Você está na página 1de 4

Universidade Federal Fluminense (UFF)

Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS)


Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual (PPGCine)

Disciplina: Nostalgia(s), cinema e audiovisual


Prof.ª Dr.ª Talitha Ferraz
Turma: Mestrado em Cinema e Audiovisual 2019.2
Aluno: Leonardo Honório de Barros

As Nostalgias nas disputas do Subúrbio Cinematográfico Carioca

Resumo: Baseado na perspectiva do Nem Cinema History, este trabalho pretende propor
reflexões sobre a presença das Nostalgias nos processos de disputas do mercado
cinematográfico na região suburbana da cidade do Rio de Janeiro, abordando
especificamente um movimento de preservação e reabertura de um equipamento
cinematográfico histórico (Movimento Cine Vaz Lobo) e as experiências de um
equipamento cinematográfico revolucionário que luta diariamente para se manter em
atividade (Ponto Cine).

Palavras-chaves: Subúrbio, mercado cinematográfico, território, identidade, nostalgias.

Resumo Expandido (de 4 mil a 6 mil caracteres):

A cidade do Rio de Janeiro, nas últimas décadas, aprofundou as diferenças que,


criando verdadeiros abismos entre as suas regiões, invisibilizando a maior parte do seu
território: o Subúrbio.
O Subúrbio é uma região extensa que não está no mapa do Rio, onde só tem
lugar para os extremos: o Leblon, glamourizado até em novelas; e a favela,
observada gulosamente pelo voyeurismo da classe média enquanto é
massacrada pela polícia violenta e pelos cineastas modernos.
Nasci na Penha, um bairro que não é rico o suficiente para virar novela nem
pobre o bastante para alimentar o populismo. Assim como Madureira, Vaz
Lobo, Pavuna ou Guadalupe, a Penha é o retrato invisível do Subúrbio: poucas
opções de lazer, paisagem degradada e, sobretudo, violência (PIRES, 2008) ¹.

Esse esvaziamento econômico-cultural do Subúrbio se intensificou com as


“modernizações” urbanas no modelo de cidade-mercadoria, onde as políticas públicas e
o capital privado elegem regiões da cidade para receber os investimentos e serviços de

¹ Paulo Pires escreveu esse trecho no Jornal O Globo publicado em 24 de agosto de 2008, numa coluna
chamada “O Rio que a gente quer”. Paulo Pires é editor literário e suburbano de origem.
ponta, enquanto se configura o resto da cidade “por meio de soluções que visam à
funcionalidade dos espaços, transformando áreas urbanas em meros “suportes áridos”
(Caiafa,2017), nos quais experiências densas e possibilidades de bons encontros são
esterilizados” (FERRAZ, 2017, p.129).
Dessa forma, constituiu-se o Subúrbio em uma região destituída de identidade e
afetos proeminentes, que sejam capazes de promovem a auto-estima da população local,
através daquilo “que Janice Caiafa (2002, p106) chama de “critério funcional”, que
marginaliza a dimensão estética dos espaços tornando-os pouco acolhedores e destituídos
de suas capacidades de mobilização de afetos (FERRAZ, 2017, p.129). O Subúrbio
carioca se tornou um “não-lugar” ou “deslugar”, a região onde a imensa maioria de
moradores desejam se mudar de lá para um bairro cartão postal.
Partindo desse panorama carioca podemos já apontar algumas questões básicas
sobre nostalgias e o Subúrbio Carioca. Considerando a origem etimológica do termo
(NOSTOS = voltar para casa e ALGIA = condição dolorosa, anseio) e suas variações
iniciais, originalmente relacionadas com conceitos de território e identidade, de que forma
o Subúrbio, caracterizado pelo senso comum urbano-carioca como lugar das
precariedades, pode gerar em alguém o anseio do retorno para seu lar? Como ansiar
retornar para aquilo que não valorizamos, ou não gostamos, ou não enxergamos, ou não
nos identificamos? Ou ainda: será que as gerações mais jovens de suburbanos ainda
conseguem configurar o Subúrbio como seu lar, uma vez que estão sendo formadas no
modelo de cidade onde cada carioca, para conseguir o status de “cidadão(ã) maravilha,
devem trabalhar para se mudarem para bairros nobres? Quem tem memória afetiva do
Subúrbio? Quem sente saudade do Subúrbio? Qual a preteridade do Subúrbio? Como
conseguir que movimentos e coletivos suburbanos que disputam um novo modelo de
cidade fujam da estereotipação saudosista do aspecto primário negativo da nostalgia?
“A nostalgia pode ser melancólica e utópica” (Pickering e Keightley, 2006, p.
921). É justamente nessa vertente utópica da nostalgia que podemos avaliar dois
equipamentos cinematográficos, lotados no Subúrbio Carioca, que através de resgates de
memória e da promoção de encontros afetivos, promovem questões positivamente
nostálgicas na região.
Katharina Niemeyer afirma que “a saudade está relacionada ao conceito de
memória, pois remete aos tempos e lugares que não existem mais ou estão fora de alcance.
Pode ser vista como essencial para manter identidades.” (2014, p. 7). O Movimento Cine
Vaz Lobo atua exatamente nesse resgate de memórias, no limiar da saudade, para
¹ Paulo Pires escreveu esse trecho no Jornal O Globo publicado em 24 de agosto de 2008, numa coluna
chamada “O Rio que a gente quer”. Paulo Pires é editor literário e suburbano de origem.
contagiar a população local e a opinião pública na luta pela preservação do prédio que
abriga o equipamento cinematográfico, símbolo identitário dos “tempos de ouro” do
bairro, envolvendo inclusive a mídia, que em geral, corrobora o processo de esvaziamento
e apagamento da região. O movimento conseguiu criar estratégias e mecanismos através
da memória e do afeto de moradores do bairro (ex-frequentadores e não frequentadores),
de pesquisadores e de adeptos da disputa por um outro modelo de cidade, que evitaram a
demolição da histórica sala de cinema.
Em outro processo de disputa cinematográfica na região suburbana, o Ponto Cine,
uma sala de cinema de pequeno porte, com programação exclusiva para filmes brasileiros,
situada no bairro de Guadalupe, na região de menor IDH da cidade, estigmatizada pela
violência e pela desertificação cultural, vem, desde 2006, promovendo uma onda de afeto
e valorização da região. Adailton Medeiros, idealizador do Ponto Cine, cita em
depoimento para o filme documentário “Arroz, Feijão e Cinema”, que para ele “o cinema
alimenta a alma das pessoas e fortalece a consciência de um país”. Através de ingressos
populares e projetos de formação de plateia, exibindo filmes nacionais de todo tipo,
inclusive filmes independentes feitos por cineastas suburbanos, o Ponto Cine o cinema
que mais exibe filmes brasileiros no mundo e que detem a maior taxa proporcional de
ocupação do Brasil, tirando Guadalupe das páginas policias e colocando-o também nos
cadernos de cultura dos veículos de comunicação da cidade e do país.
“O cinema como equipamento coletivo de lazer, é um notável componente das
engrenagens de produção do espaço urbano; trata-se de um elemento que,
desde finais do século XIX, tem ingressado de diversos modos nos macros e
micros processos sociais, culturais, políticos e econômicos que dão forma e
sentidos aos espaços e à vida das pessoas (FERRAZ, 2017, p. 112).
Os exemplos do Movimento Cine Vaz Lobo e do cinema Ponto Cine vem atuando
em bairros do Subúrbio de forma pertinente à perspectiva do Nem Cinema History. O
primeiro resgatando juntos aos moradores e ex-frequentadores as memórias, lembranças
dos tipos A, B e C, ao passo que o Ponto Cine vem produzindo, diariamente, desde 2006,
essas lembranças que permitirão uma longevidade afetiva de um bairro que até então era
invisível até mesmo para seus moradores.
São exemplos similares de atuações que combinam elementos da nostalgia ativa
(quando utilizam a memória e as saudades como elementos catalisadores de uma luta
coletiva de salvamento e valorização de equipamentos e territórios suburbanos) e da
nostalgia reflexiva (quando entendem que as demandas e exigências do tempo presente
exigem adaptações e reformulações no uso dos referidos equipamentos).

¹ Paulo Pires escreveu esse trecho no Jornal O Globo publicado em 24 de agosto de 2008, numa coluna
chamada “O Rio que a gente quer”. Paulo Pires é editor literário e suburbano de origem.
As muitas perguntas lançadas aqui sobre a relação do Subúrbio Carioca
contemporâneo com os estudos de nostalgias, são complexas e abrangem uma gama
interdisciplinar. Mas os dois objetos referenciais desse trabalho apontam, como “um
cinema pode ser um potencializador de proveitosas veias de urbanidade contra as
consensualidades esmagadoras do capital, indo ao encontro de formas de resistência e
devires não cooptados totalmente pelas forças hegemônicas que operam na vida
sociocultural, política e econômica dos lugares e comunidades” (FERRAZ, 2017, p.113).
É partindo dessa potencialidade do cinema que constata-se a necessidade de ampliação
do mercado cinematográfico na região suburbana do Rio de Janeiro, descentralizando e
democratizando os três setores: produção, distribuição e exibição.

REFERÊNCIAS:

FERRAZ, T. “As potências da ‘nostalgia ativa’ na luta pela salvaguarda do Cine Vaz
Lobo”. Revista ECO-Pós, 20 (3), 2017, p. 111-133.

KEIGHTLEY, E. e PICKERING, M. “The modalities of nostalgia’”. Current Sociology,


54, 2006, p. 919-941.

NIEMEYER, K. (Ed.) Media and nostalgia. Yearning for the past, present and future.
Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014. - Introdução

SANTA CRUZ, L. e FERRAZ, T. (Orgs.) Nostalgias e mídia: no caleidoscópio do


tempo. Rio de Janeiro: E-Papers, 2018. – Introdução (Lucia Santa Cruz e Talitha Ferraz)
e Apresentação (Katharina Niemeyer).

PIRES, P. “A terceira margem do Rio”. Jornal O Globo, 2008, 24 de agosto.

¹ Paulo Pires escreveu esse trecho no Jornal O Globo publicado em 24 de agosto de 2008, numa coluna
chamada “O Rio que a gente quer”. Paulo Pires é editor literário e suburbano de origem.

Você também pode gostar