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António Mateus

Seios PERDIDOS

Editora Leal
Editora:

Leal (Benguela)

Título:

Seios Perdidos

Autor:

António Mateus

1ªEdição

Prefácio:

Gelson Mulengo

Design de Capa

Editora Leal

Proibido qualquer reprodução deste livro


sem o consentimento do autor.
SOBRE A EDITORA

A editora Leal é uma editora digital que foi fundada no dia 21 de Setembro de
2021 por Eliseu Chipapa e por António Mateus, com o objectivo de ajudar os novos
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―Leiam a obra SEIOS PERDIDOS que são achados perdidos nas
subjectividades dos escritos de António Mateus, o só (senhor) Subjectividade!‖

Domingos Jamba
SUMÁRIO

Realidade nas peneiras

Pregador Kalumba

Morrer todas as manhãs

Seios Perdidos

Vale das Feiticeiras

Comerciantes de biografias alheias

Crente dos montes e crente das recreações

Fezes encomendadas

Lavra-vida

Despejando nervos

Sepultar Igrejas

Pestanejar inveja

Chuva chuvisco
PREFÁCIO

A questão da natureza humana tem vindo a ser alvo de grandes debates


desde os primórdios, onde se observa duas grandes correntes, naturalista e
contratualista, em posições antagónicas.
Naturalmente o homem nasce bom, contudo a sociedade perverte-o, ou é
naturalmente mau, pelo que estabelece um conjunto de normas para o egocentrar e
defendê-lo na sociedade. Defendem, respectivamente, de modo antagónico, ambas
as correntes.
Graça a nossa personalidade que apresentamos, quer nas relações
humanas, quer no seio social, obtemos duas grandíssimas espécies de frutos: bons
e maus, pelo que neste último somos desacreditados, banalizados, sobretudo
julgados e, não muito raro, condenados, quer sejamos mansos ou insensíveis,
humildes ou rudes. À vista disto, credibiliza, mais uma vez, as escrituras sagradas
no quesito da imperfeição.
Ora bem, após coleccionar variadíssimas experiências, falcatruas e renúncias
de pendor social, político e religioso, finalmente de papo nutrido, António Mateus
cria uma das suas melhores, senão a mais exequível ferramenta onde vai
desagasalhando as suas experiências como jovem, académico e, acima de tudo,
como cristão.
Portanto, nesta obra, o autor apresenta-nos muita surpresa agradável, a começar
pelo título «Seios Perdidos». Confesso: Julguei ser um mundo, porém depois de
uma linda viagem nas profundezas da obra, conclui ser um outro, bem longe da
minha imaginação. Apresenta, igualmente, uma reflexão com relação a actual
situação dos cristãos e das igrejas, através da literariedade que além de nutrir o
nosso intelecto, ensina-nos o amor ao próximo e entretém-nos de modo simples e
fácil.

Gelson Mulengo
SEIOS CAPÍTULOS
REALIDADE NAS PENEIRAS

Viver é falta de ocupação. Existimos, porque não temos mais nada para
fazer. O solo prendeu a respiração quando ouviu pisadas de manadas com chinelas.
Lá vinha a senhora coberta de preocupação a pedalar o chão. Os seus pés eram os
únicos filhos que a ajudavam na descoberta de novos caminhos. Pedras ao redor
botando esperança, não havia tesouro nenhum, apenas poeira a transpirar. A
senhora andava e empurrava obrigatoriamente o seu corpo à moagem. Os braços
somente baloiçavam porque estavam completamente avariados. Cabelo privado de
ver o dia, pulsos repletos de paixões arcaicas e dedos fabricados para fabrico. De
repente um jovem trava o corpo da senhora:

 Senhora, discurpa, onde vais com toda essa pressa?


 Vou disfarelar a relidade e depois penerá-la...
 Porquê?
 Por ela ser muito peluda.

Depois de tais declarações, a senhora colocou a sua sombra a caminho.


PREGADOR KALUMBA

Em nossas igrejas feitiço é garrafinha. Crianças, jovens, senhores e senhoras


estão a obter ousadia e unção por meio deste tipo de brincadeira. Feitiço é algo que
se inventa de olhos fechados. Ninguém precisa de habilidade inata para esconder
um ídolo na cintura.

 Os homens mais insistentes na oração tendem a ser os mais ousados. A


ousadia faz parte do pregador. Um pregador sem ousadia não passa de
mero figurante em toda a história.
 Kulembe, pare com este teu discurso da faculdade! Nós, sim, estamos
rodeados de muitos pregadores kalumbas. Disse Jamba ao seu velho a amigo. A
seriedade de Kulembe observava Jamba de perto. Enquanto Jamba descarroçava
palavras, Kulembe usava de violência com os seus ouvidos para escutar o que
estava por aí a dizer Jamba.
 Os pregadores kalumbas são raças sem cor. Descolorir a alma alheia
e kalumbar pessoas é o que mais sabem fazer. Eles são lobos com pele de ovelhas
que amarram culto no sovaco. As palavras de Jamba começam a sentir-se
preguiçosas e Kulembe vendo aquilo estalou os dedos e pediu licença com os seus
argumentos em mãos:
 Jamba, os pregadores kalumbas vivem no crime de peculato.
 Kulembe, não suaviza mais as palavras! Os pregadores kalumbas são
criminosos que andam a solta.
 Sim, Jamba. Eles exploraram os vossos mundos com medicamentos
não amigáveis.
 Assim medicamentos não amigáveis é quê? Feitiço?
 Sim.
 Mais você! Para falar mesmo feitiço é preciso passear toda Benguela?
Oko! Isso é gastar palavra. Ainda bem que eu te conheço. Pode continuar com o teu
português da faculdade.
 Como tinha tido. As acções dos pregadores kalumbas é um desacato a
as Escrituras. Jesus Cristo vo-lo tinha dito: ―Acautelai-vos dos falsos profetas que
vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores‖.
MORRER TODAS AS MANHÃS

Imagem do artista Moçambicano João Timane

Kambisse falecia todas as manhãs. Um sopro invadiu a sua pele quando


deixou o corpo a venda dentro do seu quintal. O silêncio parou a dois palpites em
esteiras passadas as margens dos dedos. Pingava miséria em mãos de obra. Trapo
respirava estendido ao chão de incertezas e nascentes jorravam peças íntimas de
forma desordenada. Kambisse pensou, repensou e desarrumou o corpo do chão. A
esperança de capinar oportunidades quase ressuscitava. Então morreu pela
segunda vez e o chão o assistia.
SEIOS PERDIDOS

Pintura do artista Benguelence Eduardo Duda

Seios são coisas que podemos apanhar no chão. Eles crescem e florescem,
quando são lançados sem receio ao solo preso. Correntes não aprisionam fetos,
pois não é preciso ser alguém nesta vida para ter seios, apenas manter as mãos
longe da sujidade.
 Um homem pode ter mais de dois seios?
Sim, miúdo. Disse o mais-velho Kaala quando acareciava a memória.
O rapaz indagou-se e perguntou novamente:
 Hum! Como assim, ó mais-velho.
O mais-velho Kaala que costurava londindes na dinámica de ondas parou por
alguns segundos libertando suspiro de cansaço. O seu corpo estava meio rabugento
naquele dia e implorava, insistentemente, por um descanso. O mais-velho,
compreensível, atendeu o seu pedido e com delicadeza fez dormir os braços.
 Miúdo, seios são poeiras que não se podem calcular. Nem tudo que existe é
a favor dos cálculos. Há coisas no mundo que foram feitas para estar nuas.
 Ché! Mais-velho, quem te disse isso?
 Meu rapaz, o homem é nu como o próprio mundo. Há perguntas que só os
recém-nascidos podem te responder.
Enquanto o mais velho falava com sua voz meia falecida e com as palavras fugindo
de sua própria boca. O dia começou a sentir-se exausto e borcejava de sono. O
mais-velho como tinha o batimento cardíaco na boca, continuou a falar:
 Há tanta coisa que você precisa aprender acerca dos seios, meu rapaz.
Seios não são coisas de hoje. Saiba que eles vêm de muito longe. Milhares
de pessoas em toda parte do mundo foram semeadas ao chão por causa dos
seios. Já ouviu a falar da mulher que fez perder os seus seios?
 Não, mais-velho! Nunca ouvi a falar.
 Olha, dizem que em uma aldeia não muito longe daqui, havia mulher sem
seios. Ela tinha o berçário vazio, porque vendia os seus filhos a preços terrenos. Por
detrás dos peitos cobertos, guardam-se segredos. Dizem por aí que a mulher
perdeu os seus seios fora de sua própria casa. Pois ela foi influenciada pelas
kassimbas rabugentas. As únicas crianças desta mulher que havia restado eram
atrevidas, pois viviam procurando, desisperadamente, os seios que fez perder a
mãe. Elas alegavam que todas as vezes que pensavam nos seios perdidos até a
noite não conseguia persuadir os seus olhos.

Vocabulário

Mulher: igreja
Seios: verdade
Crianças: crentes, fiéis...
Kassimbas rabugentas- Mundanismo
O VALE DAS FEITICEIRAS

Pintura do artista Moçambicano João Timane

Kapuka vinha de uma vigília já cheirando a convento. Nem o grito dos corvos,
nem o cantar dos grilos e nem o assobiar do vento conseguia travar o seu corpo.
Ele estava, completamente, embriagado de poder. Nada parava os seus pés
banhado em poeiras. Kapuka tinha o hábito de levar sempre consigo um salmo em
sua boca e naquele dia levava o salmo 23 e recitava-o:
 O Senhor é o meu pastor, nada me faltará... Ainda que eu andasse pelo vale
da sombra da morte não temeria mal algum, porque tu estás comigo.
Kapuka recitava este salmo, porque , na verdade, estava a atravessar o vale das
feiticeiras. De repende, ouviu um barulho nos galhos sonâmbulos e o salmo fugiu de
sua boca. O arrepio começou a discursar disfarçadamente em seu corpo sem ser
convidado. Kapuka olhou vagarosamente para o galho e o medo defecou no seu
coração. Todo morto, deixou de apascentar o seu corpo. Kapuka encontrava-se em
situação de violência nocturna com os seus pés passados ao fio da virgem. A
inocência de Kapuka foi pendurada ao ar. Ele precisava de muita bravura para tirar
os pés do medo e ultrapassar aquele cemitério com a fé dos adultos. Olhou para o
chão e apanhou um o provérbio:
 Um leão não se vira quando um cachorrinho late.
Engatinhou com aquelas palavras e deixou os pés da igreja o conduzir. Naquele
momento começou aprender a andar. Mas, o barulho intensificava-se cada vez mais
fazendo com que Kapuka demitisse os seus pés novamente. Imóvel monologou
dentro de si:
 É através da feitiçaria que crianças são enviadas ao desconhecido ainda no
útero. A feiticeira faz vida com orgãos humanos porque são troféus que
podem ser colecionam em banheiras encantadas.
Depois de ser agredido pelos pensamentos. Rasgou a timidez e tentou gritar aos
terços, mas lembou-se que havia deixado sobre a mesa do seu quarto.
 Mamã weee! Mamã weee! É desta forma que Kapuka cantava ao ritmo
nocturno.
Naquela hora o boi perdeu cor, corpo empalidecia e Kapuka não sabia o que fazer
para sair daquele local amaldiçoado. Logo, conseguiu levantar a saia que o impedia
a acelerar e recorreu, de imediato, a coragem pentecostal e começou a repreender
tudo que via em sua volta:
 Eu repreendo! Laba! Laba! Laba! Seu bruxo que se esconde atrás dos
galhos, eu te repreendo! Vai embora! Vai embora! Sai do meu caminho, seu
bruxo! Eu te repreendo!
Kapuka andava e ao mesmo tempo repreendia. Aproximando-se de onde vinha o
barulho, viu que era o galho e a ventania que estavam em sua lua-de-mel.
COMERCIANTES DE BIOGRAFIAS ALHEIAS

Pintura Brasileira

Irado anda o cajo com as montanhas do seu ego a vista, porque parte de sua
vida foi vendida aos estrangeiros que comercializam biografias alheias. Em pés
kunangas tais comerciantes deambulam e preambulam com as suas kitandas
juntamente com as suas bocas de aluguer. Fecham ,vagarosamente, os janelos do
seu mundo para bisbilhotar a coitada panela do vizinho. O bairro é conhecido por
suas fezadas. Homens de fato e gravata andam de cima p´ra baixo comercializando
boatos recentes. A fofoca aqui é de borla! É assim que os seus corpos ganham
boca nas famosas ruas da cidade.
O capim soluça a cada berro e bofetada do vento. Não é mito! Aqui a fofoca é
uma tradição. Onde os homens que têm os colos chefes fazem dele o seu ofício
onde vivem a amamentar os seus egos. As missangas arcaicas pernoitam em
pescoços lisos. A vida aqui rasteja como bicho na calada da noite, é com a boca
que se faz comércio no cajantar. A noite anda em casas de encosto e sempre urge
alguém com a boca semi-nua andado como cão danado nas estremidades do bairro
desfilando em tronco nu com feitiço de boca.. Os ladrões de informações estão
sempre entre as quatro paredes do nosso amanhecer. Deixar a cabeça no vizinho e
o corpo em casa é uma cultura deixado pelos nossos antepassados e para muitos,
isso, não é , simplesmente, um costume é mesmo uma crença.
CRENTE DOS MONTES E CRENTE DAS RECREAÇÕES

Pintura do artista Moçambicano João Timane

O tempo é o único ser da sua espécie que não envelhece. Ele carrega em
suas missangas as lembranças dos seus três queridos filhos: Passado, presente e
futuro.
 Mano, fui considerado falso por pregar a verdade, fui expulso e destituído do
ofício que exercia na igreja. Disse o Crente dos Montes ao Crente das
Recreações. O Crente das Recreações olhou para ele e perguntou:
 Sabe por que razão foi considerado falso, expulso e destituído do ofício que
exercia?
 Não sei, mano.
 Primeiramente, vocês os dos montes têm muitos problemas. Pensam que são
mais espirituais, sábios e mais santos que os demias. Vocês buscam a Deus no
lugar errado, pois o único lugar de buscar a Deus é na igreja. Subir ao monte é falta
de trabalho. Deixa já te falar, todo o irmão que incentiva um outro a subir ao monte
deve-se examinar muito bem o espírito que está nele.
 Ó Crente das Recreações, o que está por aí a dizer?
 Crente dos Montes, deixe-me terminar o meu raciocínio. Eu tenho muitas
coisas guardadas no meu coração que preciso mesmo de falar. As vossas orações
Deus não ouve! Vocês não têm temor quando estão na presença do Senhor. Oram
de pé, andando de um lado ao outro expressando, assim, inrreverência. Mas, nós
não somos assim. Nós aqui na igreja oramos sentados e não gritamos feitos
malucos na lixeira.
 Meu irmão Crente das Recreações, recompõe-se. Eu nunca falei que sou
mais espiritual, sábio e mais santo que os demais. Ao contrário, eu sou um pobre
pecador que tem muitos defeitos...
 Crente dos Montes, vocês são falsos! A Bíblia fala acerca dos falsos profetas
dentro da igreja que enganariam muitas pessoas e estes certamente que são
vocês. Vocês não enganam ninguém com os vossos estilos das montanhas.
 Por favor, ó Crente das Recreações. Responda-me esta pergunta:
 Será que ir ao monte é errado?
 Sim, é errado. Respondeu o Crente das Recreações e perguntou novamente
o Crente dos Montes:
 Por quê?
—Porque, nós não somos assim. Toda igreja tem um estatuto que segue e
segundo o nosso estatuto não aprova subir ao monte e pregar o evangelho nas
ruas.Vocês também desvalorizam o dom de levita. Estão, mesmo a se mentir.
Louvam muito nas montanhas, mas na igreja não querem participar nos grupos
corais. Vocês estão muito precipitados em pregar o evangelho nas ruas, tem razão
que recebem chapadas, porque vocês pregam emocionadamente. Vocês tiram
coisas dos montes e querem emplementar aqui na igreja...Vai vos dar mal! Nós não
somos assim! Repito, nós não somos assim!
—Tens toda a razão, Crente das Recreações. Perdoa-me pelas minhas
falhas e que Deus te abençoe. No dia seguinte, o Crente dos Montes estava morto
bem antes de levantar da cama.Via-se no seu inofensivo rosto arranhões de
resentimentos em forma de chapadas que surraram o seu corpo durante a
madrugada, resultando na inflamação dos olhos. ―O africano nunca vê a sombra do
seu próximo”. Monologou o Crente dos Montes, porque o eco da primeira palavra
fica sempre no coração:
 Basta! Ainda que todos estamos numa só carruagem apartir de agora cada
pessoa pede ao seu ídolo.
O Crente dos Montes só despertou do sono, porque estava muito apertado de
urina. Despediu a cama e aos demais irmãos em profundo jejum e saiu de casa a
urinar pensamentos.
Caro leitor, a conversação acima não é uma utopia. Isso de facto aconteceu
comigo e com alguns irmãos que buscavam a Deus continuamente em oração. Por
causa de pregar o Evangelho nas ruas, fui destituído do ofício que exercia na igreja.
Fui chamado de falso por subir ao monte e por pregar unicamente a verdade. Meu
bom leitor, se alguém não for criticado por pregar a Cristo, está em um estado crítico
para com Deus.
FEZES ENCOMENDADAS

Pintura do artista Moçambicano João Timane

Entre dois mundos Kapiñala vinha de sua longa jornada já meio morto com as
suas fezes encomendadas em diferentes lares. Os seus passos lamentavam como
a própria vida. Só os ossos eram os únicos fios que agarravam o seu corpo. O
cansaço já se tinha instalado, apressadamente, ao edifício moribundo a fim de
corromper os olhos. De repente, ouviu-se um barulho trum! Trum! Trum! Pwaaaa!
Ficou apenas cadáver a respirar.
— Ove! Ó Kapiñala, acorda das tuas preguiças. Um homem não pode possuir
hábitos de gato. Dia é dia, noite é noite. Acorda lá mazé! “Uma pedra só não segura
a panela”. Dizia Lacimue, o irmão mais velho de Kapiñala. Naquela mesma manhã,
as paredes acordaram mais cedo, porque o sol havia madrugado. Enquanto o sol
estendia as suas mãos macias para cumprimentar, Kapiñala virou-lhe a escostas e
ignorou o dia. Ele estava fora do mundo físico. Lacimue, que era da igreja,
continuou a fazer os primeiros socorros para ressuscitar o seu irmão Kapiñala.
— Pasuka! Pasuka, Kapiñala. Ove onganga? Porque somente os feiticeiros
gostam de dormir o dia.
Enquanto Lacimue persistia em acordar seu irmão Kapiñala. Kapiñala ouvia o
vozear dos pássaros dentro da gaiola onde o seu corpo esteve preso. Ele era um
menino da EBD que perdeu a sua virgindade quando era ainda um feto. Seres
pedófilos haviam o abusado imaterialmente.
O sol começou a sentir-se nervoso e mudava calmamente de aparência por
ser apalpado com violência. Já havia chegado a hora extra e as forças de Kapiñala
regressavam de viagem. As paisagens prendiam a atenção de Kapiñala, pois os
seus olhos estavam severamente algemados. Desde então, Kapiñala concentrou-
se, bicou o seu próprio corpo e acordou. Das janelas, os olhos de Kapiñala
espreitavam a realidade, eles estavam tão embebedados que a timidez os
convencia a não sairem, novamente, de casa nus como era de hábito. O rabo de
Kapiñala perdeu-se na cama, o corpo desadormeceu e os olhos sairam nus como
recém-nascido. Disse então Kapiñala após de acordar de sua embriaguez:
— Ó Lacimue , se não respeitas a mata, respeita a onça que dorme lá.
LAVRA-VIDA

Pintura do artista Maukaw

Tinha cinco anos quando Ngueve começou a enviar o seu corpo à escola. A
distância de sua casa para a escola era três vezes mais velha que ela.
— Minga, cultivar doi. Minha enchada quebrou neste campo e só pude colher
preguiça. Capinar em uma terra alheia é, mesmo, falta de tempo. Dizem que o
futuro de todo homem encontra-se dentro de uma sacola, mas eu até agora sou
ninguém. Palhas e cinzas são as únicas coisas que consegui nesta lavra-vida.
Ngueve estava enjoada da vida e Minga, que era visionaria, percebeu essa
realidade, porque as forças de Ngueve, sua koloela, estavam a fugir do corpo. As
vertigens descansavam nos físicos de Ngueve, vagarosamente, só por falta de
trabalho. Não tardou muito tempo para que o corpo deixasse de pertencer
exclusivamente à Ngueva. Havia, já naquele preciso momento, dois proprietários:
Ngueve e a vertigem. Após dela aperceber-se desta situação, ficou estática a
realidade e ofereceu a enchada ao chão sem qualquer esforço. Então, Minga
segurou-a rapidamente nas mãos, pisaram o milheiro e ambas transformaram-se
em camalhão no caminho.
Os pés de Ngueve já estavam fora de uso, eles tremiam sem vergonha, pois
estavam ansiosos em conhecer o descanso. A cana partiu-se e Ngueve brincava no
chão. Minga não sabia como poderia levar a sua companheira ao hospital, pois não
havia veículo nem moto-táxi ao redor para rebocar o corpo de Ngueve. Minga
olhava ao redor preocupada e nem se quer o vento via, apenas sua companheira
das enchadas estendida no chão a ensaiar-se para um outro mundo. Minga reforçou
o seu pano e improvisou-se como meio de transporte. Olhou ao nada e viu uma
virgem árvore próxima com cabelos longos. Arrastou o corpo de Ngueve até a
árvore para repousar. Chegaram ao local já danificadas. Enjoada da vida, Ngueve
deitou-se no chão e vomitou palavras:
— O tempo só pode ser gentio! Tirou as minhas únicas peças de roupa na
corda e agora as bençãos deixaram de pôr os pés em minha casa.
DESPEJANDO NERVOS

Pintura do artista Moçambicano João Timane

A igreja pisou na mina tradicional ― Tala‖. Tala, tala, tala ño. Agora ando
despejando nervos... Os pés daqueles que vivem buscando a Deus são
provenientes das catacumbas e dos desertos adultos. O vento rebolou e estes
homens chegam sempre de suas loucuras. Cristão louco! Pedem-lhe sempre o seu
pescoço. O dia estende-se e esse tipo de homem é sempre estendido pelo mundo e
pela igreja local.

-Ulume u! Mbi elai.

Farto de infarto estou. Bizguei com os meus nervos e vi que a igreja superou
a sua assanhadice. “ Pelo que estou cheio de furor do Senhor; estou cansado
de o conter; derramá-lo-ei sobre os meninos pelas ruas, e nas reuniões dos
macebos juntamente... (Jeremias 6:11) ”. Levantei o peito zangão e zangou-se.
Apalpei kalongolomente os meus pensamentos e logo descubri que o ego pode ser
uma religião. Em manhãs de fraldas húmidas, senti os meus dedos a languescer de
calafrio e o ego aproveitou a oportunidade e chamou-me nomes. Estava em pé de
cabra a enervar-me, mas não lhe dei crédito e o disse:

- Baza!

A desordem espalhou-se rapidamente dentro do túmulo, os salales perderam


o apetite e as boxexas caenches aprenderam a lição: “Um cão aprende pela corrida
que levou, o homem pelo que viu”. Chega de espreitar o sol em seus dias de folga.
O homem dentro da igreja tem os dedos presos de receio. A generala não gosta de
quem vive espreitando e pulando o muro do boteco para apreciar a realidade
escondida atrás dos casacos. A miudágem adora caçar de saco preto a mudança
em farelos de ontem. Muitos ovelhos não se parceberam ainda que as ruas foram
todas condecoradas com panfletos de líderes no papel como uma varicela que se
alastra em um corpo burro. Desengaiolei os nervos e o desertor saiu do seu deserto
com o farnel do nervo e com a farra amputada. Cultos baçulados, coros
conformados. Nasci e cresci num bairro de hipocresia clássica, onde quem tenta
falar unicamente a verdade fica nos picos. Há provas concretas ,em meu bairro ,
que existem homens que têm dedos nus e que não se comprometem com nenhuma
outra coisa a não ser com a verdade que pregam.

Em soluços, zungu as peças do Céu, os insultos nunca faltam para quem


quer fazer rir a barriga. Barracas de príncipes encantados há em nosso meio. Muitos
só podem estar a andar com os pés de trás, pois não se pode admitir que tais
barracas baloiçam de mangonha em plena praça a todo momento e ninguém
consegue enxergar. Por essa razão, procurei um monte mais próximo e ali mesmo
embriaguei-me de nervos. Aliás, Deus embriagou-me de nervo santo e agora só falo
aquilo que me foi ordenado.

Em lentes miúdas observo que as moangens agora andam descarroçando


entretenimento próximo do rio mundo com o sorriso irónico. Ultrapassei as fronteiras
e os níveis dos meus nervos, pensamentos não gentios agora rolam na minha
cabeça. De gravata e laço, visto-me de nervo santo. Por causa da verdade que
prego vi que muitas pessoas não estão atrás de mim, muitas delas estão, mesmo, a
minha trás. Ando de pulpito à pulpito de ouvido à ouvido despejando tais nervos.
Assubiei despertando ursos... corro e miñu na bravura.O Kamakoko da vaidade é a
menina dos olhos de muitos que têm o coração pautado de ame. Culto com pele
liza, pregações carecas. Na verdade, é que tais nervos, em mim, têm a mania de
andar nu como um recém-nascido e não consigo os conter.
SEPULTAR IGREJAS

Pintura do artista Moçambicano João Timane

Ao fio das sungas, homens sepultam igrejas todas as madrugadas. O sol


nasce entre brigas e ciúmes. Chateia-se e na normalidade homens embaraçam
rivalidades. Preguiças são lançadas ao campo das igrejas para embebedá-la e
arrastá-la ao beco mais próximo. Conheçamos e prossigamos em conhecer ao
Senhor, pois próximo está o fim de pentear socorros. Há notícias que andam por aí
sem pés nas margens do rio: Mal alguém se converte, já o procuram sepultar. Aviso:
Sepultar igrejas é um trabalho que lucra perdição.
PESTANEJAR INVEJA

Pintura do artista Moçambicano João Timane

Cristianismo é tudo menos poeira. Cansada com a vida, Kahewa mudou a


aparência dos pés para furtar cegonhas. Ela nasceu no nada. A pobreza encontrou
Kahewa em um lixo qualquer e apanhou-a. As mãos eram, simplesmente, fome
mascarada que desobedeciam vazios. A escassez a seguia muito mais de perto do
que a própria morte. Pó e nada é o que a cercava. Triste com a situação, Kahewa
decidiu oferecer a sua própria alma a um desconhecido que tossia emprego. A
esperança de brincar na vida descia assanhadamente ao seu rosto. Kahewa olhou
para realidade e em segundos começou a pestanejar inveja. Refutou de imediato o
desemprego e cancelou a Bíblia na sua vida:

 Ser cristão não é mesmo um bom emprego, oko! Estou farta de cozinhar o
sofrimento todas as tardes. Vou a procura de outros gostos.

Assim, Kahewa saiu de suas poeiras e foi a procura de homens que ofertam
empregos em rituais.

 Dalicença!
 Quenhe? Disse o velho Kimbadeiro.
 Sou eu! Sou mesmo eu papá.
 Entra. Mas, deixa o seu corpo fora.

Ouvindo aquilo, Kahewa seguiu a orientação do kimbadeiro e descalçou o corpo.


Medonhamente, entrou na toca onde os empregos chuviam por um abrir e fechar de
olhos. Então, ela viu o não visto com os olhos de ver e arrepiou-se de medo. Lá
estava o mais-velho semi-nu sem qualquer emprego, apenas com chifres ao seu
redor e ervas nas mãos. O mais-velho kimbada disse:

 Filha, eu sei o que te trouxe aqui. Você está sendo amarrada por sua
vizinha de porta a porta. Mas, isso se resolve em segundos. Sei que nunca
conseguiu um emprego desde o dia que nasceu. Ainda bem que chegou
aqui a tempo, pois vou ajudar-te a perder-se na vida.
 Sim papá! Quero trabalhar e me prostituir com as coisas, pois quero ser a
mulher mais rica do bairro sujo.
 Ôôô! Isso não é nada. Eu vou fazer-te você sorrir na vida sem precisar de
muito esforço, filha.

Logo, ouviu-se gritos galinhas e danças a batuques que atraem empregos. Depois
da festa ter terminado. O mais-velho disse:

 O rito foi feito e a madre do emprego se abrirá para você. Mas, tem de matar
o seu pai, e pronto a dançar na vida.
 Lincença papá! Eu não tenho pai, pois ele já faleceu há muito tempo.
 Não tem problemas! Então mata a sua mãe.
 Papá, a minha mãe morreu junto com o meu pai em um acidente rodoviário.
 Também, não há problemas. Mata um dos seus irmãos.
 Papá kimbada, eu sou a única filha.
 Os espíritos entendem. Então mata um dos seus familiares ou amigos.
 Desculpa dizer, papá kimbada. Eu não tenho família nem amigos neste sujo
mundo.
 Ché! Você mesmo não tem mais solução, oko! Vá embora não me trás
problemas com os espíritos. Não me quero colocar em problemas com os
meus amantes espirituais. Vá embora!
 Papá, por favor! Eu posso entregar a minha alma em troca.
 Está bem, filha. Dá-me já a alma, porque os espíritos não aceitam kilape.

Naquele momento, Kahewa vendeu a sua alma ao mercado espiritual e saiu


diferente da casota do kimbada. Ela andava calmamennte pensando que só havia
emprestado a alma e que depois de conseguir as coisas a teria de volta. O emprego
havia chegado a ela já sem pés. Apartir dali, Kahewa que nunca teve o espírito de
empreendedora começou a empreender pessoas para o outro mundo. No dia em
que saiu da casota dos espíritos, um carro saiu ao seu encontro a atirar empregos.
Um dos empregos voo como papel e caiu aos pés de Kahewa. Vendo aquilo,
Kahewa apanhou, de imediato, sem olhar para o passado. O tempo estava
sorridente para ela a todo o amanhecer. Tudo parecia melhorar na vida de Kahewa.
Mal começou a brilhar na vida, já escurecia. Ela percebeu-se que o estado anterior
estava muito mais melhor do que o estado actual.

 Oko! Ainda que não tinha nada no passado, mas eu tinha sossego.
Estou cansada de aluguarem o meu corpo todo o dia. Eu só nasci e
nunca vi pessoas mais chatas do que os espíritos. Eles não me
deixam durmir a vontadade. Poxas! Me arrependo de ter convidado os
espíritos em minha casa para jantar. Nada! Vou só buscar a minha
alma. Esses seres não prestam para nada. A final de contas eles são
assim? Eu não sabia!

Kahewa monologava consigo mesma e deixou-se levar pelas palavras até


a casota do kimbada.

 Dalicença!
 Quenhe?
 Sou mesmo eu papa!
 Eu quem?
 A jovem que te emprestou a alma.
 Não! Eu não sei de nada. Você não me emprestou nada. Aquele mais-
velho que vivia aqui só havia alugado o espaço para enganar pessoas.
Ele foi despejado a três dias, porque não pagava o aluguer. Agora eu é
que aluguei esta casota. Então, filha, vai embora!
 Não! Não posso ir. É mesmo você seu sujo! Me dá a minha alma estou
a te avisar! Kahewa não mais se importou, colocou o respeito de lado
e bicou a porta do kimbada.
 É! É! É! Você vai pagar o meu filho que você agrediu. Vou te fitiçar!
 Mais-velho, chega de brincadeiras. Me dá o que me pertence. Estou a
te avisar!
Kahewa estava fora de si e agarrou asperamente o mais-velho no gume de sua
montanha. O mais velho simplesmente gritava:
 Socorro! Socorro meus amantes espirituais! Estão a me violar! Socorro
espíritos estúpidos! Mas, os espíritos haviam virado as costas ao mais-
velhos, pois era um amador.
Os espíritos sussurravam nos ouvidos do mais-velho:
 Não nos põe nos teus problemas! Resolva sozinho.
O mais velho gritava e gritava dizendo:
 Vou te falar, minha filha! Mi larga, mi larga só! Eu sou pai de família.
Vou te falar! Naquele dia, o espírito mãe vieu buscar a sua alma e
levou em uma mala vermelha. Filha, eu não sei onde ele levou a sua
alma. Vai lá a procura dele.
 Como posso achá-lo?
 Filha, o único meio de achá-lo é deixares este burro corpo.
 Ché mais-velho! Mas, se eu deixar esse burro corpo vou no inferno.
Pois, eu já era crente da igreja e não dei ouvidos a palavra de Deus.
 Ai! Ai! Está a me aleijar, filha.

Kahewa foi obrigada a largar o corpo emburrecido do velho. Saiu da casota a


correr sem deixar rastros de solução. Desde aquele dia, Kahewa começou a brincar
no lixo e voltou nua a terra como veio. Deixou o seu corpo próximo a lixeira e partiu
sem nada. Nem ganhou o mundo, nem ganhou o céu.
CHUVA CHUVISCO

Pintura Brasileira

Entre preguiça e preguiçoso, lá vinha o rapaz com a chuva em suas mãos. As


gotas formavam oceanos de pôr os pés. A vida é preguiça que nos rodeia. Vidas
são pragas que norteam o corpo. Chuva chuvisco rabiscam o chão de esperança.
GLOSSÁRIO

Jamba- Derivado de onjamba que significa ―elefante‖.

Kahewa – Nome Kwanyama que significa ―amiga‖.

Kambisse- Derivado de ombisse que quer dizer peixe (Peixe pequeno).

Kapiñgala – [kapiñgala kalisiki la mwenle– substituto é inferior ao dono] É o


herdeiro de tudo o que é dos mais velhos, desde o feitiço até aos bens. Tal como o
sobrinho, filho da irmã, é herdeiro de tudo o que é do tio, assim o filho.

Kapuka - derivado de okapuka, o nome de uma planta que funciona como antídoto
para vários venenos, e, neste sentido, significa salvador ou curador.

Kulembe - derivado de okulembeleka (consolar) - consolação: conforto |


tradicionalmente o nome é dado ao filho muito desejado, que vem trazer alegria à
família.

Lacimue- significa ―nada‖

Ngueve- [ngeve yusi kwatala] – Quando o hipopótamo passa o dia estendido, está
para morrer!
Contacto do autor: 945708537

António Mateus é um cristão devoto que viu com os olhos dever o lugar onde a igreja
moderna deitou a verdade depois de abortá-la. É autor do Livro “UM CADÁVER PARA O
MUNDO”. Nato da província de Benguela, particularmente, no município da Baía-Farta.
Casado Com Neusa Abel. Nasceu aos 22 de Julho de 1997. Está a fazer o bacharelado em
Ensino da Língua Portuguesa no Institudo Superior de Ciências da Educação (ISCED
Benguela). Frequentou o Piaget no Curso de Língua Portuguesa e Língua Nacionais
durante um ano.

―Confesso: Julguei ser um mundo, porém depois de uma linda viagem nas
profundezas da obra, conclui ser um outro, bem longe da minha imaginação”.

-Gelson Mulengo

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