos do Programa de Centro Universitário Geraldo di Biase
Moradia de Emergência a nível (FERP-UGB).
nacional da Organização TETO-Brasil. HUGO SOSINHO DA CUNHA
FERNANDA DEISTER MOREIRA Graduado em Engenharia Civil pela
Coordenadora de captação de Universidade Federal do Pará (UFPA).
recursos do ESF-Brasil. Membra da Atualmente está no posto de 1º
Diretoria Executiva do EWB- Tenente e atua em uma unidade de
International. Mestranda em engenharia do Exército Brasileiro.
Saneamento, meio ambiente e ISABELA F. ALI
recursos hídricos (UFMG). Diretora financeira do ESF-Núcleo
Engenheira ambiental e sanitarista Limeira. Graduanda em Engenharia
(UFJF). de Manufatura pela UNICAMP.
FERNANDA DE SOUZA CARDOSO JÚLIA ANTUNES
Gerente da Linha de Projetos de Diretoria jurídico financeira do ESF-
Engenharia Comunitária no ESF- Porto Alegre. Advogada, formada em
Núcleo Rio de Janeiro. Pesquisadora Direito pela PUCRS. Atualmente
no Instituto SENAI de Inovação em inscrita para a pós graduação em
Biossintéticos e Fibras. Mestra em Direitos Humanos, Responsabilidade
Engenharia de Processos Químicos e Social e Cidadania Global pela
Bioquímicos. PUCRS.
FRANCISCO DE P. A. LIMA JULIANA J. STEK
Docente titular da Escola de Foi assessora financeira, gerente de
Engenharia da UFMG, pós-doutorado projetos e atualmente é diretora de
em ergologia (Université de projetos do ESF-Limeira. Graduanda
Provence-2003) e ergonomia em Engenharia de Manufatura na
(Université Lumières Lyon II-2015 UNICAMP.
GABRIEL S. CHIELE LAIS FRAGA
Diretor Geral do ESF-Porto Alegre. Docente Faculdade de Ciências
Graduando em Engenharia Civil na Aplicadas (FCA) da Universidade
Universidade Federal do Rio Grande Estadual de Campinas (UNICAMP).
do Sul (UFRGS). Graduada em Engenharia de
GUILHERME S. C. MACHADO Alimentos, mestre e doutora em
Ex-diretor Geral do ESF-Vitória. Política Científica e Tecnológica
Graduando em Engenharia Civil pela também pela UNICAMP.
Universidade Federal do Espírito Coordenadora ITCP/Unicamp.
Santo. Integrante da REPOS.

218
LIGIA M. SILVA MARCELO DE S. F. C. SILVA
Engenheira ambiental pela Poli-USP. Voluntário ESF-Rio de Janeiro.
Trabalha atualmente na Sapiência Tecnólogo em Processos
ambiental e no LabSid USP - Metalúrgicos e Mestre em
Laboratório de Sistemas de Suporte a Propriedade Intelectual e
Decisões. Possui especialização em transferência de tecnologia para
Habitação e Cidade pela Associação Inovação pela UFRJ, Pesquisador em
Escola da Cidade. Co-fundadora do Engenharia e Tecnologia na IGT
ESF-São Paulo, onde atuou de 2015- Motors. Consultor em Processo de
2019. fabricação Mecânica.
LUANA CRISTINA O. PRADO MARIANA M. GOMES
Vice presidente de desenvolvimento Assessora Técnica do ESF-Brasil.
institucional ESF-Recife. Engenheira Engenheira Ambiental (UFV). Sócio
Civil (UFPE). Pós graduanda na Fundadora da Orbit Consultoria
Universidade Federal de Minas Ambiental.
Gerais. MARIANA V. FILGUEIRAS
LUCCA P. POMPEU Foi Assessora de Projetos na gestão
Doutorando e mestre em Engenharia 2018.2 do ESF-Juiz de Fora,
de Produção. Engenheiro ambiental. Assessora de Gestão de Pessoas em
Trabalhou com Economia Solidária 2019.1 e Diretora de Gestão de
pela Incubadora Tecnológica de Pessoas em 2019.2. Além disso,
Cooperativas Populares da também doi Coordenadora de
Universidade de São Paulo (ITCP- Experiência no ESF-Brasil de ago-dez.
USP). É cooperado em um de 2019 e está no 7o período da
empreendimento de comercialização faculdade de Engenharia Ambiental e
de alimentos agroecológicos. Sanitária da UFJF.
LUCILA A. FERNANDES MATHEUS SCAGLIA MAINARDI
Assessora de projetos no ESF-João Diretor de Projetos do ESF-Porto
Pessoa. Engenheira ambiental e Alegre, gestão 2020. Arquiteto e
doutoranda na área de recursos Urbanista. Pós-graduado em
hídricos na Universidade Federal de Engenharia de Segurança do
Pernambuco (UFPE). Trabalho pela Universidade do Oeste
LUISA DA S. MADEIRA de Santa Catarina (2017-2019).
Atualmente é vice diretora geral do Mestrando em Engenharia Civil
ESF-Santa Maria, foi líder do projeto (2019-2020).
educa. Curso engenharia química na NATÁLIA T. MARGARIDO
Universidade Federal de Santa Maria Atual diretora do ESF-São Paulo.
MABELI CAETANO Mestre em Ciências pelo Programa
Assistente Social na ONG Habitat de Análise Ambiental Integrada da
para a Humanidade. Cursando Pós- Universidade Federal de São Paulo
graduação em Gestão de Projetos (UNIFESP). Engenheira Ambiental
Sociais na FLAM. Atuando na área (Poli/USP).
habitacional desde 2007. PAULIANA DA S. ARAÚJO
Diretoria Geral ESF-Teresina. Técnica
em Edificações. Graduanda em
Engenharia Civil na Universidade
Federal do Piauí (UFPI).

Parte 3: Experiências e Vivências 219


PEDRO H. S. THEBIT SANDRA RUFINO
Assessor de Finanças ESF-Belo Docente do DEP/CT/UFRN.
Horizonte. Graduando em Integrante da REPOS. Conselheira
Engenharia de Produção na PUC Consultiva do ESF-Brasil e
Minas. orientadora do núcleo ESF-Natal.
PRISCILA B. CAUDURO Mestre e Doutora em Engenharia de
Membro da gestão de projetos do Produção pela Universidade de São
ESF-Porto Alegre. Engenheira Paulo e pós-doutora em Tecnologias
Sanitarista e Ambiental e Engenheira Sociais pela Université Catholique de
de Segurança do Trabalho. Louvain.
RAFAEL M. PRIVATO SUED TRAJANO DE OLIVEIRA
Sapiência Ambiental. Gestão Arquiteta e urbanista, especialista
Ambiental (FATEC). em Plantas Ornamentais e
Paisagismo, mestra em Geografia,
RENÊ DE CASTRO voluntária do ESF, professora do
Supervisor de Obras da Habitat para curso de Arquitetura e Urbanismo da
Humanidade Brasil em São Paulo, ESTÁCIO - RR, coordenadora do
Arquiteto e Urbanista. curso de Arquitetura e Urbanismo da
RODRIGO ERDMANN OLIVEIRA UNAMA - Boa Vista.
Graduado em Engenharia VICTÓRIA ABRAHÃO F. E SILVA
Ambiental/UEPA. Foi da Ex-vice presidente técnica do ESF-
ITCPES/UFPA e SOLTEC/UFRJ. Brasil. Engenheira Ambiental e
Mestrado em Ciências Ambientais e Sanitarista. Co-fundadora da Eclo
Conservação no Núcleo em Ecologia Compostagem Urbana.
e Desenvolvimento Sócio-Ambiental
de Macaé, NUPEM-UFRJ. Trabalha VINICIUS K. MUNIZ
com socioeconomia da pesca Diretor de Projetos ESF-Tupã.
artesanal prestando serviço a Graduando em engenharia de
empresa petrolífera na área de Biossistemas na UNESP/Tupã.
gerenciamento de projetos do VITOR HUGO DOS R. APARECIDA
licenciamento ambiental em Diretor de projetos no ESF-Juiz de
Macaé/RJ. Fora. Graduando em Engenharia
RODRIGO EDSON CASTRO AVILA Ambiental e Sanitária (UFJF).
Vice Diretor ESF-Boa Vista. Membro do grupo de educação
Engenheiro Civil e Arquiteto tutorial GET-ESA (UFJF).
Urbanista. VITOR T. CHAVES
Sapiência Ambiental. Engenheiro
Naval. Mestre em Engenharia
Sanitária e Ambiental pela USP

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Fotos dos Núcleos ESF

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Parte 3: Experiências e Vivências 223
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