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UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CURSO: LICENCIATURA EM PEDAGOGIA NA MODALIDADE A DISTÂNCIA DA


UNIRIO/UAB/CEDERJ
DISCIPLINA: HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
PROFA COORDENADORA: NAILDA MARINHO DA COSTA BONATO

Título: EDUCAÇÃO NO OCIDENTE CRISTÃO MEDIEVAL: O PAPEL DAS


UNIVERSIDADES1

INTRODUÇÃO

Você atualmente faz o curso de Licenciatura em Pedagogia, mas certamente já


ouviu falar que as universidades atuais também oferecem cursos de bacharelado,
além de mestrado e doutorado. Está curioso para saber como tudo isso
começou? A princípio podemos te responder que a estrutura, a forma e o
funcionamento das universidades atuais tiveram origem na Idade Média, período
histórico compreendido entre os anos de 476 a 1453 como visto no texto 4.

Para nos situarmos melhor, vamos voltar para o ponto onde paramos: Na aula
anterior vimos que com a fragmentação do Império Romano no Ocidente, o
cristianismo vai se firmando como elemento unificador no período medieval. Neste
processo de cristianização surge na Idade Média a igreja Católica que exerce
além de influência religiosa, influência política. O mundo clássico e antigo, calcado
em uma sociedade escravista foi sendo substituido por um mundo novo ligado
pelo ideal cristão e calcado no modo feudal de produção onde o poder é medido
pela quantidade de terras que cada um possui. Os mosteiros tinham o monopólio
da ciência, sendo o centro da cultura medieval. Guardavam em suas bibliotecas
obras da cultura greco-latina, traduziam, reinterpretavam e adaptavam obras
gregas para o latim à luz do cristianismo. Como vimos no texto 4,
etimologicamente, as palavras mosteiro (monasterion) e monge (monachós) são
formadas pelo mesmo radical grego monos, que significa só, solitário. O monge

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Texto em versão preliminar sendo produzido como aula 5 para compor o Caderno Didático da
disciplina História da Educação do curso de Licenciatura em Pedagogia na modalidade a distância da
UNIRIO/UAB/CEDERJ. Deverá ser usado única e exclusivamente para as aulas de História da Educação, não
devendo ser disponibilizado de nenhuma forma para outro fim sem minha prévia autorização.

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então é o religioso que procura a perfeição na solidão se afastando da vida
mundana, e esses monges copistas multiplicavam os textos da Antiguidade
clássica. Neste contexto encontravam-se as escolas monacais, episcopais ou
catedrais e as escolas paroquiais, como você também viu no texto 4.

Neste texto, manterei a discussão em torno da educação na Idade Média,


apresentando uma nova instituição educativa que persiste até os dias atuais – a
universidade. É importante ressaltar que naquele momento a palavra universidade
possuía outro significado. E então, vamos saber mais sobre esse assunto?

1. AS CORPORAÇÕES DE OFÍCIOS – UNIVERSITAS

A partir do século XI na Baixa Idade Média — período que se inicia na virada do


Ano Mil — a atividade da burguesia comercial em expansão começava a provocar
o reaparecimento das cidades e, consequentemente, dos burgueses citadinos.
Durante esse período, os burgueses faziam movimentos contra as autoridades
locais (senhores feudais e bispos), reivindicando a autonomia administrativa das
cidades. Quando emancipadas passavam a ser denominadas de comunas,
constituindo as primeiras municipalidades de um governo laico, ou seja, autônomo
em relação à religião e a igreja.

Essa dinâmica urbana também trouxe conflitos para a administração do ensino,


balançando o monopólio da Igreja. Surgiram tensões entre os representantes
locais da Igreja e a comunidade de mestres e alunos que passa a se organizar
como uma corporação para a administração autônoma de seus estudos a partir do
século XII.

Neste processo proliferaram-se as corporações de ofícios – universitas,


denominação geral para associações juridicamente organizadas e reconhecidas
por todos, que visavam controlar e regular a produção de diversas profissões
surgidas na Idade Média. Essas associações congregavam pessoas de um
mesmo ofício submetidas a estatutos próprios. Desta forma, a palavra

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universidade (universitas) não significava, inicialmente, um estabelecimento de
ensino, mas qualquer assembléia corporativa seja de marceneiro, curtidores,
sapateiros, carpinteiros, tecelãos, herboristas, entre outras. Essas corporações de
ofícios “exerceram um papel educativo fundamental e de 'massa', especialmente
nas cidades, emancipando o trabalhador de uma ética apenas religiosa e
eclesiástica, e marcando a sua mentalidade em sentido laico, técnico,
racionalista.” (CAMBI, 1999, p.175)

INÍCIO DO VERBETE
Segundo o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira uma corporação é uma associação de pessoas do mesmo
credo religioso ou profissão sujeitas às mesmas regras, obrigações, direitos,
deveres, privilégios etc.
FIM DO VERBETE

Entre essas corporações vamos encontrar um tipo especifico - as corporações de


estudos constituídas inicialmente de mestres e alunos que cultivavam as ciências
e que se reuniam para discussões sem a preocupação de uma aplicabilidade
imediata desses estudos - a universitas studii. Segundo um outro autor chamado
Roger Gal (1989), essas corporações de estudos eram em parte, associações de
apoio mútuo, e em parte, confrarias religiosas visando defender direitos de
mestres e alunos. Com o tempo essas corporações de estudos vão tomando outra
configuração.

Para continuarmos a nossa conversa sobre a origem das universidades, a seguir


tomaremos como ponto de referência a obra História da educação: da Antiguidade
aos nossos dias, de Mario Alighiero Manacorda. É importante ressaltar que à
época de sua produção, esta obra destinava-se a ser difundida através de uma
série de transmissões radiofônicas da Rádio-Televisão Italiana, sob o título A
Escola nos Séculos, como conta Paolo Nosella na orelha do livro.

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INÍCIO DO BOXE EXPLICATIVO
Mario Alighiero Manacorda
Lecionou Pedagogia e História da Pedagogia nas universidades de Cagliari, Viterbo,
Florença e Roma. É considerado na Itália um dos maiores representantes italianos no
campo da Pedagogia.
FIM DO BOXE EXPLICATIVO

Agora que você já sabe que a palavra universidade – universitas, se referia às


diversas corporações de ofícios, e que desta universitas surgiu um tipo muito
especifico, a universitas studii, vamos entender um pouco como era essa
corporação de estudo na próxima seção.

2. UMA CORPORAÇÃO DE ESTUDO: A UNIVERSITAS STUDII

Com o surgimento da economia mercantil das cidades e a organização em


comuna na Europa, surgem para a instrução os mestres livres - clérigos não
ordenados ou leigos que atuavam junto às escolas episcopais sob a tutela jurídica
da Igreja e também do Império. Munidos da licentia docendo concedida pelo
scholasticus, fora dos muros das escolas e de forma itinerante, esses mestres
livres, que mudavam de um lugar para outro, ensinavam também aos leigos.
Assim, satisfaziam as exigências culturais da burguesia e de uma nova sociedade
em construção.

INICIO DO VERBETE
Scholasticus e magister
Escolásticos – denominação para os clérigos vinculados ao ensino. Esses clérigos
introduziram para o estudo da língua latina o procedimento de retirar dos textos da
Antiguidade Clássica apenas os trechos em que se evidenciava o aspecto formal da
língua ou modelos de estruturação da ordenação lógica do discurso como matéria de
reflexão e ensinamento. O Scholasticus é o professor das artes liberais e mais tarde
também professor de filosofia e teologia, sendo oficialmente chamado de magister
(mestre).
FIM DO VERBETE

Os clérigos não ordenados ou leigos ensinavam especialmente as artes liberais do


trivium - composto pelas seguintes matérias: gramática, retórica e dialética - e do
quadrivium - composto por: aritmética, geometria, música e astronomia. Em

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conformidade com a tradição clássica que remonta por exemplo a Santo
Agostinho, estudado no texto 4, a meta desse currículo era preparar o estudante
para os estudos teológicos, aos quais se somariam as faculdades de direito e
medicina.

Para Manacorda, é provável que esses mestres livres tenham contribuído para o
surgimento das universidades devido a sua futura organização em corporações de
estudo. Ele nos informa que em Salerno, já antes do ano 1000, existia uma
tradição da prática médica que foi assumindo paulatinamente o caráter de uma
escola teórica e que dois séculos depois foi reconhecida como Studium generale,
significando com isso, que o título concedido era reconhecido em qualquer lugar,
elemento característico de uma universidade. Esse reconhecimento favorecia a
circulação dos mestres, pois com a autorização docente, podiam lecionar em
qualquer lugar.

Imagem 1: Mapa da Itália com indicação da província de Salerno e Bolonha


Fonte: http://www.voyagesphotosmanu.com/Complet/images/mapa_da_italia.gif

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Um outro tipo de ensino iniciado no século XI também se desenvolveu sobretudo
nas universidades italianas: a Ars dictandi, que ensinava a escrever cartas e atos
oficiais, diplomas, privilégios papais etc., e, às vezes, cartas familiares, do pai ao
filho, do sobrinho estudante ao tio tutor etc. Este tipo de ensino teve seu apogeu
no século XIII com alguns mestres em Bolonha (ver Figura 1). Foi em Bolonha, na
segunda metade do século XI, que teve início o ensino de Direito Romano Civil,
pelo qual “se costuma começar a história das universidades medievais”.
(MANACORDA, 1995, p.146).

No século XII, o ensino do direito romano passou a abranger também o ensino do


direito canônico. Portanto, percebem-se três campos de estudos distintos: artes
liberais, medicina e jurisprudência.

INÍCIO DO VERBETE
O direito canônico é o conjunto das normas que regulam a vida na comunidade eclesial.
FIM DO VERBETE

INÍCIO DO VERBETE
Jurisprudência é um termo jurídico que significa o conjunto das decisões e
interpretações das leis.
FIM DO VERBETE

Acrescenta-se a eles, no início do século XIII, o ensino da teologia pelos


dominicanos, que eram frades pertencentes à Ordem de São Domingos. Essas
quatro faculdades (facultas) compõem as universidades medievais. As
faculdades de artes tiveram por muito tempo função propedêutica, ou seja, base
para qualquer outro estudo e sem muita distinção das escolas de gramática.

Nesse momento, a igreja Católica, que mantivera a hegemonia religiosa, cultural e


espiritual no Ocidente, passa a ser afrontada pelas heresias disseminadas com o
ressurgimento das cidades. Temerosa, a igreja conservadora instala a Inquisição
ou Santo Ofício, cujos tribunais se espalham a partir do século XII na Europa para
apurar os “desvios da fé”.

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INÍCIO DO BOXE EXPLICATIVO
O termo Inquisição refere-se a várias instituições dedicadas à eliminação da heresia no
seio da Igreja Católica. A Inquisição, fundada em 1184 no sul da França, foi criada
inicialmente para combater alguns grupos religiosos, que praticavam a adoração de
plantas e animais. O condenado era muitas vezes responsabilizado por uma "crise da fé",
sendo entregue às autoridades do Estado, para que fosse punido. Confisco de bens,
perda de liberdade, até mesmo a pena de morte, muitas vezes na fogueira, são
exemplos de penas aplicadas àqueles que eram acusados por “desvios da fé”, ou seja,
aqueles que não seguiam os preceitos da religião católica naquela época.
FIM DO BOXE EXPLICATIVO

Na mesma época, a erudição, ou seja, o saber aprofundado em um ramo do


conhecimento, que até então havia sido uma prerrogativa da escolástica,
tornava-se dia a dia mais leiga. Nas universidades, os estudantes eram
castigados por, entre outros motivos, não falarem apenas o latim.

INÍCIO DO VERBETE
Escolástica: Segundo o Dicionário do Aurélio, é o ensino filosófico próprio da Idade
Média ocidental, fundamentado na tradição aristotélica e inseparável da teologia. Chama-
se Escolástica por ser a filosofia ensinada nas escolas.
FIM DO VERBETE

Então, no início do século XIII, quando as universidades se consolidam e se


difundem, surgem as novas ordens religiosas: as ordens de pregadores, os
dominicanos e os mendicantes, os franciscanos, que renovam as escolas e os
estudos. Os dominicanos dedicam-se à teologia e os franciscanos às artes
liberais.

INÍCIO DO VERBETE
Mendicantes – Segundo o Dicionário do Aurélio, são ordens religiosas que fazem voto de
pobreza, vivendo apenas de esmolas.
FIM DO VERBETE

Essas ordens assumiram o trabalho de manter a ortodoxia religiosa, implantada


pela Inquisição, com censura e rigor, determinando a punição dos dissidentes à fé
Católica, a queima de livros e dos seus autores. E foram responsáveis pelo
modelo de teorização do pensamento medieval: o modelo típico dos dominicanos -

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ligados à valorização da razão em si e como instrumento para penetrar e
desenvolver o significado da fé e o modelo dos franciscanos -, destinado a
sublinhar a superioridade da fé em relação à razão.

INÍCIO DO VERBETE
Ortodoxia religiosa: Que está conforme a doutrina religiosa, é rígida em suas convicções.
FIM DO VERBETE

Nesta seção então, você viu como foi o surgimento das universidades medievais,
a universitas studii, e quais eram, a princípio, seus diferentes campos de estudo.
Na próxima seção você ficará por dentro de como foi a expansão dessas
universidades pela Europa Ocidental.

INÍCIO DO BOXE MULTIMÌDIA


Imagem 2. Fonte da imagem:
http://www.adorocinema.com/filmes/nome-
darosa/imagens/1245097761_nomedarosaposter01/#i
magens

Com título homônimo da obra literária de Umberto Eco de


1980, o filme O nome da rosa estrelado por Sean Conery e
dirigido por Jean-Jacques Annaud, de 1986, é ambientado
em um mosteiro beneditino do Norte da Itália que continha o
maior acervo cristão do mundo. O filme conta a história de
um monge franciscano, William de Baskerville que chega a
esse mosteiro acompanhado de um noviço, Adso Von Melk
e pretende participar de uma assembléia para decidir se a
Igreja Católica devia doar parte de suas riquezas. Porém, a
atenção de todos é desviada por muitos assassinatos que
ocorrem no mosteiro. William de Baskerville começa a
investigar o caso, mas os mais religiosos acreditam que tal fato é obra do Demônio. Antes
que ele conclua suas investigações, Bernardo Gui, o Grão-Inquisidor, chega ao local
pronto para torturar qualquer suspeito de ter cometido assassinatos em nome do Diabo.
Por não gostar de Baskerville, o Inquisidor o coloca no topo da lista dos que são
diabolicamente influenciados. Esta batalha, junto a uma guerra ideológica entre
franciscanos e dominicanos, é travada enquanto o motivo dos assassinatos é lentamente
solucionado. Ficou interessado no filme? Então, prepare a pipoca que a seção vai
começar!
Fonte: /www.adorocinema.com/filmes/nome-da-rosa/

FIM DO BOXE MULTIMÍDIA

3. A DIFUSÃO DAS UNIVERSIDADES NA EUROPA OCIDENTAL

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Após o surgimento das universidades, a expansão pela Europa ocidental foi rápida
e enorme! Os dados trazidos por Franco Cambi (1999) são significativos.
Vejamos. Na Itália, por volta de 1200, havia studii de artes liberais em Pávia,
Verona, Vicenza, Florença, Siena, Pádua; em 1300 já havia onze universidades e,
em 1400, outras sete; neste ano na França se contavam nove universidades; sete
na Espanha (a começar por Salamanca); duas na Inglaterra (Oxford e Cambridge);
em Portugal, na Alemanha, nos países eslavos. Esses números variam um pouco
de autor para autor.

Cintia Greyve Veiga (2007) em seu estudo sobre o surgimento das universidades
nos séculos XII e XIII recorre a Jacques Verger.

INÍCIO DO BOXE EXPLICATIVO


Nascido em 1943, em Telence Gironde na França, Jacques Verger, além de ser
especialista em estudo dos saberes na Idade Média, é doutor em letras e leciona na
Universidade de Paris XIII. O estudo de Verger aborda os reflexos da intelectualidade
medieval e sua ligação com a criação de uma nova instituição de ensino: a universidade.
Fonte:lampiaoatomico.blogspot.com/.../por-ronaldo-brasil-dos-santos-publicado.html
FIM DO BOXE EXPLICATIVO

De acordo com o modo que foram criadas, Verger classifica a universidade em


três modalidades: as espontâneas, as formadas por migração e as instituídas por
autoridades religiosas ou da nobreza.

1) As universidades espontâneas: foram aquelas oriundas de escolas


preexistentes. São exemplos a Universidade de Oxford, na Inglaterra; as de
Montpellier e Paris, na França e Bolonha, na Itália.

2) As universidades formadas por migração: são aquelas universidades que se


organizaram pela instalação de uma corporação de mestres e alunos dissidentes
de outra. É o caso da Universidade de Pádua, na Itália, nascida de um movimento
dissidente da Universidade de Bolonha, e o da Universidade de Cambridge, na
Inglaterra, nascida da separação da Universidade de Oxford.

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3) As universidades criadas por papas, imperadores, reis, príncipes: estas
universidades traziam estatutos e privilégios definidos nas bulas ou cartas de
fundação. Exemplos dessa modalidade são a Universidade de Nápoles, na Itália;
as de Salamanca e Valladolid, na Espanha; a de Lisboa, em Portugal e as
primeiras universidades germânicas.

No fim da Idade Média, a Europa Ocidental, já contava com aproximadamente um


número de oitenta universidades, cada qual com sua história de origem. Mas
vamos nos aprofundar mais nesse assunto, conhecendo agora a vida universitária
das corporações de estudos.

4. A VIDA UNIVERSITÁRIA NA UNIVERSITAS STUDII

A universitas studii não se vinculava a um prédio ou estabelecimento escolar


especifico na forma que você conhece hoje, mas a um agrupamento de indivíduos,
alunos e/ou professores com atividades de estudo leigos ou clérigos, com exceção
dos estudos de teologia. Os mestres ministravam suas aulas em qualquer lugar –
salas alugadas, na própria casa ou mesmo em espaços das igrejas. (Veiga, 2007)

INÍCIO DO BOXE EXPLICATIVO


Prédio escolar
De acordo com Cynthia Greive Veiga (2007), na Europa, os primeiros prédios destinados
especificamente as chamadas universitas studii datam do século XV.
FIM DO BOX EXPLICATIVO

Como vimos, os poderes papal e imperial (ou régio), agiram para regulamentar as
universidades, criando algumas delas. A origem dessas instituições está “na
confluência espontânea de clérigos de várias origens para ouvir aulas de algum
douto famoso”. (MANACORDA, 1999, p.147)

Naquela época, havia clérigos vagantes que não dispunham de muito dinheiro,
mas havia também os que não deixavam de levar uma vida dissoluta de jogos,
bebidas e mulheres. Dessas desordens e do desejo de levar uma vida de

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aventuras própria da juventude, nasceu o tipo de estudante “vagabundo” – o
goliardo.

INÍCIO DO VERBETE
Goliardo - talvez de Golias, o gigante filisteu, símbolo de Satanás – explica
Manacorda.
FIM DO VERBETE

Os goliardos não eram estudantes agradáveis para as cidades onde se


instalavam.

Os cantos goliárdicos remanescentes, especialmente da coletânea


dos Carmina burana, falam mais de mulheres, vinho, caça
desesperada ao dinheiro, conflitos com os mestres e os cidadãos,
do que de estudos sérios. (MANACORDA, 1999, p.147).

Assim, aproveitavam a licença, obtida ou arrancada, para afastar-se de seus


mosteiros.

INICIO DO BOXE EXPLICATIVO


Carmina burana

Imagem 3: A roda da fortuna, no codex dos Carmina Burana


Fonte da imagem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Carmina_Burana

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Carmina burana são textos poéticos de provável autoria dos goliardos, compilados em um
manuscrito do século XIII. O códex contém composições poéticas em latim do período
medieval, em folhas de pergaminho decoradas com miniaturas. Atualmente o manuscrito
encontra-se na Biblioteca Nacional de Munique. Carl Orff (1895-1982), compositor alemão
teve acesso a esse códex e arranjou alguns dos poemas em canções seculares para
solistas e coro. A palavra Carmina é o plural de Carmen (em português, Canção). O título
inteiro significa literalmente: Canções dos Beurens; esta última palavra se refere ao fato
de que os textos escolhidos por Orff para a cantada foram descobertos em um mosteiro
beneditino da Baviera, em Benediktbeuren, no sudoeste da Alemanha. Os Carmina
Burana exaltam o jogo, o amor e o vinho, é portanto, uma obra coral baseada em poemas
e canções profanas escritos em latim e alemão medievais, provavelmente entre os
séculos XII e XIII. Foi apresentada pela primeira vez na Alemanha em 1937.
Fontes:
http://www.bachiana.com.br/site/images/stories/arquivos/traducao_carmina_buran
a_scm.pdf;http://spectrumgothic.com.br/musica/carmina.htm;
http://www.filologia.org.br/ixcnlf/13/04.htm;
http://www.das.ufsc.br/~sumar/perfumaria/Carmina_Burana/carmina_burana.htm

FIM DO BOXE EXPLICATIVO

Assim, esses estudantes vagantes honestos ou goliardos criticavam a ordem


social, religiosa e laica - atacavam os nobres e os frades, por exemplo. Como
vimos, foram eles que constituíram associações, societates scholarium, que se
tornaram por volta do século XII a universistas studii à semelhança das
corporações de artes e ofícios e com estatuto próprio garantidor de sua
autonomia. Esse estatuto variava de acordo com as corporações de cada
localidade e regulamentava os procedimentos dos sujeitos cujas atividades se
ligavam ao studium: além de professores e alunos, bedéis, livreiros, copistas,
barbeiros e boticários (vinculados ao estudo da medicina).

INÍCIO DO BOXE EXPLICATIVO


Bedéis
Mensageiros dos estudantes, aqueles que anunciam as festas, convocam reuniões e
medeiam a compra e venda de livro.
FIM DO BOXE EXPLICATIVO

Cynthia Greive Veiga nos informa que as corporações de estudos possuíam


algumas características comuns, como “assembléias para tomada de decisões
(realizadas em igrejas ou conventos), eleição de representantes, garantia dos
privilégios, ritual de exames e colação de grau.” (Veiga, 2007, p.22)

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As universidades criadas por papas, imperadores, reis, príncipes: estas
universidades traziam estatutos e privilégios definidos nas bulas ou cartas de
fundação.

Sucessivas bulas papais estabeleceram a proteção e os privilégios dos


cooperados, como é o caso das prebenhas (renda eclesiástica que garantia o
sustento dos mestres), e limitaram bastante os poderes locais dos bispos e
chanceleres. Entretanto, esse controle das universitas através de privilégios, não
era apenas pela autoridade eclesiástica (o papa), mas também pela nobreza (reis
e príncipes) e/ou pelos dirigentes municipais. Os privilégios ou regalias incluíam
obter das cidades isenção de serviço militar, de impostos e taxas, aluguéis mais
baixos, tanto para alunos quanto para os mestres. Alguns mestres também
ocupavam cargos administrativos, prestavam serviços a soberanos ou exerciam o
oficio em âmbito particular.

Muitos reis fundaram universidades e concederam-lhes privilégios – como foi o


caso, por exemplo, da Universidade de Bolonha que já no início de 1100,
apresentava sua vocação para tornar-se centro de estudo de direito. Os
estudantes vagantes honestos ou vagantes goliardos receberam apoio, em
Bolonha, do imperador Frederico I que reconheceu a universitas (ou corporação
estudantil) bolonhesa em 1158. No ano seguinte, o papa Alexandre III também a
reconheceu.

INICIO DO BOXE EXPLICATIVO


Inicialmente a expressão Universidade de Bolonha era apenas uma abreviação da
expressão Universidade dos Mestres e Estudantes de Bolonha.
FIM DO BOXE EXPLICATIVO

Outras intervenções do poder político acontecem, sancionando novos privilégios


acadêmicos. Em Castela e Leão são sancionadas leis por Afonso, X, o Sábio
(1252-1284), estabelecendo o que era estudo, os tipos de estudo e por ordem de
quem deveria ser feito. Dessas leis, destacamos as que se seguem para sua

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melhor compreensão e conhecimento de como deveria ser a vida universitária
naquele momento nas universitas studii.

Estudo é união de mestres e estudantes, que se realiza em qualquer


lugar com a vontade e o objetivo de aprender as ciências. Existem duas
espécies de estudo: a primeira é aquela que chamamos de ‘estudo
geral’, em que há mestres das artes, como gramática, lógica, retórica,
aritmética, geometria, música e astronomia, como também há mestres
de decretos e senhores de leis; este estudo dever ser estabelecido por
mandado do Papa, do imperador ou do Rei. A segunda espécie é
aquela que chamamos de ‘estudo particular’, que é o ensino que um
mestre ministra numa cidade qualquer, privadamente, a alguns
alunos...(Lei I apud MANACORDA, 1999, p.151).

A lei fala no estudo geral (studii generale) e em faculdades, porém neste caso,
trata-se inicialmente de apenas duas: artes e direito (canônico e civil). Fundada
em 1230 e consolidada em 1242, a universidade de Salamanca, por exemplo,
também oferecia medicina e teologia.

As leis ainda mencionam também os livreiros.

É necessário que em cada estudo geral, para que seja completo,


existam livreiros que tenham em suas livrarias livros bons, legíveis e
verazes no texto e nas glossemas, que os estudantes possam tomar
por empréstimo esses livros, pra, copiando-os, fazer novos livros ou
emendar os velhos (Lei XI, Ibid., p.153)

Fala-se também sobre o reitor que governa a universidade e deve controlar a


qualidade dos livros - e seus preços; e do direito de associação de mestres e
estudantes:

Os antigos proibiam que se fizessem associações e confrarias nas


cidades e nos reinos, porque nada de bom nasce nelas; todavia,
julgamos justo que os mestres e estudantes no estudo geral possam
organizar-se, já que eles se unem com boas intenções, e são, de fato,
forasteiros e de lugares distantes; convém, portanto, que de acordo
com o direito que eles têm, todos se ajudem mutuamente naquilo que é
necessário ao estudo, a si mesmos e às suas coisas. (Lei VI, Ibid).

Como em Bolonha, em Paris o afluxo de estudantes levou-os a reunirem-se em


nações – picardos, normandos, ingleses e franceses – segundo suas origens.

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INÍCIO DO VERBETE
Picardos são pessoas naturais ou habitantes de Picardia, região da França, localizada ao
norte do país e Normandos são os naturais ou habitantes de Normandia, região histórica
do noroeste da França.
FIM DO VERBETE

Quanto ao Reitor, mencionado anteriormente, é importante explicar que, em


1245, as quatro nações das Artes elegeram um Reitor, que se tornou pouco a
pouco o chefe da Universidade e o seu principal funcionário. Possuindo jurisdição
civil, convocava e presidia assembléias e era assistido por um conselho submetido
às decisões das assembléias gerais e composto por delegados das nações de
alunos e por alguns funcionários.

INICIO DO VERBETE
Reitor
Como herança da Idade Média, você sabe que as universidades atuais têm um Reitor ou
uma Reitora que a dirige. Mas também é o título que recebe o pároco de certas freguesias
(divisão própria da igreja católica – povoação); o prior.
FIM DO VERBETE

Os estatutos de 1317 da Universidade de Bolonha impunham que o Reitor fosse


um eclesiástico erudito, solteiro e usasse batina. Nos diz Aníbal Ponce (1998,
p.100) que na época de Inocêncio II (1130-1143) – Papa que instituiu o celibato, a
Universidade de Paris teve um atrito com o Chanceler da Catedral, que pretendia
que os candidatos à licenciatura lhe jurassem fidelidade e se referia com
indignação às assembléias de professores. O Papa prevendo a grandeza futura da
universidade se pronunciou a seu favor. A exigência de que o reitor fosse clérigo
foi aos poucos caindo em desuso. Os interesses intelectuais, que a princípio eram
exclusivamente religiosos, passaram a ser filosóficos e lógicos.

Mesmo com esse apoio político, a igreja Católica mantinha as universidades sob
sua influência através da concessão, com exame prévio dos títulos de estudo, da
autorização para ensinar. “A ‘conventatio’ era a cerimônia pública que sucedia à
da concessão da ‘licencia’, interna da universidade. Portanto, na ação dos mestres

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livres nota-se uma continuidade ininterrupta, pelo menos na direção política, entre
as escolas episcopais e as universidades.” (MANACORDA, 1999, p.150).

Assim se organizaram as faculdades de artes (que aglutinavam mestres e alunos


das sete artes liberais) e as faculdades de estudos superiores de teologia, direito e
medicina.

Quanto aos estudantes clérigos vagantes, estes constituíram por muito tempo
problemas para as cidades hospedeiras, para o poder público e para a Igreja. Esta
instituiu que aqueles estudantes que se tornassem goliardos e não se corrigissem,
perderiam os privilégios concedidos. Se os goliardos chegavam até a mendigar
para farrear, haviam aqueles estudantes que trabalhavam para estudar.

Agora você já sabe como se organizavam as universidades medievais, por quem


elas eram compostas, todos os privilégios e concessões que lhes eram dadas e a
influência da Igreja Católica sobre elas. Vamos então, saber mais um pouco agora
sobre como os estudos terminavam e os títulos que os alunos recebiam, bem
como perceber a importância da universidade para a burguesia.

4.1 A OBTENÇÃO DO GRAU

Como qualquer corporação, na corporação da universitas studdi há a exigência de


provas para obter os títulos de bacharel, licenciado e doutor, assim como o
artesão que desejava trabalhar num ofício qualquer devia se inscrever no grêmio
respectivo, trabalhando primeiro como aprendiz e depois como oficial até chegar a
mestre.

Para que você entenda melhor o que significava cursar uma faculdade na Idade
Média, vejamos agora o que dizem Cynthia Greive Veiga (2007), Franco Cambi
(1999) e Aníbal Ponce (1998). Como já vimos, fazer uma faculdade e se graduar
significava frequentar às aulas de um professor da corporação de estudos –
universitas studii e praticar os atos prescritos para se tornar um mestre
(faculdades de artes) ou um doutor (medicina, teologia, direito). Para concluir a
faculdade de artes, os estudos duravam em média seis anos e os de teologia até
16
15 anos. Cursar a faculdade de arte não era uma exigência legal para ingressar
nos estudos superiores, porém o conhecimento prévio das disciplinas das
faculdades de artes era uma exigência. Assim como, para ingressar nas
faculdades de artes era necessário o conhecimento de latim, adquirido numa
escola ou com mestres particulares.

A Universidade de Paris, por exemplo, foi se organizando em colégios para


acolher os jovens estudantes e em nações, segundo a práxis bolonhesa, como
você já sabe: francesa, normanda, picarda e inglesa. Estes estudantes, “passando
das artes liberais para as três faculdades superiores, desempenhavam também
um papel de docentes na faculdade inferior”. (CAMBI, 1999, p.183). Porém,
ocorreram conflitos entre as corporações estudantis e as dos docentes das
corporações superiores (teologia, direito e medicina).

A faculdade mais importante era a de Teologia onde ensinaram os grandes


mestres da Escolástica.

Os estudos terminavam com uma “cerimônia de disputa ou debate” (determanatio)


que designava o estudante como bacharel. Com mais dois anos de estudos, era
designado magister (através da licentia docendo). Seis meses depois, era
licentiatus. Os títulos de mestre e doutor eram antecedidos de debates com alunos
e mestres.

O candidato recebia a insígnias de seu titulo – barrete, anel e livro e


oferecia presentes e um banquete. Devido ao custo da solenidade, no
entanto, muitos alunos contentavam-se somente com a licença
[docente], não obtendo o grau [de licenciado]. (VEIGA, 2007, p. 27)

INICIO DO VERBETE
Insígnias
Sinal distintivo de uma função, de dignidade, de posto, de comando, de poder, de
nobreza. Também símbolo, emblema, divisa. No caso são representativos o barrete
(chapéu quadrangular usado por clérigos), o anel e o livro.
FIM DO VERBETE

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Imagem 4: Encontro de doutores na Universidade de Paris
Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/08/Meeting_of_doctors_at_t
he_university_of_Paris.jpg

A cerimônia final da aprovação – o conventário - , por exemplo, exigia muitos


gastos. Vejamos o que diz Aníbal Ponce:

O diplomado devia dar vários presentes ao promotor (correspondente


ao nosso orientador de tese), aos doutores que integravam a sua banca
examinadora e ao doutor que havia pronunciado o sermão de
encerramento. E, se isso acontecia por ocasião da formatura, o mesmo
acontecia quando do ingresso na universidade. Os próprios estudantes
exigiam que o “calouro” patrocinasse um lauto festim, como parte do
trote a que o submetiam. (PONCE, 1998, p.101).

Aníbal Ponce (1998) destaca a importância da universidade para a burguesia,


considerando que a conquista de um título universitário elevava o burguês quase
ao nível da nobreza, ao ostentar os signos da dignidade doutoral – a borla, o
capelo, o anel e o livro. Assim, a universidade era uma instituição que permitia à
burguesia participar de muitas vantagens da nobreza e do clero, até então não
tidas. Para o autor, a riqueza dos comerciantes criava nas universidades
medievais um clima adequado para o aparecimento dos doutores, assim como no
século V a. C., em Atenas, essa riqueza tinha feito surgir os sofistas e em Roma,
os retores.

18
INÍCIO DO BOXE DE ATENÇÃO
Sofistas e retores
Retorne ao texto 2.
FIM DO BOXE DE ATENÇÃO

Imagem 5: Aluno obtendo o grau de doutor

Fonte:http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Dendrono_Der_zum_Doctorat_gelang
ende_Student.jpg

Nesta seção você conheceu como os alunos obtinham o grau na universidade


durante a Idade Média. Na próxima seção, você ficará sabendo sobre um método
de ensino utilizado na universidade: o método escolástico.

4.2 O MÉTODO ESCOLÁSTICO / LECTIO

O ensino fornecido nas universidades caracterizava-se, em primeiro lugar, pelo


enciclopedismo em consonância com o seu tempo. Sua intenção era religiosa,
assim subordinado à Teologia. Quanto às técnicas, o recurso à memória, às
classificações, o verbalismo justifica-se em parte pela ausência de livros.

A atividade docente na universidade é desenvolvida conforme o método da


Escolástica, sendo esta a expressão mais fiel da filosofia cristã medieval. De

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acordo com Maria Lucia de Arruda Aranha (2006), o período áureo da Escolástica
ocorre nos séculos XII e XIII, tendo seu apogeu neste século e entrando em
decadência até o Renascimento.

INÍCIO DO BOXE EXPLICATIVO


Renascimento – período compreendido entre os séculos XV e XVI. Neste período se
retoma os valores Greco-romanos, por isso RENASCIMENTO.
FIM DO BOXE EXPLICATIVO

No período da escolástica, os teólogos procuravam apoiar a fé na razão, e desta


forma justificar as crenças, converter os não-crentes e combater os infiéis. Se por
um lado, nessa época, reinava um forte clima religioso determinado pela igreja
Católica, por outro lado, é nesses tempos que nasce e se cultiva nas escolas
universitárias o hábito das discussões abertas integrantes do currículo. É claro que
os debates ocorriam sob a vigilância do professor que, além de moderador,
garantia a ortodoxia das ideias, ou seja, a conformidade com o dogma católico, e
as conclusões necessárias.

No ensino oral, as duas principais atividades eram a lectio – prelação, e a


disputatio - debates entre mestres e alunos ou entre os próprios alunos.
Normalmente, nas aulas, o magister fazia uma conferência, propunha certo
número de princípios (tesis) perante outros professores (oponentes). Nesse
debate arguia-se e respondia-se. O objetivo era ensinar como o autor demonstra
sua ideia, a lógica de construção do discurso, e para isso fazia-se a decomposição
em argumentos. Em seguida, por meio da disputatio (disputa, discussão),
estabelecia-se o ensinamento retirado do texto (questio) e o professor
apresentava a conclusão (determinatio) como determinação da verdade
(conclusio).

No período da escolástica, na universitas studii, a filosofia se torna estudo


obrigatório do teólogo, sendo considerada “serva da teologia”, porque a razão
encontrava-se a serviço da fé. As argumentações se pautavam pela lógica
aristotélica, sobretudo pelo silogismo, forma acabada do pensamento dedutivo.

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INICIO DO VERBETE
Silogismo
Nas palavras de Cinthya Greive Veiga no silogismo, “elaborava-se uma dedução formal a
partir da apresentação de duas proposições (premissas) e retira-se uma terceira premissa
logicamente implicada”. Para nosso melhor entendimento trás como exemplo de
silogismo: “Deus criou o universo; o universo é integrado por criaturas; logo, todas as
criaturas são criação divina”. (VEIGA, 2007, p.25). No Novo dicionário Aurélio da língua
portuguesa encontra-se a seguinte definição para silogismo: “Dedução formal tal qual que,
postas duas proposições, chamadas premissas, delas se tira uma terceira, nelas
logicamente implicada, chamada conclusão”. (1986, p.1585)
FIM DO VERBETE

Você já estava por dentro de questões relativas a vida na universidade da Idade


Média, a partir da universitas studii, como: a forma de organização dessas
universidades e sua importância para a sociedade; como os alunos se formavam;
e agora, conheceu também o método de ensino utilizado, o método escolástico.
Na próxima seção, para concluirmos esse assunto, estudaremos dois importantes
mestres da escolástica.

4.2.1 DOIS IMPORTANTES MESTRES DA ESCOLÁSTICA E A UNIVERSITAS


STUDII

Aqui destacaremos dois mestres da escolástica bastante representativos da


cultura medieval, cujo pensamento foi influenciado pelas ideias de Aristóteles.
Você poderá saber mais sobre outros mestres da escolástica consultando as
referências bibliográficas apresentadas no final dessa aula.

a) PEDRO ABELARDO (1079-1142)

As universidades atraíam milhares de estudantes vindos de diversos países. O


papel era muito raro, assim os alunos quase não dispunham de livros e cadernos.
Ouvia-se o mestre ler, falar, explicar e discutia-se. Nas universidades, o estudante
podia ligar-se ao mestre que quisesse; disputava-se a audiência dos mais
famosos, entre eles Pedro Abelardo. Este mestre nasceu em 1079 em Le Pallet,
perto de Nantes, na França e faleceu em Chalon-sur-Saône, a 21 de abril de 1142.
Em 1100 tornou-se discípulo de Guilherme de Champeaux, na Escola da Catedral,

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em Paris. Em 1102 fundou a escola de Melun, onde se encontrava a corte do rei
da França; escola que foi transferida posteriormente para Corbeil, nos arredores
de Paris.

Clérigo não-ordenado, Abelardo atuou em Paris junto a escola episcopal. Mestre


da pedagogia escolástica, é conhecido pelo discurso caloroso e pelas polêmicas
que enfrentou em sua vida pessoal. Instituiu um curso referente ao trivium (artes
liberais), depois à teologia, ao direito, à medicina, que vinham constituir o nível
superior de ensino.

Imagem 6: Abelardo e Heloísa. Manuscrito do séc. XIV do Roman de la Rose


Fonte da imagem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Abelardo

De influência aristotélica, Abelardo delineará um primeiro quadro inovador dos


processos educativos. Ao narrar o seu atormentado amor por Heloísa – amor que
fora condenada pela Igreja, em sua obra autobiográfica Historia calamitatum
mearum, põe em destaque uma nova identidade humana, mais individual, mais
racional, mais livre, que se propõe também como modelo formativo. (CAMBI,
1999).

INICIO DO BOXE MULTIMIDIA


Mestre da pedagogia escolástica
Para saber mais sobre o pensamento de Pedro Abelardo, veja o artigo de Margarita
Victoria Rodriguez intitulado “O pensamento filosófico medieval de Pedro Abelardo:
educação e docência” em: http://www.hottopos.com/notand18/pensfilabel.pdf

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FIM DO BOXE MULTIMIDIA
INÍCIO DO BOXE MULTIMÍDIA

Abelardo e Heloísa

Imagem 7: Capa do filme “Em nome de Deus” com os atores Derek De Lint (Abelardo) e Kim
Thomson (Heloisa)
Fonte da imagem: http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_dvd.asp? produto=11697

Para entender melhor o que estamos dizendo, assista ao filme “Em nome de Deus” -
Direção de Clive Donner, 1988 – que conta a história do conturbado romance entre
Abelardo e Heloisa na Paris do século XII. Respeitado filósofo, professor em Paris e
comprometido com o celibato, Abelardo, tutor da bela e inteligente Heloisa, por ela se
apaixona sendo correspondido. Por conta de sua “vocação” precisam manter seu
relacionamento escondido de todos.
Fonte: www.interfilmes.com/filme_20458_em.nome.de.deus

FIM DO BOXE MULTIMÍDIA

b) SANTO TOMÁS DE AQUINO

Imagem 8: Santo Tomás de Aquino por Fra Angelico, pintor italiano do século XV.

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Fonte da imagem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fra_Angelico
À medida que aumenta a importância da universidade, reis e a Igreja disputam seu
controle, e no século XIII, os dominicanos conseguem muitas cátedras, ou seja
ocuparam cargos ou a função de professor de determinada disciplina - por
exemplo, filosofia ou teologia, na universidade.

Inicialmente, a lógica aristotélica (retorne ao verbete sobre silogismo) determina as


regras do bem pensar, e com o passar do tempo, todas as obras de Aristóteles
são traduzidas para o latim. A Escolástica atinge nesse século o apogeu,
sobretudo com a produção de Santo Tomás de Aquino.

Santo Tomás de Aquino (1225-1274) — é um frade dominicano, teólogo, filósofo


italiano, principal expoente da Escolástica. Como obra pedagógica, escreve De
Magistro, obra homônima a de Santo Agostinho, da qual retoma muitos conceitos.
Diz ele “Parece que só Deus ensina e deve ser chamado de Mestre.”

INÍCIO DO BOXE MULTIMIDIA


De Magistro
Obra do período em que Santo Tomas de Aquino lecionou em Paris (1256-1259). Nesta
obra, retoma Santo Agostinho, destacando a importância do professor no despertar da
mente do estudante. Para saber mais, além de ler a própria obra, veja o texto de Nadir
Antonio Pichler publicado em:
http://www.unifra.br/thaumazein/edicao3/artigos/magistro.pdf
FIM DO BOXE MULTIMIDIA

De inspiração aristotélica, em sua Summa theologica, por exemplo, Santo Thomas


de Aquino elaborou a síntese entre a fé e a razão, tornando-se a doutrina oficial
dos dominicanos.

É fato que grande parte do trabalho intelectual dessa época girava em torno das
verdades da fé religiosa, valorizando-se os estudos filosóficos – a Filosofia. Platão,
Aristóteles - que você já conheceu na aula 2 - e outros filosóficos gregos são

24
trazidos pela escolástica, cuja influência no pensamento ocidental se reflete até os
dias atuais.

INÍCIO DO BOXE EXPLICATIVO


Influência árabe na educação ocidental
Os árabes, em conseqüência de sua expansão em grandes partes da Ásia, da África e da
Europa, tiveram influência e papel significativo sobre a educação e cultura que se
desenvolveram paralelamente à civilização cristã dos séculos IX ao XIII no ocidente. Os
estudantes itinerantes da Europa, por intermédio de interpretes judeus, descobriram e
entraram em contato com as obras de Aristóteles, cuja influência sobre a teologia cristã é
conhecida, mas também foram feitas traduções latinas dos livros árabes, havendo assim
um compartilhamento entre as culturas grega e árabe. As Cruzadas também contribuíram
para esse contato por meio da guerra. Isso ligou a Idade Média e, mais tarde, a
Renascença, à tradição científica do mundo grego.
FIM DO BOXE EXPLICATIVO

E então? Gostou de conhecer a origem das universidades atuais? Esperamos que


tenha compreendido como a universidade se instituiu e o seu valor desde o
período medieval.

CONCLUSÃO

De acordo com autores consultados para a elaboração dessa aula, a Idade Média
configura-se como uma complexa época de profundas transformações
geográficas, sociais, políticas, mas também econômicas e culturais. Embora
agregadas em torno da mensagem cristã, essas transformações manifestam
alguns efeitos que terão longa duração e estarão no centro também da época
moderna.

O século XIV é um século de crises que leva ao fim da Idade Média. Neste século
as universidades entraram em decadência devido ao dogmatismo religioso, a
ausência de debate critico, a resistência às mudanças anunciadas, entre elas o
surgimento do livro impresso. Invenção atribuída a Gutenberg no século XIV, a
impressão gráfica com tipos móveis fez surgir o livro impresso, que constituiu-se
como uma nova “tecnologia” educacional revolucionária, contribuindo para abalar
o método escolástico.

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Assim, mantendo as universidades a influência escolástica, distanciam-se
inicialmente das tendências que prenunciam o nascimento da ciência moderna e
das novas perspectivas em direção ao humanismo. Enfim, novos ventos sopravam
com o Renascimento. Mas isso é tema para próxima aula.

RESUMO

Nesta aula, procuramos levá-lo a conhecer a origem das universidades na Idade


Média, bem como sua evolução no período a partir das universitas studii, uma
corporação de estudos aos moldes das corporações de ofícios existentes no
período. Apresentamos elementos tais como: forma de organização, os tipos de
estudantes e profissionais, graus de estudos, o método de ensino, alguns
escolásticos. Esperamos tê-lo munido desse conhecimento, para levá-lo à reflexão
sobre a forma como se organizam e se estruturam as universidades atuais.

REFERÊNCIAS

ANSELMO, Santo. Monológio; Poslógio; A verdade; O gramático / Santo


Anselmo de Cantuária. Lógica para principiantes; A história das minhas
calamidades / Pedro ABELARDO; tradução Angelo Ricci, Ruy Afonso da Costa
Nunes. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os pensadores).

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral


e Brasil. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2006.

CAMBI, Franco. História da pedagogia. Tradução de Álvaro Lorencini. São


Paulo: UNESP, 1999. (Encyclopaidéia)

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua


portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986.

GAL, Roger. História da educação. Tradução Álvaro Cabral. São Paulo: Martins
Fortes, 1990. (Universidade hoje)

MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da Antiguidade aos


nossos dias. Tradução de Gaetano Lo Monaco; revisão da tradução Rosa dos
Santos Anjos Oliveira e Paolo Nosella. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 1995.

PONCE, Aníbal. Educação e lutas de classes. Tradução de José Severo de


Camargo Pereira. 16ª Ed. São Paulo: Cortez, 1998.

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VEIGA, Cynthia Greive. História da educação. São Paulo: Ática, 2007. (Ática
Universidade)

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