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Fichamento n.

5 – Gustavo Fernandes Sales

Dados do texto:
Antonio Gidi
A Class Action como instrumento de tutela coletiva dos direitos

No primeiro capítulo (Introdução – Rule 23[A]), o autor principia informando que


uma ação só poderá ser conduzida em forma coletiva se todos os requisitos
previstos na Rule 23(a) estiverem presentes. O objetivo desses requisitos é
constatar que as vantagens do julgamento uniforme da lide coletiva sejam
superiores aos riscos de injustiça aos membros ausentes do grupo.
Por isso: (1) o grupo deve ser tão numeroso que o litisconsórcio de todos seja
impraticável; (2) deve haver questões de direito ou de fato comuns a todos os
membros; (3) os pedidos ou defesas do representante do grupo devem ser
típicos dos membros do grupo; (4) os interesses devem ser adequadamente
representados em juízo.
Ausente um único desses requisitos, a ação poderá até prosseguir na forma
individual, mas não como ação coletiva.
Os dois primeiros, para o autor, são requisitos objetivos, e os dois últimos,
subjetivos. Se os requisitos objetivos não estiverem presentes, a controvérsia
não poderá ser julgada em forma coletiva, mas se os requisitos subjetivos é
que não estiverem presentes, será possível que a ação prossiga, desde que o
representante seja substituído por um outro membro do grupo.
Desde antes da Rule 23, de 1938, esses requisitos eram as únicas hipóteses
de cabimento das ações coletivas, o que põe em dúvida a necessidade e da
conveniência de se criarem outras “hipóteses de cabimento” artificiais. A
mesma crítica cabe ao Direito brasileiro, em relação à categorização de direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos. A extinção das três espécies será
um avanço, posto que o tratamento diferenciado imposto por lei é injustificável.
A linha que delimita a esfera de abrangência conceitual dos requisitos é
obscura, havendo um substancial espaço em que eles se sobrepõem, como
ocorre em muitos casos com os requisitos da questão comum e da tipicidade, e
entre os da tipicidade e da representação adequada.
A avaliação da presença dos requisitos da Rule 23(a) varia a depender do tipo
de class action proposta – Rule 23(b) – e do direito material que está sendo
tutelado no caso concreto. A avaliação é feita pelo magistrado.
O autor analisa os requisitos um a um:
Impraticabilidade do litisconsórcio – Rule 23 (a)(1): o requisito está presente
desde a origem do instituto, não havendo modificações nem mesmo na
linguagem. O grupo deve ser de tal forma numeroso que o litisconsórcio ou a
intervenção de todos os membros em um processo seja impraticável. No
Direito norte-americano, há uma permissividade muito maior para ingresso de
terceiros no processo em andamento, desde que o seu pedido ou a sua defesa
possua uma questão de direito ou de fato em comum com a ação (no Brasil, o
litisconsórcio ulterior só é permitido em caso de litisconsórcio necessário). A
impraticabilidade não é sinônimo de impossibilidade, mas de dificuldade ou
inconveniência de se administrar um processo com a presença de todos os
interessados. Não há um número predeterminado de membros que satisfaça o
requisito, nem mesmo na jurisprudência. Já houve casos em que 13 réus foram
suficientes, e outro em que 350 não o foram. Há discricionariedade judicial e
este requisito é de menor importância se comparado aos demais. Geralmente
grupos formados por 20 a 40 pessoas (small class) são aceitos quando
integrados por pessoas hipossuficientes – crianças, deficientes – ou quando a
pretensão individual de cada um é de pequeno valor. Outro fator é a dispersão
geográfica dos membros do grupo, tornando inconveniente o litisconsórcio. Há,
ainda, o mecanismo da discovery, em que o representante inicia uma pesquisa
para localizar e identificar mais pessoas lesadas pela conduta do réu, quando
há apenas uma suspeita de que o ilícito tem proporções coletivas. O
representante tem o ônus de fornecer uma estimativa de boa-fé, embora não
tenha de apresentar o exato número de membros do grupo. Nas class actions
for damages, em que existe o direito de auto-exclusão, é possível que um
grande número de pessoas exerça tal direito, reduzindo o tamanho do grupo a
tal ponto que o requisito não seja mais satisfeito.
Questão comum – Rule 23 (A)(2): a situação do caso concreto deve permitir a
decisão unitária da lide e, para isso, é necessário que existam questões de fato
ou de direito comuns aos membros do grupo (common questions). No direito
brasileiro, os outros três requisitos não são previstos, mas é intuitivo que,
mesmo aqui, se não houver questões comuns de fato ou de direito, a tutela
coletiva será impossível (não haveria sequer falar em existência de um
“grupo”). No direito brasileiro, fala-se em “circunstâncias de fato”, “relação
jurídica-base” ou “origem comum”, para indicar a necessidade de haver uma
questão comum que uma os membros em uma mesma situação jurídica. Nem
a Rule 23 nem a jurisprudência definem o que é “questão comum”, cabendo ao
juiz identificá-la, mas, segundo o autor, haverá questão comum sempre que as
circunstâncias do caso concreto permitirem uma decisão unitária da
controvérsia coletiva. A lei exige apenas a presença de uma questão comum
de fato ou uma de direito, e não as duas. Em determinado caso, ficou decidido
que, quando houver predominância de questões comuns de fato, mas houver
diversidade quanto ao direito aplicável às controvérsias individuais, o grupo
deve ser dividido em subgrupos. A questão comum pode não ser a pretensão
dos autores, mas a defesa do réu. Outrossim, o núcleo da controvérsia comum
ao grupo constitui a questão comum a ser julgada na sentença coletiva. As
questões individuais eventualmente existentes devem aguardar a solução da
questão comum, para serem consideradas em juízo na fase seguintes da
própria ação coletiva ou em ações individuais propostas pelos membros do
grupo (ex.: diferença entre a natureza ou o valor dos danos sofridos não afeta a
existência da questão comum sobre a responsabilidade civil do réu). O
requisito é de caráter qualitativo, não quantitativo. A ausência do requisito da
questão comum não conduz necessariamente à extinção da ação coletiva,
podendo acarretar: a) a redefinição do grupo; b) a limitação da lide coletiva; c)
a divisão do grupo em subgrupos mais homogêneos; d) a negativa da
certificação, podendo prosseguir somente na forma individual.
Tipicidade – Rule 23(a)(3): os pedidos ou as defesas do representante do
grupo devem ser típicos dos pedidos ou das defesas dos membros do grupo,
ou seja, o representante deve ter os mesmos interesses e deve ter sofrido o
mesmo ilícito que os demais, sendo ele próprio um dos membros do grupo. A
pretensão do representante deve originar-se do mesmo evento e ser baseada
no mesmo fundamento jurídico. Segundo o autor, o requisito da tipicidade é o
mesmo requisito da questão comum, visto sob perspectiva diversa, de dentro
do processo. O representante do grupo propõe a ação coletiva em nome
próprio e em nome de todas as pessoas em situação semelhante. Resolvendo-
se a lide individual do representante, resolve-se a lide coletiva do grupo
representado e vice-versa. Em face da inexistência do requisito da tipicidade no
direito brasileiro, o ente legitimado não está limitado na opção de contra quem
propor a ação coletiva. É possível propô-la contra diversos réus em
litisconsórcio. O requisito da tipicidade perde relevância se se atribui a
legitimidade para propor ações coletivas ao Estado ou a associações civis,
como faz o direito brasileiro, seguindo uma tendência já estabelecida em todos
os países de civil law. Assim, o legitimado não precisa ser, e em geral não é,
membro do grupo atingido pela conduta ilícita do réu.
Representação adequada – Rule 23(a)(4): o requisito é essencial para que
haja respeito ao devido processo legal em relação aos membros ausentes e,
consequentemente, indispensável para que eles possam ser vinculados pela
coisa julgada produzida na ação coletiva. Em um primeiro momento, ao
certificar a ação coletiva, o juiz fará uma avaliação preliminar e prospectiva do
requisito. Mas o juiz irá monitorar a adequação do representante durante todas
as fases do procedimento, ex officio. Se em ação futura, através de uma
avaliação retrospectiva, ficar estabelecida a inadequação, da representação, o
juiz negará o efeito da coisa julgada à sentença coletiva (colateral attack). O
conceito de representação adequada, se bem aplicado, é muito mais útil do
que a solução formalista do nosso direito de simplesmente declarar inexistente
o processo, independentemente de ter havido ou não prejuízo ou má-fé. O
requisito da adequação da representação é constituído por dois elementos: a
possibilidade de assegurar a vigorosa tutela dos interesses dos membros
ausentes e a ausência de antagonismo ou conflito de interesses com o grupo.
Como as class actions são um procedimento extremamente custoso,
envolvendo gastos astronômicos com investigação dos fatos (discovery),
honorários de peritos e notificação dos membros do grupo, é necessário que o
representante esteja fortalecido financeiramente. Em geral, o próprio advogado
se oferece para financiar o litígio, em um verdadeiro empreendimento. Deve-se
avaliar a verificação da adequação do advogado. O conflito que inviabiliza a
class action precisa ser real e atual, e não qualquer divergência ou conjectura.
Nos casos reais, o juiz deve procurar substituir o representante por outro
membro cujos interesses não estejam em conflito com os dos demais, ou negar
a certificação à class action. O conflito também pode ocorrer entre o advogado
e o grupo.
Quanto à legitimidade do Estado, o direito americano não possui previsões
como as do Brasil, legitimando o Ministério Público, a União etc. a propor ações
coletivas em benefício da comunidade. Mas, em alguns casos, têm sido
reconhecidos legitimidade e interesse aos Estados. O âmbito de aplicação é
restrito: limita-se aos casos de interesses públicos mais elementares e é válida
somente para a propositura de ações declaratórias e injuntivas. Em 1976 uma
emenda às leis federais antitruste passou a autorizar a proposição de ações
civis indenizatórias em benefício dos residentes de um Estado, mas somente
nesses casos de lesões ocasionadas pela violação às leis antitruste. Também
não há previsão expressa autorizando a propositura de ação coletiva por
associações civis, mas somente uma espécie de “legitimidade
representacional” que as autoriza a propor ações individuais em nome dos
seus afiliados em defesa dos seus interesses.
No Brasil, segundo a posição dominante, não há controle judicial da adequação
do representante nas ações coletivas, bastando que seja um dos entes
legitimados pelo art. 82 do CDC. O argumento mais comum é que a coisa
julgada nas ações coletivas é dada apenas para beneficiar os membros do
grupo e não para prejudicar. Segundo o autor, apesar não estar expressamente
previsto em lei, o juiz brasileiro não somente pode, como tem o dever de avaliar
a adequada representação dos interesses do grupo em juízo. Não se trata de
uma questão meramente processual, mas constitucional.

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