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História da Filosofia

Medieval
Material Teórico
O Pensamento Medieval Oriental

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Américo Soares da Silva

Revisão Textual:
Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos
O Pensamento Medieval Oriental

• O pensamento medieval oriental

Nesta unidade, abordaremos o pensamento oriental medieval,


apesar de ter recebido menor notoriedade no ocidente do
que os autores medievais cristãos; houve um esforço filosófico
análogo de relacionar fé e filosofia por parte de autores.

Em relação às estratégias de aprendizagem: nossa recomendação a você, estudante, é


dividir seus estudos em etapas: primeiro, faça uma leitura atenta do texto. Nesse momento,
não é tão importante fazer marcações; busque uma compreensão de conjunto. Em um
segundo momento, retorne ao texto. Dessa vez, você já conhece o final da história, não é
mesmo? Então, ao retornar, você o fará com um olhar de investigador(a); busque os pontos
principais. Quem são os personagens mais relevantes? Que ideias cada um deles defendia?
Por quê? Outras questões são colocadas ao longo do texto para sua reflexão? Quais são elas?
Para trabalhar os arquivos da unidade: é importante seguir as instruções de cada
atividade. O mapa mental fornecerá uma visão geral dos tópicos principais abordados. As
questões da atividade de sistematização devem ser utilizadas como oportunidade de revisar
os conteúdos apreendidos.
A atividade de aprofundamento indica um caminho para refletir sobre o que foi estudado
em um contexto externo. Seja na forma no debate (fórum), ou na forma da pesquisa, realize
a atividade com atenção. O material complementar fornece referências de apoio para o
aprofundamento dos seus estudos.
E, finalmente, é sempre bom estar atento ao vocabulário, não se preocupando somente com
aquele já indicado no texto, mas também buscando o significado das palavras que suscitam
alguma dúvida.

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Unidade: O Pensamento Medieval Oriental

Contextualização

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O pensamento medieval oriental

Quando o tema de discussão é o pensamento medieval, não é incomum a concentração nas


influências advindas de autores mais próximos, muitas vezes denominados como medievais
latinos. Esses seriam os autores oriundos dos territórios de influência mais forte da Igreja, e
que eles próprios se proclamavam como cristãos. Suas influências e problematizações tinham
como pano de fundo a herança filosófica helênica e a doutrina cristã. Entretanto, não pode
ser deixada de lado a existência de uma triangulação realizada com o complexo cultural da
civilização vizinha.
Alfredo Stork nos lembra que esse movimento foi viabilizado após os árabes se apossarem
das regiões que correspondiam ao território da Pérsia, Egito e Síria (por volta de 630-640).
A difusão da cultura helênica havia logrado difundir nessas regiões o pensamento grego. A
presença de grupos cristãos dissidentes que conheciam a filosofia clássica também auxiliou
na lenta incorporação de referências da filosofia grega junto a cultura árabe. Paradoxalmente,
muitos manuscritos sobre o pensamento grego não sobreviveram ao longo dos séculos na Europa
continental, isso devido aos mais diferentes motivos, que poderiam ir de incêndios, guerras ou até
o fechamento das escolas filosóficas de Atenas (no período pertencendo ao território do império
bizantino) a mando do imperado Justiniano no ano de 529 (GILSON,1995). Muitos textos,
principalmente de Aristóteles, somente foram redescobertos graças à tradução para o latim de
traduções anteriormente feitas do grego para o árabe, e, mais tarde, graças à preservação dos
originais no oriente, os estudiosos puderam realizar novas traduções diretamente do grego.
Mais do que preservar os textos aristotélicos para que fossem retraduzidos no Ocidente, a
presença do pensamento grego deixou traços na reflexão filosófica de pensadores sírios, judeus
e árabes.

Atenção
Quando olhamos um pouco mais de perto para o pensamento medieval, nos deparamos com a
questão que envolve os textos apócrifos, levadas em consideração as condições da época, em que
livros e pergaminhos eram manuscritos e produzidos artesanalmente e, além de raros, eram de
difícil reprodução. Muitas vezes, não se dispunha do documento com plena integridade, podendo
ele estar parcialmente danificado, ou mesmo em fragmentos. Além desses fatores, é importante
ressaltar que as traduções e retraduções eram feitas em diferentes épocas e lugares, com lenta
difusão da própria informação.

Storck relata o caso curioso de Algazel (1058 -1111), teólogo do mundo árabe que entrou em
controvérsia com o pensamento de Avicena, nascido na Pérsia (980-1037), sendo este último,
entre outras atividades, também filósofo.
Algazel, adversário de Avicena, escreveu uma obra em duas partes para marcar sua
posição contrária à metafísica dos filósofos. O problema é que na primeira parte ele dedica
a uma exposição das teses de Avicena, enquanto deixava para a segunda parte fazer a
crítica a cada um dos pontos de vista de seu rival. Por motivo desconhecido, no Ocidente

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Unidade: O Pensamento Medieval Oriental

durante muito tempo só surgiu a tradução da primeira parte dessa obra, por conta disso,
o antifilósofo, Algazel e feroz crítico do pensamento de Avicena, foi conhecido como “um
aviceniano”, um discípulo do filósofo.
Confusões deste porte envolveram a obra de Aristóteles. Algumas vezes, textos de
comentários, de interpretações, ou trabalhos inspirados na filosofia aristotélica foram
erroneamente considerados de autoria do próprio Aristóteles.

A existência de textos apócrifos é um fenômeno extremamente


importante que não pode de forma alguma ser negligenciado pelos
historiadores. Ela obriga-nos a reconhecer que o “Aristóteles” antigo
é distinto do “Aristóteles” árabe, pois é fundado em textos diferentes
que atribuem teses diferentes a alguém identificado simplesmente
como “Aristóteles”. O mesmo fenômeno ocorre também com o
“Aristóteles” latino medieval e com o “Aristóteles” moderno de
modo que será sempre temerário afirmar que tal ou tal autor antigo
ou medieval não interpretou corretamente o pensamento do filósofo
grego. Antes de se fazer uma afirmação como esta, é preciso saber
de qual “Aristóteles” se esta falando. (STORCK, 2003, p. 25).

Muitas confusões só foram desfeitas depois de séculos, algumas chegadas ao século XIII,
após a confrontação de diferentes traduções e um laborioso estudo da linguagem do autor em
questão. Nada disso obscurece, no entanto, a relevância desse intercâmbio das ideias, tanto pela
importância que a preservação de determinados textos no Oriente – que trouxe como um novo
ímpeto ao pensamento ocidental – como a especulação do pensamento grego que germinou
junto a árabes e judeus.

Avicena
O nome completo seria: Abu’Ali al-Husayn bn’Add Allah bn Fonte: Thinkstock/Getty Images
al-Hasan bn’ Ali bn Sina), mas por praticidade, usaremos apena
Avicena. Nascido no que seria atualmente a região do Uzbequistão
em 980, Avicena foi e é uma poderosa fecundidade intelectual;
como médico, deixou trabalhos que seriam referência durante
séculos sendo utilizado tanto no Ocidente como no Oriente. Chegou
mesmo a ocupar função política (cargo equivalente a de ministro) a
serviço de príncipes. Naquilo que tange à sua contribuição para a
filosofia, Avicena, foi um devotado leitor de Aristóteles, e escolheu a
Metafísica como disciplina mestra.
Lançando uso do método da paráfrase, que no entendimento aviceniano (STORCK, 2003)
seria retomar a sua própria maneira o pensamento do autor que ele estudava, no caso Aristóteles.
Para Avicena seria importante “acrescentar” sua própria contribuição ao pensamento estudado,
de fato, fazê-lo avançar.

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Segundo Storck:

Avicena apresenta como finalidade da filosofia discorrer sobre a


totalidade de coisas que podem ser conhecidas pela razão humana.
Cada disciplina científica ocuparia assim uma parte precisa em um
conjunto governado por regras e orientado para um fim específico:
a felicidade humana. (STORCK, 2003, p. 29)

Uma das principais obras de Avicena, A cura, abordava e resumia as principais ciências,
inclusive as naturais, as disciplinas matemáticas, a lógica e a metafísica.
Aliás, para o sábio médico, o maior desafio estava na sistematização da metafísica. Nesse
tópico, Avicena e outros pensadores medievais buscaram integrar sua reflexão ao fenômeno
da fé, mais precisamente, para o pensamento aviceniano, seria possível um esclarecimento do
conteúdo da fé, embora houvesse verdades além do alcance da razão e que só atingiríamos por
inspiração divina (SCIACCA, 1962).
Do ponto de vista mais específico da metafísica, Avicena contribui para o debate em torno
da questão do ser. Na verdade, em um movimento duplo, ele se interroga sobre a possibilidade
de existência do ser e sobre sua essência. Esse debate viria a influenciar diversos pensadores
posteriores, entre eles, Tomás de Aquino no século XIII.
Como bem nos lembra Reale & Antiseri, na discussão aviceniana é preciso considerar a
diferença entre essência e ente. A essência é abstrata, por outro lado, o ente é concreto. Neste
contexto aquilo que é abstrato (essência) possui um ser, mas não uma existência concreta, na
realidade, a essência é na verdade uma possibilidade (REALE & ANTISERI, 2002). Quanto se fala
de uma essência abstrata, podemos mencionar como exemplo o atributo “humano”. Podemos,
por exemplo, mencionar “o monge João” como um ente concreto, mas, a sua “humanidade” faz
parte da essência de “João”, assim como também faz parte da essência de outrem.
Outra distinção feita pelo sábio médico, no que se refere às coisas reais: o ser necessário e o ser
possível (idem, 2002). A reflexão aviceniana, também aponta para condição de desnecessário
para o ente concreto. O pensador argumenta que não há razão inerente ao próprio ente para
que esse exista, ele poderia tanto existir como não existir. Então como o ente atinge a condição
de ser-concreto (de existente)? Como o ente ultrapassa a condição de mera possibilidade? É
preciso que haja um Ser cuja existência faça parte de sua essência, ou melhor, um Ser cuja
existência não é mera possibilidade, ele tem que existir, portanto existe necessariamente. Para
Avicena esse Ser é Deus, causa primeira (SCIACCA, 1962), é pela existência de Deus que o
mundo torna-se possível.

Em Síntese
Recapitulando: Deus é Ser que guarda em si mesmo a chave para sua existência – causa primeira
em termos aristotélicos –, é através dele que a existência de toda a matéria orgânica – Vida – passa
a existir concretamente (essa matéria não poderia existir por si só). Dentre tudo o que é vivo, havia
a possibilidade da humanidade (que também não poderia existir por si mesma), essa “humanidade”
enquanto possibilidade abstrata, torna-se ente concreto – como o monge João, do exemplo anterior.
Porém, o ente “João” também poderia existir ou não – poderia ser o ente “José” em seu lugar.

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Unidade: O Pensamento Medieval Oriental

O que Avicena faz é aplicar a metafísica aristotélica de relação entre matéria e forma. A matéria traz
a forma como possibilidade e a forma só se torna um ente quando passa da possibilidade para o ato
(realização). Exemplo: uma imensa pilha de madeira que carrega em sua essência a possibilidade
(abstrata) dos mais diferentes tipos de objetos – mesa, cadeira, porta etc. Mas, ao tornar ato a
cadeira, uma das possibilidades se realizou, tornou-se concreta, tornou-se ente, mesmo assim ainda
mantém a sua essência – ser de madeira – e compartilha esse “ser de madeira” com uma infinidade
de outros objetos também de madeira.

O que está por trás de tudo isso? A causa primeira que doa existência a própria matéria, pois,
sem essa causa nenhuma matéria seria possível e, consequentemente, nada poderia ser feito
de matéria. Então, a causa primeira não possui matéria (ela a torna possível) nem depende de
possibilidade, pois existe necessariamente, a causa primeira é Deus.

Fonte: Thinkstock/Getty Images

Apesar de falar tanto da diferença entre o que é necessário e o que é contingente (possível),
Avicena se enreda a componentes neoplatônicos (SCIACCA, 1962), muito mais do que um
ato de criação, um ato da vontade de Deus, trata-se de um “transbordar”. Esse componente
emanacionista permite pensar em termos do destino: por que Deus, então o mundo, por que o
mundo então, os acontecimentos do mundo. “O emanacionismo neoplatônico é posto a serviço
do fatalismo mulçumano: ‘está escrito’.” (SCIACCA, 1962, p.231).

Averróis Estátua de Averróis em


Córdoba, Espanha.
Abul’l-Walid Muhammad bn Ahmad bn Muhammad Hafid bn
Rusd, conhecido principalmente como Averróis (que será a maneira
como iremos nos referir daqui em diante), também foi conhecido no
ocidente pela alcunha de O Comentador, isto devido a seu fervoroso
empenho no estudo do pensamento do filósofo estagirita.
Averróis nasceu em Córdoba, em 1126 (período em que a península
Ibérica era governada pelos árabes), seus estudos foram da teologia,
passando por medicina, jurisprudência e filosofia. Muito do que é
conhecido do seu trabalho se deve às traduções latinas, visto que,
muitos dos seus textos originais em árabe ainda estão perdidos. Fonte: Thinkstock/Getty Images

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Parte da empreitada intelectual de Averróis foi buscar estabelecer de forma clara as relações
entre religião e filosofia. A confusão nas discussões das duas áreas seria uma ameaça tanto para
filósofos como para teólogos (GILSON, 1995). Por isso garantir o direito à especulação filosófica
era fundamental, contudo, ainda assim, o pensador de Córdoba, estava ciente da queixa dos
teólogos com a discussão descuidada dos textos do Alcorão.
Alcorão do séx. XI, em exposição no Museu Britânico.

Fonte: Lord Harris/Wikimedia Commons

O posicionamento de Averróis em relação a difusão do conhecimento, certamente incomodaria


espíritos mais inspirados no iluminismo. Como nos lembra Gilson, a posição averroísta era a
de que certos textos não deveriam ser acessíveis a “espíritos incapazes”, pois seria desse não
entendimento daqueles que não teriam competência para fazê-lo a fonte da divulgação de
interpretações equivocadas. Para o pensador de Córdoba, a filosofia não é incompatível com a
religião. De fato, ele parte da premissa que as revelações do Alcorão são verdadeiras, entretanto,
a demonstração delas pode ser extremamente difícil, uma vez que, o texto sagrado apresenta
uma linguagem poética. A solução está na interpretação como base na racionalidade filosófica.
O aspecto milagroso do texto sagrado está em ser destinado para a totalidade dos homens,
mesmo aqueles de diferentes temperamentos. O pensamento averroísta separa-os em três grupos:

[...] há três categorias de espírito e três espécies de homens


correspondentes: 1º os homens de demonstração, que exigem
provas rigorosas e querem alcançar a ciência indo do necessário
pelo necessário; 2º os homens dialéticos, que se satisfazem com
argumentos prováveis; 3º os homens de exortação, a quem bastam
os argumentos oratórios que apelam para a imaginação e para
paixões [...]. (GILSON, 1995, p. 442).

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Unidade: O Pensamento Medieval Oriental

Ideias-chave
Nesta preocupação com a difusão do conhecimento, Averróis também divide o ensino e o âmbito
das áreas do conhecimento em três:
1. Filosofia: buscar as verdades absolutas
2. Teologia: interpretação e dialética
3. Religião: a fé

Apesar dessa divisão, Averróis defende que fé e filosofia coincidem. A Verdade é uma só.
Mas, no espírito do pensamento do sábio de Córdoba, a filosofia teria condições privilegiadas
para o entendimento dessa verdade. Esse tipo de postura e os elogios à filosofia aristotélica
(Averróis chegaria ao ponto de defender que “A doutrina de Aristóteles coincide com a suprema
verdade”) levaria o filósofo árabe a ser acusado de incrédulo.
No seu empreendimento filosófico, Averróis, coloca-se em contraposição a Avicena. Averróis
procura depurar a leitura de Aristóteles das influências constantes do neoplatonismo que persiste
em diferentes pensadores, mesmo quando estes se proclamam influenciados pelo estagirita.
A exemplo disso, temos a controvérsia abordada por Avicena entre a essência e a existência.
Como bem resume Gilson:

Pelo termo “ser”, é preciso entender a própria substância que é.


Toda substância é um ser; todo ser é, seja um acidente que participa
de uma substância. Portanto, não há por que colocar à parte o
problema da existência, menos ainda imaginar, com Avicena, que
ela seja um “acidente” da essência. (GILSON, 1995, p. 445).

Para o pensamento averroísta, tudo que é é um ser mesmo em se tratando de uma característica
acidental da substância, o fato de se referir seja a qualidade, seja a quantidade, não nega a
relação que elas têm com o ser, ou seja, designam algo. Nesse contexto, a metafísica tem como
seu objeto de estudo a natureza do ser e suas propriedades (GILSON, 1995). Ou ainda, a
metafísica fica encarregada de estudar tudo o que é, enquanto é.
Continuando a partir da linha de pensamento de Averróis, os universais não existiriam em si
separados dos indivíduos. Os universais são simplesmente obra do entendimento. Vale dizer que
a possibilidade (abstrata) torna-se ato quando a matéria assume determinada forma, (a madeira
que se tornou banqueta, por exemplo) e é justamente essa “forma” aquilo que é alcançado pelo
pensamento; é o pensamento que “recorta” as diferentes possibilidades da madeira e orienta
o artesão a atualizar (realizar) uma delas. É o pensamento que concebe o universal. Dito de
outra forma: é o pensamento que identifica a realidade sensível, e é também o pensamento
que identifica (ou constrói) padrões, semelhanças e as designa, as nomeia como uma categoria
universal. Em outro exemplo, são as características que determinam que “uma certa forma”
possa ser designada como “banqueta”.

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Averróis postula, ainda, teses bastante controversas em relação aos seus contemporâneos
(pode-se dizer que são controversas até hoje). Ao levar a ideia de matéria e forma presente em
Aristóteles ao último nível, Averróis acaba por defender que o mundo sempre existiu e que não
fora criado – como defende o pensamento islâmico – de maneira sintética: se a forma atualiza a
possibilidade de uma dada matéria, teríamos que recuar até a matéria primeira que tudo coloca
em movimento – primeiro motor –, mas isso parece ser difícil de conciliar com um momento
em que a matéria seja criada a partir do nada. Aristóteles não deu claramente a entender essa
possibilidade, portanto, Averróis também não o fará.

Maimônides
Moisés ben Maimón, também fora versado em medicina, teologia e filosofia e também
nascera em Córdoba, só que no ano de 1135 e de família judia. Assim como suas contrapartes
cristãs e mulçumanas, Maimônides volta suas preocupações para a relação entre fé e filosofia.
Sua principal obra foi O Guia dos perplexos, uma “suma teológica judaica” (GILSON, 1995),
direcionada principalmente aos “perplexos”, e quem eram exatamente esses “perplexos”?
Segundo, Dobbs-Weinstein:

[...] uma perplexidade sentida mais agudamente por aqueles


educados ao mesmo tempo na Torá e na filosofia [...] de um lado,
um forte desejo intelectual, levando a uma pressa desordenada
na busca pelo conhecimento, e, de outro lado, uma instrução
imprópria nas questões divinas [...]. (DOBBS-WEINSTEIN,
2008, p. 159-160).

Maimônides

Fonte: Thinkstock/Getty Images

Outra vez, como suas contrapartes, a perplexidade, ou o mal-estar espiritual, tem origem
num erro de entendimento, num apressamento do aprendizado o que leva a tratar teses mais
sofisticadas da filosofia e da teologia de forma equivocada. Sua obra guarda o espírito que
atravessa os séculos da Idade Média, a saber, conciliar filosofia e religião, no caso de Maimônides,
a conciliação entre a razão e os ensinamentos revelados pela Torá.
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Unidade: O Pensamento Medieval Oriental

Fonte: Thinkstock/Getty Images


Outra vez reencontramos a força do pensamento Aristotélico. O sábio judeu segue um pouco
do caminho trilhado por seu conterrâneo mulçumano, e busca desembaraçar a assimilação do
pensamento de Aristóteles da ideia e “emanação” oriunda do neoplatonismo. Nesta direção,
Maimônides irá considerar “as limitações naturais da razão humana” (DOBBS-WEINSTEIN,
2008) para alcançar o conhecimento da “ciência divina”, mas ele logo adverte que o conhecimento
divino e o conhecimento natural são perfeitamente compatíveis. Os crentes – via revelação –
terão acesso verdadeiro ao conhecimento divino, contudo, um melhor entendimento do mesmo
só pode ocorrer via conhecimento natural. Por isso, as pessoas em geral irão se satisfazer com
o contato com a letra do texto bíblico (Idem, 2008). Em contraposição, os mais letrados serão
despertados para uma busca por mais conhecimentos e é neste caminho que está a perplexidade
que os levará a procurar compreender os “mistérios da ciência divina”.
No que se refere às limitações do conhecimento humano, Maimônides, argumenta, por
exemplo, sobre o tema da criação, que mesmo partindo princípio da não eternidade do mundo,
que Deus criou o mundo do nada, isso não é uma tese demonstrável. O mais longe que o sábio
judeu chega é replicar o argumento aristotélico da causa primeira. Por fim, Maimônides, irá se
alinhar com uma “teologia negativa” a partir da qual Deus não possui atributos pertencentes ao
mundo sensível, tampouco pode ser descrito por analogia com coisas do mundo.

Diferentemente de muitos pensadores judeus anteriores, que


consideravam a linguagem antropomórfica necessária para a
instrução religiosa da maioria, mesmo negando a veracidade
definitiva de tais atribuições, Maimônides sustenta que todos os
antropomorfismos conduzem somente à idolatria [...] (DOBBS-
WEINSTEIN, 2008, p. 163).

Enfim, Maimônides, integra a linha de força filosófica medieval oriental, cujo acesso aos textos
aristotélico-platônicos e a reedição, nos demais terrenos do monoteísmo (judaico e islâmico),
da disputa entre razão e fé, servirá como elemento importante nas discussões análogas dos
pensadores cristãos, discussões tais que abrem caminho para a escolástica.

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Material Complementar

A bibliografia complementar irá ajudá-lo(a) no aprofundamento dos seus estudos.


Sugerimos iniciar sua pesquisa de aprofundamento a partir dos manuais mais gerais e depois
dedicar sua leitura aos textos específicos dos autores estudados na unidade. Neste contexto,
indicamos como leitura introdutória o livro O que é Filosofia Medieval, do professor Carlos
Arthur Nascimento, que faz um apanhado geral bem apropriado para introdução ao tema.
Já para leituras mais aprofundadas, o livro A filosofia medieval, de Etienne Gilson, é mais
apropriado. Também indicamos Filosofia Medieval, organizado por A.S. McGrade.
Importante também, estudante, é recorrer a um vocabulário filosófico.
Essa abordagem facilita o movimento de investigação, partindo dos textos mais introdutórios
em direção aos mais complexos, o que permitirá ampliar a discussão principal da unidade que
envolve o começo da Patrística.

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História das grandes civilizações (Islamismo)
• Parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=X0EYm-9BeIU
• Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=4l8bUtquFjc
História das grandes civilizações (Hebreus)
• Parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=r5P5ZkdRSIo
• Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=gor-E3M3auA

Bibliografia

GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 1995.

McGRADE, A.S. (org.). Filosofia Medieval. Trad. André Oídes. Aparecida: Ideias &
Letras, 2008.

NASCIMENTO, Carlos Arthur. O que é Filosofia Medieval. São Paulo: Brasiliense, 2004.

REALE, Giovani, ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. 7ª


edição. São Paulo: Paulus, 2002.

SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia. Trad. Luís Washington Vita. São Paulo:
Mestre Jou, 1962.

STORCK, Alfredo Carlos. Filosofia Medieval. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2003.

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Unidade: O Pensamento Medieval Oriental

Referências

GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média. Trad. Eduardo Brandão. – São Paulo: Martins
Fontes, 1995.

DOBBS-WEINSTEIN, Idit. Filosofia Judaica. in.____ McGRADE, A.S. (org.). Filosofia


Medieval. Trad. André Oídes. Aparecida: Ideias & Letras, 2008.

NASCIMENTO, Carlos Arthur. O que é Filosofia Medieval. – São Paulo: Brasiliense, 2004.

REALE, Giovani, ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. 7ª


edição. São Paulo: Paulus, 2002.

SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia. Trad. Luís Washington Vita. São Paulo:
Mestre Jou, 1962.

STORCK, Alfredo Carlos. Filosofia Medieval. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

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Anotações

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