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Vinicius Papaleo - Resenha NERDS – 14/11

Os textos, quando lidos separadamente, revelam-se distintos quanto aos temas que
pretendem debater, mas, ao coloca-los em justaposição, conseguimos encontrar uma
tese semelhante por detrás de ambos. Trabalham com o caminho percorrido
mentalmente até a expressão de uma opinião ou discurso, ou seja, o processo
psicológico para que se chegue a uma determinada conclusão. Entretanto, cada texto
discute suas suposições dentro de contextos diferentes e em óticas distintas.

Em “The Challenge of Legal Realism”, esse processo é visto dentro de situações


específicas de Direito, mas, principalmente, em determinar como funciona a cabeça dos
juízes ao tomarem uma decisão, ao proferirem uma certa sentença, tendo como base a
corrente jurídica estadunidense do Realismo Jurídico. Já em “Rationalization in Moral
and Philosophical Thought”, o processo mental é estudado dentro de situações em que
se colocam questões morais e filosóficas a serem respondidas, tendo como análise o
processo de “racionalização”.

Em primeiro lugar, no texto “The Challenge of Legal Realism”, encontramos maior


facilidade em relacioná-lo ao campo do Direito. Nele, colocou-se a questão: “Quanto
que importam as razões legais nos argumentos dos advogados, e quanto elas fazem
diferença nas decisões reais dos juízes? ”; e para responde-la, trouxe a perspectiva cética
do Realismo Jurídico. A princípio, a resposta dada por esse movimento foi de que os
juízes, ao se depararem com um caso a ser julgado, já têm uma primeira intuição para a
maneira como vão decidir sobre ele, e se utilizam do ordenamento jurídico para
corroborar com essa posição previamente estabelecida. No início do movimento, John
Oliver Wendell Holmes acreditava que essa primeira intuição dos juízes advinha do
arcabouço doutrinário e da experiência de atuação que eles detinham, as quais, estas,
por si só, já os direcionavam para uma certa conclusão do respectivo caso. Colocava em
destaque, certos termos linguísticos jurídicos e certas categorias legais especificas como
fatores que determinavam a conclusão dos processos. Dessa hipótese, emergiram as
discussões sobre a previsibilidade do resultado dos julgamentos.

Como a motriz do pensamento do Realismo Jurídico era estudar o Direito, quanto aos
seus efeitos e comportamentos, na prática, fugindo de apenas elucubrações teóricas e
abstratas, e tendo como objeto “o que as cortes provavelmente faziam de fato”, surgiu,
na década de 1930 nos EUA, a hipótese de que os juízes eram influenciados também por
outros fatores não-legais ao tomarem decisões. O que antes Holmes havia colocado
como fator determinante apenas elementos próprios do Direito, Jerome Frank e Joseph
Hutchenson acreditavam que havia, conjuntamente, influências extra-legais. Para Frank
e Hutchenson, o juiz teria em mente ao se deparar com os processos, uma intuição
primária que lhe vinha à mente, e depois disso, procurava nas fontes legais,
justificativas que corroboravam com essa intuição. E essa intuição era baseada menos
em fatores estritamente jurídicos, mas a outros alheios a este, como atributos pessoais
das partes, a alimentação dos juízes, preferências políticas e etc., que eram
extremamente particulares a cada situação. A conclusão pré-legal ou extra-legal do juiz
vinha sempre antes e independentemente da consulta ao material jurídico. Podemos
afirmar, portanto, que Frank e Hutchenson estabeleceram os fundamentos primários da
perspectiva Realista. As pesquisas empíricas tiveram como seus primeiros passos com
Underhill Moore. Este jurista e professor conseguiu constatar que realmente a doutrina
legal tinha uma participação bem pequena no processo decisório dos juízes. A partir de
então, as pesquisas foram aumentando, e importância do empirismo foi esclarecida
como a única forma de determinar quais fatores influíam para certos resultados
jurídicos.

Já no segundo texto, “Rationalization in Moral and Philosophical Thought” de Eric


Schwitzgebel e Jonathan Ellis, é possível obter relações com as hipóteses constatadas
pelo movimento do Realismo jurídico. Este texto apresenta a argumentação sobre a
presença do processo de racionalização durante o processo mental que leva a uma
determinada conclusão. A racionalização ocorre quando uma pessoa é tendente a um
juízo, decorrente de algum fator, pertencente a esse sujeito, que não tem relevância
epistêmica. E, a partir disso, procura justificativas enviesadas por essa tendência que
corroboram com a conclusão tendenciosa pré-estabelecida. Estas acepções enviesadas
decorrem de um fator desvirtuado que geram razões, supostamente epistêmicas, não-
comprobatórias. Este fator desvirtuado, então, guia o processo psicológico a encontrar
razões superficialmente plausíveis e coerentes que justificam a respectiva conclusão. O
fator desvirtuado determina prematuramente uma conclusão, a partir da qual a
justificativa cria seu caminho lógico-mental. Essa justificação “post-hoc” seria a
racionalização, e ela ocorrendo mais frequentemente face a questões morais e
filosóficas.
A ligação que se dá entre os dois textos seria exatamente interseção entre as duas
hipóteses: o processo de racionalização no contexto da tomada de decisão dos juízes.
Como bem apresenta, quando o juiz se depara com um caso concreto a ser julgado,
podemos entender que de antemão ele obtém uma conclusão resultante de um fator
desvirtuante enviesado por alguma tendência sua, e que, posteriormente procura nas
fontes legais as justificativas da racionalização. Fatores desvirtuantes, estes, que podem
ser todos aqueles extra-legais que possam aparecer no fato concreto e que foram
elencados nas constatações de Frank e Hutcheson. Isso ainda é demosntrado pela
similitude das comprovações da cognição dos objetos de pesquisa de ambos os textos:
no primeiro, os juristas não conseguiam explicar a presença dessa influência não-
jurídica (pg.135) e, no da racionalização, pela barreira cognitiva que impedia que os
sujeitos, objetos das pesquisas, conseguissem identificar ou analisar seus vieses e
fatores desvirtuados (pg.19).

Entretanto, como o texto do Realismo explica, esse fenômeno é mais provável de


ocorrer em “hard-cases”, aqueles litígios que efetivamente chegam ao judiciário e
apresentam tantos argumentos jurídicos favoráveis a ambas as partes litigiosas que
fazem surgir apelações aos tribunais colegiados. Como não existiria uma resposta única
para o caso, o juiz acaba por deixar que as suas intuições supervenientes ocasionadas
por fatores não-epistêmicos alheios ao Direito introduzam uma conclusão que depois
será revestida por uma roupagem jurídica. Esse fenômeno acaba valendo também para
as situações em que encontramos termos de linguagem jurídicos, que mesmo técnicos,
apresentam significados amplos ou “vagos” que terminam fazendo com que os
tomadores de decisão se utilizem inconscientemente de fatos e valores extra-legais para
poderem preconizá-los.

Mesmo que o texto do Realismo relate sobre a experiência do Direito dentro do


contexto da common-law, ainda assim, é possível relacioná-la à experiência brasileira
do civil-law. Enquanto o direito de lá trabalha menos com a positivação de leis e mais
com os precedentes judiciais e costumes, os movimentos jurídicos brasileiros mais
recentes, que procuram diminuir as fronteiras entre os dois sistemas, acabaram por
trazer algumas dessas características do sistema estadunidense para cá. Principalmente
quando se amplia a noção da norma legal, agora separada do texto legal e resultado da
interpretação do jurista tomador de decisão. Conjuntamente à introdução do sistema de
precedentes judiciais no Brasil, a função jurisdicional do Judiciário ganha, assim, um
novo caráter de criadora de Direito. Função, esta, exercida pela instituição, mas
praticada pelos juízes. Encontramos, dessa forma, uma redescoberta na importância de
determinar como funciona o processo mental dos juízes, uma vez que estes tomaram
maior relevância no nosso sistema jurídico.

É possível também tratar de maiores especificidades do nosso sistema jurídico, que


talvez afetem de alguma forma quanto ao fenômeno da racionalização junto da
perspectiva do Realismo. A Constituição de 1988, marco de redemocratização, trouxe
junto dela diversos princípios que se tornaram tanto fundamento garantidores de direitos
como diretrizes a serem alcançadas pela sociedade. Estes princípios, no entanto, quando
colocados e examinados dentro do caso concreto apresentam dificuldades de serem
definidos de forma que não abram margem para diversas interpretações. Além disso,
costumam tratar de temas que abrangem discussões fora do campo de estudos do
Direito, mas também da Moral e da Filosofia. Tais interpretações acabam por deixarem
passar fatores não-juridícos, como políticos-ideológicos, que contribuem para a
definição particular dada pelo juiz ao aplica-la. Depois disso, cabe a ele procurar no
ordenamento a roupagem jurídica apropriada que corrobore com essa definição
preestabelecida, claramente sob o processo da racionalização. Vale salientar que esse
mecanismo mental, na grande maioria das vezes, não é utilizado de má-fé pelo
indivíduo, mas naturalizado pela própria natureza do tema em questão. Com a função
cada vez mais ativa do juiz dentro do nosso sistema legal, suas tomadas de decisão,
injetadas pelo processo de racionalização, possuem maior importância para o
funcionamento desse sistema.

Ainda, coloca em discussão as mesmas questões do domínio sobre a previsibilidade das


decisões judiciais iniciadas pelos realistas, uma vez que torna matéria de estudo,
novamente, quais são os fatores desvirtuados que poderiam levar respectivos juízes a
trazerem à tona suas tendências, e quais fatores estes que apresentam um mesmo
resultado em vários juízes. Essa catalogação poderia ser bastante útil à profissão do
advogado, o qual passaria a moldar seu discurso, sua narrativa e a forma como se
comporta perante os juízes mais consciente dos impactos que isso poderia ter na
respectiva sentença. Como mostra o texto da racionalização, algumas das pesquisas
empíricas já demonstram certas tendências das pessoas ao serem expostas a fatores
como o nojo.
Portanto, é possível perceber que os debates travados pelos Realistas estadunidenses no
percorrer do século passado retomam à atualidade dentro do novo contexto que se
inserem. Junta a isso, as pesquisas empíricas realizadas na tentativa de comprovar e
aprofundar os conhecimentos sobre o processo de racionalização vêm como suporte
para a concretização dessas hipóteses em comum. Dentro do Direito, vale a pena
revisitar e conhecer essas teses e linhas de pesquisa como forma de ampliar nosso
entendimento do Direito como fenômeno.

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