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1994

LICITUDE DA AMEAÇA OU USO DE ARMAS NUCLEARES


(1994-1996)

23. Parecer Consultivo de 8 de julho de 1996

A Corte emitiu seu parecer consultivo sobre a demanda apresentada pela Assembléia Geral das
Nações Unidas no caso concernente à licitude da ameaça ou uso de armas nucleares. O parágrafo final do
parecer dispõe:

“Por estas razões,

A Corte,

1) Por 13 votos a 1,

Decide atender à demanda por um parecer consultivo;

A FAVOR: Presidente Bedjaoui; Vice-Presidente Schwebel; juízes Guillaume, Shahabuddeen,


Weeramantry, Ranjeva, Herczegh, Shi, Fleishchhauer, Koroma, Vereshchetin, Ferrari Bravo, Higgins;

CONTRA: juiz Oda;

2) Responde da seguinte maneira à questão colocada pela Assembléia Geral:

A. Unanimemente,

Não há nem no direito internacional costumeiro nem no direito internacional convencional qualquer
autorização específica da ameaça ou uso de armas nucleares;

B. Por 11 votos a 3,

Não há nem no direito internacional costumeiro nem no direito internacional convencional qualquer
proibição completa e universal da ameaça ou uso de armas nucleares como tais;

A FAVOR: Presidente Bedjaoui; Vice-Presidente Schwebel; juízes Oda, Guillaume, Ranjeva,


Herczegh, Shi, Fleishchhauer, Vereshchetin, Ferrari Bravo, Higgins;

CONTRA: juízes Shahabuddeen, Weeramantry, Koroma;

C. Unanimemente,

É ilícita a ameaça ou uso de força por meio de armas nucleares, que será contrária ao artigo 2º,
parágrafo 4º, da Carta das Nações Unidas e que deixará de satisfazer todos os requisitos do artigo 51;

D. Unanimemente,

Uma ameaça ou uso de armas nucleares deve também ser compatível com as exigências do direito
internacional aplicável ao conflito armado, particularmente com aqueles princípios e regras do direito
internacional humanitário, bem como com obrigações específicas em virtude de tratados ou outros
compromissos que lidam expressamente com armas nucleares;

E. Por 7 votos a 7, com o voto de desempate do Presidente,


Entende-se das exigências acima mencionadas que a ameaça ou uso de armas nucleares seria
geralmente contrária às regras de direito internacional aplicável ao conflito armado, e, em particular, aos
princípios e regras de direito humanitário;

Tendo em vista o estado atual do direito internacional, bem como os elementos de fato de que dispõe,
a Corte não pode, entretanto, concluir definitivamente se a ameaça ou uso de armas nucleares seria lícita ou
ilícita em uma circunstância extrema de legítima defesa, na qual a própria sobrevivência de um Estado
estivesse em jogo;

A FAVOR: Presidente Bedjaoui; juízes Ranjeva, Herczegh, Shi, Fleishchhauer, Vereshchetin, Ferrari
Bravo;

CONTRA: Vice-Presidente Schwebel; juízes Oda, Guillaume, Shahabuddeen, Weeramantry,


Koroma, Higgins;

F. Unanimemente;

Existe uma obrigação de seguir com boa-fé e levar a termo negociações dirigidas para o
desarmamento nuclear em todos os seus aspectos sob um controle internacional estrito e eficaz.”

A Corte estava composta como se segue: Presidente Bedjaoui; Vice-Presidente Schwebel; juízes
Oda, Guillaume, Ranjeva, Herczegh, Shi, Fleishchhauer, Vereshchetin, Ferrari Bravo, Higgins;
Shahabuddeen, Weeramantry, e Koroma; secretário Valencia Ospina.

O Presidente Bedjaoui e os juízes Herczegh, Shi, Vereshchetin e Ferrari Bravo apensaram


declarações ao parecer da Corte; os juízes Guillaume, Ranjeva e Fleishchhauer apensaram suas opiniões
individuais; o Vice-Presidente Schwebel e os juízes Oda, Shahabuddeen, Weeramantry, Koroma e Higgins
apensaram opiniões dissidentes.

Apresentação da demanda e procedimento subseqüente (parágrafo 1º ao 9º)

A Corte, inicialmente, relembrou que por uma carta datada de 19 de dezembro de 1994, depositada
na Secretaria em 6 de janeiro de 1995, o Secretário Geral das Nações Unidas oficialmente comunicou ao
Secretário a decisão tomada pela Assembléia Geral de submeter a questão à Corte para um parecer consultivo.
O parágrafo final da Resolução 49/75 K, adotada pela Assembléia Geral em 15 de dezembro de 1994, que
enunciava a questão, estabelece que a Assembléia Geral:

“Decide, segundo o artigo 96, parágrafo 1º, da Carta das Nações Unidas, demandar à Corte
Internacional de Justiça, urgentemente, um parecer consultivo sobre a seguinte questão: “É permitido em
direito internacional recorrer à ameaça ou uso de armas nucleares em qualquer circunstância?”

A Corte recapitulou as várias etapas do procedimento.

Competência da Corte (parágrafo 10 ao 18)

A Corte, inicialmente, considerou a questão de saber se tinha competência para proferir uma resposta
à demanda da Assembléia Geral por um parecer e, em caso afirmativo, se existia razões para que ela se
recusasse a exercer tal competência.

A Corte observou que sua competência para proferir um parecer advém do artigo 65, parágrafo 1º, de
seu Estatuto, e que o artigo 96, parágrafo 1º da Carta estabelece:

“A Assembléia Geral ou o Conselho de Segurança podem demandar à Corte Internacional de Justiça


um parecer consultivo sobre qualquer questão jurídica”.
Alguns Estados que se opuseram à emissão de um parecer pela Corte no presente caso sustentaram
que a Assembléia Geral e o Conselho de Segurança somente poderiam solicitar um parecer sobre uma
questão jurídica se esta se encontrasse no quadro de suas atividades. No entender da Corte, pouco importa se
esta interpretação do artigo 96, parágrafo 1º, é ou não é correta; no presente caso, a Assembléia Geral tem
competência em qualquer estado de causa para acionar a Corte. Referindo-se aos artigos 10, 11 e 13 da Carta,
a Corte constatou que a questão que lhe foi colocada tem relevância em vários aspectos das atividades e
preocupações da Assembléia Geral, incluindo aqueles relacionados à ameaça e uso da força nas relações
internacionais, ao processo de desarmamento, e ao desenvolvimento progressivo do direito internacional.

“Questão jurídica” (parágrafo 13)

A Corte observou que já teve a ocasião de indicar que as questões:

“compostas em termos jurídicos e levantando problemas de direito internacional … são, por sua própria
natureza, suscetíveis de receber uma resposta baseada em direito… [e] têm, em princípio, um caráter jurídico”
(Saara Ocidental, parecer consultivo, C.I.J. Rec. 1975, p. 18, parágrafo 15).

A Corte decidiu que a questão que lhe foi colocada pela Assembléia Geral é de fato uma questão
jurídica, uma vez que foi demandada para decidir sobre a compatibilidade da ameaça ou uso de armas
nucleares com os relevantes princípios e regras de direito internacional. Para fazê-lo, a Corte deveria
determinar os princípios e regras existentes, interpretá-los e aplicá-los à ameaça ou uso de armas nucleares,
oferecendo, assim, uma resposta à questão fundada em direito.

O fato de que tal questão se reveste de aspectos políticos, assim como, pela natureza das relações
internacionais, é o caso de um grande número de questões que surgem na vida internacional, não basta para
privá-la de sua característica de “questão jurídica” e para “privar a Corte de uma competência que lhe é
expressamente conferida pelo seu Estatuto”. A natureza política dos motivos que inspiraram a demanda e as
implicações políticas que o parecer pode ter também não eram importantes para o estabelecimento de sua
competência para proferir tal parecer.

Poder discricionário da Corte para proferir um parecer consultivo (parágrafo 14 ao 19)

O artigo 65, parágrafo 1º do Estatuto estabelece que: “A Corte pode proferir um parecer
consultivo...” (Grifo da Corte.) Não se trata somente de uma disposição apresentando o caráter de uma
autorização. Como a Corte tem repetidamente enfatizado, seu Estatuto lhe concede o poder discricionário de
decidir se deve ou não proferir um parecer consultivo que lhe foi demandado, uma vez que tenha estabelecido
sua competência para fazê-lo. Neste contexto, a Corte já teve a ocasião de observar o seguinte:

“O parecer é proferido pela Corte não aos Estados, mas ao órgão autorizado a demandá-lo; a resposta
constitui uma participação da Corte, ela mesma um ‘órgão das Nações Unidas’, à ação da Organização e, em
princípio, não deveria ser recusada.” (Interpretação dos Tratados de Paz Concluídos com a Bulgária,
Hungria e Romênia, primeira fase, parecer consultivo, C. I.J. Rec. 1950, p. 71.)

Na história da presente Corte, nenhuma recusa baseada no seu poder discricionário de dar
seguimento a uma demanda por um parecer foi registrada; no caso concernente à Licitude do Uso de Armas
Nucleares por um Estado em um Conflito Armado, a recusa em dar à Organização Mundial da Saúde o
parecer demandado por ela, foi justificada pela falta de competência da Corte naquele caso.

Vários motivos foram invocados no presente caso para convencer a Corte de que ela deveria, no
exercício de seu poder discricionário, recusar-se a emitir o parecer demandado pela Assembléia Geral. Alguns
Estados, sustentando que a questão levada à Corte era vaga e abstrata, quiseram dizer que não existia
nenhuma disputa específica, portando sobre o objeto da questão. Com o objetivo de responder a este
argumento, foi necessário distinguir entre as condições que regem o procedimento contencioso e as condições
que se aplicam aos pareceres consultivos. A finalidade da função consultiva não é de solucionar – ao menos
diretamente – as disputas entre Estados, mas de dar conselhos de ordem jurídica aos órgãos e instituições que
demandarem o parecer. O fato de que a questão levada à Corte não tratava de uma disputa específica não
poderia, conseqüentemente, levá-la a se recusar a emitir o parecer solicitado. Outros argumentos
relacionavam-se: ao receio de que o caráter abstrato da questão pudesse conduzir a Corte a se pronunciar
sobre hipóteses ou a entrar em conjecturas fora do quadro de sua função judicial; ao fato de que a Assembléia
Geral não explicou à Corte para quais fins precisos ela solicita o parecer consultivo; ao fato de que a resposta
da Corte neste caso poderia ser prejudicial às negociações sobre desarmamento e seria, em conseqüência,
contrária ao interesse das Nações Unidas; e que, ao responder à questão apresentada, a Corte ultrapassaria sua
função judicial e entraria em uma função legislativa.

A Corte não aceitou estes argumentos e concluiu que tinha competência para proferir um parecer
sobre a questão proposta pela Assembléia Geral e que não existia nenhuma “razão decisiva” para que ela
usasse de seu poder discricionário de não proferir este parecer. Ela salientou, entretanto, que outro ponto seria
o de saber se a Corte, levando-se em conta as exigências que se apresentam sobre ela enquanto um órgão
judicial, seria capaz de responder completamente à questão que lhe foi apresentada, o que, de qualquer
maneira, é diferente de uma recusa de responder.

Formulação da questão apresentada (parágrafo 20 ao 22)

A Corte decidiu ser desnecessário pronunciar-se sobre as possíveis divergências entre textos ingleses
e franceses da questão apresentada. O seu verdadeiro objetivo era claro: determinar a licitude ou ilicitude da
ameaça ou uso de armas nucleares. Conseqüentemente, a Corte constatou que nem o argumento visando as
conclusões jurídicas a serem tiradas do emprego da palavra “permitido”, nem as questões de ônus da prova
que surgiram apresentavam importância particular a fim de solucionar os problemas levados à Corte.

O direito aplicável (parágrafo 23 ao 34)

Buscando uma resposta para a questão apresentada pela Assembléia Geral, a Corte deveria
determinar, após o exame do amplo conjunto de normas de direito internacional disponível, qual poderia ser
o direito pertinente aplicável.

A Corte considerou que é unicamente em relação ao direito aplicável em conflitos armados, e não
em relação ao Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, que se deve dizer, como alegado por
alguns proponentes da ilicitude do uso de armas nucleares, se as mortes provocadas pelo uso de um certo tipo
de arma durante um conflito armado devem ser consideradas como uma privação arbitrária da vida, contrária
ao artigo 6º do Pacto. A Corte também ressaltou que a proibição do genocídio seria pertinente neste caso se
fosse estabelecido que o recurso às armas nucleares comportasse efetivamente o elemento da
intencionalidade, dirigido contra um grupo como tal, como exigido pelo artigo II da Convenção sobre
Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. No entender da Corte, apenas seria possível chegar a tal
conclusão depois de levadas em conta as circunstâncias específicas de cada caso. A Corte também constatou
que, se o direito internacional existente relativo à proteção e à salvaguarda do meio ambiente não proíbe
especificamente o uso de armas nucleares, ele indica importantes considerações de ordem ecológica que
devem ser levadas em conta no quadro da implementação dos princípios e regras do direito aplicável em
conflitos armados.

À luz do exposto, a Corte concluiu que o direito aplicável mais diretamente à questão era o direito
relativo ao uso da força, tal como consagrado pela Carta das Nações Unidas, e o direito aplicável em conflitos
armados, que regula a conduta das hostilidades bem como todos os tratados concernentes especificamente às
armas nucleares que a Corte possa determinar como sendo relevantes.

Características próprias das armas nucleares (parágrafos 35 e 36)

A Corte observou que com vistas a aplicar corretamente ao presente caso o direito da Carta
concernente ao uso da força e o direito aplicável aos conflitos armados, em particular o direito humanitário, é
imperativo que leve em conta as características próprias das armas nucleares, e, em particular, seu poder
destrutivo, sua capacidade de causar sofrimentos terríveis ao homem, bem como seu poder de causar danos às
gerações futuras.
Disposições da Carta relacionadas à ameaça ou uso da força (parágrafo 37 ao 50)

A Corte analisou a questão da licitude ou ilicitude do recurso às armas nucleares à luz das
disposições da Carta relacionadas com a ameaça ou uso da força.

O artigo 2º, parágrafo 4º da Carta, proíbe a ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou
independência política de qualquer Estado ou de qualquer outra maneira incompatível com os objetivos das
Nações Unidas.

Esta proibição do uso da força deve ser considerada tendo em vista outras disposições pertinentes da
Carta. Seu artigo 51 reconhece o direito inerente de legítima defesa, individual ou coletiva, em caso de
agressão armada. Um outro recurso lícito ao uso da força está disposto no artigo 42, segundo o qual o
Conselho de Segurança pode tomar medidas coercitivas de ordem militar em conformidade com o Capítulo
VII da Carta.

Estas disposições não se referem a armas específicas. Elas se aplicam a qualquer uso da força,
independentemente das armas empregadas. A Carta não proíbe ou permite expressamente o emprego de
alguma arma específica, incluindo armas nucleares.

O direito de recorrer à legítima defesa, conforme o artigo 51, está sujeito às condições de
necessidade e proporcionalidade. Como a Corte estabeleceu no caso concernente às Atividades Militares e
Paramilitares na e contra a Nicarágua (Nicarágua v. Estados Unidos da América) (C.I.J. Rec. 1986, p. 94,
parágrafo 176): há uma “regra específica ... bem estabelecida em direito internacional costumeiro” segundo a
qual “a legítima defesa somente justificaria medidas proporcionais à agressão armada sofrida e necessárias
para respondê-la”.

O princípio da proporcionalidade não pode por ele mesmo excluir o uso de armas nucleares em
legítima defesa, em qualquer circunstância. Mas, ao mesmo tempo, o uso da força que seria proporcional
conforme o direito à legítima defesa deve, para ser lícito, satisfazer as exigências do direito aplicável em
conflitos armados, em particular, os princípios e regras de direito humanitário. A Corte observou que a
verdadeira natureza de todas as armas nucleares e os graves riscos que lhe são associados são considerações
suplementares a serem lembradas pelos Estados que acreditam poder exercer uma resposta nuclear em
legítima defesa respeitando as exigências da proporcionalidade.

Com o objetivo de diminuir ou eliminar os riscos de agressão ilícita, os Estados algumas vezes
sinalizam que possuem certas armas destinadas a serem empregadas em legítima defesa contra qualquer
Estado que viole sua integridade territorial ou independência política. A questão de saber se uma intenção
evidente de recorrer ao uso da força, no caso de certos eventos se produzirem, constitui ou não uma “ameaça”
conforme o artigo 2º, parágrafo 4º da Carta, depende de vários fatores. As noções de “ameaça” e “uso” da
força sob o artigo 2º, parágrafo 4º da Carta mantêm-se unidas no sentido de que se, em um determinado caso,
o emprego da força é ilícito – por qualquer razão que seja–, a ameaça de recorrer a ele igualmente o será. Em
resumo, um Estado só pode, de maneira lícita, se declarar pronto a usar a força se este uso estiver em
conformidade com a Carta. Por fim, nenhum Estado – que defenda ou não a política de dissuasão – sustentou
perante a Corte que seria lícito ameaçar a usar a força no caso em que o uso da força seria ilícito.

Regras que regem a licitude ou ilicitude das armas nucleares como tais (parágrafo 49 ao 73)

A Corte, depois de examinar as disposições da Carta relativas à ameaça ou uso da força, voltou-se
para o direito aplicável em situações de conflito armado. Ela inicialmente tratou da questão de saber se
existem regras específicas em direito internacional regulando a licitude ou ilicitude do recurso às armas
nucleares; examinou, então, a questão que lhe foi colocada à luz do direito aplicável em conflitos armados,
isto é, dos princípios e regras de direito humanitário aplicáveis em conflitos armados, e do direito da
neutralidade.

A Corte observou, a título introdutório, que o direito internacional costumeiro e o direito dos tratados
internacionais não contêm qualquer prescrição específica autorizando a ameaça ou uso de armas nucleares ou
qualquer outra arma em geral ou em certas circunstâncias, em particular aquelas ligadas ao exercício
justificado de legítima defesa. Entretanto, também não há qualquer princípio ou regra de direito internacional
que torne dependente de uma autorização específica a licitude da ameaça ou uso de armas nucleares ou
qualquer outra arma. A prática dos Estados mostra que a ilicitude do uso de certas armas não resulta da
ausência de autorização mas, pelo contrário, é formulada em termos de proibição.

Não pareceu à Corte que o uso de armas nucleares pudesse ser considerado como proibido com base
em certas disposições da Segunda Declaração de 1899, do Regulamento anexado à Convenção IV de 1907 ou
do Protocolo de Genebra de 1925. A tendência foi, até o presente, no que concerne às armas de destruição em
massa, de declará-las ilícitas devido à adoção de instrumentos específicos. A Corte não encontrou qualquer
proibição específica ao recurso às armas nucleares nos tratados que proíbem expressamente o uso de certas
armas de destruição em massa; e observou que, no curso das duas últimas décadas, várias negociações
ocorreram a respeito das armas nucleares, não resultando em um tratado de proibição geral do mesmo tipo
que para as armas químicas e bacteriológicas.

A Corte notou que tratados relacionados exclusivamente com a aquisição, manufatura, posse,
distribuição e teste de armas nucleares, sem tratar especificamente da ameaça ou uso destas armas, certamente
apontam para uma crescente preocupação da comunidade internacional acerca destas armas. Desta forma, a
Corte concluiu que esses tratados poderiam, portanto, ser vistos como anunciando uma futura proibição geral
do uso de tais armas, mas que eles próprios não comportam tal proibição. Quanto aos tratados de Tlatelolco e
Rarotonga e seus protocolos, bem como as declarações feitas no contexto da prorrogação indefinida do
Tratado sobre a não Proliferação de Armas Nucleares, conclui-se que:

a) Vários Estados se comprometeram a não usar armas nucleares em zonas específicas (América
Latina; Pacífico Sul) ou contra outros Estados (Estados sem armas nucleares partes no Tratado de não
Proliferação das Armas Nucleares);

b) Contudo, até mesmo nestes termos, os Estados com armas nucleares se reservaram o direito de
recorrer a estas armas em certas circunstâncias; e

c) Estas reservas não encontram objeção das partes nos Tratados de Tlatelolco, Rarotonga ou do
Conselho de Segurança.

A Corte, então, voltou-se para o exame do direito internacional costumeiro a fim de determinar se a
proibição de ameaça ou uso de armas nucleares pode ser extraída desta fonte de direito.

A Corte observou que os membros da comunidade internacional estão profundamente divididos


quanto à questão de saber se a não-utilização das armas nucleares nos últimos cinqüenta anos constitui a
expressão de uma opinio juris. Nessas circunstâncias, a Corte não considerou poder concluir sobre a
existência de tal opinio juris .

Ela ressaltou que a adoção, a cada ano, pela Assembléia Geral, por uma grande maioria, de
resoluções relembrando o contexto da Resolução 1653 (XVI), e requerendo aos Estados-membro a conclusão
de uma convenção proibindo o uso de armas nucleares em quaisquer circunstâncias, revela o desejo de uma
larga parte da comunidade internacional de concluir, por uma proibição específica e expressa do uso de armas
nucleares, uma etapa significativa no caminho que leva ao completo desarmamento nuclear. A emergência,
como lex lata, de uma regra costumeira proibindo especificamente o uso de armas nucleares é dificultada
pelas tensões contínuas entre, de um lado, a nascente opinio juris e, de outro, uma adesão ainda forte à prática
de dissuasão (na qual fica reservado o direito de utilizar estas armas no exercício do direito de legítima defesa
contra uma agressão armada colocando em perigo os interesses vitais do Estado em matéria de segurança).

Direito internacional humanitário (parágrafo 74 ao 87)

Não encontrando nenhuma regra convencional de alcance geral, nem nenhuma regra costumeira
proibindo especificamente a ameaça ou uso de armas nucleares, a Corte abordou a questão de saber se o
recurso a armas nucleares deveria ser considerado como ilícito à luz dos princípios e regras de direito
internacional humanitário aplicáveis aos conflitos armados, bem como os do direito da neutralidade.

Depois de esboçar o histórico do desenvolvimento do conjunto de regras chamadas originalmente de


“leis e costumes de guerra”, e designadas atualmente pela expressão “direito internacional humanitário”, a
Corte observou que os princípios cardinais contidos nos textos que formam o corpo do direito humanitário são
as seguintes. O primeiro princípio objetiva proteger a população civil e os bens de caráter civil e estabelece a
distinção entre combatentes e não-combatentes; os Estados nunca devem fazer dos civis objeto de ataque e
nunca devem, conseqüentemente, usar armas que são incapazes de distinguir entre alvos militares e civis. De
acordo com o segundo princípio, é proibido causar sofrimento desnecessário aos combatentes; portanto, é
proibido utilizar armas que causem ou agravem inutilmente seu sofrimento. Aplicando-se o segundo
princípio, os Estados não têm liberdade ilimitada para escolher as armas empregadas.

A Corte citou igualmente a Cláusula de Martens, enunciada pela primeira vez na Convenção II de
Haia de 1899 concernente às leis e costumes de guerra em terra e que revelou ser um meio eficaz de fazer face
à rápida evolução das tecnologias militares. Uma versão contemporânea da cláusula citada se encontra no
artigo 1º, parágrafo 2º do Protocolo Adicional I de 1977, que dispõe:

“Em casos não previstos por este Protocolo ou por outros acordos internacionais, as pessoas civis e
os combatentes permanecem sob a salvaguarda e a autoridade dos princípios do direito das gentes, tais como
derivados dos costumes estabelecidos, dos princípios da humanidade e das exigências da consciência
pública."

A ampla codificação do direito humanitário e a extensão da adesão aos tratados resultantes, bem
como o fato de que as cláusulas de denunciação contidas nos instrumentos de codificação jamais foram
utilizadas, permitiram à comunidade internacional dispor de um corpo de regras convencionais que já tinham
se tornado costumeiras em sua grande maioria e que correspondiam aos princípios humanitários mais
universalmente reconhecidos. Estas regras indicam o que são as condutas e comportamentos normais
esperados dos Estados.

Voltando-se para a aplicabilidade dos princípios e regras de direito humanitário à ameaça ou uso
eventual de armas nucleares, a Corte observou que as armas nucleares foram inventadas após o aparecimento
da maioria dos princípios e regras de direito humanitário aplicáveis em conflitos armados; as Conferências de
1949 e 1974-1977 não trataram destas armas, que são diferentes das armas convencionais, tanto no plano
qualitativo quanto quantitativo. Entretanto, não se pode concluir que os princípios e regras estabelecidos de
direito humanitário aplicáveis em conflitos armados não se aplicam às armas nucleares. Tal conclusão seria
incompatível com o caráter intrinsecamente humanitário dos princípios jurídicos em questão, que permeia
todo o direito dos conflitos armados e se aplica a todas as formas de guerra e a todas as armas, as do passado,
do presente e do futuro. A esse respeito, é significativo que a tese segundo a qual as regras de direito
humanitário não se aplicam às novas armas em razão de sua novidade não foi invocada no presente caso.

O princípio da neutralidade (parágrafos 88 e 89)

A Corte decidiu que, da mesma forma que nos princípios de direito humanitário aplicáveis em
conflitos armados, o direito internacional não deixa dúvidas de que o princípio da neutralidade - qualquer que
seja o seu conteúdo -, que tem um caráter fundamentalmente similar àquele dos princípios e regras
humanitárias, se aplica (sob reserva das disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas) a todos os
conflitos armados internacionais, qualquer que seja o tipo de arma utilizado.

Conseqüências da aplicabilidade do direito internacional humanitário e do princípio da neutralidade


(parágrafo 90 ao 97)

A Corte observou que, embora a aplicabilidade às armas nucleares dos princípios e regras de direito
humanitário e do princípio da neutralidade seja dificilmente contestada, as conseqüências dessa aplicabilidade
são, por outro lado, controversas.
De acordo com um ponto de vista, o fato de que o recurso às armas nucleares está regido pelo direito
dos conflitos armados não significa necessariamente que tal recurso seja dessa forma proibido. Segundo um
outro ponto de vista, o recurso às armas nucleares não poderia, em nenhum caso, ser compatível com os
princípios e regras de direito humanitário e seria, portanto, proibido. Uma opinião análoga foi expressa quanto
aos efeitos do princípio da neutralidade. Foi assim sustentado por alguns que este princípio, como os
princípios e regras de direito humanitário, proibia o emprego de uma arma cujos efeitos não poderiam ser
limitados com toda certeza aos territórios dos Estados em conflitos.

A Corte observou que, do ponto de vista das características únicas das armas nucleares, às quais se
referiu acima, o uso de tais armas, de fato, pareceu pouco conciliável com o respeito às exigências do direito
aplicável em conflitos armados. Ademais, a Corte considerou que não dispunha de elementos suficientes para
poder concluir com certeza que o uso de armas nucleares seria necessariamente contrário aos princípios e
regras do direito aplicável aos conflitos armados em qualquer circunstância. A Corte não poderia perder de
vista o direito fundamental de todo Estado à sobrevivência e, conseqüentemente, o seu direito a fazer uso da
legítima defesa, de acordo com o artigo 51 da Carta, quando sua sobrevivência está em jogo. Nem poderia
ignorar a prática denominada “política de dissuasão”, à qual uma parte apreciável da comunidade
internacional aderiu com o decorrer dos anos.

Conseqüentemente, tendo em vista o estado atual do direito internacional considerado em seu


conjunto, tal como a Corte o examinou, bem como os elementos de fato à sua disposição, ela chegou à
constatação de que não poderia concluir de maneira definitiva sobre a licitude ou ilicitude do uso de armas
nucleares por um Estado em uma circunstância extrema de legítima defesa, na qual sua própria sobrevivência
estaria em causa.

Obrigação de negociar o desarmamento nuclear (parágrafo 98 ao 103)

Considerando as questões eminentemente difíceis que surgem na aplicação do direito relativo ao uso
da força e sobretudo do direito aplicável aos conflitos armados às armas nucleares, a Corte considerou dever
examinar um outro aspecto da questão apresentada, em um contexto mais amplo.

A longo prazo, o direito internacional, e com ele a estabilidade da ordem internacional que tem por
vocação reger, poderá sofrer devido à contínua diferença de opiniões com relação ao status jurídico de uma
arma tão mortífera quanto a arma nuclear. É conseqüentemente importante colocar termo neste assunto: a
longa promessa de completo desarmamento nuclear parece ser o mais apropriado meio de alcançar este
resultado.

Nessas circunstâncias, a Corte apreciou a importância da consagração, pelo artigo VI do Tratado de


não Proliferação de Armas Nucleares, de uma obrigação de negociar de boa-fé um desarmamento nuclear. O
alcance jurídico da obrigação considerada ultrapassa aquele de uma simples obrigação de comportamento; a
obrigação em questão é a de se chegar a um resultado preciso – o desarmamento nuclear em todos os seus
aspectos – pela adoção de um comportamento determinado, a saber, a busca da boa-fé nas negociações nesta
matéria. Essa dupla obrigação de perseguir e concluir negociações formalmente diz respeito aos 182 Estados-
parte do Tratado de não Proliferação das Armas Nucleares, isto é, a grande maioria da comunidade
internacional. De fato, qualquer busca realista de um desarmamento geral e completo, em particular
desarmamento nuclear, necessita da cooperação de todos os Estados.

A Corte finalmente enfatizou que sua resposta à questão apresentada pela Assembléia Geral baseia-se no
conjunto de motivos expostos acima (parágrafos 20 a 103), os quais devem ser considerados em conjunto.
Alguns desses motivos não são de natureza a constituir objeto de conclusões formais no parágrafo final do
parecer; eles , contudo, retêm, no entender da Corte, toda a sua importância.

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