Você está na página 1de 24

19º Congresso Brasileiro de Sociologia - 9 a 12 de

julho de 2019 - UFSC - Florianópolis, SC

Grupo de Trabalho (GT 12) – Políticas Públicas

Modelo de Difusão de Políticas Públicas:


Federalismo Brasileiro e as Políticas Públicas Locais

Francy Mary Alves Back


Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”. Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais. Campus Araraquara

1- Introdução
Em um sistema federativo, os entes dispõem de autonomia política e
administrativa para fazerem suas escolhas quanto às políticas a serem
implementadas em seu território. Compreender os motivos e processos que levam
a adoção de políticas por estes entes é o objeto de atenção dos estudos de
difusão de políticas públicas.

Embora essa questão possa ser abordada sob a ótica explicativa da


formulação de uma política ou de estudos mais tradicionais de formação de
agenda, estudos de difusão focam na análise do meio pelo qual uma inovação se
dissemina em um sistema político, trazendo variáveis relevantes para se
compreender o processo de adoção de políticas públicas. (Anastácio, 2017).

É comum que municípios, estados ou mesmo países se inspirem nas


experiências de outras localidades para a definição de suas políticas locais. O
sistema político não é fechado e muito do que um ente adota como inovação tem
origem em experiências alheias. Assim, a própria formulação e decisão interna
sobre uma política específica é influenciada por vários fatores que podem ser
explicados segundo a lógica da difusão.

A adaptação dos estudos sobre difusão para a dinâmica brasileira devem


resguardar algumas cautelas no que diz respeito à moldura institucional e às
relações intergovernamentais. Vindos da realidade norte-americana, os estudos
trabalham com o movimento horizontal de difusão, a partir da autonomia de que
desfrutam os estados naquele país. No Brasil, para além da existência de três
níveis de governo, ao introduzir os municípios como entes autônomos, há um
forte grau de coordenação federal, principalmente ao considerarmos as políticas
sociais,com destaque ao desenho de Sistemas Únicos para a coordenação da
oferta de serviços, como nos casos da Saúde (SUS) e da Assistência Social
(SUAS). A relevância da difusão para a análise do funcionamento destes sistemas
e políticas e também deles para compreender a difusão destas políticas nos
diversos entes federativos se mostra importante para uma discussão mais ampla
das relações intergovernamentais.

Desta forma, o presente trabalho objetiva verificar o perfil e a performance


dos municípios paulistas de grande porte no SUAS, testando a hipótese da
prevalência dos mecanismos de indução do governo federal para o sucesso da
coordenação e cooperação entre os entes federados e também a adaptação dos
supostos teóricos da difusão para análise deste cenário.

2- Difusão de Políticas Públicas

Estudos sobre difusão de políticas públicas buscam compreender a


motivação e os mecanismos que proporcionam que novos desenhos lançados por
um governo sejam incorporados por outros governos, ao se disseminarem em
outros sistemas políticos. Para contextualizar o campo de discussão, Anastácio
(2017) apresenta algumas definições vistas na literatura.

Em primeiro lugar, a difusão de políticas públicas pode ser definida como


um processo no qual as escolhas políticas de um governo influenciam ou alteram
a probabilidade da escolha de outros governos. Desta forma, estudar a difusão
significa se preocupar mais com o processo que a conforma em detrimento de
constatar que algo foi difundido (idem).

Segundo Coêlho, Cavalcante e Turgeon (2016), a disseminação de


modelos de políticas não resulta necessariamente numa distribuição uniforme,
sendo esperado que não ocorra harmonização, tamanha a complexidade do
fenômeno e o conjunto de fatores que o envolve.

A complexidade do sistema federativo brasileiro se torna um desafio extra


para os estudos de difusão de políticas no Brasil, devendo-se ter cuidado com o
enquadramento dos conceitos e variáveis à realidade nacional. Nosso esforço é
de tentar compreender as possibilidades de aplicação do método de difusão para
apreensão das políticas sociais em âmbito municipal.

Coelho (2016) faz importantes apontamentos quanto a questões de debate


sobre os condicionantes da difusão trazidos pela literatura:

a) Determinantes internos ou externos do processo de difusão de


políticas
Há uma divisão entre os estudiosos da difusão em duas correntes: os que
entendiam que os determinantes do processo de difusão eram influenciados por
fatores internos (primazia dos atributos políticos, institucionais, sobre as redes
formais e informais) e outros que os atribuíam a fatores externos (proximidade
com regiões inovadoras).Tal dicotomia foi flexionadaa partir de novas
abordagens teóricas que unificam as duas proposições sob o mesmo
enquadramento teórico, com objetivo de testar a influência de múltiplos fatores no
processo de difusão. A compreensão dos mecanismos clássicos de difusão
(competição política, aprendizado, coerção e emulação) também desperta
interesse, sendo ainda mais recentes testes de outros mecanismos, como o papel
dos empreendedores de políticas, das comunidades epistêmicas, campanhas
nacionais, associações interestaduais e redes transnacionais, o que complexificou
ainda mais o campo de análise. (COÊLHO, 2016, p.35-36).

b) Difusão de políticas: ação coordenada ou descoordenada

Considerar o fenômeno uma ação descoordenada sugere que a decisão de


incorporar a inovação se dá por condições internas, não sendo influenciado por
fatores externos, como, por exemplo, a vizinhança. Visto como uma ação
coordenada, o avanço das ideias se daria por um agente interessado que
coordenaria a deflagração de uma nova política. A disseminação poderia se dar a
partir da comunidade epistêmica que legitimaria o processo por meio da
cooperação técnica ou ainda, por meio de uma agência de desenvolvimento, que
poderia usar seu poder de coação a partir de sua notoriedade.

Assim, o processo de difusão pode ser visto como variável dependente ou


independente. Para os que acreditam que ela seja resultado de uma ação
coordenada, a onda inovadora acontece independentemente de processos
políticos anteriores. Aos que avaliam ser uma ação descoordenada, a difusão
seria uma variável dependente de mecanismos de cooperação, coerção,
emulação e transferência.

c) A difusão é baseada em fatores estruturais ou na ação dos atores?

Esta discussão busca entender a predominância do papel das instituições


ou dos atores no processo de adoção de políticas, a fim de se estabelecer os
mecanismos pelos quais as ideias se espalhem no sistema político. As
explicações baseadas em fatores estruturais indicam que a difusão é um
processo que ocorre sem agentes, portanto, depende de estrutura ideal para
ocorrer. Assim, a difusão é resultado do histórico das políticas implementadas e
do aparato institucional dos governos, além da proximidade geográfica com
unidades pioneiras. Já explicações baseadas na agência apontam a importância
dos atores que conduzem a transferência de políticas dentro de um sistema
limitado de unidades.
Coelho(2016) refere o quão frágil se dá a dissociação destas abordagens
uma vez que a difusão flui pelas estruturas, e a transferência de modelos(ideias)
se dão via agentes empreendedores de políticas, fazendo com que ambos fatores
importem de forma não-exclusiva.

d) Mecanismos de Difusão de Políticas

Para além das distintas concepções e abordagens determinantes do


comportamento político do executivo em processos de difusão, a literatura
desenvolveu mecanismos que caracterizam e impulsionam os governos a
adotarem novos modelos de política. Quatro deles vêm sendo testados pela
literatura e apontados quase consensualmente como fatores que influenciam as
políticas oferecidas em distintas jurisdições: competição política, aprendizado,
emulação e coerção.

O mecanismo de competição política analisa as disputas entre as esferas


de governo, onde a escolha de um governo afeta a escolha de outro, sobretudo
os geograficamente mais próximos. A motivação é obter ganhos econômicos e
políticos sobre outros governos ou evitar prejuízos com deslocamento
populacional (i.e., guerra fiscal, oferta de políticas de bem-estar social). Como
pano de fundo deste mecanismo está uma base explicativa institucional,
acrescida do cálculo racional.

No mecanismo de aprendizado, argumenta-se que governos adotam


experiências exitosas de outros governos. Através do aprendizado, governos
adotam programas e práticas políticas que poderão gerar melhores resultados
que as alternativas anteriormente adotadas. A questão dos estudiosos é
identificar quais políticas se tornam referência de aprendizado e sob que
condições o aprendizado ocorre. Argumenta-se que as políticas que mais se
difundem são aquelas que já foram testadas em vários governos e atingiram
graus satisfatórios de eficiência, eficácia e efetividade social. Mas como medir o
aprendizado? Há crítica ao estabelecimento do número de adesões como variável
explicativa para o sucesso do aprendizado, como em Coêlho(2016), que refere a
proposta de Shipan e Volden(2006), ao propor que o aprendizado seja medido
pelo tempo que a boa prática permanece adotada pelo sistema político. Outro
empecilho apontado para o aprendizado entre os governos é a questão da
racionalidade limitada, ou seja, os atores não dominam por completo as
informações e portanto correm o risco de não aprenderem com uma prática
inovadora.

Mecanismos de emulação remetem a ideias emprestadas ou imitação de


outros modelos (simbólico ou normativo). Difere do aprendizado por não se pautar
em uma decisão pensada ou racional, expondo os governos a falhas de
adaptação ao operar a mesma política em condições peculiares com instrumentos
e estruturas institucionais inadequadas. A emulação pode ser motivada por
interesses individuais com objetivo de legitimação do governo, posicionando-o a
favor de ondas de inovação. Pode ainda resultar da vontade do gestor de testar
uma solução para resolução de problemas duradouros. Em ambas situações a
decisão carece de cientificidade e é ancorada em noções frágeis e utópicas,
faltando instrumentos de governança que garantam racionalidade administrativa.

Os mecanismos de coerção, por fim, consistem no uso de pressões


políticas de uma instituição sobre outra, através da aplicação de sanções diante
da não-adesão de políticas. Tais mecanismos são questionados por alguns
autores uma vez que, por se tratarem de medida de força, retiram a autonomia da
tomada de decisão e fragilizam a interdependência entre as unidades, que são as
balizas para se analisar os processos de difusão.

e) Limites Teórico-empíricos do modelo de Difusão de Políticas

Alguns limites apontados por Coelho (2016) nos permitem avaliar o


enquadramento da política a ser analisada neste trabalho através do modelo de
Difusão de políticas.
Em primeiro lugar, as dificuldades na definição e mensuração das
categorias de análise e na aplicação de uso de conceitos e características dos
fenômenos a serem estudados. Os autores de difusão não estão tentando mostrar
de maneira isolada como políticas se espalham no sistema políticos, pois ao fazê-
lo explicam a atitude dos atores e o processo de tomada de decisão. Estudos de
difusão se sustentam em bases conceituais tradicionais -sociológica (redes),
institucional (regras) e comportamento político (ideologia e escolha racional) - e
por contemplar um quadro analítico interdisciplinar deve-se ter cuidado com a
adequação dos conceitos empregados, evitando a seleção de elementos
melhores explicados por outras teorias, delimitando as características
predominantes do processo de difusão. As principais características que
enquadram os estudos de difusão são a autonomia do chefe do executivo e o
comportamento dos demais atores. A interdependência das unidades e a
localização geográfica também são características relevantes para análise.
Deve-se ter também cuidado na seleção das políticas a serem estudadas,
sendo fundamental diferenciar políticas de estado de políticas de governo. Para
se enquadrar nos estudos de difusão é necessário haver uma oferta e potencial
adesão, é necessário que o ente federado possa ter autonomia de acolher ou não
a proposta. Desta forma, alguns programas federais destinados aos governos
subnacionais podem não se enquadrar em pesquisas de difusão.
O tempo, ou seja, a duração do fenômeno, é um componente importante
nos estudos de difusão. O comportamento dos atores é influenciado por eventos
como período eleitoral, e ciclo governamental. Os estudos apontam correlação
entre o tempo observado e o número de adoções da política inovadora.
Por fim, há limitações metodológicas para avaliação dos resultados do
processo de difusão. A literatura não vem propondo a análise dos resultados
sociais e institucionais do processo de difusão. Faltam, por exemplo,proxies para
captação de algumas variáveis (com o aprendizado), tendo os autores trabalhado
com indicadores indiretos e com a insuficiente medida de adesão como indicador
de difusão.
A principal crítica, nesse sentido, aos estudos de difusão é o fato de não
capturarem as condições políticas e institucionais locais que aderem à proposta
de mudança, negligenciando fatores específicos da tomada de decisão local e da
própria política.
3- Federalismo brasileiro, autonomia do município e as políticas públicas
locais
A questão das competências e funções dos entes federativos na
prestação dos serviços públicos vem, desde a década de 90, promovendo
importantes discussões sobre Políticas Públicas, em especial das políticas sociais
no Brasil. Importantes estudos (Arretche 1996, 1999, 2002, 2003, 2004;
Souza,2004; Marques e Arretche, 2006; Abrucio, 2005, 2006 e 2010; e Abrucio e
Franzese,2007) analisaram o processo de descentralização das políticas sociais,
visando compreender como os arranjos institucionais impactam a oferta das
políticas sociais.
A Constituição Federal de 1988 conferiu legitimidade ao novo arranjo
federativo, transferindo capacidade decisória, funções e recursos da instância
federal para as instâncias estaduais e, principalmente, as municipais. Houve,
assim, segundo Tomio (2002), uma redefinição do papel institucional dos diversos
níveis de poder sendo que, neste processo, as unidades subnacionais foram
favorecidas. Essa redefinição notabilizou-se pela ampliação do escopo de
atuação dos estados e municípios.
O lugar de destaque conferido ao município se dá pois é rumo a essa
esfera que se desloca a responsabilidade da gestão das políticas sociais.
A autonomia política e fiscal dos governos estaduais e
municipais permite que estes adotem uma agenda
própria, independente da agenda do Executivo federal. As
relações verticais na federação brasileira – do governo
federal com estados e municípios e dos governos
estaduais com seus respectivos municípios – são
caracterizadas pela independência, pois estados e
municípios são entes federativos autônomos. Em tese, as
garantias constitucionais do Estado federativo permitem
que os governos locais estabeleçam sua própria agenda
na área social. (ARRETCHE,2004,p.20)
Tal autonomia dos municípios deve, porém, ser relativizada. Para além do
legado institucional advindo do fato do federalismo brasileiro ter se conformado a
partir da divisão de um estado unitário,a questão da coordenação federativa e
seus instrumentos de indução vêm questionando o espaço de autonomia dos
municípios. A CF de 1988 definiu competências comuns aos três níveis de
governo que proporcionam alto grau de interdependência na gestão das políticas
sociais, demandando fortes mecanismos de coordenação intergovernamental que
potencializam essa ação conjunta. Há no debate acadêmico dois pontos de vista
quanto à efetiva autonomia do ente municipal no processo de implementação de
políticas sociais pós-descentralização:
Arretche (2000) defende que a centralidade decisória do período da
Ditadura Militar deixou marcas no federalismo brasileiro, resultando na atenuação
da autonomia dos entes subnacionais. Assim, é o fortalecimento da capacidade
institucional e administrativa da União e a sua coordenação que condicionam a
descentralização. A partir desta proposta, o governo federal é visto como o mais
importante ator do processo de implementação das políticas sociais brasileiras.
Franzese e Abrucio(2013), por outro lado, questionam essa centralidade
do governo federal, retomando a importância de se observar os entes
subnacionais, fortalecidos após 1988. Como estados e principalmente municípios
são chamados a assumir responsabilidades na gestão de políticas nacionais, eles
podem optar por desenvolverem por si próprios ou aderirem a programas
nacionais. Diante da indefinição de responsabilidades, a fim de realizar a
coordenação, o governo federal criou forte regulamentação das políticas a partir
da criação dos sistemas nacionais. Os autores afirmam que a consequência
inesperada destes sistemas foi o aumento da capacidade institucional dos entes
subnacionais.
Importante estudo de Santos(2012) mostra que a autonomia municipal
passou por diversas fases após a Constituição de 1988. Até a metade da década
de 1990, a autonomia municipal foi possibilitada pelo aumento das receitas,
especialmente as oriundas das transferências intergovernamentais, o que
contribuiu para fortalecer a autonomia política frente aos estados e à União. Ao
longo dos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, a União
passou a recuperar a arrecadação das receitas públicas por meio da elevação de
tributos não partilháveis com os demais entes da Federação. Desta feita, a
ampliação das receitas municipais passaram a depender da arrecadação própria,
limitadas pela crise econômica, ao mesmo tempo em que, com a descentralização
das políticas sociais, os compromissos municipais cresceram. Durante os
governos do presidente Lula houve a continuação do fortalecimento institucional
da União, responsável pela formulação das diversas políticas sociais, atendendo
porém parcialmente ao interesse dos municípios ao elevar o valor das
transferências intergovernamentais. Surge então a coordenação federativa, onde
a União passou a ter maior controle sobre o desenho institucional das políticas
sociais, mas respeitando a autonomia política de estados e municípios, que não
poderiam ser obrigados a aderir às políticas formuladas pela União, muito embora
o fizesse para receber fundos vinculados àquelas políticas.
Santos(2012) conclui que

A coordenação em redes federativas verticais parece ser


mais simples, uma vez que o governo federal pode
oferecer benefícios pecuniários aos municípios que
aceitem fazer parte de um arranjo federativo para
implementar uma política”(SANTOS, 2012, p.23)
Mas apesar dos diversos avanços, a produção acadêmica que se ocupou
em compreender os efeitos da descentralização de políticas sociais em sua
grande maioria não considerou de maneira significativa as diferenças existentes
entre os entes subnacionais e seus desdobramentos para o exercício da
autonomia.
Não existe uma definição conceitual unívoca de quais dimensões da
descentralização impactam no desempenho dos governos subnacionais. Para
Gomes(2010), os estudos sobre descentralização não deveriam focar na
transferência de atribuições, mas na autonomia decisória dos entes federados,
além de suas capacidades administrativa e fiscal, já que as regras institucionais
podem gerar efeitos variáveis conforme o contexto onde são adotadas.
Costa e Palotti (2011), a partir das observações de Arretche (2000),
expõem quesitos que poderiam impactar na descentralização e no exercício da
autonomia: a) fatores estruturais: a capacidade dos governos locais de assumirem
a gestão de políticas sociais, tanto do ponto de vista econômico como
administrativo; b)Fatores institucionais, como os legados de políticas prévias; c)
incentivos ou impedimentos do desenvolvimento de grupos de interesse
organizados; d) capacidade institucional das burocracias públicas; e) regras que
delimitam os constrangimentos e oportunidades para decisão estratégica de
governos locais; f) engenharia operacional da política pública a ser
descentralizada g) ação política entre o Estado e a sociedade (cultura política) e
entre os diversos níveis de governo, como a criação de estruturas de incentivos à
descentralização promovida pelos níveis mais abrangentes, reunidas em
programas governamentais desenhadas para esta finalidade.
4 –Difusão do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nos
municípios paulistas de grande porte
O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) se utiliza da divisão de
municípios por porte – número de habitantes – para propor ações de proteção
básica e/ou especial de média e alta complexidade, que devem levar em conta a
realidade local. São Paulo possui 645 municípios, divididos da seguinte forma:
Pequeno Porte I (até 20 mil habitantes)– 398 municípios,Pequeno Porte II (20mil
até 50mil habitantes) – 120 municípios, Médio Porte (50mil a 100mil habitantes) –
49 municípios, Grande Porte (100mil até 900mil habitantes) - 72 municípios e
Metrópole (a partir de 900mil habitantes)– 03 municípios. Apenas três municípios
paulistas, todos de pequeno porte I, não aderiram ao SUAS; sendo, portanto,
disseminado de maneira massiva em todo o estado.
Será que a ampla adesão dos municípios paulista ao SUAS significa de
fato a difusão da política (ideia) de Assistência Social proposta pelo governo
federal? Ao fazer parte do SUAS o município abdica da sua autonomia para
decidir a política a ser implementada em seu território para seguir univocamente
as diretrizes da política proposta pelo Sistema?
Visando observar o espaço da autonomia municipal para decidir a
implementação de políticas em seus territórios, optamos por estudar a inserção
dos municípios paulistas de grande porte no Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) visando responder à seguinte questão: Municípios de mesmo porte
sujeitos às mesmas regras institucionais apresentam resultados e perfis
diferenciados?
Metodologicamente, este estudo foi orientado pelas proposições de Snyder
(2011), que preocupado com a importância das unidades subnacionais no
contexto das pesquisas comparadas e as lacunas metodológicas para realizá-las,
apresenta “the Subnational Comparative Method”, um caminho metodológico
possível para a comparação entre unidades políticas subnacionais, possibilitando
o aumento do número de observações e comparações controladas, ajudando a
atenuar algumas das limitações características de desenhos de pesquisa com um
pequeno número de casos. Para o autor, o foco nas unidades subnacionais
fortalece a capacidade dos pesquisadores codificarem com precisão os casos e
assim fazerem inferências causais válidas, evitando distorções que podem ocorrer
em estudos que consideram apenas o âmbito nacional de análise, uma vez que
estes estudos não consideram heterogeneidades internas ao país. Comparações
entre unidades políticas subnacionais capacitam melhor os pesquisadores para
lidar com a natureza desigual dos principais processos (espacialmente desiguais)
de transformação política e econômica.
Como parte dos esforços iniciais de pesquisa e objetivando observar a
dinâmica dos municípios paulistas de grande porte no processo de
implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), realizamos
levantamento de dados sobre o perfil socioeconômico, bem como os dados da
gestão municipal do SUAS. Para tal, nos valemos dos dados disponíveis no portal
da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI), vinculada ao
Ministério da Cidadania, Relatório de Informações Sociais, Subsídios para
elaboração do PPA .1
Os dados foram agrupados em dois blocos: a) caracterização do perfil
socioeconômico e demográfico municipal; b) gestão da assistência social. Os
primeiros são necessários para demonstrarmos a equivalência dos contextos

1
Dados disponíveis em: <https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/>. Último acesso em 26/05/2019.
estudados e os segundos para verificarmos as diferenças nos resultados da
implementação da política de assistência social em contextos assemelhados.
Para orientação de quais dados seriam relevantes para a gestão da política
de assistência social nos valemos das orientações contidas na Portaria MDS nº
113 de 2015 que regulamenta o planejamento, a execução e a prestação de
contas dos recursos transferidos na modalidade fundo a fundo dos Programas,
Projetos e dos Blocos de Financiamento dos serviços de Proteção Social Básica,
Especial de Média e de Alta Complexidade, além dos Índices de Gestão
Descentralizada do Programa Bolsa Família e do Sistema Único de Assistência
Social – SUAS.
Organizamos os dados dos municípios a partir das 26 DRADS (Diretorias
Regionais de Assistência e Desenvolvimento Social), órgãos descentralizados da
estrutura administrativa da Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento
Social de São Paulo, responsáveis pelo acompanhamento e apoio técnico aos
municípios paulistas.
Das 26 DRADS, 5 foram excluídas do escopo deste trabalho - Alta Paulista
em Dracena, Capital em São Paulo, Fernandópolis, Itapeva e Vale do Ribeira em
Registro – visto que não dispõem de municípios de grande porte. Também não
foram incluídas no escopo deste trabalho outras 8 DRADS: Alta Sorocabana
(Presidente Prudente), Avaré (Ourinhos), Barretos, Botucatu, Franca, Marília,
Mogiana (Mogi Guaçu) e São José do Rio Preto que dispunham de apenas um
município de grande porte, não sendo possível a comparação interna na
respectiva Direção Regional.
Das 13 DRADS que contêm mais de um município de grande porte – Alta
Noroeste em Araçatuba,Araraquara, Baixada Santista em Santos, Bauru,
Campinas, Grande São Paulo ABC em Santo André, Grande São Paulo Leste em
Mogi das Cruzes, Grande São Paulo Norte em Guarulhos, Grande São Paulo
Oeste em Osasco, Piracicaba,Ribeirão Preto, Sorocaba e Vale do Paraíba em
São José dos Campos – buscamos estabelecer critérios de similaridade
contextual, a partir de duas variáveis: contingente populacional e orçamento
anual. O desempenho no SUAS e o proxy para autonomia foram verificados
através das variáveis: Nivel de habilitação da gestão, Índices de gestão, Rede de
equipamentos (CRAS, CREAS e Centro POP) e Montante de recursos
repassados ao FMAS.
Com esse método, isolamos as variáveis que poderiam interferir no
resultado de nossa análise – contingente populacional, recursos orçamentários e
perfil regional – e assim verificamos se existe variação no desempenho e perfil
dos municípios na gestão local do SUAS em contextos equivalentes, sugerindo a
autonomia dos municípios em realizar suas escolhas de implementação de
políticas em seus territórios, mesmo sob forte coordenação central a partir dos
Sistemas Únicos.
Após aplicarmos os critérios de similaridade, apenas 7 DRADS tiveram
municípios equivalentes onde foi possível realizarmos a comparação dos dados:
a) DRADS Araraquara: Municípios de Araraquara e São Carlos2
Indicadores Araraquara São Carlos
Orçamento (2011) R$368.100.000,00 R$368.100.000,00
População (2010) 208662 221950
Extrema Pobreza (2010) 1,10% 0,9%
Orçamento Assistência Social (2011) 3,26% 1,49%
Gestão (2017) Plena Plena
IGD-M e IGD-SUAS (2018) 0,77 – 0 0,72 – 0,86
Nº CRAS, CREAS e Centro POP (2018) 10 – 1 – 1 5–1–1
Repasse CadÚnico – PBF (2018) R$212.806,84 R$129.774,30
Repasse PSB (2018) R$371.699,91 R$571.699,91
Repasse PSE (2018) R$893.670,00 R$147.060,00
Repasse Total (2018) R$1.491.623,02 R$1.033.720,46

São Carlos investe percentualmente menos da metade do orçamento de


Araraquara destinando a Assistência Social. Ambos possuem gestão plena do
SUAS, apresentando índices de gestão não equivalentes. Araraquara dispõe de
maior IGD-M e menor IGD-SUAS, que aparece zerado. Fato intrigante é que
mesmo Araraquara tendo maior rede, com o dobro de equipamentos sociais
voltados para proteção social básica (CRAS) que São Carlos, tem rendimento
pífio neste bloco de financiamento. Recebe, no entanto, recursos bem superiores
nos demais blocos, percebendo duas vezes mais referente ao CadÚnico/PBF e
oito vezes em relação a Proteção Social Especial, recebendo significativamente
maiores recursos no cômputo total.
b) DRADS Baixada Santista: Municípios de Guarujá, Praia Grande e
São Vicente
Indicadores Guarujá Praia Grande São Vicente

2
A análise mais detida de São Carlos e Araraquara se dá por uma demonstração mais direta de um
exemplo. Para as outras DRADS, os dados são apresentados e a análise geral é feita ao fim da apresentação.
Orçamento R$ 592.900.000 R$566.300.000 R$497.800.000

População 290752 262051 332445

Extrema Pobreza (%) 3,60% 2,80% 2,60%

Orçamento Assistência 5,87% 2,17% 3,09%


Social (%)
Gestão (habilitação) Básica Básica Plena
IGD-M e IGD-SUAS 0-1 0 – 0,62 0,83 – 0,78
Nº CRAS, CREAS e Centro 4–1-1 5–1–1 5–2-1
POP
Repasse CadÚnico - PBF R$87.598,36 R$184.543,04 R$340.475,96

Repasse Proteção Social R$271.699,91 R$271.699,91 R$271.699,91


Básica
Repasse Proteção Social R$109.515,00 R$290.625,00 R$1.329.750,00
Especial
Repasse Total R$569.373,27 R$746.867,95 R$2.041.925,87

c) DRADS Campinas: Municípios de Itatiba e Várzea Paulista;


municípios de Bragança Paulista, Santa Bárbara do Oeste e
Valinhos e por fim, municípios de Americana e Sumaré.
Indicadores Itatiba Várzea Paulista
Orçamento R$162.100.000 R$117.000.000

População 101471 107089

Extrema Pobreza (%) 1,30% 3,40%

Orçamento Assistência 4,49% 3,28%


Social (%)
Gestão (habilitação) Básica Básica
IGD-M e IGD-SUAS 0,77 – 0,72 0,83 – 0,69
Nº CRAS, CREAS e Centro 4–1-0 3–1-0
POP
Repasse CadÚnico - PBF R$32.376,69 R$43.479,16

Repasse Proteção Social R$185.956,74 R$108.300,00


Básica
Repasse Proteção Social R$233.850,00 R$77.656,74
Especial
Repasse Total R$509.210,09 R$248.576,48

Indicadores Bragança Paulista Santa Bárbara do Oeste Valinhos


Orçamento R$213.000.000 R$245.400.000 R$229.900.000
População 146744 180009 106793

Extrema Pobreza (%) 1,70% 0,80% 0,80%

Orçamento Assistência 2,98% 0% 2,94%


Social (%)
Gestão (habilitação) Básica Básica Básica
IGD-M e IGD-SUAS 0,84 – 0,68 0,89 – 0,67 0,81 – 0,69
Nº CRAS, CREAS e Centro 4–1-1 5–1-1 4–1-0
POP
Repasse CadÚnico - PBF R$96.464,01 R$117.417,32 R$23.393,29

Repasse Proteção Social R$439.500,00 R$838.049,91 R$185.956,77


Básica
Repasse Proteção Social R$567.099,91 R$511.500,00 R$68.310,00
Especial
Repasse Total R$1.103.013,92 R$1.762.665,11 R$277.660,03

Indicadores Americana Sumaré


Orçamento R$368.500.000 R$324.700.000

População 210638 2414311

Extrema Pobreza (%) 0,70% 2%

Orçamento Assistência 3,28% 4,05%


Social (%)
Gestão (habilitação) Plena Plena
IGD-M e IGD-SUAS 0,85 – 0,84 0,86 – 0,75
Nº CRAS, CREAS e Centro 6–1–0 8–1-0
POP
Repasse CadÚnico - PBF R$151.580,77 R$325.548,88

Repasse Proteção Social R$638.199,91 R$1.510.950,00


Básica
Repasse Proteção Social R$774.885,00 R$1.238.987,41
Especial
Repasse Total R$1.623.367,63 R$3.758.886,29

d) DRADS Grande São Paulo Leste em Mogi das Cruzes: Municípios


de Ferraz de Vasconcelos e Poá
Indicadores Ferraz de Vasconcelos Poá
Orçamento R$148.400.000 R$198.900.000

População 191993 116530

Extrema Pobreza (%) 4,60% 3,10%


Orçamento Assistência 3,20% 4,96%
Social (%)
Gestão (habilitação) Básica Plena
IGD-M e IGD-SUAS 0,83 – 0,57 0,85 – 0,84
Nº CRAS, CREAS e Centro 4–1–0 4–1-1
POP
Repasse CadÚnico - PBF R$210.330,35 R$233.095,49

Repasse Proteção Social R$601.907,99 R$1.045.906,74


Básica
Repasse Proteção Social R$342.710,00 R$698.350,00
Especial
Repasse Total R$1.218.577,08 R$2.028.773,81

DRADS Grande São Paulo Norte em Guarulhos: Municípios de


Francisco Morato e Franco da Rocha
Indicadores Francisco Morato Franco da Rocha
Orçamento R$151.500.000 R$120.800.000

População 154472 131604

Extrema Pobreza (%) 6,60% 3,50%

Orçamento Assistência 2,79% 1,91%


Social (%)
Gestão (habilitação) Básica Básica
IGD-M e IGD-SUAS 0,83 – 0,64 0,86 – 0,65
Nº CRAS, CREAS e Centro 5–1-1 4–1-0
POP
Repasse CadÚnico - PBF R$326.846,48 R$279.843,10

Repasse Proteção Social R$271.699,91 R$572.200,00


Básica
Repasse Proteção Social R$0,00 R$475.661,28
Especial
Repasse Total R$617.396,39 R$1.332.910,42

e) DRADS Grande São Paulo Oeste em Osasco: Municípios


Itapecerica da Serra e Jandira; municípios Embu das Artes e
Itapevi; e municípios de Cotia e Taboão da Serra.
Indicadores Itapecerica da Serra Jandira
Orçamento R$192.400.000 R$193.900.000

População 152614 108344


Extrema Pobreza (%) 4,70% 1,50%

Orçamento Assistência 2,88% 2,78%


Social (%)
Gestão (habilitação) Plena Básica
IGD-M e IGD-SUAS 0 – 0,76 0,87 – 0,91
Nº CRAS, CREAS e Centro 4–1–0 4–1-0
POP
Repasse CadÚnico - PBF R$213.077,40 R$152.439,92

Repasse Proteção Social R$693.564,91 R$322.412,23


Básica
Repasse Proteção Social R$422.380,00 R$117.800,00
Especial
Repasse Total R$1.349.056,89 R$634.252,15

Indicadores Embu das Artes Itapevi


Orçamento R$239.800.000 R$235.100.000

População 240230 200769

Extrema Pobreza (%) 4,10% 5%

Orçamento Assistência 2,21% 2,31%


Social (%)
Gestão (habilitação) Plena Básica
IGD-M e IGD-SUAS 0,88 – 0,68 0 – 0,5
Nº CRAS, CREAS e Centro 9–1-1 4–1-1
POP
Repasse CadÚnico - PBF R$617.055,47 R$376.511,45

Repasse Proteção Social R$860.874,91 R$500.951,57


Básica
Repasse Proteção Social R$570.200,00 R$211.600,00
Especial
Repasse Total R$2.089.538,14 R$1.304.104,44

Indicadores Cotia Taboão da Serra


Orçamento R$327.200.000 R$353.900.000

População 201150 244528

Extrema Pobreza (%) 3,60% 2,70%

Orçamento Assistência 1,70% 1,60%


Social (%)
Gestão (habilitação) Básica Plena
IGD-M e IGD-SUAS 0.8 – 0,83 0,78 – 0,91
Nº CRAS, CREAS e Centro 6–1-0 7–1-1
POP
Repasse CadÚnico - PBF R$66.357,73 R$438.207,59

Repasse Proteção Social R$505.274,91 R$1.115.620,86


Básica

Repasse Proteção Social R$472.155,00 R$1.089.004,51


Especial
Repasse Total R$1.078.736,02 R$3.005.561,80

f) DRADS Sorocaba: Municípios de Salto, Tatuí e Votorantim.


Indicadores Salto Tatuí Votorantim
Orçamento R$160.900.000 R$162.700.000 R$158.900.000

População 105516 107326 108809

Extrema Pobreza (%) 0,80% 2% 1,10%

Orçamento Assistência 0,64% 0,73% 1,28%


Social (%)
Gestão (habilitação) Básica Básica Básica
IGD-M e IGD-SUAS 0 – 0,8 0,77 – 0,74 0 – 0,6
Nº CRAS, CREAS e Centro 4–1–0 4–1-0 3–1-0
POP
Repasse CadÚnico - PBF R$45.453,63 R$241.330,78 R$110.723,38

Repasse Proteção Social R$185.956,74 R$241.330,78 R$223.484,29


Básica
Repasse Proteção Social
Especial
Repasse Total R$635.710,37 R$372.961,94 R$581.077,01

g) DRADS Vale do Paraíba em São José dos Campos: Municípios de


Caraguatatuba e Pindamonhangaba e municípios de Jacareí e
Taubaté.
Indicadores Caraguatatuba Pindamonhangaba
Orçamento R$217.200.000 R$218.200.000

População 100840 146995

Extrema Pobreza (%) 2,90% 1,80%

Orçamento Assistência 3,84% 3,97%


Social (%)
Gestão (habilitação) Plena Básica
IGD-M e IGD-SUAS 0,8 – 0,83 0 – 0,58
Nº CRAS, CREAS e Centro 5–1–0 5–1-0
POP
Repasse CadÚnico - PBF R$86.726,86 R$64.663,70

Repasse Proteção Social R$263.796,74 R$460.426,57


Básica

Repasse Proteção Social R$0,00 R$148.150,00


Especial
Repasse Total R$420.519,99 R$719.778,07

Achados:
O porte do município não é um indicador sensível para organizar
metodologicamente a comparação entre municípios. O intervalo da classificação
de grande porte (100 a 900 mil habitantes) agrupa matizes muito grandes de
perfis municipais. Um fator importante, neste sentido, são as diferenças regionais:
mesmo compondo o mesmo estado, as regiões paulistas possuem características
muito diferentes (região metropolitana, litoral, interior), tanto no que se refere às
atividades econômicas e até mesmo características culturais. Assim o método
utilizado foi importante para agrupar e comparar de fato municípios de grande
porte equivalentes.
Pudemos observar que a maior quantidade de recursos orçamentários
investidos na área de assistência social não se correlaciona a melhor ou pior
desempenho no SUAS. Ao mesmo tempo, IGD e IGD-SUAS não guardam relação
direta com o montante de recursos repassados.
O nível de habilitação da gestão do SUAS não está diretamente ligada ao
montante orçamentário ou contingente populacional do município: há municípios
com menores estruturas e gestão plena; e municípios maiores com gestão básica.
A estrutura de rede (nº de CRAS, CREAS e Centro POP), embora faça
diferença no IGD-SUAS e amplie os atendimentos realizados não é decisivo na
ampliação dos repasses, visto que especialmente a proteção especial é realizada
hegemonicamente por entidades sociais credenciadas.
De maneira geral, observamos que municípios equivalentes apresentam
escolhas e resultados diferentes em relação ao SUAS, o que indica que mesmo
sujeito aos mesmos estímulos externos, há fatores internos que condicionam as
escolhas e o desenho de política a ser implementada em seu território. Assim, a
adesão dos municípios ao SUAS não significa necessariamente a difusão da
política, visto que há espaço para, mesmo aderindo, o município possa construir
trajetória diferenciada.
Importante salientar a limitação deste estudo, que não observou séries
históricas, estando limitado aos indicadores de gestão do SUAS referentes ao ano
de 2018, e dados demográficos e orçamentários relativos a 2010 e 2011.

4- Como o modelo de Difusão de políticas pode contribuir com esse debate?


Quais suas contribuições e limites?

Modelos de difusão certamente oferecem uma alternativa à abordagem


hegemônica na literatura nacional, que condiciona a decisão e a implementação
de políticas locais às regras e a indução do governo central.
Segundo Coêlho(2016), autores nacionais frequentemente investigam
fenômenos de difusão como sinônimo de descentralização.Os pressupostos
teórico-metodológicos do modelo de difusão podem contribuir com informações
mais sofisticadas que abranjam características endógenas e exógenas dos
governos. Análises cunhadas exclusivamente no papel indutor do governo central
revelam-se insuficientes, visto que não controlam um conjunto de elementos que
influenciam o comportamento dos atores locais e as políticas públicas.
Neste sentido, a partir dos dados aqui demonstrados, podemos pensar que
a difusão do SUAS foi uma estratégia e ação coordenada pelo governo central
que o criou para organizar a prestação dos serviços. Contudo, é uma variável
dependente, que está vinculada a perfis internos, processos de cooperação e
interesses locais. Mesmo havendo uma vinculação formal ao SUAS, a ideia da
política pode não ser incorporada completamente pela municipalidade. Assim, há
um desafio: Como medir a difusão?
Quanto às evidências da interferência dos Sistemas Únicos na difusão de
políticas sociais, esta se dá, em primeiro lugar, pela adesão quase completa dos
municípios aos Sistemas. Mas a adesão não significa difusão completa de
programas e ações governamentais, por conta da dinâmica própria e da
diversidade da ação governamental nos diferentes municípios, que dispõem de
estratégias próprias para lidar com a indução federal, isto é, autonomia.
A quantificação que lida com a adesão como indicativo de difusão de
políticas públicas não capta peculiaridades que podem ser vistas na política de
assistência social por outras variáveis. Neste estudo, a atestação de municípios
semelhantes em diversas características internas – que deveriam aderir e
aderem, conforme a maneira que a literatura assume a difusão – terem a
implementação e mesmo a formulação da política de Assistência Social de forma
diversa ainda dentro do SUAS.
Além disso, cabe analisar demais variáveis que se estendem para além
deste estudo, como por exemplo as diversas fontes que montam os IGDMs, ou
mesmo a necessidade de instrumentos de coordenação e pactuação (CIBs).

Acreditamos que a coordenação no federalismo brasileiro direciona a


difusão de políticas públicas através dos Sistemas Únicos de políticas sociais,
muito embora haja espaço para o exercício da autonomia na realidade local e
portanto espaço para mecanismos de difusão como aprendizado e emulação de
ideias inovadoras.
Quanto a estes modelos de difusão, o estudo a partir das DRADS se revela
promissor para verificar o fenômeno, visto que o governo do estado de São Paulo,
pode ter um papel importante no processo de disseminação do SUAS a partir de
apoio técnico e acompanhamento dos municípios, direcionando as ações
municipais, capacitando os técnicos e criando um grupo regional que compartilhe
a mesma visão da política de AS.

Para Oliveira e Faria (2017) há questões metodológicas a superar para o


desenvolvimento da agenda de pesquisa sobre difusão no Brasil. A diversidade
terminológica e a falta de diálogo entre os estudiosos são fundamentais para o
aperfeiçoamento e adaptação do Método. Como a maior parte dos estudos
investigaram instituições dos EUA e Europa, faltam conceitos
adequados,estratégias analíticas e abordagens capazes de explicar a inovação e
circulação de políticas em nosso contexto.
Por fim, cabe analisar futuramente a questão de dependência da trajetória
prévia ao estabelecimento dos Sistemas Únicos. A Assistência Social proposta
pelo SUAS rompe com olhar conservador da área, anteriormente vista como
caridade, para que seja reconhecida como política pública e dever do Estado. O
papel dos profissionais e técnicos da área militaram para a construção da
hegemonia das ideias sobre a política (comunidade epistêmica), que pode colidir
com interesses clientelistas dos políticos locais (vereadores que dispensam ações
assistencialistas aos seus eleitores) e também a entidades sociais que já vinham
prestando serviços antes do SUAS e que ficam com grande parte dos recursos
disponibilizados para área. Assim é necessário investigar se existe de fato
tensionamento e conflito com a diretriz do Sistema no que se refere a prevalência
da prestação de serviços públicos.

Contudo, em que pese as importantes contribuições que o modelo de


difusão de políticas pode acrescentar, não se pode tratar de difusão de políticas
sociais no Brasil sem levar em conta a dinâmica intergovernamental e as variáveis
autonomia e coordenação, sob o risco de não refletir a realidade federativa
brasileira, especialmente em se tratando de políticas que são organizadas através
sistemas nacionais. Compreender ainda espaços de pactuação entre os entes
federativos (como as Comissões Bipartites - CIBs), bem como avaliar a
importância das Conferências Nacionais e Estaduais, visto que são espaços de
relacionamento entre os atores, podem facilitar a difusão de inovações políticas e
apontar o locus da explicação da diversidade local e seus mecanismos.

5- Referências Bibliográficas
ABRUCIO, F.L.. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período
FHC e os desafios do governo Lula. Rev. Sociol. Polit. [online].2005, n.24, pp.41-
67.ISSN 1678-9873.http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782005000100005
_______. Para além da descentralização: os desafios da coordenação federativa
no Brasil. Democracia, descentralização e desenvolvimento: Brasil e Espanha.
Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 77-125, 2006.
_______. A dinâmica federativa da educação brasileira: diagnóstico e propostas
de aperfeiçoamento. Educação e federalismo no Brasil: combater as
desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: UNESCO, v. 20102010, p. 01-29,
2010.
_______; FRANZESE, Cibele. Federalismo e políticas públicas: o impacto das
relações intergovernamentais no Brasil. Tópicos de economia paulista para
gestores públicos, v. 1, p. 13-31, 2007.
ALMEIDA, M. H. T. Federalismo e Políticas Sociais. In: Descentralização e
Políticas Sociais. São Paulo: Fundap, 1995, p. 88-108.

ANASTÁCIO, K . Difusão de Políticas Públicas & Tecnologia: expansão das


Cidades Digitais no Brasil. 9º Congresso Latinoamericano de Ciência
Política(ALACIP). Montevideu,julho de 2017. Disponível em
http://www.congresoalacip2017.org/arquivo/downloadpublic2?q=YToyOntzOjY6In
BhcmFtcyI7czozNToiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjE3MzYiO30iO
3M6MToiaCI7czozMjoiOGJiZmM3YjY5NTZmNDlhYTQ5ZTQwZDEwMDc4ZjJlOW
IiO30%3D. acesso em 15 de julho 2018.
ANDRADE, Marta Campagnoni; CASTANHEIRA, Elen Rose Lodeiro. Cooperação
e apoio técnico entre estado e municípios: a experiência do programa
articuladores da atenção básica em São Paulo. Saúde e Sociedade, v. 20, p. 980-
990, 2011.
ARRETCHE, M. T. S. Mitos da descentralização: mais democracia e eficiência
nas Políticas Públicas? Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.31, ano 11, 1996,
p.44-66.
______. Políticas sociais no Brasil: descentralização em um Estado federativo.
Rev. Brasileira de. Ciências Sociais., vol.14 n.40 São Paulo Jun, 1999.
_______. Relações federativas nas políticas sociais. Educação & Sociedade, v.
23, n. 80, p. 25-48, 2002.
_______. Financiamento federal e gestão local de políticas sociais: o difícil
equilíbrio entre regulação, responsabilidade e autonomia. Ciência & Saúde
Coletiva, v. 8, p. 331-345, 2003.
______. Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e
autonomia. São Paulo Perspec. vol.18 no.2 São Paulo Apr./June 2004
BERRY, Frances Stokes; BERRY, William D. Innovation and Diusion Models in
Policy Research.In: Theoriesofthepolicyprocess. Routledge, 2018. p. 263-308.

BICHIR, R. Os mecanismos de coordenação federal do Programa Bolsa


Família.Ciência Política, Associação Brasileira de Ciência Política. Disponível
em:<http://www.cienciapolitica.org.br/wp-
content/uploads/2014/04/28_6_2012_22_3_15.pdf>. Acesso em: 28 set. 2015.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria


Nacionalde Assistência Social. NORMA OPERACIONAL BÁSICA – NOB/SUAS.
Aprovadapela Resolução nº 33, de 12 de dezembro de 2012, do CNAS, 2012
COÊLHO, D.B. Mecanismos Políticos e Institucionais da Difusão de Políticas.
In:FARIA, COÊLHO E SILVA(org). Difusão de Políticas. São Bernardo do Campo:
Editora UFABC, 2016
________; CAVALCANTE, Pedro; TURGEON, Mathieu. Mecanismos de difusão
de políticas sociais no Brasil: uma análise do Programa Saúde da Família. Revista
de Sociologia e Política, v. 24, n. 58, p. 145-165, 2016.
COSTA, B e PALOTTI, P. Relações intergovernamentais e descentralização: uma
análise da implementação do SUAS em Minas Gerais. Revista Sociologia e
Política,vol. 19, nº 39, jun.2011.
DUTRA, W. Z.; FILHO, P. R. D. Modelos de indução federal em perspectiva
comparada: os casos da saúde e habitação. 38o ENCONTRO ANUAL DA
ANPOCS, 27 a 31 de outubro de 2014, Caxambu-MG. Disponível em:
<http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gi
d=9118&Itemid=456>. Acesso em: 30 set. 2015.
FRANZESE, Cibele; ABRUCIO, Fernando Luiz. Efeitos recíprocos entre
federalismo e políticas públicas no Brasil: os casos dos sistemas de saúde, de
assistência social e de educação. In: Federalismo e políticas públicas no Brasil.
2013. p. 361-386.
GOMES, S.. Políticas Nacionais e Implementação Subnacional: uma revisão da
descentralização pós-Fundef. Dados (Rio de Janeiro. Impresso), v. 52, p. 659-
690, 2009.
LICIO, E. C.; MESQUITA, C. S.; CURRALERO, C. R. B. Desafios para a
coordenação
intergovernamental do Programa Bolsa Família. Revista de Administração de
Empresas,São Paulo, v. 51, n. 5, p. 458-470, 2011
MARQUES, Eduardo; ARRETCHE, Marta. Condicionantes locais da
descentralização das políticas de saúde. Caderno Crh, v. 16, n. 39, 2006.
MELO, M. Difundindo a difusão (prefácio). In: FARIA, COÊLHO E SILVA(org).
Difusão de Políticas. São Bernardo do Campo: Editora UFABC, 2016
OLIVEIRA, O. P e FARIA, C.A.P. PolicyTransfer, DiffusionandCirculation:
ResearchTraditionsandtheStateofthe Discipline in Brazil. In: Revista Novos
Estudos. V.36. São Paulo: Cebrap, 2017
SANTOS, A.M.S.P. Descentralização e autonomia municipal: uma análise das
transformações institucionais no federalismo brasileiro. Revista GEO UERJ, ano
14, n.23, vol. 2, 2012, p. 825-852
SHIPAN, Charles R.; VOLDEN, Craig. Bottom‐up Federalism: the diffusion of
antismoking policies from US cities to states. American journalofpoliticalscience, v.
50, n. 4, p. 825-843, 2006.
SILVA, A.L.N. Os estados no SUAS: uma análise da capacidade institucional dos
governos estaduais. Rio de Janeiro, Revista Administração Pública, n.49,
setembro/outubro, 2015.
SNYDER
SOUZA, Celina. Governos locais e gestão de políticas sociais universais. São
Paulo em perspectiva, v. 18, n. 2, p. 27-41, 2004.
TOMIO, F. R. de. L. A criação de municípios após a Constituição de 1988. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 48, v. 17, fev. 2002.

Você também pode gostar