Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
➔ Nota sobre a formação das linhas gerais do figurino constitucional pelo poder
revolucionário
1
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
Este programa consistia num documento elaborado por uma comissão coordenadora do
chamado movimento dos capitães. Foi neste programa constitucionalizado que se plasmou a
primeira manifestação do poder constituinte material, isto é, a ideia de direito que iria
enformar a Constituição de 1976.
No fundo, esta ordem jurídica constitucional é um Estado social de direito assente numa
democracia representativa, que deveria assentar, nomeadamente, no princípio democrático,
no pluralismo, na consagração de direitos sociais, entre outros.
Com a criação do Conselho de Revolução e da Assembleia do MFA, decidiu o MFA impor aos
Partidos um acordo político nos termos do qual se definiam as linhas mestras do conteúdo da
futura Constituição. Visto pelos líderes dos partidos democráticos como um verdadeiro
ultimado (em caso de recusa de assinatura, haveria o risco de a eleição para a Constituinte
ficar comprometida, e a Constituição não ser promulgada ou de a segurança dos partidos não
ser garantida) o I Pacto foi assinado. Configurava o modelo de uma Constituição autoritária de
viés marxista com uma vertente pluralista, onde uma vanguarda militar coexistiria com uma
componente democrática de espetro limitado.
Os pactos assumiram valor político e não jurídico e a sua outorga pelos partidos era, na
aparência, voluntária. Contudo, parece bem evidente que apenas no contexto de um
fenómeno de forte coação política, partidos democráticos poderiam aceitar um modelo
constitucional que usurpava o programa originário da Revolução e instituía um modelo próprio
de uma autocracia revolucionária, agregado a algumas componentes limitadas do pluralismo
democrático. De certo modo, uma solução provisória de “unidade democrática” forçada,
liderada por uma vanguarda revolucionária idêntica à que ocorreu em diversos países do
Centro e Leste da Europa antes da tomada definitiva do poder pelos partidos comunistas.
Derrotada a vanguarda radical do poder militar, será de questionar s razão pela qual os
partidos democráticos assinaram o segundo Pacto com o MFA, permitindo o condicionamento
do poder constituinte.
Alguns autores como Jorge Miranda, que participaram no processo de feitura da CRP e que
assumem uma posição benevolente sobre a opção de assinar o segundo pacto. Não seria
credível que o poder militar que ganhara autonomia aceitasse a mesma subordinação ao
poder civil que imperava nos restantes estados europeus. É preferível haver um período de
transição onde um Presidente eleito levasse a uma normalização democrática. Para além disso,
seria mais realista integrar as forças armadas no sistema político, coresponsabilizando-as do
que aceitar as suas intervenções como na Primeira República.
O Professor Blanco Morais discorda com esta posição por vários motivos, nomeadamente:
2
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
1. Fontes Cognitivas
No plano interno, a nova Constituição foi influenciada pela Carta Constitucional (poder
“moderado” implícito do PR), pela Constituição de 1911 (sistema de direitos fundamentais e
regime democrático) e pela Constituição de 1933 (redação de diversos preceitos, poderes
alargados do PR e autonomia legislativa do Governo).
Nível Externa:
2. Sistema Político
Assim, regista-se a dupla dependência do Governo perante um PR eleito por sufrágio universal
que, a par do seu poder de veto, pode demitir o primeiro se estiver em causa para o regular
funcionamento das instituições democráticas (195º CRP) e diante da AR também eleita por
sufrágio universal que pode demitir o Executivo mediante a reprovação do Programa de
Governo, aprovação de uma moção de censura por maioria absoluta dos deputados efetivos e
reprovação de uma moção de confiança.
3. Direitos Fundamentais
Artigo 18º CRP → a constituição consagra um volume copioso de direitos sociais em normas
programáticas.
3
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
4. Organização Territorial
A República foi definida no artigo 6º da CRP como um Estado Unitário, municipalizado e com
uma regionalização político-administrativa periférica para os arquipélagos da Madeira e dos
Açores. Regionalização administrativa para o continente foi rejeitada em 1998.
CRP pode ser revista quinquenalmente mediante deliberação favorável de dois terços dos
deputados efetivos e no respeito de limites materiais (artigo 288º CRP). A AR pode assumir,
mesmo assim, poderes de revisão extraordinária nos termos do artigo 284º nº2 da CRP.
Com a primeiro revisão constitucional em 1982, foi criado o Tribunal Constitucional que opera
em contexto de um sistema misto de controlo da constitucionalidade:
6. Vigência
A CRP vigora desde 1976 e teve sete revisões constitucionais: quatro ordinárias e três
extraordinárias (1991, 2001, 2005).
As revisões de 1991, 2001 e 2004 tiveram igualmente relevância, visto que ajustaram a ordem
jurídica portuguesa à Comunidade Europeia (depois UE) às instâncias jurisdicionais
internacionais e a exigências de combate a formas de criminalidade transnacional.
4
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
- Preâmbulo
Outros, são enxutos, ou seja, têm preocupação de integrar vastos setores políticos da
sociedade no ato constituinte e invocam o nome de Deus. EXEMPLO: Constituição alemã de 1949
e a brasileira de 1988.
Outros, ainda são incorporados com força jurídica como normas constitucionais, como o caso
da constituição francesa de 1958 que teve uma receção jurídica do preâmbulo da constituição
de 1946, que contém uma declaração de direitos fundamentais.
Por fim, outros são poéticos, palavrosos, ruturistas e ideológicos, prometendo vias e modelos
doutrinais de sociedade e Estado. EXEMPLO: texto que antecede a Constituição portuguesa de 1976.
5
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
A afirmação de que o preâmbulo na CRP de 1976 carece de qualquer relevância jurídica, pelo
que não pode servir de norma de referência autónoma para a apreciação da
constitucionalidade de outros atos normativos nem como instrumento auxiliar de
interpretação de outras normas constitucionais. Existem 3 argumentos:
1) O preâmbulo não é redigido mediante uma formulação normativa, mas sim como um
texto literário ou proclamatório da autoria de um poeta. Assim, não pode um texto
panfletário, com toda a sua carga utópica e formulação ideológica arrebatada, assumir
natureza de critério jurídico destinado a reger direitos das pessoas e organização do
Estado.
2) Princípios estabelecidos no preâmbulo não têm autonomia em face dos que foram
consagrados no preceituado constitucional, no caso de caducarem ou deixarem de ter
correspondência nas normas, ou ainda de serem produzidos nas normas
constitucionais com uma maior especificação ou densidade reguladora, carecendo de
qualquer utilidade no plano interpretativo.
3) A desadequação entre a carga ideológica preambular e as sucessivas revisões de
preceituado da CRP que intentaram atribuir esta, um maior papel integrador do
pluralismo político-social, constituiria um fator de contradição constitucional no caso
de se atribuir ao preâmbulo valor normativo indireto.
Tal sucederia, pois, conferir relevo jurídico-interpretativo ao preâmbulo significaria um
afrontamento entre a matriz socialista e dirigista e a atual matriz democrática e
pluralista do preceituado normativo, o que provocaria uma lacuna axiológica de
colisão e negaria à Constituição a sua função de instrumento de unidade política e de
integração da diversidade pluralista.
6
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
O professor Blanco Morais não coincide com a tese de relevância indireta. Se os princípios
ínsitos no preâmbulo têm correspondência nos que se encontram plasmados no preceituado e
se forem contrariados pela lei, essa contradição seria geradora de inconstitucionalidade,
devido à inovação dos princípios inscritos nas normas constitucionais e não pela inovação das
suas refrações genéricas que se encontram no preâmbulo, as quais carecem de utilidade
jurídica.
Se, por outro lado, os princípios em causa têm apenas assento no preâmbulo e não nas normas
constitucionais, então eles não podem ser invocados isoladamente, por falta de substrato
normativo. Assim, o preâmbulo é juridicamente irrelevante e opera como um elemento de
divisão e não de integração. EXEMPLO: o princípio do estado socialista contrapõem-se ao artigo 1º e
2º da CRP.
A Constituição é composta por normas jurídicas, ou seja, por critérios de decisão que,
vinculando os poderes públicos e certas relações jurídicas privadas, se encontram aptos a
produzir efeitos jurídicos, garantidos no plano jurisdicional e político.
Assim, as normas constitucionais constam de disposições ou preceitos que se definem como
enunciados textuais estruturados em orações, dos quais advêm um ou vários comanos
jurídicos gerais.
Como já foi visto, normas e preceitos são realidades interdependentes, que guardam em si
uma certa autonomia, já que um preceito constitucional pode:
CRITÉRIO FUNCIONAL
7
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
Já quanto às funções que desempenham em razão das matérias que disciplinam as normas
constitucionais podem classificar-se em normas substanciais e normas organizativas:
CRITÉRIO DA DETERMINABILIDADE
✓ Regras e princípios
A Constituição é composta por normas, que se dividem em: princípios e regras constitucionais.
Tanto os princípios, como as regras constitucionais se revestem de vinculatividade sobre todo
o ordenamento jurídico, tendo por isso poder vinculante no direito infraconstitucional.
O art. 277º/1 da C.R.P. reconhece aos princípios esse estatuto paramétrico ao considerar
inconstitucional as normas que contrariem tais princípios e disposições constitucionais.
✓ Conceitos
HUMBERTO ÁVILA – os princípios são normas parciais visto que abrangem apenas ‘’parte dos
aspetos relevantes para uma tomada de decisão’’.
Uma análise às atuais Constituições permite entender que há uma predominância quantitativa
das regras, em relação aos princípios, relevando as normas que regem o estatuto do poder
8
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
político. EXEMPLO: a regra que concede ao PR 8 dias para promover a fiscalização preventiva da
constitucionalidade de um diploma (art. 278º/ 1 e 6 CRP) e a que consagra uma maioria de 2/3 para a
aprovação das leis de revisão constitucional (art. 286º/1 CRP)
ALEXY – mesmo no campo dos direitos fundamentais, nem todos os direitos e garantias se
reduzem a princípios. EXEMPLO: nº 7 do art. 33º que determina a proibição da extradição quando
decretada por uma autoridade que não a judicial ou a norma que proíbe a prisão perpétua (art. 30º/1).
Assim, na relação com as regras constitucionais, se é verdade que uma boa parte destas se
podem reconduzir a um princípio, explicito ou implícito (deduzido de outras normas por
abstrações sucessivas), não é menos verdade que esse princípio não tem qualquer credencial
de precedência sobre a regra, podendo quando muito, elucidar o seu significado.
Efetivamente, as Constituições contêm regras que derrogam expressamente princípios centrais
previsto nela própria, como é o caso das leis de valor constitucional mencionadas no art. 292º
da CRP que excecionam, de forma implícita, o princípio da legalidade penal, enunciado no art.
29º.
Portanto, os princípios não têm, de acordo com HUMBERTO ÁVILA a pretensão de gerar uma
solução especifica, mas sim contribuir ao lado de outras razões para tomada de decisão, uma
vez que são normas parciais. Privilegiando o fim sobre o elemento descritivo fixam a conduta
necessária à sua concretização. Razão pela qual as regras não equivalem aos princípios, como
parâmetros, pois a indeterminabilidade dos últimos não permite um cálculo certo de
9
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
No que respeita às normas secundárias sobre a normação haverá regras precisas sobre as
formas da lei (112º/1) que coexistem com outras que incorporam fórmulas doutrinais
indeterminadas, como “leis com valor reforçado” e leis “pressuposto normativo necessário de
outras leis”, (nº3 do mesmo artigo).
Por fim, no universo dos direitos fundamentais, regras bem definidas, como as que proíbem a
tortura, coexistem com outras de conteúdo moral e sentido indeterminado como as que
interditam “tratos degradantes” (25º/2).
Existe por tudo isto uma margem de discricionariedade na interpretação das normas
constitucionais, que aumenta proporcionalmente à sua generalidade e indeterminação,
realidade que permite à Constituição perdurar no tempo, adaptando-se a situações especificas
não exatamente previstas no texto.
10
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
As Constituições modernas são, assim, leis com um elevado grau de abertura normativa. Essa
abertura manifesta-se em 3 dimensões:
11
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
É essa abertura normativa que permite, pela via hermenêutica e pela prática política,
uma integração da diversidade pluralista e da evolução política, favorecendo uma
atualização deslizante da Constituição sem necessidade de atos expressos de revisão. É
igualmente essa abertura que permite à Lei Fundamental resistir à erosão do tempo. O
reverso da medalha envolve certo tipo de mutações constitucionais “impuras”
operadas por via da interpretação que, sem respeitar o texto, o programa e até a
identidade constitucional, revêm a Constituição, por via de decisões jurisprudenciais à
margem do processo estabelecido, questionando a separação de poderes.
Assim, eles integram a essência dos princípios fundamentais do Estado de direito democrático
a que o nº4 do artigo 8º da CRP faz alusão e que primam sobre qualquer norma jurídica de
natureza externa.
12
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
Estas normas que consagram esses princípios uma “hierarquia formal” sobre as restantes, mas
importa tomar em consideração que os mesmos, assumindo uma posição principal, por força
do relevo dos bens jurídicos que enunciam, constituem o fundamento nomogenético de um
conjunto de outros princípios constitucionais, que particularizam algumas das suas dimensões.
Assim, haveria entre as duas categorias de princípios, uma relação de generalidade-
especialidade.
O artigo 3 nº1 da CRP define a mesma soberania como “una” e “indivisível”. Tal como referem
certos autores, estes dois atributos não são incompatíveis com a pluralidade de órgãos que a
exercem nem com a autonomia municipal e regional. Essas qualificações significam que a
soberania não pode ser descomposta em diversos centros soberanos de poder (as regiões
autónomas não são entes soberanos) nem transferida para um Estado estrangeiro ou
organização internacional (as componentes da soberania delegadas na EU podem ser
recuperadas por desvinculação do Estado Português em relação aos tratados institutivos ou
por alteração do conteúdo desses tratados).
A independência de um Estado não é uma realidade estática. Sofre alterações tanto por
transformação genéticas ocorridas na organização interna desse Estado e na sua
13
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
O artigo 8º nº3 e 4º da CRP habilitam que normas de direito europeu se apliquem na ordem
interna portuguesa e prevaleçam sobre o direito ordinário português. Contudo, os Tratados
europeus não preveem a superioridade desse direito europeu sobre as Constituições do
Estados. Porém, se no futuro passarem a prever essa superioridade nunca poderiam
prevalecer sobre os princípios estruturantes da CRP e logo à partida, sobre o princípio da
independência nacional.
O princípio em causa assume uma textura, sendo vulnerável a uma multiplicidade perturbante
de relações de significado e, até, a uma perigosa banalização que lhe retira peso.
Como princípio constitucional interessa-nos uma noção positiva que tenha sido objeto de um
consenso mínimo na comunidade jurídica. Assim:
A noção de pessoa humana é um valor porque constitui um “bem” portador de uma valia
superior. Trata-se de uma qualificação que leva a CRP de 1976, por influência da constituição
alemã, a construir a estrutura basilar da República portuguesa. É um valor:
14
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
• Espiritual - homem, como ser vivo, possui um atributo fundamental que é a perfeita
consciência de si próprio.
• Universal - tendo a sua fonte na civilização judaico-cristã, emerge a ideia-força de que
a pessoa humana, como valor digno de tutela jurídica, tem seguido uma longa marcha
no sentido da sua aceitação por outras civilizações.
O valor da dignidade humana, não é, de acordo com o artigo 1º, fundamento de qualquer tipo
de Estado, mas é pressuposto existencial de um Estado de Direito. Isto porque o povo, como
um dos elementos do Estado, é fonte de soberania e porque um Estado de direito é servido
por um poder político vinculado a respeitar o direito, em geral, e os direitos fundamentais das
pessoas, em especial.
O mesmo valor é também fim do Estado, pois a pessoa humana é prévia ao Estado, é elemento
constitutivo do Estado e coloca o Estado aos eu serviço. Assim, para a CRP antes da
organização do poder está o homem. A dignidade da pessoa humana conforma, deste modo,
um importante limite ao poder político. Neste caso, o Estado assume uma dimensão social de
promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo (artigo 9º alínea d) da CRP).
A dignidade da pessoa humana é um direito sobre direitos. No fundo, é a razão de ser, o fim, e
também o limite dos direitos fundamentais. Estes são constitucionalizados na medida em que
o bem jurídico por eles protegido revela qualificadamente para a dignidade da pessoa humana,
merecendo especial proteção através da rigidez constitucional e do controlo da
constitucionalidade. Porém, ainda existem direitos cujo conteúdo tem uma maior proximidade
do que outros no que diz respeito a uma imposição moral, política e jurídica de respeito e
proteção. Trata-se de direitos civis e políticos, com um especial relevo para os direitos de
personalidade, pois sem estes inexiste Estado de direito democrático. Os direitos de
personalidade estão presentes nos direitos, liberdades e garantias da CRP (artigo 18º e artigo
288º).
O Tribunal Constitucional entende que a dignidade humana implica uma dimensão positiva, ou
seja, uma obrigação do Estado em assegurar meios existenciais de sobrevivência e assistência
condigna a pessoas com especiais dificuldades e carências económicas que não possam, por si
próprias, ter condições de subsistência (prestações sociais como Rendimento Social de
15
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
Inserção. Estas prestações constituíram um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias
artigo 17º CRP).
Direitos, liberdade e garantias - posições jurídicas ativas das pessoas que envolvem a
expressão mais qualificada de autodeterminação individual do ser humano e de proteção da
sua esfera pessoal e jurídica contra condutas oriundas dos poderes públicos ou de terceiros
que as possam depreciar e violar → os direitos civis e políticos
A CRP confere aos direitos, liberdade e garantias em comparação com os direitos sociais, uma
posição jurídica “mais forte”, que está presente no artigo 18º da CRP, através de uma proteção
adicional. Esta maior força jurídica justifica-se por duas razões:
Artigo 18º → do nº1 extrai-se que os direitos têm aplicabilidade direta a partir de normas
constitucionais e que vinculam entidades públicas e privadas. Do nº2 e 3 retira-se um princípio
relevante que é o do “caráter restritivo das restrições a direitos de liberdade.
Restrição de um direito - define-se como uma afetação desfavorável de uma posição jurídica
ativa de uma pessoa, a qual só será juridicamente admissível dentro de certas condições e
limites.
Assim, do artigo mencionado decorre que os mesmos só podem ser restringidos por lei, nos
casos previstos pela CRP, salvo colisão de direitos. Bem como as leis restritivas devem ter em
conta o princípio da proporcionalidade, assumirem um conteúdo geral e abstrato, não
produzirem eficácia retroativa e não diminuírem a extensão e alcance do conteúdo essencial
do direito.
+ EXEMPLOS: artigo 165º nº1 alínea b), artigo 19º, artigo 20º nº4, artigo 22º, artigo 288º alínea d).
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Blanco Morais considera duvidoso que deste princípio possa resultar uma medida de valor
solta ou incontrolada de escrutínio de constitucionalidade de qualquer política legislativa,
mesmo fora do domínio onde a Constituição preveja, expressamente, a sua incidência ou sem
que se encontre associado a outros princípios de claro alcance geral (ex: igualdade e proteção
da confiança).
16
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
Basta que a norma colida com um deste critério, para poder ser julgada inconstitucional, por
desconformidade com o parâmetro constitucional da proporcionalidade.
Para além de juridicamente legítimos, os meios inerentes às medidas restritivas não podem ser
“indiferentes, inócuos ou até negativos” para atingir o “fim visado com a restrição”. Na
verdade, uma medida que afete desfavoravelmente o conteúdo de um direito, tendo em vista
o preenchimento de um objetivo público de caráter qualificado, mas que se revele pouco
eficaz ou apta para o atingir, não logra justificar materialmente a referida restrição. EXEMPLO:
exige-se o curso de medicina para se ser médico, mas pelo contrário não se exige o domínio da língua
inglesa aos médicos.
Critério da proporcionalidade em sentido estrito - significa que “os meios legais restritivos e
os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adoção de medidas legais
excessivas em relação aos fins obtidos’’.
17
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
É difícil conceber o Direito fora do alcance do valor da segurança jurídica e não é possível
caracterizar uma coletividade como Estado de direito se, na mesma, o poder político: não se
submeter às leis que produz e não lhes der publicidade; produzir leis obscuras e incertas e
altera-las permanentemente, através de revogações tácitas; assumir condutas erráticas e
imprevisíveis que bulam com os direitos dos cidadãos; conceber procedimentos subtis e
enganosos; alimentar expectativas legitimas junto dos cidadãos para que depois sejam
conscientemente defraudadas e criar leis restritivas de direitos de liberdade com eficácia
retroativa.
Por tudo isso, a segurança jurídica constitui um imperativo constitucional implícito que
qualquer ordem jurídica deve alcançar como fim, mas que no plano dos factos acabo por
nunca ser plenamente atingido.
Deste modo, o sistema jurídico reprime situações intoleráveis de insegurança, decidindo com
base no princípio segurança jurídica, porém tolera e coexiste com situações de incerteza
suportáveis. Por outro lado, a segurança jurídica e a justiça imbricam-se na realização do
direito, embora não sejam equivalentes. A segurança jurídica é, portanto, um pressuposto
existencial do direito e necessária para a realização de justiça, mas não suficiente.
• Explícita - Artigo 282º/ nº4 da CRP- Não retroatividade dos efeitos de uma norma
considerada inconstitucional pelo TC aquando a fiscalização abstrata sucessiva.
• Implícita - Artigo 29º/ nº1 da CRP- Não retroatividade das leis penais incriminadoras.
Art.103º/3 proibição da criação de impostos retroativos ou de aumento de impostos
com eficácia retroativa. Art.18º/3 proibição de restrições dos direitos, liberdades e
garantias.
18
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
Mas, se o nº3 do art.18º da CRP censura, em nome da segurança jurídica, leis retroativas que
restrinjam os direitos, liberdades e garantias, não será o princípio da proteção da confiança
redundante?
Existem situações, porém, nas quais a retroatividade tem caráter impróprio, designando-se por
retrospetividade, ou seja, a lei restritiva vale para o futuro (ex nunc) mas também vale, de
modo desfavorável, para situações do passado.
EXEMPLO: Caso de Fernando Gomes, uma lei passou a tornar incompatíveis os mandatos de
deputado ao Parlamento europeu e o de Presidente ou vereador de Camaras municipais, sem
estipular uma cláusula de salvaguarda das situações já existentes. Vigorando para o futuro, a
lei aplicava-se, mas aos mandatos de deputado e de membro camarário constituídos no
passado ao abrigo da lei que admitia o cúmulo de cargos, obrigando os seus titulares a
optarem por um deles. → Não existindo uma retroatividade autêntica existe uma
retrospetividade, na medida em que a lei nova desconstrói situações jurídicas criadas no
passado por lei anterior e em cuja subsistência as pessoas confiavam.
O tribunal entendeu que essa retrospetividade com efeitos restritivos de direitos políticos
violaria o princípio da proteção da confiança. Isto porque as legitimas expectativas dos eleitos
e dos eleitores eram as de que, ao abrigo da lei velha, os referidos eleitos poderiam cumprir os
seus mandatos até ao seu termo.
Por outro lado, os direitos económicos, sociais e culturais, não foram protegidos por uma
cláusula equivalente ao art.19º/3, que os salvaguarde contra medidas restritivas portadoras de
retroatividade autêntica. Para estes, valerá, por conseguinte, o princípio da proteção da
confiança contra afetações retroativas ou retrospetivas, que imponham sacrifícios graves,
arbitrários e excessivos.
Mesmo tendo o legislador a liberdade plena para dispor para o futuro essa mesma liberdade
acaba que altera de forma súbita e excessiva regimes legais na continuidade dos quais os
19
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
cidadãos confiaram devido às garantias dadas pelos poderes públicos. A confiança está, nestes
termos ligada não apenas à segurança jurídica, mas igualmente à tutela da boa fé, numa
dimensão ajustada ao direito público.
Alguma doutrina tem criticado o TC pelo facto de não centrar a fundamentação da existência,
ou não, das expectativas legitimas em factos e elementos evidentes da prova, mas em
presunções que retiraria dos regimes legais e da sua própria jurisprudência, as quais teriam
operado com alguma ambiguidade. Atenta a indeterminação da fórmula normativa das
legitimas expectativas considera-se que é pelo menos exigível que em juízos de
inconstitucionalidade o Tribunal evidencie o caráter materialmente fundado dessas
expectativas.
No que respeita ao 2º critério, o das “boas razões”, este assume uma natureza
excessivamente vaga e duvida-se que deva ser incluído como teste. Deve entender-se, de
qualquer modo, que os cidadãos confiaram nos regimes legais para tutelar os seus direitos e
interesses legítimos, não os tendo utilizado para a obtenção de fins ilícitos, contrários à moral
pública ou como expediente subtil para obter vantagens infundadas. Para que o teste releve
em desfavor das expectativas garantidas pelo princípio, cumpre ao Tribunal demonstrar o
desvalor dos fins que os interessados pretenderiam alcançar com a subsistência do regime
legal que foi revogado.
20
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
efeito duradouro ao abrigo da lei anterior. Importa destacar que é exigível que esses cidadãos
tenham feito planos alternativos, com base na antevisão da possibilidade de o Estado vir a
alterar as regras pré-estabelecidas.
Considera o TC (Ac. Nº237/98) que uma norma jurídica restritiva de direitos só violará o
princípio da proteção da confiança se, atendendo ao seu carater excessivamente oneroso
“postergar de forma intolerável arbitrária, opressiva ou demasiado acentuada aquelas
exigências de confiança, certeza e segurança jurídica que são dimensões essenciais do
princípio do Estado de direito’’.
Cumpre reconhecer que principio da confiança sendo um princípio central de defesa dos
direitos fundamentais contra restrições arbitrárias, súbditas e infundadas é vulnerável à sua
infiltração por juízos de mérito político e essa infiltração ocorre através do uso do 4º teste.
Considera-se que este 4º teste só deve relevar como parâmetro de um juízo de
inconstitucionalidade quando o desequilíbrio entre princípios em tensão seja evidente.
Todavia, sempre que não haja certezas fundadas sobre o maior peso do interesse público que
justifique a restrição sobre as legitimas expectativas sacrificadas, a intensidade do controlo
deve ser atenuada e impõe-se a prevalência da vontade democrática do legislador.
Síntese:
Setores da doutrina criticam, não o uso da ponderação, mas o modo como o TC tem
convocado essa técnica de concretização da jurisprudência recente (2010-2014). Aceitando, e
bem, que o legislador tem um ónus de justificação do interesse público cuja prevalência
justifica o sacrifico de expectativas dos cidadãos, essa doutrina considera que o Tribunal, umas
vezes se contenta facilmente com as justificações parcas do mesmo legislador sobre a
prevalência do interesse público enquanto que noutras o Tribunal estreita o controlo e exige
ao legislador critérios de evidencia.
21
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
Importa quanto a este ponto, independentemente da hipotética justeza das críticas sobre a
volubilidade ou imprevisibilidade do tribunal quanto a exigências de justificação que requer do
legislador a necessidade de considerar duas balizas a ter em conta no processo de decisão do
Tribunal:
Neste último caso, a contingência do mercado e a situação de urgência financeira são razões
que justificam a emergência de situações imponderáveis que militam contraexigências de
estabilidade dos regimes legais e de interesses legítimos na sua subsistência. Já os direitos
sociais não necessitam de tanta proteção, uma vez que estão sujeitos à reserva do
financeiramente possível, poderão ser objeto de compressões retrospetivas mais intensas,
desde que justificadas na necessidade de sustentar o respetivo sistema gestionário.
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
22
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
O princípio da igualdade pode ser primariamente definido como “um princípio que impõe aos
poderes públicos um tratamento igual de todos os seres humanos perante a lei e uma
proibição de discriminações materialmente infundadas, sem prejuízo de obrigar a
diferenciações entre pessoas sempre que existam especificidades atendíveis e carentes de
tutela de proteção’’.
Assim, desta definição é possível a extração de quatro vertentes deste princípio: negativa,
positiva, subjetiva e objetiva:
23
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
tem de ser proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não
podendo revelar-se excessiva’’.
No Ac. 187/2013, após o Governo ter pretendido no OE para 2013 reduzir a
desproporção na repartição de sacrifícios entre as duas categorias de trabalhadores, o
Tribunal julgou novamente a inconstitucionalidade da lei Orçamental, fundado na
“igualdade proporcional”, entendendo, mediante um somatório de todas as onerações
sobre os funcionários públicos, que a desproporção teria, ainda aumentado ainda mais
em relação a 2012. Finalmente, no Ac. Nº413/2014 o Tribunal Constitucional declarou
a inconstitucionalidade de normas do OE para 2014, que procediam a um aumento do
âmbito subjetivo dos cortes salariais na função pública, uma vez mais invocando a
violação do princípio compósito da igualdade proporcional, procedendo a um conjunto
de operações de quantificação de impactos dos referidos cortes para ilustrar e
fundamentar a sua solução. Este critério convoca divergências dentro do próprio
Tribunal e na doutrina.
A transversalidade irradiante do princípio da igualdade toca nas mais diversas áreas do Direito
e é apreensível na abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional.
EXEMPLO: o controvertido Ac.274/2005, em matéria dos crimes sexuais; Ac. 121/2010 relativo
ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, etc.
24
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
O princípio em epígrafe é um direito sobre direitos, pois pode ser invocado autonomamente
como um direito de liberdade com algumas dimensões de direito subjetivo, assume a natureza
de garantia transversal aos demais direitos fundamentais, pois é através do acesso equitativo e
expedito aos tribunais que os cidadãos asseguram a tutela dos seus direitos, frente ao Estado e
a terceiros. É um pilar do Estado de direito democrático já que concorre para a realização da
justiça como fim do Estado. Assume uma natureza complexa, desdobrando-se em
subprincípios e standards, dos quais emergem 7 direitos e garantias:
Tendo em vista promoção da igualdade entre cidadãos o valor das custas e outras
prestações pecuniárias com serviços de justiça não pode ser excessivo à luz do critério
de proporcionalidade que dificulte o acesso à tutela jurisdicional, sem prejuízo de
poder dissuasor em relação a um uso abusivo do direito.
2) Direito ao patrocínio judiciário - art. 20º/nº2- forma de apoio no acesso à justiça aos
cidadãos (e estrangeiros residentes) economicamente carenciados e que assim o
atestem. EXEMPLO: consulta jurídica fornecida por gabinetes próprios dos serviços de
Justiça, redes de advogados ou Ordem e apoio judiciário.
3) Direito ao advogado - art. 30º/nº2- A Constituição não impõe aos cidadãos a presença
de um advogado quando comparecem perante qualquer autoridade, já que, salvo em
matéria penal (art. 32º/nº2), os cidadãos podem dele prescindir. Este direito
significará que, perante as autoridades e para a defesa dos seus direitos, os cidadãos
têm a faculdade de se fazer acompanhar por um advogado.
4) Garantia do segredo de justiça - art.30º/3º- regime e localização processual remetidos
para a lei.
5) Direito a decisão em prazo razoável - art.30º/4º- a justiça tardia significa denegação
de justiça. A definição de um prazo razoável não se encontra estabelecida, contudo
tendo sido Portugal, sistematicamente, condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem por decisões violadoras do critério de razoabilidade de prazos, em razão da
duração excessiva dos processos.
6) Direito a um processo equitativo - art.30º/4º - transposição do “due process of Law”
para o ordenamento português, princípio estruturante da Constituição norte-
americana pese embora o seu caráter controverso da dimensão material.
25
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
Na sua vertente normativa, este princípio enuncia a supremacia hierárquica de uma Lei
Constitucional rígida sobre todos os demais atos jurídico-públicos, determinando desvalor para
aqueles que a contrariem. Destacando-se o art.288º/l) na qualidade de limite material da
revisão constitucional e o princípio da “fiscalização da constitucionalidade por ação ou omissão
das normas jurídicas”, o qual supõe a existência de órgãos responsáveis para julgar a
invalidade das normas inconstitucionais, tendo o TC como estrutura cúpula são as instâncias
competentes para a fiscalização da constitucionalidade. Este princípio logra em ser
parcialmente neutralizado pelo princípio da segurança jurídica, equidade ou interesse público
de excecional relevo (282º/4) como causas de justificação da salvaguarda de atos passados
que se consolidaram à luz da norma inconstitucional e que seria injusto ou iniquo
desconstituir.
26
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
integrado pelas leis reforçadas, o qual nos termos da Constituição, se devem fazer respeitar
por outros atos legislativos (112º/3 + 281/1/b).
Um Estado democrático que não está subordinado à Constituição e á lei não será um Estado de
direito, mas um despotismo maioritário, marcado pelo arbítrio, incerteza e falta de garantias
contra ofensas aos direitos e à separação de poderes.
Este princípio, sendo portador de um significado universal de essência dogmática, supõe uma
arquitetura variável dependendo das características prototípicas de cada Constituição. De
acordo com o artigo 111º, o principio da separação de poderes pode definir-se como um
critério axiológico e jurídico de organização do poder politico que determina que cada órgão
soberano se deve conter nos limites das competências que lhe são atribuídas de modo a
observar uma repartição funcional de atribuições públicas que respeite, tanto o núcleo
essencial da função estadual cometida aos restantes órgãos, como a existência de uma não
concentração nuclear de competências relativas a mais duas funções no mesmo órgão, como
ainda a existência de controlos interorgânicos que assegurem a respetiva responsabilização .
- Corolários
27
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO
- Corolários
28
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
sua natureza extraordinária da sua consecução e dos limites que a CRP coloca ao
respetivo objetivo material e efeitos vinculativos.
29
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
O art. 6º define a forma territorial da República Portuguesa como Estado Unitário. Tal significa
que na ordem jurídica interna existe unicidade do poder constituinte e, por conseguinte, uma
só Constituição, regendo-se as coletividades territoriais autónomas por formas de
descentralização previstas na mesma Constituição e lei.
A aplicabilidade de uma norma constitucional consiste na sua aptidão para produzir, com
maior ou menos grau de efetividade, os efeitos jurídicos necessários para disciplinar as
situações que respeitam ao respetivo objeto.
As normas constitucionais não exprimem, de igual forma, a sua força ou operatividade jurídica
nem, por conseguinte, se aplicam da mesma maneira aos fatos e situações que intentam
regular. As regras e os princípios constitucionais podem aplicar-se de modo diverso e exprimir
uma força vinculante, também distinta → as regras impõem condutas minimamente definidas
e determináveis que devem ser seguidas enquanto os princípios carecem desse conteúdo
determinado, fixando fins que devem ser alcançados, em razão das circunstâncias.
Esta distinção deixa, contudo, muitas questões por resolver já que existem regras de estrutura
muito distinta entre si:
O mesmo sucede com os princípios, uma vez que se alguns destes são direta e imediatamente
aplicáveis pelos operadores jurídicos, outros carecem de mediação legal para que a sua
30
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
O diferente grau de aplicabilidade das normas constitucionais resulta de uma opção do decisor
constitucional, pelo facto de ser este que escolhe as normas suscetíveis de produzir, bem
como aquelas cujas exequibilidade pode ficar dependente da mediação do legislador ordinário
e de condições administrativas ou financeiros. Por isso, é um equívoco considerar que todas as
normas constitucionais se aplicam da mesma forma e que todas podem produzir eficácia
imediata positiva. Tal significaria ignorar não só a letra da Constituição como também a
vontade soberana do constituinte quando o mesmo não pretende dispensar a intervenção do
referido legislador.
- Tipologia
A. Classificação adotada
31
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
grau de aplicabilidade imediata contra leis ou outras normas que, por exemplo,
suprimam o direito dos jovens ao apoio público no acesso à habitação.
Por outro lado, na sua dimensão negativa, as normas programáticas podem ter algum
grau de aplicabilidade imediata contra leis ou outras normas que, por exemplo,
suprimam o direito dos jovens ao apoio público no acesso à habitação.
✓ O regime de aplicabilidade
Normas em epígrafe caracterizam-se pela sua aplicabilidade jurídica direta e imediata quanto
aos seus efeitos essenciais, tanto na sua vertente positiva (aquilo que preveem, condicionam e
impõem), como na sua componente negativa (aquilo que explicita ou implicitamente
proíbem).
✓ Categorias
Não remetem para a lei a definição das condições ou especialidades quanto à sua
aplicabilidade ou eficácia e vertem diretamente sobre a integralidade das matérias a que
respeitam, exprimindo uma opção primária de regulação minimamente definida.
Artigo 30º/4 → estabelece um quadro proibitivo de uma associação automática entre a
mesma pena e a perda desses direitos. Um juiz, ante o referido preceito constitucional e uma
lei que determine que a condenação pela prática do crime de corrupção passiva implica a
perda dos direitos políticos, pelo período de 3 anos, aplicará o artigo 30º/4 e desaplicará a lei.
A relação entre as normas precetivas exequíveis por si próprias em sentido pleno e o direito
ordinário não é simples nem unívoca.
32
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
São normas que, estando aptas a produzir direta e imediatamente os respetivos efeitos,
preveem expressamente a emissão da legislação suscetível de restringir, condicionar, suster ou
modelar esses mesmos efeitos.
Estas normas fazem apelo a uma lei futura, não como condição da sua efetividade plena, mas
como requisito da contenção da sua eficácia.
São exequíveis por si próprias na medida em que, se não for emitida legislação, exprimem
efeitos imediatos, podendo ser diretamente invocadas em juízo.
Têm eficácia contida, na medida em que a lei ordinária, cuja emissão eventual é autorizada
pelo seu enunciado, pode bloquear ou modelar a plenitude dos seus efeitos.
Artigo 26º/4 → caso a mesa norma não seja complementada por lei ordinária, ele exprime a
plenitude da sua eficácia imediata, proibindo toda e qualquer forma de privação de cidadania.
Porém, quando a lei ordinária preveja pressupostos de privação de cidadania que não sejam
politicamente fundados, a norma constitucional é sustida nessa sua eficácia plena, centrada na
proscrição da privação da cidadania, na medida em que a mesma norma admite exceções
legais que fundamentem essa privação.
Artigo 35º/4 → trata-se de normas ‘’self executing’’ cuja eficácia integral pode ser
condicionada pela emissão de legislação posterior.
As normas percetivas não exequíveis por si próprias, constituem um híbrido ou uma figura
eclética que ganhou a sua autonomia morfológica própria em face dos demais tipos de normas
constitucionais.
Embora a doutrina portuguesa as coloque na esfera das normas precetivas, as suas
características morfológicas são mais próximas da operatividade das normas programáticas, na
qualidade de normas não exequíveis por si próprias que dependem do legislado para se
aplicarem plenamente.
33
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
Com as normas precetivas exequíveis por si próprias → têm como denominador comum a sua
eficácia direta, traduzida na faculdade de poderem ser invocadas em juízo a partir da
Constituição e de não dependerem necessariamente de condições administrativas, financeiras
ou materiais para serem aplicadas, mas, fundamentalmente, de condições jurídicas. A lei que
as concretiza não determina a essência do seu conteúdo, limitando-se a assumir uma função
de complementação e configuração.
Estas normas têm aplicabilidade imediata na sua dimensão negativa contra normas ou atos
que as intentem desrespeitar ou contrariar nos respetivos fins.
Artigo 38º/7 → no que diz respeito à sua dimensão positiva, a Administração não pode abrir
um concurso público nem estipular os respetivos critérios, pois a norma impõe que seja o
legislador a fixar os termos do concurso. No entanto, no caso de uma lei ordinária autorizar
algo que vá conta a parte final da norma constitucional, então, será inconstitucional. Assi,
defende-se com eficácia direta e imediata a dimensão negativa da norma contra atos
legislativos que a intentem contrariar.
✓ Localização
D. Normas Programáticas
Trata-se de normas não exequíveis por si próprias que carecem de condições legislativas,
administrativas, financeiras e materiais para que as suas metas possam ser concretizadas.
VEZIO CRISAFULLI - sustentou o caráter obrigatório das normas que consagram direitos sociais
e culturais. Deste modo, devido à aplicação direta de uma norma programática pelos juízes
italianos, Crisafulli procurou demonstrar que as normas programáticas seriam vinculativas
quando:
34
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
HESSE – toda a Constituição seria normativa não havendo disposições dela constantes que
fosse desprovidas de normatividade, sem prejuízo de se registar entre as mesmas normas,
uma diversidade sensível no plano da sua efetividade. Segundo este autor, a pretensão de
eficácia das normas constitucionais não se confundiria com as condições da respetiva
realização. Quanto mais definida e intensa fosse a vontade normativa da Constituição,
menores as restrições à sua força jurídica, e vice-versa.
No fundo, é a Constituição que deve explicitar as condições que imprimem maior ou menor
eficácia às normas.
Como referido, as normas programáticas necessitam de uma legislação ordinária que defina
juridicamente o seu conteúdo positivo que consentem uma pluralidade de opções
concretizadoras. Isto porque as normas programáticas apontam para objetivos a atingir, mas
não determinam vias ou meios para o seu preenchimento ou graus de satisfação na sua
realização.
Artigo 63º/2 → não basta o legislador aprovar a lei, também é necessário que se crie uma
entidade administrativa dotado de um orçamento próprio e financiado publicamente.
As normas de conteúdo programática não são critérios de decisão que liguem a descrição
hipotética de um facto, a um conjunto de consequências jurídicas que ocorrem caso o mesmo
se verifique, mas antes normas sem facti-species ou com uma facti-species difusa.
Toda esta indeterminação dos fins e laconismo quanto ao objeto, conferem uma expressiva
margem de liberdade conformadora ao legislador que valora, entre outros tantos, os meios e
possibilidades.
35
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
▪ Normas programáticas simples – fixam apenas fins de ordem geral sem que se
estabelecem vias, modos ou meios para a sua concretização. Enquanto algumas têm
apenas o estatuto proclamatório carente de efeitos jurídicos que se projetam para lá
da função administrativa, outras tendem a apontar para um fim prospetivo dotado de
um mínimo de vinculatividade.
o Domínio proclamatório – última parte do artigo 2º; artigo 9º/d) quanto à
tarefa do Estado em promover o bem-estar e a qualidade da vida do povo;
artigo 80º/f) relativa à proteção estatal do setor corporativo e social da
propriedade.
o Domínio prospetivo – artigo 9º/h) igualdade entre homens e mulheres; artigo
9º/e) asseguramento do ordenamento do território; artigo 65º/3 apoio do
Estado no acesso a habitação própria.
▪ Normas programáticas qualificadas – mencionam genericamente obrigações a
concretizar, medidas a tomar, limites a observar, tarefas a cumprir e níveis de
satisfação a atingir, sem que procedam à sua especificação. Incorpora, diretrizes sobre
políticas públicas e balizam a conduta do legislador.
Exemplo: artigo 63º, 64º, 74º e seguintes.
36
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
- A Constituição jusnaturalista
O jusnaturalismo, sendo uma das mais velhas construções teóricas que fundamenta a natureza
do direito e a organização constitucional do Estado, é também a mais primitiva, visto que o
poder político é associado às demais leis do Universo, sendo o direito ‘’natural’’.
37
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
3. Funções e fins da Constituição – a teria como fim essencial prosseguir uma função de
integração da diversidade pessoal, funcional e material numa ordem estadual
estruturada e pluralista.
4. Estrutura das normas constitucionais – as normas constitucionais exibiriam uma
morfologia aberta, de forma a incorporar princípios de direito internacional e europeu,
valores cosmopolitas traçados em torno dos direitos fundamentai, docs políticos e
jurídicos internacionais objeto de receção, manifestações de uma sociedade plural.
Essa abertura normativa permitiria que os valores incorporados na Constituição se
pudessem ajustar a nova realidade políticas, sociais e culturais, mediante uma
atividade interpretativa e integrativa a realizar pelos tribunais.
5. Garantia da Constituição e hermenêutica – existe uma diferença entre um direito
natural jus-racionalizado que estabelece pontes com o positivismo e com o
institucionalismo
A corrente de SMEND foi uma reação ao positivismo normativo da Escola de Viena, reagindo a
um positivismo acusado de ter aberto as portas ao totalitarismo e à revivescência de um
direito natural assente em paradigmas religiosos.
- Linhas de força
38
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
A Cons. é concebida como um conjunto de regras e princípios contidos numa lei escrita
de hierarquia superior que, com base num complexo de valores identitários
resultantes de um compromisso constituinte historicamente situado, ordenaria não só
poder político, mas garantiria também a proteção ativa dos direitos fundamentais dos
cidadãos.
De entre as funções primaciais que a Cons. desempenharia, destacar-se-ia a função
integrativa de elementos, como os seguintes:
- Factos jurídicos e extrajurídicos que levam os cidadãos de uma sociedade
pluralista a aderir a um projeto de unidade política;
- A incorporação de grandes valores, ideias e princípios que integram o consenso
constitucional que agrega os cidadãos;
- A integração social da diversidade pluralista através de um processo público
oferecido pelos princípios e processos constitucionais;
- Criação de instrumentos participativos e modelos hermenêuticos que integrem
no plano constitucional os interesses e direitos das minorias.
3. Estrutura normativa: uma ordem aberta de regras e princípios – a abertura da Cons. à
evolução permitiria a sua transformação suave, operada por via hermenêutica e pelo
direito supranacional europeu. A própria abertura das normas constitucionais
propiciada pela plasticidade de princípios dotados de grande indeterminação e de
regras de malha aberta favoreceria e já referida função integrativa da chamada Cons.
‘’aberta’’, quotidianamente assegurado por uma interpretação construtiva, atualista e
concretizadora.
Enquanto alguns autores defendem o relevo jurídico-positivo das regras e dos
princípios, outros conferem um primado aos segundos, na medida em que
corporizariam os valores morais e de justiça de um sistema de direitos fundamentais,
cuja garantia numa sociedade pluralista consistiria a principal razão de ser da Cons.
4. Justiça Constitucional e hermenêutica – na especificidade da interpretação da Cons. e
da jurisdição que sobre esta atividade tem a última palavra, na insuficiência do
método jurídico como via interpretativa, e no peso substancial de valores e princípios
de ordem metajurídica, moral, na atividade do intérprete. Ainda assim:
- algumas sensibilidades combinam a especificidade de interpretação
constitucional, com a hermenêutica jurídico-dogmático que por ela seria completada e
adaptada através do chamado método hermenêutico-concretizador.
- outros dissolvem-se em paradigma ideológico-doutrinais de interpretação
constitucional moralmente corrigida.
- outros, ainda, integram-se num pensamento centrado na equação de
probabilidades, expresso de uma ‘’sociedade aberta de intérpretes’’, em que a JC teria
de tomar conta os consensos estabelecidos em torno de certas relações de sentido das
normas pelos referidos agentes de interpretação. Daqui resulta um relativismo dos
próprios princípios interpretados e a provisoriedade das soluções interpretativas dadas
às mesmas normas.
- e finalmente, outros favorecem no processo hermenêutico, sempre que
existam dúvidas, o método da ponderação entre princípios, como alternativa à
subsunção, com uma abertura à tópica de modo a que o princípio normativo se molda
à especificidade do caso concreto.
39
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
1º. A Const., para além de organização jurídica do poder político seria, na sua essência, uma
Carta de Direitos Fundamentais e assumiria uma função dirigente. Deste modo, o
neoconstitucionalismo cria uma narrativa constitucional centrada em torno de um papel
heroico, utópico e transformador da Const. Em torno da valorização dos direitos sociais e que
envolve a associação entre um certo estruturalismo de base marxista e a teoria monista da
ordem fundamental.
2º. Como Const. Aberta ao influxo de valores de ordem moral, enunciados princípios da
igualdade, justiça e da dignidade da pessoa humana, a Lei Fundamental seria ela própria
condicionada por esses parâmetros axiológicos de estatuto supraconstitucional. A sua garantia
de aplicação envolveria uma leitura atualista do princípio de separação de poderes que suporia
o reforço do protagonismo dos tribunais constitucionais em face do legislador. OS tribunais
operariam não apenas como legislador negativo, mas como legislador positivo de caráter
supletivo.
40
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
41
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
A Constituição Positivista
No moderno universo positivista distinguem-se e, por vezes, contrapõem-se:
• Os que fazem assentar o fundamento da Const. numa regra superior de caráter jus-
internacional e que definem a mesma Const. como norma sobre a produção de outras
normas do Estado (KELSEN) e os que caracterizam a mesma Const. como uma decisão
política fundamental criadora de uma ordem jurídica de domínio estatal (SCHMITT);
• Os que a configuram como uma regra jurídica superior, imune a influxos morais
(KELSEN) e os que admitem que as normas constitucionais podem incorporar valores
morais e outros padrões de ordem metajurídica (HART).
• Os que procuram um conceito neutro de Const, como norma normatum e estatuto de
organização do poder, passível de vigorar em qualquer regime (CRISAFULLI e PALADIN)
e os que concebem como um estatuto procedimentalizado de poder e de tutela de
direitos fundamentais, indissociável da democracia (HABERMAS);
• Por fim, os que caracterizam com um conjunto de procedimentos que regem um
sistema aberto à sociedade, operando como sistema de comunicação com outros
sistemas externos ao direito (HABERMAS) e os que vislumbram quer com uma ponte
entre jurídico e político quer com um ‘’instrumento de fecho’’ do sistema jurídico
(LUHMANN).
42
Lara Magalhães 2019/2020 Professor Carlos Blanco Morais
43