Prof. Roberto da Freiria Estevão MATERIAL DE APOIO 2 - HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO - METODOLOGIAS E ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO • A hermenêutica estuda os seguintes processos/espécies de interpretação, conforme comumente expõe a doutrina:
• I. QUANTO AO SUJEITO:
• A) INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA (ou legislativa) - o texto normativo é
interpretado pelo próprio órgão do qual emana, por meio de outro texto elaborado para interpretá-lo e aclarar o seu sentido, o seu alcance.
• Subdivide-se em:
• è INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA CONTEXTUAL - realizada no próprio
texto da lei. Exemplos:
• - art. 327 do CP - “considera-se funcionário público ...”, e § 1° - “equipara-se
a funcionário público ...”.
• - art. 2° do ECA - Lei 8.069/90 -, que define o conceito de criança e
adolescente.
• - o art. 1°, § 1°, do C.T.B. - Lei 9.503/97 -, que trata do significado da
palavra “trânsito”.
• Tb: art. 2°, “caput”, do Estatuto de Defesa do Torcedor - Lei 10.671/03; art. 1°, par. ún., da Lei 11.343/06 - Lei de Drogas.
• è INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA POSTERIOR - a efetivada por meio de
outro texto normativo. Ex: o art. 19 da Lei 4.494/64 (antiga lei de locação), previa “o reajustamento do aluguel mensal, toda vez que o salário-mínimo for oficialmente elevado.” O art. 1º da Lei 5.441/67 interpretou aquele dispositivo: “Os reajustamentos ... não poderão ser percentualmente superiores a 2/3 (dois terços) do aumento do maior salário-mínimo no País, devendo o respectivo aumento ser acrescido ao aluguel em 3 (três) parcelas ... .” • B) INTERPRETAÇÃO DOUTRINÁRIA (ou científica) - é a efetivada pela doutrina, em obras jurídicas, artigos científicos, monografias, teses, pareceres etc. É comum essa espécie de interpretação ser utilizada em peças jurídicas e em decisões dos juízes/tribunais.
• C) INTERPRETAÇÃO JUDICIAL (ou jurisprudencial) - é a que emana dos
órgãos do Poder Judiciário. Decorrente do reiterado entendimento judicial presente em sentenças ou acórdãos, que explicitam o sentido do texto normativo. Como exemplo dessa espécie de interpretação têm-se as SÚMULAS dos Tribunais Superiores, que, em algumas situações, tem o efeito de vincular diretamente os órgãos judiciais e os da Administração Pública (art. 103-A, “caput”, da CF).
• D) INTERPRETAÇÃO ADMINISTRA-TIVA: é efetivada por Órgãos da
Administração Pública em suas decisões, pareceres, despachos, portarias, regulamentos, etc.
• II. QUANTO AO MEIO (ou método):
• A) INTERPRETAÇÃO GRAMATICAL (ou literal ou filológica) - é o primeiro
passo que o intérprete dá na busca do sentido, significado ou compreensão do texto. Tem como base as regras da lingüística, com o exame literal de cada termo do texto, da pontuação, da colocação do vocábulo e sua origem etimológica, além de outros dados. Ex: art. 100, § 2°, do CP, o significado da palavra “queixa”, que não tem o mesmo sentido que lhe é dado vulgarmente, e sim o de petição inicial na ação penal privada.
• B) INTERPRETAÇÃO RACIONAL (chamada de LÓGICA por alguns
doutrinadores) – por ela busca-se a vontade do legislador (mens legistoris) ou a vontade da lei (mens legis)? A opinião que prevalece é a segunda: deve-se buscar as possibilidades que a lei dá, a chamada “vontade da lei”, pouco importando a vontade do legislador. Quando editada, a lei ganha autonomia, vida própria, desvinculada da intenção que o legislador teve. Portanto, a pergunta é: o que A LEI pretende com a disposição em análise?
• C) INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA - considera o sistema em que o texto
está inserido e busca a concatenação entre o dispositivo e os outros elementos da própria lei, do respectivo campo de direito e até mesmo do ordenamento jurídico geral, que forma um conjunto harmônico e orgânico, tudo a resultar em solução de perfeita harmonia e coerência. Ex: art. 128, I, do CP (aborto necessário ou terapêutico pelo médico), interpretando sistematicamente com o disposto no art. 24, “caput”, do CP (estado de necessidade de terceiro, quando praticado pelo não médico).
• D) INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA - baseia-se no histórico do processo
legislativo, na investigação dos antecedentes do texto ou enunciado normativo: o projeto, os debates, as emendas apresentadas inseridas no texto e as rejeitadas, as audiências públicas, enfim, tudo o que inspirou o legislador no histórico da lei. O intérprete busca as necessidades jurídicas presentes no contexto da elaboração da lei.
• E) INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA (ou sociológica) - tem em vista a
melhor aplicação da lei na sociedade a que se destina. Busca a adequação do sentido da lei às realidades e necessidades sociais. Ou, numa pergunta, socialmente, qual a razão da lei? Esta adequação está prevista no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Na aplicação da lei o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
• III. QUANTO AO RESULTADO
• A) INTERPRETAÇÃO DECLARATIVA (ou estrita) - limita-se a declarar
sentido do texto, sem ampliá-lo ou restringi-lo. O intérprete, neste caso, deve procurar tudo o que o texto exprime, precisamente, nem de mais, nem de menos. Ex.: art. 141, III, do CP: crimes contra a honra è as penas são aumentadas de um terço se o fato é cometido “na presença de várias pessoas”: no mínimo mais de duas. Ao se referir a duas pessoas, a lei o faz expressamente (ex: art. 150, § 1º, art. 226, I).
• B) INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA - o sentido ou o alcance da lei é reduzido
para que se encontre sua real finalidade. A lei disse mais do que o necessário. Ex: art. 28, I e II, do CP: não excluem a imputabilidade penal a emoção, a paixão ou a embriaguez voluntária ou culposa. A interpretação, no caso, deve ser a restritiva, para serem considerados esses estados apenas se não patológicos, buscando-se evitar a contradição com o que prevê o art. 26, “caput”, do mesmo CP. Se a emoção, a paixão ou a embriaguez for patológica, será aplicável o art. 26 e não o 28.
• C) INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA - é adotada quando se faz necessário
ampliar o sentido ou o alcance do dispositivo, para se chegar à sua real finalidade. Vale dizer, a lei disse menos do que o necessário. Ex: art. 130 do CP - crime de perigo de contágio venéreo: o tipo penal fala em “expor” a contágio de moléstia venérea, mas o sentido do texto é interpretado extensivamente para atingir o próprio contágio, se o fato não configurar crime mais grave; art. 235 do CP - crime de bigamia: o tipo penal incrimina também a poligamia.
• IV - INTERPRETAÇÃO PROGRESSIVA (ou adaptativa ou evolutiva) - o
intérprete busca adaptar o texto às necessidades e às novas concepções decorrentes das transformações sociais, científicas, jurídicas e morais que sejam úteis na aplicação da lei. Ex: a expressão “perigo de vida” (art. 129, § 1º, II, do CP) deve ser interpretada à luz do progresso da medicina; “doença mental” (art. 26 do CP) impõe a consideração das descobertas da psiquiatria. A expressão “mulher honesta”, que tínhamos no artigo 215 do CP (posse sexual mediante fraude) e no art. 216 do mesmo Código (atentado ao pudor mediante fraude), necessariamente precisava ser interpretada à luz dos costumes em 1940 e em 2005 (quando tais dispositivos foram revogados pela Lei 11.106) è “mulher honesta” tinha sentidos bem diferentes.
• V - INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA - tem lugar quando o legislador insere
fórmulas, palavras ou expressões casuísticas no dispositivo, que são seguidas de outras espécies genéricas, abertas, com o emprego da analogia para a compreensão do sentido e do alcance do texto. Ex: art. 121, § 2º, IV, do CP: “à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”. “Outro recurso” deve ser análogo aos antes mencionados casuisticamente (traição, emboscada e dissimulação). • Ver também: art. 28, II (“substância de efeitos análogos”); art. 71 (“e outras semelhantes”); art. 146 (“qualquer outro meio”); art. 171 (“qualquer outro meio fraudulento”) etc.