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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS


CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO RÁDIO E TV

TEODORO VICTOR MONTENEGRO

DOCUMENTÁRIO GRAFITE.MP4: uma construção educomunicativa

São Luís – MA
2021
TEODORO VICTOR MONTENEGRO

DOCUMENTÁRIO GRAFITE.MP4: uma construção educomunicativa


Monografia apresentada ao Curso de Comunicação
Social da Universidade Federal do Maranhão para
obtenção de grau de Bacharel em Comunicação Social
com habilitação em Rádio e TV.

Orientadora: Profa. Dra. Rosinete de Jesus Silva


Ferreira.

São Luís – MA
2021
DOCUMENTÁRIO GRAFITE.MP4: uma construção educomunicativa

Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal


do Maranhão para obtenção de grau de Bacharel Comunicação Social com
habilitação em Rádio e TV.

Aprovada em / /

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Rosinete de Jesus Silva Ferreira (Orientadora)


Universidade Federal do Maranhão - UFMA

Examinador 01

Examinador 02
“Não há diálogo, porém, se não há um
profundo amor ao mundo e aos homens”

-Paulo Freire.
Deus nosso Pai,
de todo poder e de toda bondade,
dai força àqueles que passam pela provação,
dai luz àqueles que procuram a verdade,
põe no coração do homem a compaixão e a caridade.
Deus,
dai ao viajor a estrela Guia,
ao aflito a consolação,
ao doente o repouso.
Pai,
dai ao culpado o arrependimento,
ao espírito, a verdade,
à criança o guia,
ao órfão, o pai.
Que a vossa bondade se estenda sobre tudo que criaste.
Piedade, Senhor, para aqueles que não Vos conhecem, e
esperança para aqueles que sofrem.
Que a Vossa bondade permita aos espíritos consoladores,
derramarem por toda à parte a paz, a esperança e a fé.
Deus,
um raio, uma faísca do Vosso amor pode abrasar a
Terra,
deixai-nos beber dessa bondade fecunda e infinita, e
todas as lágrimas secarão,
todas as dores acalmar-se-ão.
Um só coração, um só pensamento subirá até Vós,
como um grito de reconhecimento e de amor.
Como Moisés sobre a montanha,
nós Vos esperamos de braços abertos.
Oh! bondade, Oh! Poder, Oh! beleza, Oh! perfeição,
e queremos de alguma sorte merecer Vossa misericórdia.
Deus,
Dai-nos a força de ajudar o progresso,
Dai-nos a caridade pura,
Dai-nos a fé e a razão,
Dai-nos a simplicidade que fará de nossas almas
O espelho onde refletirá a Vossa santa imagem.
Que assim seja”
RESUMO

A partir do tripé teórico comunicação, educação e experiência, este presente


trabalho tem como objetivo analisar os processos educomunicativos presentes no
documentário grafite.mp4, realizado em 2019 nas disciplinas Educação e Tecnologia
e Narrativa Ficcional e Documentário do curso de Rádio e TV da UFMA. O
documentário trata de relações entre comunicação, educação e arte urbana, e
questiona as fronteiras conceituais de gêneros narrativos, sendo assim um processo
educomunicativo para duas disciplinas simultaneamente. Para além disso, houve
também os processos educativos que envolviam a cultura Hip Hop no contexto das
disciplinas eletivas do Centro Educamais João Francisco Liboa, CEJOL, em São
Luís. Portanto, tendo em vista essa rede de eventos comunicacionais e
educacionais, nos unimos a autores que compreendem as relações dadas dentro
desse processo.

Palavras-chave: Comunicação, Educação, Experiência, Documentário


ABSTRACT

Based on the theoretical tripod communication, education and experience, this


present work aims to analyze the “edu-communicative” processes present in the
documentary graffite.mp4, carried out in 2019 in the subjects Education and
Technology and Fictional Narrative and Documentary of the Radio and TV course at
UFMA. The documentary deals with the relationship between communication,
education and urban art, and questions the conceptual boundaries of narrative
genres, thus being an “edu-communicative” process for two disciplines
simultaneously. In addition, there were also educational processes involving the Hip
Hop culture in the context of elective courses at Centro Educamais João Francisco
Liboa, CEJOL, in São Luís. Therefore, in view of this network of communicational
and educational events, we joined authors that understand the relationships given
within that process.

Keywords: Communication, Education, Experience, Documentary


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 1
.... 0
2 COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E 1
EXPERIÊNCIA............................................ 4
2. Comunicação................................................................................................ 1
1 ... 4
2. Experiência................................................................................................... 1
2 .... 8
2. Educação...................................................................................................... 2
3 .... 2
3 EDUCOMUNICAÇÃO.................................................................................... 2
.... 5
4 A ORIGEM DO “DOCUMENTÁRIO 2
GRAFITE.MP4”........................................ 7
5 METODOLOGIA............................................................................................ 3
.... 0
5. Coleta de 3
1 dados................................................................................................ 2
5. Leitura de 3
2 dados............................................................................................... 4
6 COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E EXPERIÊNCIA: ANÁLISE DE
DADOS.......................................................................................................... 3
.... 7
7 CONSIDERAÇÕES 4
FINAIS............................................................................... 0
REFERÊNCIAS 4
BIBLIOGRÁFICAS................................................................. 1
ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Laboratório de Humanas do CEJOL..........................................................15


Figura 2 - Laboratório de Humanas do CEJOL..........................................................15
Figura 3 - Laboratório de Humanas do CEJOL..........................................................16
Figura 4 - Intervenção de uma das disciplinas eletivas de sociologia anteriores a
pesquisa na escola CEJOL.........................................................................................17
Figura 5 - Gravação da eletiva de sociologia com o professor Gegê durante o
processo de pesquisa na escola (Gleydson Linhares)...............................................17
10

1 INTRODUÇÃO

O que apresentamos neste trabalho reflete uma busca dialógica sobre


estruturas que formam a própria dialogicidade. Em outras palavras, nossa proposta é
compreender o processo educomunicativo presente no “documentário grafite.mp4 1”
e o percurso de construção coletiva que o permeia, através de três campos que
atravessaram todo seu processo: comunicação, educação e a experiência. Este
documentário, por sua vez, foi resultado misto de duas disciplinas, a primeira
Educação e Tecnologia, ministrada pela professora Rakel de Castro Sena, e a
segunda, Narrativa Ficcional e Documentário, ministrada pela professora Carolina
Guerra Libério2. O documentário, em sua primeira realização na disciplina de
Educação e Tecnologia, tinha como objetivo explorar as relações dialógicas,
pautadas nos ensinamentos teóricos de sala de aula a partir de um tema de
preferência do aluno. Desta feita, foi definido o tema que envolvesse relações entre
educação, comunicação e arte urbana. Já na disciplina de Narrativa Ficcional e
Documentário acrescentamos ao projeto temas ligados à questão de instabilidade
conceitual sobre os gêneros narrativos, inscritas no projeto através das linguagens
audiovisuais.
Essas duas perspectivas aliadas nos deram a plataforma necessária para
projetar o que queríamos com o documentário, ou, nossa hipótese: procurar
caminhos alternativos para obtenção de informação, que não estejam associados
aos meios massivos de comunicação de maneira técnica, social, política ou
econômica. Porém, havia uma necessidade também de explorar a questão da
formação do indivíduo, no que se refere a construção de conceitos, palavras, que
definem o mundo ao redor, por isso nos associamos fortemente à Educação. Esses
dois campos nos trazem à criação de sentido, e suas possíveis problematizações: o
que eu comunico é o que me define subjetivamente? Apesar dessa indagação ser o
eixo do documentário, fez-se necessário explorar de maneira mais objetiva as
relações entre os campos da comunicação e da educação. Surgiram, então, ao
longo do caminho, autores que nos ajudam na reflexão proposta. Um deles foi Jorge
Bondía Larrosa, quando esse quando afirma: “eu creio no poder das palavras, na

1 Documentário produzido em 2019 como um produto da disciplina Educação e Tecnologia que


integra a matriz curricular do Curso de Rádio e Televisão da Universidade Federal do Maranhão -
UFMA . Disponível em DOCUMENTÁRIO GRAFITE.MP4
2 Professora do Curso de Rádio e Televisão da Universidade Federal do maranhão.
11

força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as
palavras fazem coisas conosco”. (LARROSA 2002, pg.21)
Portanto, é no campo dos sentidos que encontramos nossas justificativas.
Ora, é possível educar sem comunicar, ou comunicar sem educar? É possível ser
“imparcial”? No sentido de simplesmente existir e não produzir sentido? Buscamos,
então, autores que contribuem para construção do nosso pensamento. A escolha da
escola e consequentemente a produção do documentário tornaram-se base para
pesquisa apresentada: O Centro Educa Mais 3 João Francisco Lisboa, CEJOL,
localizado no “Canto da Fabril”, possui seus muros grafitados, assim como outras
escolas da região, nos arredores da Praça Deodoro em São Luís-Ma.
“Logo quando eu assumi a direção da escola, eu fui informado que o muro
grafitado sofria muito menos agressão por parte das pichações, já era prática das
outras gestões”. Afirma o diretor Fábio Carvalho em entrevista para o documentário,
confirmando a hipótese de que os grafites nos muros externos da escola
representam uma posição administrativa dos diretores da escola. As grafitagens e
intervenções acabaram se tornando uma constante das disciplinas eletivas 4 do
professor de sociologia Francisco José Ferreira Carvalho (Francisco Jansen).
Posteriormente, a contribuição do professor de artes Gleydson Rogerio Linhares dos
Santos Coutinho (Gegê Grafite) ampliou as práticas das disciplinas eletivas no
CEJOL e em outras escolas, pois a experiência do Hip Hop como ferramenta
educativa e política, foi carregada do pertencimento do arte educador e militante
pelo Quilombo Urbano5.
Essas disciplinas eletivas fazem parte da metodologia do Ensino Integral,
presente no CEJOL desde 2018. Segundo Guará (2006), a escola de ensino integral

Agrega-se à idéia filosófica de homem integral, realçando a necessidade de


desenvolvimento integrado de suas faculdades cognitivas, afetivas,
corporais e espirituais, resgatando, como tarefa prioritária da educação, a
formação do homem, compreendido em sua totalidade” (GUARÁ, 2006
p.16)

É importante ressaltar que o “ensino integral” está relacionado às

3 Institutos (IEMA) são escolas técnicas e os Educa Mais são científicos, de acordo com o professor
Jansen
4 “Oferecem a possibilidade de diversificação das experiências escolares e de expansão de estudos

relativos às áreas de conhecimento contempladas na Base Nacional Comum Curricular, sempre em


articulação com os interesses dos alunos”. (https://inova.educacao.sp.gov.br/wp-
content/uploads/2019/05/Inova_Educacao_Jornalistas.pdf)
5 Movimento organizado de Hip Hop que surgiu em 1989 no Maranhão
12

metodologias aplicadas pelos professores e pela coordenação pedagógica dentro de


um tempo diário maior que no modelo parcial, sendo em vez de um, dois períodos
do dia (segunda a sexta 9 horas por dia). Porém, uma escola pode ser de tempo
integral e não aplicar os métodos que atendam às necessidades, portanto não se
adaptando ao modelo de ensino integral. Essa explicação sobre ensino integral é
percebida na fala do professor Francisco quando se observa o amor dedicado aos
alunos e a profissão, o que colabora para a aplicação de uma metodologia dialógica.

No modelo integral, é aplicada a chamada pedagogia da presença, ela tem


todo um roteiro, desde quando o professor se apresenta, por isso eu falei do
acolhimento, todo dia o professor tem que tá lá antes do aluno chegar. Esse
‘bom dia’ diferenciado que você dá pro aluno já muda o sorriso do aluno,
começa a cativar, tem toda uma metodologia por trás, tudo isso não é a toa,
não foi a gente que criou, não foi a gente que criou na escola, já é um
roteiro pré-determinado essa pedagogia da presença, tanto faz se é no
Maranhão, no Ceará, como em Pernambuco (Professor Francisco Jansen,
entrevista concedida em 16/04/2021)

Por isso, nos apoiamos na tríade educação, comunicação e experiência


pois ela justifica esse processo afetivo, ao mesmo tempo que cauteloso com as
razões que cercam o ambiente de trabalho, no caso a escola, voltado para o
aprendizado e verdadeira liberdade do aluno, como iremos apontar mais na frente.
Portanto, cada capítulo tem como objetivo a compreensão das dinâmicas desses
três campos teóricos, unidos por um comum, que reflete também nas teorias sobre
educomunicação.

O segundo capítulo será apresentado os três campos: educação,


comunicação e experiência, sendo apresentado os aportes de cada área para o
nosso trabalho, ou seja, os recortes teóricos. No terceiro capítulo, discutimos o
campo da educomunicação, aliado ao tripé proposto. No quarto capítulo, após
discutido a educomunicação, será explicado sua relação teórico-prática com o
documentário, apontando assim, sua importância para esse trabalho. No quinto
capítulo apresentamos a metodologia aplicada à produção do documentário.
Explicamos a construção deste presente trabalho, explicando o processo das
entrevistas feitas com os professores Francisco Jansen, Gegê, e mais 3 ex-alunos
que participaram da disciplina eletiva filmada para o documentário, além de nosso
aparato teórico bibliográfico.

Neste percurso teórico-metodológico, concluímos que para haver uma


verdadeira liberdade e transformações dos seres humanos, é preciso a criação de
13

sentido em coletivo de forma sensível, porém sem abdicar da racionalidade. Alunos


e professores, durante esse processo de pesquisa, mostraram-se abertos para
desafios, pondo à consciência de que não é possível obter controle sobre tudo que
nos é proposto pela vida.
14

2 COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E EXPERIÊNCIA

2.1 Comunicação

Para Muniz Sodré (2014), comunicação é uma variedade de práticas


contemporâneas que se estendem desde as nossas próprias reflexões e
interpretações até a as tecnologias de software aberto, logo, conclui-se que dentre
essas práticas podem existir uma infinidade de possíveis objetos de estudo da
comunicação, sendo assim, Sodré comenta que há uma falta de unidade ao corpo
científico da comunicação. Porém, para o autor, comunicar significa agir em comum,
ou seja, vincular, relacionar, e organizar o universo que nos cerca, dentro da
dimensão mais ampla, abundante e anterior ao nosso ordenamento simbólico. Logo,
ao mesmo tempo que estamos todos fadados a produzir nossos próprios sentidos, a
comunicação deve atuar na organização desses sentidos na nossa sociedade,
trazendo para a superfície o comum entre as pessoas.
Esse processo de organização é ilustrado pela fala da ex-aluna do Centro
Educa Mais João Francisco Lisboa (CEJOL), Kamila Mirelle Silva Celestina, de 19
anos, “Foi uma coisa muito importante porque eu vivia num mundo muito fechado, e
ir pra uma escola em tempo integral e conhecer pessoas diferentes de mim foi muito
importante até pro meu crescimento, falo de cultura, de religiões diferentes.”(...). O
posicionamento de Kamila tem uma relação com o pensamento do autor quando ela
diz que “a sala de humanas era muito comunicativa, tinha sobre violência, LGBT,
indígena, tudo, todo tipo de comunicação”(...). É interessante notar o sentido dado à
palavra “comunicação” na fala da aluna, pois em “todo tipo de comunicação”,
podemos observá-la remetendo ao conceito de transverbalidade presente no
pensamento de Muniz Sodré (2014) onde o autor diz que os símbolos organizados
ou relacionados (mediações) pelos indivíduos ultrapassam a lógica sintática ou
semântica, pois eles oscilam entre palavras, sinais, movimentos corporais, intuições,
imagens etc. Segundo Sodré, é exatamente essa organização que determina os
seres humanos como comunicantes. Os cartazes com dizeres, símbolos e imagens
a favor de um comum positivo, mostram que o processo educacional incentiva, de
maneira orgânica, uma comunicação viva, que não está separada do corpo, da
realidade anterior em que os alunos estão inseridos.
15

Figura 1 - Laboratório de Humanas do CEJOL

Fonte: Arquivo do pesquisador, 2019

Figura 2 - Laboratório de Humanas do CEJOL

Fonte: Arquivo do pesquisador, 2019


16

Figura 3 - Laboratório de Humanas do CEJOL

Fonte: Arquivo do pesquisador, 2019

De acordo com o professor Francisco Jansen, O CEJOL apresenta um


modelo comunicativo que está inserido na perspectiva do ensino integral. Esta
modalidade de ensino influencia não somente na forma de relacionamento entre os
alunos, mas principalmente aguça o olhar para uma percepção diferente sobre o
ambiente escolar. O professor Francisco comenta sobre o comportamento dos aluno
no ensino integral:

No integral, as turmas disputam, sem ninguém mandar, quem deixa a sala


mais limpa no final do dia [...] porque elas passam nove horas do dia
naquela sala, então eles se sentem parte da escola. [...] Eles botam nome
nas portas da sala: ‘sala do Smurf’, ‘caverna do dragão’, ‘não entre sem
permissão’. É como se eles tivessem no quarto deles, ninguém quer um
quarto bagunçado. (Professor Francisco Jansen, entrevista concedida em
16/04/2021).

As disciplinas eletivas de sociologia, que também são uma consequência


do modelo de ensino integral, é um espaço disciplinar feito exatamente para escapar
das limitações disciplinares, se tornando assim uma possibilidade para os alunos de
desenvolver o campo afetivo e outras formas de ver e interpretar o mundo. No
“documentário grafite.mp4”, o processo das eletivas permeia a narrativa do
documentário e mostra quais os assuntos que foram abordados nas eletivas,
portanto, se constata a importância das linguagens artísticas na escola, pois elas
17

incentivam o aprendizado dentro desses campos além do raciocínio mecânico.


Acerca disto, a ex-aluna do CEJOL, Jéssica Ellen Gomes dos Santos, de 19 anos,
relata sua experiência:

A eletiva de Francisco tomou o espaço e quebrou vários preconceitos em


relação à arte, porque lá na escola era um pouquinho mais preso em
relação a isso. Então foi muito interessante utilizar todo o espaço e além
disso colocar outros professores para trabalhar e mostrar que a arte é uma
coisa gostosa [...] Pra mim foi uma terapia, eu conseguia me expressar, às
vezes eu tava muito estressada e Francisco sempre batia nessa tecla, então
foi muito interessante trabalhar com o espaço da escola sem fugir de uma
certa cadência. (Jéssica Ellen Gomes do Santos, entrevista concedida em
22/04/2021).

Figura 4 - Intervenção de uma das disciplinas eletivas de sociologia anteriores a pesquisa na escola CEJOL

Fonte: printscreen do documentário 17/08/2021

Figura 5 - Gravação da eletiva de sociologia com o professor Gegê durante o processo de pesquisa na escola
(Gleydson Linhares)
18

Fonte: printscreen do documentário 17/08/2021

Para Muniz Sodré (2018), a comunicação é exatamente esse espaço


onde as afetividades têm a capacidade de determinarem os sentidos. Para o autor:

É particularmente visível a urgência de outra posição interpretativa para o


campo da Comunicação, capaz de liberar o agir comunicacional das
concepções que limitam ao nível de interação entre forças puramente
mecânicas e de abarcar a diversidade da natureza das trocas, em que se
fazem presentes os signos representativos ou intelectuais, mas
principalmente os poderosos dispositivos do afeto. (SODRÉ, 2018, p. 12)

Portanto, a afetividade se torna estratégia para um fim comunicativo, ou


seja, o afeto se torna potência para transformação do meio comum. Ainda segundo
o autor: “quando, entretanto, se age afetivamente, em comunhão, sem medida
racional, mas com abertura criativa para o Outro, estratégia é o modo de decisão de
uma singularidade [...] A dimensão do sensível implica uma estratégia de
aproximação das diferenças” (SODRÉ 2018, p.10). Foi este processo observado no
documentário e nas entrevistas com alunos e professores: uma relação de
proximidade, de afeto e afinidade, para o além do racional, do material e do
superficial utilizada para a educação de um comum.
A experiência condiz com este processo, pois é o primeiro plano onde a
materialidade da vida aterrissa. Muniz Sodré, ao explicar o campo das afetividades,
afirma:

É que se trata propriamente do que está aquém ou além do conceito, isto é,


da experiência de uma dimensão primordial, que tem mais que ver com o
sensível do que com a medida racional. Por exemplo, a dimensão da
corporeidade nas experiências de contato direto, em que se ‘vive’, mais do
19

que se interpreta semanticamente, o sentido: sentir implica o corpo, mais


ainda, uma necessária conexão entre espírito e corpo (SODRÉ, 2018, p.13).

A comunicação, enfim, se torna campo de aprendizado através de


experiências, ou seja, de captação de efeitos causados pelas ocorrências da vida
humana, onde o ser humano consegue absorvê-los através das trocas
intersubjetivas e também com outros indivíduos. Logo, a partir do exposto, iremos
relacionar como a própria experiência e a educação convergem dentro do campo da
comunicação.

2.2 Experiência

Ao ser questionado sobre como tem sido a experiência de dar aula


remotamente devido a pandemia de covid-19, o professor Francisco Jansen
responde: “Eu vou ser bem franco: eu não sou professor de EAD, eu gosto do calor
humano mesmo”. Esta fala é uma resposta a uma mudança que ocorreu na vida do
professor (e de todo o mundo devido a pandemia), mas que não necessariamente o
impediu de continuar a dar aulas, é “apenas” diferente. É sob essa perspectiva, da
diferença, que nos apropriamos da experiência para pensar o seu papel na
comunicação e na aprendizagem.
Mas afinal, o que é experiência? Apoiando-se em autores mais antigos
como Walter Benjamin, a experiência é a fonte das narrativas, ou seja, experiências
são momentos onde não há formas premeditadas de se resolver algo relacionado à
vida. Por isso, as narrativas são naturalmente instrutivas, porque nascem de um
momento de aprendizado:

Ela (narrativa) tem sempre em si, às vezes de forma latente uma dimensão
utilitária. Essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja
numa sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida – de
qualquer maneira, o narrador é um homem que sabe dar conselhos.
(BENJAMIN, 1994 pg. 200)

Essa sabedoria é uma relação que se dá entre o ser humano e sua


própria vida, uma travessia da sua consciência para consciência do mundo, que
pode tomar espaço em diversos ambientes: sociedade, família, escola etc. É sobre
essas travessias, que Jorge Larrosa explica o sentido da palavra experiência: “A
experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se
20

passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas,
porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece” (LARROSA 2002, p.21).
Podemos entender melhor a experiência sob uma perspectiva
epistemológica. Larrosa (2002) aponta diversos sentidos linguísticos derivados dos
radicais presentes na palavra “experiência”. Começando por “ex”, em que ele afirma:

A palavra experiência tem o “ex” de exterior, de estrangeiro, de exílio, de


estranho e também o ex de existência. A experiência é a passagem da
existência, a passagem de um ser que não tem essência ou razão ou
fundamento, mas que simplesmente “ex-iste” de uma forma sempre
singular, finita, imanente, contingente. (LARROSA 2002, p.25)

Além desse, o radical “peri” também tem suas derivações que nos ajudam
a encontrar mais sentido advindo de “experiência”:

O radical é periri, que se encontra também em periculum, perigo. A raiz


indo-européia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a idéia de
travessia, e secundariamente a idéia de prova. Em grego há numerosos
derivados dessa raiz que marcam a travessia, o percorrido, a passagem:
peirô, atravessar; pera, mais além; peraô, passar através, perainô, ir até o
fim; peras, limite. (LARROSA, 2002, p.25)

Ele também afirma que a palavra “pirata” possui esse mesmo radical, e
faz uma relação dessa palavra com “experiência”: “O sujeito da experiência tem algo
desse ser fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e
perigoso, pondo-se nele à prova e buscando nele sua oportunidade, sua ocasião”
(LARROSA 2002, p.25).
Portanto, Larrosa apresenta os três princípios da experiência
subliminarmente inscritos através de uma frase: “isso que me passa”. O primeiro é o
princípio de alteridade, que está representado pelo “isso” da frase, cuja explicação:
“Se lhe chamo de ‘princípio de alteridade’ é porque isso que me passa tem que ser
outra coisa que eu. Não outro eu, ou outro como eu, mas outra coisa que eu. Quer
dizer, algo outro, algo completamente outro, radicalmente outro.” (LARROSA, 2011,
p.6). O segundo é o princípio de reflexividade, representado pelo “me”, ao qual ele
explana:
Se lhe chamo “princípio de reflexividade” é porque esse me de “o que me
passa” é um pronome reflexivo. Poderíamos dizer, portanto, que a
experiência é um movimento de ida e volta. Um movimento de ida porque a
experiência supõe um movimento de exteriorização [...] E um movimento de
volta porque a experiência supõe que o acontecimento afeta a mim, que
produz efeitos em mim, no que eu sou, no que eu penso, no que eu sinto,
no que eu sei, no que eu quero, etc. (LARROSA, 2011, p.6 e 7)
21

E por último, Larrosa apresenta o que ele chama de princípio de


passagem, mas também de princípio de paixão, representado pela palavra “passa”
de sua frase, ao qual ele explica:

Se a experiência é “isso que me passa”, o sujeito da experiência é como um


território de passagem, como uma superfície de sensibilidade em que algo
passa e que “isso que me passa”, ao passar por mim ou em mim, deixa uma
vestígio, uma marca, um rastro, uma ferida. Daí que o sujeito da experiência
não seja, em princípio, um sujeito ativo, um agente de sua própria
experiência, mas um sujeito paciente, passional. Ou, dito de outra maneira,
a experiência não se faz, mas se padece. A este segundo sentido do passar
de “isso que me passa” poderíamos chamar de “princípio de paixão”
(LARROSA, 2011, p.8)

Percebe-se, que a frase “isso que me passa” é base para se estudar e


analisar as diversas situações em que nos deparamos com a experiência. Larrosa
traz como exemplo a experiência da leitura, onde o “isso” é representado por “ A
metamorfose” de Franz Kafka, e ele diz que o leitor que lê o livro (ou qualquer outro,
visto que experiência depende da relação e não do objeto) e se olha no espelho
como se nada tivesse acontecido é um analfabeto da única leitura, ou saber, que
conta: o da experiência.
Esse leitor analfabeto é um leitor que não põe em jogo a si mesmo no que
lê, um leitor que pratica um modo de leitura no qual não existe relação entre
o texto e sua própria subjetividade. É também um leitor que vai ao encontro
do texto, mas que são caminhos só de ida, caminhos sem reflexão, é um
leitor que não se deixa dizer nada. Por último, é um leitor que não se
transforma. Em sua leitura não há subjetividade, nem reflexividade, nem
transformação. Ainda que compreenda perfeitamente o que lê. Ou, talvez,
precisamente porque compreende perfeitamente o que lê. Porque é incapaz
de outra leitura que não seja a da compreensão. (LARROSA, 2011, p.9)

Devido ao exposto, podemos, agora, analisar o nosso objeto de estudo,


ou melhor, a experiência que norteia este trabalho: o processo educativo presente
no documentário grafite.mp4. Em primeiro lugar, podemos ver o “isso” como o
modelo de ensino integral, tanto para professores como para alunos, como foi
constatado pelos próprios em entrevista. Como afirma o professor Francisco Jansen,
“eu era muito crítico ao sistema integral”, mas foi através da experiência com os
alunos, pelos atravessamentos que ambos permitiram que houvesse, de leituras
outras que não fosse o da racionalidade, que fez o professor afirmar também que o
que mais o incentivou a permanecer na escola de modelo integral foi a mudança de
comportamento dos alunos. Concomitantemente a esse efeito, Jéssica Ellen Gomes
dos Anjos, de 19 anos, fala da total transformação que sofreu durante o ensino
22

médio, no qual ela e os outros estudantes entrevistados foram a primeira turma a


passar para o modelo integral. Jéssica relata:
O integral, ele exige de ti um estudo a mais, ele realmente exige que você
passe no Enem, é como eu falo: não é uma coisa fácil, porém não é um
bicho de sete cabeças. E assim, quem não souber se adaptar, vai acabar
sofrendo bastante. Muitas das pessoas que foram do primeiro ano, que foi
minha turma, não concluíram porque não aguentaram. E atualmente, eu
acabei me tocando que a escola integral me fez ter a rotina que eu tenho
hoje, que é conseguir passar o dia todo sendo produtiva (Jéssica Ellen
Gomes dos Anjos em entrevista concedida no dia 22/04/2021)

É apontado por Jéssica uma transformação de seu comportamento


durante um processo ao qual ela e os professores não possuíam referência lógica
sobre. Porém, é importante ressaltar outro princípio da experiência apontado por
Larrosa, importante para a compreensão deste trabalho e de outros trabalhos futuros
que utilizem o tripé aqui apresentado: o princípio da singularidade. Sobre esse, o
autor afirma:
Se um experimento tem que ser homogêneo, isto é, tem que significar o
mesmo para todos os que o leem, uma experiência é sempre singular, isto
é, para cada um a sua. Darei alguns exemplos. Se todos nós lemos um
poema, o poema é, sem dúvida, o mesmo, porém a leitura em cada caso é
diferente, singular para cada um. Por isso poderíamos dizer que todos
lemos e não lemos o mesmo poema. É o mesmo desde o ponto de vista do
texto, mas é diferente do ponto de vista da leitura. (LARROSA, 2011, p. 15 e
16)

Por isso, ele também afirma que se o singular não pode haver ciência
(experimento), mas pode, sim, haver paixão, ou melhor, do singular, só pode haver
paixão. É aqui que cruzamos com Sodré (2018) quando ele aponta a necessidade
de ampliar as possibilidades para se fazer comunicação, visto por um ponto em que
se distancie de limitações racionais, não as excluindo, mas optando por perspectivas
que consigam abarcar os verdadeiros sentidos das trocas humanas, melhor dizendo,
estudar os caminhos por onde se produz sentidos além dos meios puramente
técnicos e mecânicos, pois esses, a priori, compreendem mais facilmente as
mensagens fora da singularidade, comum ao conhecimento (como na citação acima,
seria o “ponto de vista do texto”). Por isso, o que se propõe neste trabalho é pensar
a educação dentro de uma esfera onde a comunicação possibilita o acesso ao
desconhecido, ao novo, ao crítico (“ponto de vista da leitura”).

2.3 Educação
23

Para Braga e Calazans (2001), educação e aprendizagem são conceitos


divergentes. Para os autores, como nos acostumamos a ver a sociedade com um
sistema educacional organizado, associamos o processo de aprendizagem às
escolas, ou seja, como consequência da educação. Porém, desde os tempos de
nossos ancestrais, se aprendia com os elementos naturais: o curso dos rios, chuvas,
épocas de colheita, sol e lua, etc. Portanto, os autores afirmam que:

Antes de haver “transmissão de conhecimentos” - e portanto aprendizagem


de conhecimento pronto - o homem depende de um outro aprender,
decorrente de um intercâmbio com o mundo e com as pessoas em ambiente
social, através do qual ‘descobre’ coisas, por meios práticos, por reflexão,
por experimentação - e até por acaso. (BRAGA e CALAZANS, 2001, p. 36)

Ao longo do tempo, esses aprendizados foram sendo vistos como


necessários para a sobrevivência na comunidade, surgindo assim as narrativas,
comunicações orais passadas dos velhos mais sábios para os mais novos, dando
conselhos sobre as adversidades da vida. Porém, é aí, inclusive, que surge a
Educação (instituição), pois ela surge com a percepção de que essas narrativas, ou
ações sobre aprendizagem, podem ser organizadas, após um processo de reflexões
e problematizações acerca de seus resultados, para finalmente serem
desassociadas da espontaneidade “da vida”. Logo, vemos que a Educação se
compromete em selecionar essas ações de aprendizagem as quais a sociedade
julga útil serem passadas através do ensino, o qual os autores conceituam como
“atividade em que a Escola fala pela sociedade e é por esta legitimada” (BRAGA e
CALAZANS, 2001, p. 37).
Portanto, existe uma relação direta entre o que é caracterizado pela
sociedade como “aprendizagem” e o que é ensinado nas escolas, visto que ela
determina o que não pode ficar sob total domínio do que a própria sociedade
reconhece como espaços não submissos diretamente às instituições educacionais,
como afirmam Braga e Calazans: a família, a cultura e a vida prática. Logo, os
autores afirmam que a diferença principal entre a Escola e esses espaços não
submissos é que “na Educação há direcionamento e intencionalidade social
expressa, enquanto nos demais espaços os processos são ‘espontâneos’ ou
eventuais. A Sociedade coloca questões de aprendizagem - a Escola propõe
encaminhamentos” (p.38).
Ao mesmo tempo, os autores afirmam que “A Educação é então o campo
em que se articulam, intencionalmente, o ensino e a aprendizagem” (p.38). Portanto,
24

é visível que independentemente do ensino, da Educação, no que se refere a suas


delimitações necessárias, a aprendizagem ainda é possível, mesmo sem a
espontaneidade de outros circuitos.
Porém, essa apresentação teórica nos serve para refletir sobre as
influências que o campo institucional pode receber dos espontâneos e vice-versa. É
o que vimos acontecer na experiência educativa em nossa pesquisa: O Hip Hop
surge de um conhecimento dentro dos campos não subordinados pela instituição
mas ainda sim é método de ensino, ou seja, é condutor de aprendizagem dentro do
espaço escolar. O próprio Gegê afirma:

Dentro do currículo, dentro dos livros didáticos ele já é apresentado. Agora


tem uma outra problemática, geralmente quando é falado… Aí entra a
questão da comunicação, principalmente a chamada mídia burguesa… Mas
quando se fala em Hip Hop tem aquele estereótipo, o extremo: ou você tá ali
na televisão participando do processo da indústria cultural, ou você tá ali
somente no protesto, então descontextualiza, como se fosse somente ali
protestando, algo muito imediato. E não é! É muito mais que isso, como o
próprio GOG6 fala: ‘o Hip Hop educa’. (Professor Gleydson Rogério Linhares
em entrevista concedida em 08/04/2021)

Podemos aqui fazer uma relação com o que foi explicitado anteriormente
por Braga e Calazans no que se refere a Educação ser um reflexo de aprendizagens
significadas pela e para a sociedade. É evidente que o Hip Hop é um movimento
cultural que surge nas periferias urbanas, e diante a “mídia burguesa”, como afirma
o professor, é retirado todo o seu aparato sócio-educador. Porém, o próprio Gegê
nos exemplifica com experiências próprias o impacto que o Hip Hop pode ter,
associado a educação e a apropriação dos meios de comunicação:

Teve uma escola que nós fizemos um trabalho, que era em São José de
Ribamar, e a gente começou em uma série, que uma professora nos
convidou, mas teve uma repercussão muito grande na escola. [...] Então
decidimos fazer uma aula pública, então eu estava lá no meio de um círculo
gigante de alunos na escola, e passei alguns vídeos. Um desses vídeos foi
o clipe chamado ‘Que droga!’ que é uma música que a gente fez depois de
ter lançado uma campanha pelo fim do crack na periferia, que depois teve
repercussão nacional [...] Só que teve um episódio durante essa aula, que
não foi de um estudante, foi de um professor: ele discordou, questionou que
a gente tava usando aquele material ali, que as pessoas que estavam
participando do clipe estavam usando droga. Aí os próprios estudantes
foram explicar, que ali na verdade era uma encenação, não era real, e eu fui
explicar que inclusive nesse vídeo tem participação de pessoas que
passaram pelo processo da campanha, das oficinas, e que o vídeo na
verdade é o resultado do resultado, porque antes desse vídeo teve todo um
processo, fizemos várias atividades nesse bairro, nós já fizemos festivais.
Acabou que deu certo, mas aí volta a questão do estranhamento, de não ter

6 Cantor de Rap de Brasília


25

o conhecimento, a questão do estereótipo (Professor Gleydson Rogério


Linhares em entrevista concedida em 08/04/2021)

Logo, vemos o potencial que a aprendizagem oriunda de um ambiente


não institucionalizado (em verdade, “invisível” para este) tem de mobilizar debate,
arte, cultura, crítica. Sendo burguesa ou periférica, a Educação é sempre uma
sistematização dada pela sociedade, porém, as diferenças são encontradas nas
formas em que essa educação é aplicada, ou seja, como os sentidos são criados.

3 EDUCOMUNICAÇÃO

De acordo com Ismar Soares (2000), devido às transformações sociais


advindas da pós-modernidade, como a valorização da subjetividade, após as
catástrofes (guerras e crises) causadas pela razão iluminista, a comunicação
massiva começou a ser mais relevante que a educação tradicional no que diz
respeito às construções democráticas e ao progresso da sociedade. As causas
desse fenômeno têm explicação no fato que a Educação (como instituição) ainda
representava um modelo geométrico, inflexível e lógico (“ultrapassado”), ao passo
que a comunicação de massa representa o modelo mais em sintonia com as
necessidades sociais, onde impera o pensamento fragmentado e uma cultura
aleatória, essencialmente audiovisual (p.15).
Isso demonstra, portanto, que enquanto a educação se limitava às
normas de poder redigidas pela tradição associada direta ou indiretamente ao
Estado, tendenciando assim a uma visão burocrática, hierarquizada, exclusiva,
sistematizada e voltada para a transmissão de conhecimentos especializados e
técnicos, a comunicação explora universos, atravessa as nações, imagina
ecossistemas, refletindo uma nova ordem de poder pautada em vínculos
transnacionais, atendendo aos mais diversos públicos, de maneira lúdica, seus
desejos e paixões voltados, principalmente, ao consumo. Por conta dessa realidade
alternativa, mais fluida e imaginária, denominada de “realidade virtual”, a
26

comunicação de massa cria um sentido de pertencimento aos cidadãos em um


mundo de constante transformação.
Hoje, sabemos que essa divisão não é tão concreta como parece.
Passados já mais de vinte anos desde a explosão dos meios massivos de
comunicação, observamos a internet como meio pautado em formas tradicionais de
dominação política e econômica dentro do espaço virtual. Porém, o que
pretendemos nesta parte do trabalho é refletir formas de trabalhar essas tensões,
compartilhando o comum entre comunicação, educação e experiência.
“Compreender a realidade e buscar um novo sentido para a educação num mundo
regido pelas contradições do confronto entre Modernidade e Pós-Modernidade faz
parte da missão do filósofo e do educador.” (SOARES, 2000, p.16).
Portanto, dando continuação ao raciocínio, podemos visualizar essas
tensões representadas como razão e sensibilidade. Para Ismar Soares (2000), foi
um erro grave a separação desses dois campos da cognição humana pela
Modernidade, fazendo a educação formal optar predominantemente pela razão, ao
passo que, para o autor, é igualmente perigoso abandoná-la por completo, tornando-
se assim dependente das sensações materiais. Por isso, é necessário pensar
formas de abarcar a instabilidade, a pluralidade e a unicidade do ser humano,
formas que as utilizem em conjunto, atendendo às devidas demandas, da razão e da
sensibilidade, visto que uma não depende da outra para se efetuarem, mas “nós”
dependemos desses dois campos para compreender a realidade. Logo, podemos
concluir que nem a razão, nem a sensibilidade, nos dão acesso ao que é
caracterizado como “real”, pois não é cabível a nós, seres humanos, nos reduzir a
qualquer tipo de universalização que seja.
Por isso, trazemos o documentário grafite.mp4 para o centro deste
trabalho pois ele representou naquele momento um elo das tensões racionais e
emocionais das pessoas envolvidas no processo de comunicação permeado pela
educação que gerou experiência (atravessamentos), subjetividades, pertencimentos
e, consequentemente, um momento que podemos denominar de educomunicativo.
27

4 A ORIGEM DO “DOCUMENTÁRIO GRAFITE.MP4”

Naquele primeiro semestre de 2019, na disciplina de Educação e


Tecnologia, ministrada pela professora Rakel de Castro, foi a oportunidade de me
aprofundar numa área de antigo interesse, a arte e expressão popular como meio
informativo e educativo, mas com o ângulo da metodologia da disciplina, que visava
a discussão sobre a dialogicidade de Paulo Freire (1987). Surge aí, então, as
primeiras noções acerca da palavra como prática, de se fazer aquilo o que é falado,
de ver a prática comunicativa como ação e reflexão, ou seja, como fenômeno
humano (p. 50). Portanto, essa perspectiva da palavra prática, reflexiva, nos levou a
arte urbana, na intervenção artística, onde fizemos a nossa primeira entrevista com a
designer Maria Zeferina7, cuja proposta de trabalho é explorar poéticas visuais
relacionadas ao corpo feminino. Vemos portanto um exemplo de palavra prática,
onde “palavra” significa menos o meio para que ela se faça surgir, e mais os
elementos que a constituíram: a própria vida da artista.

7 https://demodeatelie.com/post/m-a-n-i-f-e-s-t-o
28

Esse foi o máximo que conseguimos apresentar à disciplina, ficando


assim algumas entrevistas gravadas para sua continuação. Essa, por sua vez,
aconteceu no semestre seguinte, na disciplina de Narrativa Documental e Ficcional,
ministrada pela professora Carolina Libério, onde foi preciso, assim como na
disciplina da professora Rakel, criar um produto audiovisual baseado nas teorias
tratadas em sala de aula. É interessante ressaltar que essas atividades propostas
pelas professoras por si só, independente do resultado, que foi o documentário,
representaram um processo dialógico. O “fazer” do projeto é expresso em sua
própria proposta, porque o que foi “dito” (a palavra freireana), era exatamente o que
eu estava vivendo, ou seja, a experiência ocupando esse lugar de transição, de
travessia entre o fazer (viver) e dizer (palavra vivida). Portanto, constata-se que
experiência não se trata de experimento, algo controlado pelos sentidos, na verdade,
a experiência é uma combinação entre as vulnerabilidades do sensível e a cautela
da razão.
Por isso, houve a intenção de capturar esse processo na linguagem do
documentário, ao começar pelo seu título, “documentário grafite.mp4”: o que ele é
em essência sobressalta qualquer outra informação contida nele mesmo. Além
disso, o fio condutor do documentário é exatamente essa busca por sentido, como
eu justifico na chamada do documentário:

Há um tempo atrás eu havia escrito um programa sobre educação,


comunicação, e arte urbana. Mas o tempo passou, as idéias se
modificaram, eu também perdi alguns arquivos, e por isso eu convido vocês,
hoje, pra revisitar esses lugares, e construir uma ideia nova, pra gente
terminar esse documentário.

E então, a outra diretora do documentário, Carla Renata Silva, me


pergunta: “mas é programa ou documentário?”, o que não tem resposta, exatamente
para propor a reflexão sobre as fronteiras dos gêneros audiovisuais, muito discutido
29

na disciplina da professora Carolina Libério. Portanto, essa busca, como foi afirmado
anteriormente, é representado imageticamente pelo documentário, onde eu gravo,
literalmente, os caminhos que percorri na cidade de São Luís, principalmente no
centro da cidade. Além disso, também foi importante dar ênfase a esse aspecto
urbano do assunto tratado, pois além de, obviamente, serem artes urbanas, essas
intervenções artísticas voltam para o sentido de passagem, instabilidade, pois elas
se materializam exatamente nesses espaços de passagem da cidade (ruas,
avenidas, viadutos, etc).

Portanto, podemos concluir que a experiência fez parte da metodologia de


construção do documentário, pois não seria possível fazê-lo, ou melhor, concretizá-
lo em sua proposta, sem a ligação entre o que era vivido e o que seria “falado”, no
caso, gravado e editado. Por isso foi importante acrescentar a experiência ao corpo
teórico deste trabalho, para poder significar o uso da comunicação e da educação
para atividades dialógicas, ou, se preferirmos, educomunicativas.
30

5 METODOLOGIA

De acordo com Santaella (2001), a metodologia é algo que “brota” dentro


de cada fazer científico: “cada ciência configura esses procedimentos de uma
maneira que lhe é própria, desenvolvendo metodologias específicas e relevantes
para determinadas aplicações de acordo com necessidades que brotam dentro dela
e que não podem ser impostas de fora” (pg. 128). Nessa perspectiva, a autora utiliza
Lopes (APUD 1990) para, dentro das específicas ciências, mostrar o que representa
a metodologia, afirmando assim que a metodologia da pesquisa indica “a
investigação ou teorização da prática da pesquisa”, e a metodologia na pesquisa
indica “o trabalho com os métodos empregados”. Logo, metodologia na pesquisa
seria “um conjunto de decisões e opções particulares que são feitas ao longo de um
processo de investigação'' (pg. 129). O percurso metodológico deste trabalho foi
baseado nas seguintes etapas : contato com a escola; planejamento de visita;
presença nas atividades desenvolvidas que foram feitas por método observativo;
entrevistas e gravações complementares.
31

O documentário grafite.mp4, surge com o objetivo de realizar gravações


para o trabalho da disciplina Educação e Tecnologia, ministrada pela professora
Rakel Castro no primeiro período de 2019, porém, no desenrolar das atividades,
percebemos que havia naquele projeto uma relação que envolvia processos
comunicativos e educacionais. Passamos, então, a nos envolver mais com a tarefa,
que a princípio se resumia a um registro audiovisual. O envolvimento com os alunos,
a escuta dos professores e mesmo a permanência no ambiente, nos levou perceber
que para além da comunicação e educação, observávamos uma relação de
afetividade advinda dos professores que tinham um prazer em transmitir a arte
através da vivência, militância social e pertencimento de cada um.
A pesquisa teve como lócus a escola, tendo duas gravações: a entrevista
com o diretor Fábio Carvalho e o professor Francisco Jansen, e posteriormente a
gravação de uma intervenção parte da disciplina eletiva de sociologia que,
realizadas para o trabalho, tomaram outro sentido e acabaram servindo,
posteriormente, como dados de pesquisa. Ao decidirmos realizar este trabalho, o
que nos interessou foi a discussão em torno da tríade já mencionada: comunicação,
educação e experiência, por isso tratamos aqui de uma pesquisa qualitativa que de
acordo com Bauer e Gaskell (2008), “lida com interpretações das realidades sociais”
(pg.23). Para realizar uma pesquisa qualitativa, à princípio, é importante entender
que a mesma não tem como objetivo “dar poder”, ou “dar voz aos oprimidos” -
“embora estes possam ser entusiasmos louváveis, no contexto de grande parte da
prática da pesquisa qualitativa, eles são, no mínimo, ingênuos e possivelmente mal
encaminhados” - assim como queremos considerar dados para análise qualitativa
“outros tipos de texto, bem como imagens e materiais sonoros” (pg.15).
Esta análise deve se comportar de forma com que todos os sujeitos do
objeto de pesquisa (melhor colocado neste trabalho como a experiência) estejam
bem definidos e com seus sentidos inferidos. Para Bauer e Gaskell (2008), existem
os atores e espectadores que reagem e se relacionam dentro do “campo de ação”,
estes últimos representam o “campo de observação ingênuo", no sentido de que sua
observação está influenciada por afinidades e assim, se torna partidária, se
misturando com os próprios atores da experiência. Diferentemente, os
pesquisadores possuem uma “curiosidade sobre a natureza tribal do acontecimento,
do campo de ação e dos espectadores que estão sendo observados” (BAUER e
GASKELL pg. 18 2008), portanto, pode-se dizer que o pesquisador possui um
32

“campo de observação sistemático”, por separar suas análises de seus


envolvimentos pessoais.
Logo, o pesquisador trabalha com 3 eixos de evidência: o que acontece
no campo, as reações dos atores e espectadores, e a instituição do que se
considera como objeto de estudo. Para nós, o que acontecia no campo eram as
relações entre educadores e alunos, observadas através das entrevistas e da
presença na eletiva de sociologia do professor Francisco Jansen, que por sua vez
faz parte de uma metodologia do programa de ensino integral. As reações dos
atores e espectadores foram revisitadas em entrevista remota (devido a pandemia
de covid-19), para discutir a experiência educomunicativa registrada no
“documentário grafite.mp4”, sendo este nosso objeto de estudo.
Para completar a metodologia deste trabalho, nos posicionamos como
observadores sem interferir diretamente no processo educativo da eletiva, portanto,
“nosso envolvimento direto pode ser com o objeto em geral - seus problemas atuais
e futuros” (BAUER e GASKELL p.18, 2008), por isso a importância de se abster de
envolvimentos pessoais, pois isso polui os resultados da pesquisa e a impossibilita
de ser útil para a compreensão e potencial transformação do objeto/problema
estudado. Segundo Bauer e Gaskell (2008), existe um caminho a percorrer para
atingir os resultados da pesquisa: “finalmente, nós nos concentramos na relação
sujeito/objeto que brota da comparação da perspectiva do autor e da perspectiva do
observador, dentro de um contexto mais amplo e pergunta como os acontecimentos
se relacionam às pessoas que o experienciam”(p.18). Nossa perspectiva é melhor
explicar a relação entre atuação e observação com o objeto estudado na
interpretação dos dados.

5.1 Coleta de dados

As primeiras gravações ocorreram no primeiro semestre de 2019, durante


a disciplina de Educação e Tecnologia. Foi nesse período, pelo mês de julho, que
fizemos a primeira parte do documentário: a entrevista com a designer Maria
Zeferina, a entrevista na escola, as gravações da eletiva, as decupagens e a pós-
produção (programa Sony Vegas). O primeiro dia de gravação foi com Maria
Zeferina no espaço Galeria Trapiche, onde a própria tinha diversos trabalhos de
intervenção artística (lambe-lambe e grafite) no espaço e fora dele: ela é designer, e
33

trabalha desde sua formação acadêmica com intervenções artísticas no espaço


urbano, e a entrevistamos para iniciar o documentário concebendo conceitos sobre a
arte urbana e intervenção. Já no segundo dia, o professor Francisco Jansen e o
diretor Fábio Carvalho nos deram uma entrevista para falarmos sobre a fachada
grafitada da escola, que foi o ponto principal para a escolha do CEJOL e produzir o
documentário ali. Durante as entrevistas, o professor Francisco mencionou que as
artes presentes no espaço interno da escola são provenientes de suas disciplinas
eletivas, e falou também que haveria uma eletiva com o Gegê não muito tempo
depois daquele encontro, e foi assim o terceiro dia de gravação. Nesse terceiro dia,
quando ocorreu a eletiva, marcamos com Gegê uma entrevista, mas ele não poderia
em nenhum dia próximo pois ele dá aula no interior (Buriticupu), e só na segunda
parte do documentário (segundo semestre) conseguimos entrevistá-lo.
No segundo semestre, por volta do mês de novembro de 2019, além de
completar o ciclo de entrevistas com o professor Gegê, em frente a uma escola do
Quilombo Urbano, foi o período de dar propósito ao documentário, ou seja, resgatar
o objetivo anterior dando um fio condutor a sua narrativa, interligando todas as
entrevistas. Nessa perspectiva, o documentário foi finalizado sob as orientações da
disciplina de Narrativa Ficcional e Documental ministrada pela professora Carolina
Libério. Nessa segunda fase houveram dois dias de gravação: primeiro foi gravado o
percurso do ônibus mostrando os pontos onde ocorreram as entrevistas, diferentes
formas de intervenção, como as pichações, pela cidade e as artes de Zeferina. Essa
parte foi toda gravada com uma câmera de mão (Sony Handycam DCR-SX21) que
possui uma imagem esteticamente antiga/de memória. Depois, foi gravada uma
nova chamada, onde é, resumidamente, dada uma introdução para o documentário,
diferentemente registrada com uma câmera Canon EOS 7D em tripé. O som da
passagem, assim como de todas as entrevistas, foram capturadas com um gravador
de celular.
A segunda parte da coleta de dados consistiu em entrevista remota via
Google Meet devido a atual necessidade de distanciamento social pela pandemia de
covid-19, com os professores Francisco José Ferreira Carvalho (Francisco Jansen) e
Gleydson Rogério Linhares dos Santos Coutinho (Gegê), e dessa vez com os ex-
alunos do CEJOL (que participaram da eletiva) Breno Lopes Oliveira, Jéssica Ellen
Gomes dos Anjos, e Kamila Mirele Silva Celestina, todos de 19 anos. Desde o
projeto deste trabalho foi traçado a necessidade de revisitar os entrevistados do
34

documentário para uma melhor compreensão da experiência no campo de ação.


Bauer e Gaskell (2008) apontam para um “pluralismo metodológico como
necessidade metodológica”, ou seja, dentro da investigação de ação empírica, é
exigido: “a observação sistemática dos acontecimentos; inferir sentidos desses
acontecimentos das (auto-)observações dos atores e espectadores, exige técnicas
de entrevista; e a interpretação dos vestígios materiais que foram deixados pelos
atores e espectadores e uma análise sistemática” (pg.18). Portanto, essa segunda
entrevista é importante para analisarmos a auto-observação que os entrevistados,
outrora, atores e observadores, tiveram sobre si mesmos e sobre a experiência.
Bauer e Gaskell (2008) nos apontam direcionamentos para utilização das
entrevistas em grupo ou individual. Entrevistamos individualmente os professores
Gegê e Francisco pois nosso objetivo era “explorar em profundidade o mundo da
vida do indivíduo”, no nosso caso, o que existia na vida do (s) professor (es) que dá
sentido às formas de ensinar como foi visto no documentário, explicitando assim
“experiências pessoais detalhadas, escolhas e biografias pessoais”. Já com os
alunos, a entrevista ocorreu em grupo tanto por uma maior praticidade em relação
ao tempo, quanto para “orientar o pesquisador para um campo de investigação [...]
Explorar o espectro de atitudes, opiniões e comportamentos; Observar os processos
de consenso e divergência” (pg. 78).
As entrevistas ocorreram em três dias: 08 de abril de 2021 com o
professor Gegê, 16 de abril de 2021 com o professor Francisco Jansen, e através
desse último, tivemos acesso aos ex-alunos Jéssica, Kamila e Breno, no dia 22 de
abril de 2021, com consentimento dos mesmos registrado em vídeo 8. Para todas as
três, começamos com uma introdução amigável do pesquisador, Teodoro
Montenegro, e da orientadora, Rosinete Ferreira, seguido de uma explicação sobre o
projeto e sobre os conceitos nele trabalhados, como experiência e educomunicação.
As perguntas começaram mais amplas, panorâmicas, para depois, de acordo com
as respostas dadas, afunilar no que vimos que era o ponto principal para cada um.
Para os professores, Gegê e Francisco, concentramos em perguntas que
mesclavam suas percepções com a ideia que trazemos de experiência ( “como você
define o seu método de ensino?”, “existe uma forma de se trabalhar a experiência
dos alunos?”, ”como a educação pode se associar às diversas linguagens da
comunicação?”). Com os alunos, nos centramos principalmente nos pontos
8 Consentimento fornecido em vídeo nos anexos.
35

experiência e comunicação (“como foi essa experiência pra vocês?”, “o que mudou
na forma de vocês se comunicarem no espaço escolar?”) pois queríamos obter
principalmente a perspectiva dos alunos em relação à metodologia das eletivas, os
impactos que elas surtiram em suas vidas dentro e fora do ambiente escolar.

5.2 Leitura de dados

Por ser um trabalho interdisciplinar, não apenas porque está apoiado


sobre um tripé que abrange três áreas, mas porque o documentário estudado foi
feito em duas disciplinas diferentes, a leitura dos dados é feita a partir das teorias
que foram estudadas nas diferentes disciplinas. Os dados coletados no primeiro
momento de gravação, em 2019, foram principalmente lidos sob os preceitos de
Paulo Freire e da educação dialógica, pois era a teoria que regia os estudos da
disciplina de Educação e Tecnologia. Por isso, as falas dos entrevistados no
documentário refletem com maior abundância as experiências de cada entrevistado
dentro do ambiente escolar/acadêmico, ou seja, o foco maior sobre a educação.
Além disso, alguns elementos presentes na camada visual do documentário também
foram escolhidos através das teorias aplicadas na cadeira de Narrativa Documental
e Ficcional.
Sobre as teorias que alimentam a tríade que sustenta este presente
trabalho e nos direcionam para a leitura de dados, pode-se afirmar que elas
apontam para uma instabilidade conceitual como forma de encarar a realidade. Se
deixar atravessar pelos afetos e usar isso como estratégia de comunicação, de
organização, como traz Muniz Sodré (2014) representa precisamente o que foi
demonstrado nas entrevistas remotas tanto por professores como por alunos, sobre
os reflexos que esse processo de atravessamento tem sobre a educação na escola
e para a vida.
Como as gravações originais do documentário não foram devidamente
armazenadas, pouco se sabe sobre o que realmente foi dito sem os cortes e
angulações, estando assim disponíveis para interpretação o que saiu no resultado
final do documentário. Porém, as entrevistas remotas, mais recentes, foram
gravadas do início ao fim, sendo analisadas todas as falas referentes aos assuntos
que dizem respeito à pesquisa. Logo, podemos afirmar que o nosso objetivo com as
36

entrevistas remotas com o professor Francisco Jansen, o professor Gegê e os


alunos Kamila, Jéssica e Breno, foi de entender o impacto que a experiência
registrada no documentário provocou nas vidas escolares de cada um. Para isso,
direcionamos as perguntas de maneira auto-avaliativa, fazendo com que cada
entrevistado trouxesse à conversa detalhes individuais, subjetivos. Para isso,
buscamos produzir “dados informais” para nossa leitura e interpretação dos
mesmos, como justifica Bauer e Gaskell:
Na pesquisa social, estamos interessados na maneira como as pessoas
espontaneamente se expressam e falam sobre o que é importante para elas
e como elas pensam sobre suas ações e as dos outros. Dados informais
são gerados menos conforme as regras de competência, tais como
capacidade de escrever um texto, pintar ou compor uma música, e mais do
impulso do momento, ou sob a influência do pesquisador. (BAUER,
GASKELL, 2008, p. 21)

Queríamos saber o que era necessário para um professor fazer em sala


para que sua aula fosse realmente produtiva para os alunos, por isso levantamos
questões sobre metodologias, sobre as próprias trajetórias escolares, profissionais,
etc, além de uma contextualização maior sobre o que já havia sido coletado na
época do documentário. Ao ser perguntado sobre como tem sido a rotina de aula
remota, o professor Francisco Jansen desabafa que “não sou professor de EAD, eu
gosto do calor humano”. Demonstra também preocupação com as disciplinas
eletivas que ministra, pois são sempre envolvidas de dinâmicas práticas, como as
intervenções que vimos, mas otimiza que “o que a pandemia fez foi acelerar um
processo que cedo ou mais tarde ia chegar [...] então a gente tá aprendendo a
ensinar de novo”.
Ao ser questionado sobre como iniciou os projetos de intervenção artística
na escola, na entrevista em 2019, o professor Francisco Jansen afirmou que o
professor Gegê (Gleydson Linhares) dava aula aprofundada sobre a cultura hip hop:
“na parceria que tivemos com o prédio de ciências sociais (CCH-UFMA) nós
conhecemos o Gegê, que é professor de artes, e ele passou a história da
grafitagem, que até muita coisa eu não sabia: o que é hip hop, o que é grafitagem, o
que é muralismo…”. E foi assim que conseguimos contato com ele e despertamos
interesse em entrevistá-lo, já que ele foi responsável pela parte prática da
experiência educomunicativa registrada no documentário em 2019, através dos
grafites desenvolvidos com os alunos dentro da escola, com suas mediações
educativas. Portanto, nossa entrevista com professor Gleydson Coutinho teve como
37

objetivo explorar a sua visão acerca da comunicação, educação e experiência, tríade


que suporta este trabalho, ocupando o papel de professor e também de militante do
coletivo Quilombo Urbano9.
Já para os alunos, quisemos que a entrevista nos mostrasse os
resultados práticos das metodologias apresentadas pelos dois professores
entrevistados. Esses alunos, a Kamila, Jéssica e o Breno, foram da primeira turma a
entrar no modelo integral do CEJOL, em 2018, e quando gravamos a eletiva, em
2019, eles estavam no segundo ano do ensino médio. Começamos perguntando (e
quem quisesse responder poderia falar livremente) como foi a experiência de
estudar numa escola de modelo integral, visto que as disciplinas eletivas eram um
“braço” de toda a estrutura pedagógica que formava a experiência na escola.

6 COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E EXPERIÊNCIA: ANÁLISE DE DADOS

Até este presente momento, apontamos as razões que motivaram o tripé


escolhido para sustentar esse trabalho, como ele se relaciona com a
educomunicação, os processos teóricos e práticos que contribuíram para a
construção do documentário e a coleta de dados. Agora, por fim, vamos unir as
perspectivas teóricas com fragmentos da coleta de dados, esses como forma
representativa de perspectivas práticas, para concluir nosso trabalho. Enfim, o que
encontramos de comum nos campos comunicação, educação e experiência que
contribui para nossa proposta de estudo é o afeto, mas não o afeto simplesmente
romântico, mas como estratégia, ou mediação. Portanto, iremos trabalhar os dados
coletados de acordo com nosso aparato teórico bibliográfico.
Ao ser perguntado como foi feita a adaptação das eletivas para o modo
remoto, o professor também mostra como a pandemia interferiu na metodologia do
ensino integral, afirmando que o Projeto de Vida, que tinha total apoio das eletivas,
sofreu com a mudança:

A eletiva serve para isso, para despertar o sonho do aluno, as vocações. Aí


ele faz uma eletiva de humanas, de naturezas e vê o que ele gosta [...] Aí na
9 Coletivo de arte urbana; Movimento organizado de Hip Hop que surgiu no Maranhão em 1989
38

pandemia… Quebrou nossas pernas! Como vai funcionar nossos


laboratórios? É uma disciplina que é na prática mesmo. Então é uma coisa
que a gente vai aprendendo, a gente não teve treinamento. (Professor
Francisco Jansen, entrevista concedida em 16/04/2021).

A ex-aluna Jéssica nos explica sobre o projeto de vida:

Desde o primeiro ano, os professores trabalham com os alunos em relação


ao projeto de vida, o que querem fazer. E vamos supor: se um aluno quiser
ser advogado, eles começam a trabalhar nesse projeto de vida, mostrar que
tipo de curso, se é licenciatura, tecnólogo, se é bacharelado, vai ajudando
nisso porque muita gente tem dúvida com esse tipo de coisa (Jéssica Ellen
Gomes dos Anjos em entrevista concedida no dia 22/04/2021)

Podemos perceber o processo dialógico nessa atividade do CEJOL a


partir do momento em que as propriedades pertencentes a vida do aluno, como suas
dúvidas e incertezas quanto a qual carreira seguir, estão impressas na forma de
educar e comunicar, pois, como vimos, é necessária a não universalização dessas
formas, nem totalmente racionais, nem totalmente sensoriais. Sob essa mesma
perspectiva, existem outros projetos apontados pelo professora Francisco, um deles
é o Estudo Orientado:
Eu também sou professor tutor, como eles passam o dia todinho na escola,
eles precisam de um horário pra fazer atividade de casa, só que a atividade
é na escola, porque eles chegam cansados em casa e não vão fazer o
dever de casa. É o chamado Estudo Orientado [...] Mas com uma vantagem:
na escola eles têm todos os professores para tirar dúvidas, que em casa
eles não têm. (Professor Francisco Jansen, entrevista concedida em
16/04/2021)

O professor ainda afirma que todas essas experiências, tanto de professor


quanto de aluno, são responsáveis por uma mudança na disciplina e comportamento
dos alunos, uma completa transformação:

Se você perguntar para outro professor de integral se ele quer voltar pro
ensino parcial ele vai dizer que não. [...] A produção que tem no integral, eu
sou tão realizado, que eu estou lá e digo ‘meus alunos estão aprendendo o
que eu estou dando na aula’. Você vê a mudança [...] As escolas públicas
que eu dava aula parecia uma cela de delegacia, a parede toda rasurada,
pichada, depredada. Aí você chega no integral, as turmas disputam, sem
ninguém mandar, quem deixa a sala mais limpa no final do dia. (Professor
Francisco Jansen, entrevista concedida em 16/04/2021)

Isso demonstra que existe um bom aproveitamento do tempo passado


dentro da escola, não só pelos alunos, mas inclusive pelos professores, ou seja, foi
um processo construído simultaneamente, uma experiência mútua, que, assim como
as aulas dadas no modelo remoto, também tiveram suas dificuldades, também foi
uma transformação, como ele cita: “tem muito professor que não gosta do integral
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porque não quer sair da sua zona de conforto”.


O professor Gegê colabora para esse debate no momento em que o foi
questionado sobre como é trabalhado os processos em sala de aula para que a
dialogicidade possa tornar-se possível, no qual ele comenta:

A forma como isso acontece é justamente a partir de um levantamento feito


com estudantes para que a gente tenha esses dados e a partir deles ir
dialogando com eles, principalmente a partir da cultura. Não só em Artes
mas a própria Educação tem esse recorte científico, mas em Artes ele é
ainda maior [...] As problemáticas contemporâneas têm uma certa
relevância, mas os alunos precisam entender que isso não é algo novo,
então o processo ele começa a partir da gente refletir primeiro olhando para
nós mesmos no sentido coletivo, e não individual, que é um dos grandes
desafios que nós temos na nossa sociedade, que é uma imposição muito
forte, das pessoas precisarem ter essas conquistas individuais, e a gente
sabe que nenhuma conquista é individual (Professor Gleydson Rogerio
Linhares em entrevista concedida em 08/04/2021)

Vemos que é criada uma rede dialógica, que começa na relação aluno e
professor e se estende até os tecidos histórico-sociais que formam as noções de
sociedade, sendo assim, uma forma consciente de não submissão à sistematização
imposta pela sociedade através da Educação. Mas esse processo pode, em
verdade, ser visto como algo “estranho” como nos exemplificou Gegê, exatamente
pela desestruturação que os meios alternativos de comunicação e educação (e aqui
eu me refiro a afeto, e não meios técnicos) causam, como foi visto nos princípios da
experiência. Gegê nos conta então:

Sempre houve uma resistência por conta da direção da escola, da


secretaria de Estado, e chegou o tempo que muitas escolas “fecharam as
portas” para nós. Só que os estudantes abriram as portas, tiveram várias
situações que eles disseram ‘a gente quer aqui o hip hop’. Inclusive no
CEJOL, onde o Teodoro teve o in locus, nós tivemos uma situação bem
interessante nesse sentido: nós estávamos em uma das atividades do
CEJOL, chegou um grupo de estudantes lá do BCA, aí eles conheceram a
gente, pediram pra falar, e de lá fomos pro BCA, aí eles chegaram lá já
dizendo pra diretora ‘a gente quer o hip hop aqui na escola’ [...] Por que que
eu tô contando essa estória? Porque, sim! Acontece esse estranhamento,
como nós trabalhamos algo que está muito ligado ao cotidiano deles, seja
pra falar de pixação, de grafite, de dança de rua, o hip hop não trabalha o
hip hop em si, mas ele trabalha as culturas, então isso faz com que eles se
aproximem (Professor Gleydson Rogério Linhares em entrevista concedida
em 08/04/2021)

Essas aproximações fizeram com que a longa rotina do modelo integral


fosse produtiva e transformadora para os alunos que entrevistamos. Um dos
momentos que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi a ex-aluna Jéssica ter
demonstrado os efeitos pós-escola que toda a experiência no modelo de ensino
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integral causou em sua vida, afirmando:

É muito legal porque hoje em dia eu consigo estudar e trabalhar, não é uma
rotina que me cansa, e a escola integral me ajudou a ajeitar meu tempo. E
também quando eu saísse do ensino médio eu já ia saber o que eu ia fazer,
então eu não fiquei uma pessoa perdida, porque eu era muito indecisa do
que eu ia fazer. Então a escola integral me ajudou demais. Agora, em
relação às críticas, sempre vai existir, né? Mas quem souber aproveitar a
escola integral, vai sair vitorioso. (Jéssica Ellen Gomes dos Anjos em
entrevista concedida no dia 22/04/2021)

Neste sentido, buscamos compreender as falas de experiências vividas


por todos os envolvidos na construção educacional do CEJOL. Experiências
educacionais vividas e conquistadas pela relação dialógica, comunicacional, pela
educação e sem dúvida pela experiência e subjetividade de cada sujeito envolvido
nesta pesquisa.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Imaginemos uma oficina de artesanato. Em seus encontros, o instrutor


pede aos alunos que criem objetos com os mais diversos materiais: argila, papel,
tinta, pincéis, enfim, para que esses possam substituir outros objetos que danificam
a saúde do nosso ecossistema, por exemplo: fazer um copo de barro para que não
precise mais tirar um copo plástico toda vez que fosse beber água. Esse cenário
ilustra a visão do projeto estudado nessa pesquisa: ministrar aulas, cursos, um
ambiente que envolve comunicação, educação e experiência, ou como vimos, a
educomunicação, para desenvolver uma comunicação sustentável, sensível e
inclusiva. Partimos, aqui, da hipótese que o “lixo” jogado em nosso meio ambiente
não é apenas material, mas também ideológico, político e informacional. Talvez, um
seja a causa do outro.
Portanto, entendemos que foram confeccionados sentidos de acordo com
as relações trabalhadas nesta pesquisa. Observamos um processo dialógico
construído entre as diversas subjetividades ali envolvidas. A aluna Jéssica afirmou
que o ensino de tempo integral a ajudou a organizar seu tempo e torná-lo mais
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produtivo. Foram o fazer e o dizer que a fizeram compreender a vida do ser


humano de forma integral, seja de ordem afetiva ou racional.
Numa perspectiva pessoal e subjetiva, esse trabalho reúne tudo de
melhor que a experiência acadêmica me propôs, do extremo emocional, ao extremo
racional. Do primeiro dia de planejamento do documentário, até este momento em
que escrevo o final do trabalho, fui atravessado por diversos processos: de
amadurecimento, de responsabilidade, de relações subjetivas, fui capaz de captar o
que está anterior a mim, ao mesmo tempo que projeto melhorias para o futuro.
O destino desta pesquisa é a continuidade da investigação, da tríade
proposta com foco em um modelo dialógico de ensino aplicado voltado para a
compreensão de que os sentidos são baseados nas relações que construímos com
os outros, os “externos” a nós, que devemos estar abertos o suficiente para
compreender temas e problemáticas que nos são impostas, e que não estejam
limitados a uma instituição simbólica.

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