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UMA RESPOSTA CONSERVADORA À “CULTURA DO CANCELAMENTO”

A hidra progressista emplacou a “cultura do cancelamento” de forma perversa para


aqueles que falam contra a ortodoxia que nos impuseram. Está sendo engraçado vê-los
provarem do próprio monstro que criaram, mas não podemos esquecer que nós,
defensores dos valores cristãos, de uma economia mais livre, da família enquanto
estrutura tradicional e de uma ordem moral permanente estamos sendo há anos os
alvos deste linchamento público.
Empregos, amizades e reputações estão em jogo. E o silêncio, mesmo o da prudência, é
considerado violência e assentimento ao pecado social da nossa época. Ação cuidadosa
é necessária, devemos nos posicionar.

Mas como seria uma resposta conservadora à cultura do cancelamento?


Alguns conservadores optaram pelo caminho mais baixo, assumindo uma mentalidade
recalcitrante e abrasiva. No entanto, não precisamos abandonar os nossos princípios.
A mentalidade de baluarte barulhenta e pouco ouvinte é falha e, em última análise, não
é conservadora. A nossa tradição intelectual ensina que essa é precisamente uma
maneira errada de agirmos. O que precisamos agora é de um conservadorismo de
princípios que busque uma ação prudente e justa. Para promovê-lo, podemos nos dirigir
a uma nuvem de testemunhas, uma riqueza de sabedoria e prudência de pensadores do
passado.
Uma dessas testemunhas é Russell Kirk. Em seu ensaio “Dez Princípios Conservadores”,
Kirk escreveu: " Talvez seja mais apropriado, a maior parte das vezes usar a palavra
“conservador” principalmente como adjetivo. Já que não existe um modelo
conservador, sendo o conservadorismo, na verdade, a negação da ideologia: trata-se de
um estado da mente, de um tipo de caráter, de uma maneira de olhar para a ordem
social civil”. O conservadorismo é fundamentalmente contra a ideologia. Ele se recusa a
ser levado a um nível dogmático e, visto sob este prisma, é entendido como um apelo à
prudência.
A ideologia impede as pessoas de verem quando estão erradas. É dogmática no sentido
de que liga a pessoa a um sistema de crença que não tem alternativa. A ideologia destrói
a capacidade de ser prudente, distorce a visão moral de uma pessoa e impede sua
capacidade de ver o mundo como ele realmente é. Os conservadores, de acordo com
Kirk, não são tão dogmáticos a ponto de não trabalharem com aqueles de quem
discordam.
É a ideologia que leva os revolucionários do nosso tempo a derrubarem estátuas de
abolicionistas e destruírem carreiras. A prudência, no entanto, permite que a pessoa
permaneça livre do controle de qualquer ideologia prevalecente e, em vez disso, aja
corretamente.

@odanilocavalcante
A prudência, como disse Josef Pieper, é a pré-condição para tudo o que é eticamente
bom. Ela é a virtude que dá vida a outras. Mas por que a prudência? Porque ela permite
ver o mundo como ele realmente é.
Essa recepção adequada da realidade é fundamental para a visão moral de uma pessoa.
Não se pode ver o que é bom se não se pode ver verdadeiramente.
Além disso, a prudência exige que nós reduzamos o nosso próprio interesse ao silêncio
que é uma pré-condição absoluta se quisermos ouvir ou perceber qualquer coisa. Pois
nosso próprio interesse frequentemente obstrui nossa visão e obscurece a realidade. A
Prudência deve ter um lugar definidor para nós.
O conservador é aquele marcado por movimento que, embora não seja
necessariamente lento, é necessariamente reflexivo. Imagine alguém parado em uma
sala em frente a três portas com sua bagagem. Ela abre cada porta e examina cada
cômodo, mas deixa suas coisas no cômodo por onde entrou. Ao examinar os cômodos,
ela pode ficar inteiramente satisfeita em voltar para suas coisas e morar lá por um
tempo. Essa é a maneira conservadora: curiosa, paciente e prudente. O conservador
prefere agir de maneira correta a agir apressadamente.
Como, então, devemos responder à cultura do cancelamento? Para isso, pode-se
recorrer a outra testemunha que identificou o ponto crucial do que significa um diálogo
civil genuíno: Theodore Zeldin. O Dr. Zeldin nos pede que deixemos de lado o interesse
próprio para que possamos ver as coisas como realmente são. Assim, da prudência surge
a civilidade. Civilidade não exige que sacrifiquemos as nossas convicções ou moral -- a
menos que estejam erradas. Se não for provado que alguém estava errado no decorrer
de uma conversa, ainda assim será capaz de emergir de alguma forma mudado por meio
de uma compreensão do que o outro acredita. Esse tipo de conversa exige que você
entenda essas sutilezas do pensamento humano, seja prudente e ouça seu interlocutor.
Você pode dizer "Danilo, outros não fazem isso, então por que eu deveria?"
Infelizmente, isso é verdade; no entanto, esse tipo de conversa não requer apenas a
prudência, mas também a capacidade de civilizá-la e cultivá-la. Isso não significa que não
podemos ter discordâncias sérias ou mesmo gestos de reprovação. O que enfatizo é a
necessidade de sermos civilizados. Quando as pessoas se aproximam de outras com uma
visão moral clara e reconhecem a sua personalidade, elas apelam para a humanidade
do outro – aqui se encontra o ato de civilidade. Ser tratado desta forma reconhece a
humanidade do outro e cria espaço para o diálogo. Claro, pode não funcionar. Essa outra
pessoa pode não estar disposta a manter esse tipo de conversa. Mas isso não é desculpa
para cedermos à sedução ideológica. Em vez disso, procuremos elevar a nós mesmos à
civilidade e à prudência.

@odanilocavalcante

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