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BAKHTIN, M. M. Iskusstvo i Otvetstvennost (Arte e Responsabilidade). Den Iskusstva.

Nevel, 1919, 13, centiabria, c. 3-4. Tradução para fins didáticos de Marco A. Villarta-
Neder. 2020. Mimeo.

Arte e Responsabilidade1

M. M. Bakhtin

Chama-se o todo de mecânico, se os seus elementos conectados estão separados,


isolados somente no espaço e no tempo por sua ligação externa, e não penetrados na
unidade interna do sentido. Ainda que uma parte de tal todo se deite ao lado de outra e a
toque, elas são alheias uma para a outra.
Os três campos da cultura humana – ciência, arte e vida – encontram lugar somente
na pessoa que os integra à sua unidade. Porém esta ligação pode se tornar mecânica,
externa. Infelizmente, na maioria das vezes, é isto que acontece. O artista e o ser humano
ingênuo, na maioria das vezes, estão juntos, na mesma pessoa; na criação o ser humano
perde seu tempo, vindo da “excitação do cotidiano”, como em um outro mundo “da
inspiração, dos sons doces e das preces”. Qual será, então, o resultado ? A arte demasiado
ousada-presunçosa, demasiado patética, pois que para tal pessoa nada mais responde à
vida, que, obviamente, por trás dessa arte, não se deixa capturar. “Sim, mas onde, então,
pergunta a vida para a arte, temos a nossa prosa cotidiana?”
É quando o ser humano está na arte, e não na vida, e vice-versa. Não há entre eles a
unidade, nem a interpenetração na unidade da identidade.
O que, então, garante a interpenetração da ligação dos elementos da pessoa?
Somente a unidade da responsabilidade. Pelo que fui vivendo e pelo que fui
compreendendo na arte, eu devo responder com minha vida, para que tudo pelo qual
passei e toda compreensão disso não reste como uma falta de atividade na vida. Porém, a
responsabilidade está ligada à culpa. Não somente carregamos a responsabilidade mútua
que devemos à vida e à arte, mas, também, a culpa recíproca. O poeta deve entender que
sua poesia é culpada pela prosa antiquada da vida, assim como deve permitir que o ser
humano saiba da vida, que saiba que a esterilidade da arte é fruto da culpa pela pouca
exigência e pela não seriedade com que trata suas questões cotidianas. A pessoa deve
tornar-se totalmente responsável: todos os momentos dela não devem ser somente
colocados lado a lado no tempo de sua vida, mas penetrar um no outro na unidade da
culpa e da responsabilidade.
E nem pensar na desculpa da irresponsabilidade invocada na “inspiração”. A
inspiração, que ignora a vida e é ela própria ignorada pela vida não é inspiração, mas
obsessão. O correto não é o sentido impostor, autoelogioso, de todas as velhas conversas
sobre a relação da arte com a vida, arte pura e outras bobagens. Verdadeiramente seu
pathos é somente que arte e vida querem mutuamente amenizar seu propósito,
desvencilhar-se do elo de sua responsabilidade, pois é mais fácil criar sem responder à
vida, e é mais fácil viver, sem se preocupar com a arte.
Arte e vida não são uma unidade, mas devem se tornar na minha unidade, na
unidade de minha responsabilidade.

1
Meus agradecimentos a Roksana Valeeva e Felipe Pereira de Castro pelas valiosas contribuições e pela
revisão.

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