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Seja muitíssimo bem-vindo à última vez que você vai

perder tempo com os porquês ou com a crase na sua


VIDA.

Se vossa senhoria está aqui, com certeza já viu a aula em


vídeo e pegou os princípios e — primeiramente —
macetes marotos para nunca mais errá-los.

O que vou fazer com este material escrito é deixar


registrado tudo o que vimos na aula, para você guardar o
ouro consigo e poder consultá-lo se algum dia bater
alguma dúvida desgraçadamente persistente (elas
existem, existem…).

Ok, já falei demais. Sem mais delongas, vamos ao que


interessa.

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Primeiro: por que tantos porquês? No inglês, por exemplo,
temos why para perguntas e because para explicações.
Simples, fácil:

— Why você chegou duas da manhã ontem, Renato?

— Because eu estava fazendo hora extra, mulhé. Me deixa


em paz, lasqueira!

— Hora extra no bar do Figueira, se esfregando com aquela


lambisgoia da Jennyfer? Não tem vergonha na face não?

Bem, você pegou a ideia. O latim, de onde saiu o


português, lidava com a treta dos porquês de maneira
bastante parecida com o inglês: quare para perguntas,
quia para respostas.

Daí surgiram o porque (com tudo junto) e o por que


(separado). Mais tarde, lá em 1930 e alguma coisa, alguém
teve a ideia genial de criar mais dois tipos e introduziu o
porquê e o por quê. Com acento.

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Na fala, dizemos a mesma coisa. Às vezes com mais
ênfase aqui e ali, mas substancialmente a mesma coisa.
Na escrita, porém, os quatro porquês são DIFERENTES e
servem para coisas DIFERENTES.

A boa notícia? Você não precisa decorar um monte de


nomes ou acompanhar longas explicações para acertar os
porquês em 95% dos casos.

Basta fazer um troca-troca.

Basta fazer substituições. Mas não vou complicar as coisas.


Vamos ver como tudo funciona na prática.

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Vamos começar pelo porque.

Em gramatiquês, diríamos que é uma conjunção


subordinativa causal. Urgh! Até cheirou mal aqui. Esqueça
isso. Vamos falar língua de gente:

Popularmente, dizem que porque serve para respostas.

Mas não é bem assim. Se houve uma pergunta e você a


está respondendo, sim — tasque ele e seja feliz. Mas nem
sempre que o usamos estamos dando uma resposta.

O mais certo é: porque serve para explicações. Causa,


motivo, justificativa.

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“Estou lendo o PDF massa do Raul, porque é o melhor jeitão
de ensinar português.”

“Não saí, porque estava caindo um toró.”

“Tem havido muitos acidentes na avenida beira-mar,


porque o pessoal enche o rabo de pinga nos barzinhos e
pega no volante.”

Repare que nós temos duas ideias que são LIGADAS pelo
porque:

“Não saí, porque estava caindo um toró.”

Tá, mas qual é o macete? Muito, muito simples.

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Se você conseguir trocar porque pelo pois, saiba com
absoluta certeza que é realmente porque.

“Estou lendo o PDF massa do Raul, pois é o melhor jeitão de


ensinar português.”

“Não saí, pois estava caindo um toró.”

“Tem havido muitos acidentes na avenida beira-mar, pois o


pessoal enche a cara nos barzinhos e sai dirigindo.”
ATENÇÃO: dizer que porque é substituível pelo pois não
é dizer que as palavras sejam sinônimas. Esta última
também pode significar “portanto”, coisa que nada tem a
ver com nada aqui.

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Agora temos o porquê. Um substantivo.

O macete que às vezes se passa é este: se houver um


artigo o antes, é porquê.

“Não conseguia entender português antes, e não sabia o


porquê. Agora eu sei: não conhecia o Raul!”

O macete está errado? Não! Está certíssimo. Só que


incompleto.

Existem várias outras situações em que temos de usar


porquê e antes dele não entra o nenhum:

“Ela é cheia de porquês.”

“Um só porquê já me bastaria.”

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“Porquês falsos não me comovem.”

Existe outra forma, mais fácil e infalível, para acertar esse


negócio na mosca. Vamos aplicar o troca-troca?

O prof. Girafales ensina como se faz

Se, na sua frase, você conseguir enfiar as palavras motivo


ou razão e elas fizerem sentido, vai na fé: será porquê.

“Ela é cheia de motivos.”


“Ela é cheia de razões.”

“Um só motivo já me bastaria.”


“Uma só razão já me bastaria.”

“Motivos falsos não me comovem.”


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“Razões falsas não me comovem.”

Aqui, existe ainda um OUTRO macete: se você conseguir


pluralizar a palavra, vai ser porquê junto e com acento.
Ponto final. Nenhum outro porquê pode ir para o plural.

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Ufa, já estamos na metade. Chegamos ao por que.

O que se diz dele? Que é para ser usado em perguntas.


Errado? De novo, não. De novo, só está incompleto.

Se você estiver fazendo uma pergunta direta, com ponto


de interrogação no final e tudo mais, não precisa pensar
duas vezes: é por que.

"Por que você ainda não é aluno do Raul?”

Uma baita pergunta, digassi di passagi.

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Só tem um problema: há outros tipos de frases em que
você é OBRIGADO a usar por que. Pior, rola usá-lo até em
respostas.

"Por que o Brasil não vai pra frente?”

“Você sabe por que o Brasil não vai pra frente?”

“Você sabe muito bem por que o Brasil não vai pra frente."

Então como saber quando usar essa bodega? Simples,


basta apelar ao troca-troca.

Se por que razão funcionar na frase,


o certo vai ser por que.

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“Por que razão o Brasil não vai pra frente?”

“Você sabe por que razão o Brasil não vai pra frente?”

“Você sabe muito bem por que razão o Brasil não vai pra
frente.”

Por que motivo também funciona:

“Por que [motivo] você estuda português?”

“Por que motivo nada no Brasil funciona?”

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Por quê é o irmão gêmeo vadio do por que.

Sabe quando se junta aquela rodinha de tias fofoqueiras e


todo mundo começa a ficar com as orelhas quentes? Pois
então. Uma hora o negócio INEVITAVELMENTE vai sobrar
para o primo vagabundo (todos nós temos um).
Preguiçoso, que só acorda depois da uma da tarde.

O primo escorado.

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O por quê é igualzinho ao por que, só que escorado.
Precisa ter um ponto no qual possa se encostar, o vadio.

Por quê, preguiçosamente escorado nas


pontuações

O tal ponto NO GERAL é de interrogação:

“Você estuda português por quê?"

Mas também pode ser um ponto final:

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“Sem a explicação do Raul, nunca teria entendido por quê.”

Ou ponto de exclamação:

“Você está aí toda cabisbaixa, mas eu não sei por quê!”

Como prova de que ele é igual a por que, basta


aplicarmos o macete:

“Você estuda português por quê [razão]?”

“Sem a explicação do Raul, nunca teria entendido por quê


[razão].”

“Você está aí toda cabisbaixa, mas eu não sei por quê


[razão]!”

Ótimo. Maravilha. Meus queridos macetinhos,


mal conheço vocês e já os admiro pakas.

Olha, com o que você aprendeu aqui é basicamente


impossível errar os porquês daqui em diante. Só resta uma
coisinha chata.

Há dois por que diferentes.

Na aparência, são iguais. Idênticos. Nenhuma diferença.


Por que e por que.

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Só que são… diferentes. Dizem coisas diferentes. São tipos
de palavras diferentes.

E o macete que funciona para o primeiro não funciona


para o segundo. Exemplo:

“As ruas por que passamos eram imundas.”

“O boy por que me lasquei tantos anos era um cafajeste.”

Nessas duas frases, por que está certíssimo. Porém… se


tentarmos aplicar-lhes o troca-troca do “motivo” ou
“razão”, a coisa não rola:

“As ruas por que razão passamos eram imundas.”

“O boy por que motivo me lasquei tantos anos era um


cafajeste.”

E se você já ficou pistola porque acha que é mais uma


daquelas trezentas mil exceções, não fique.

Em primeiro lugar: não é uma exceção. São duas palavras


diferentes que calharam de ser iguaizinhas.

Em segundo lugar: aqui também rola um troca-troca. Só


que diferente.

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Se pelo(a) qual ou pelos(as) quais funcionar na frase,
o certo também vai ser por que.

Deixa eu repetir os exemplos:

“As ruas pelas quais passamos eram imundas.”

“O boy pelo qual me lasquei tantos anos era um cafajeste.”

Ahhh, agora funcionou às mil maravilhas, não é?

A maior parte das pessoas acha um pouco estranho usar


o por que com o sentido de pelo qual.

Na verdade, muita gente teria certeza é de que uma frase


como “as ruas por que passamos eram imundas” está
ERRADA.

Balela. Está perfeitamente certa, e aliás é uma chiqueza e


uma finura usar por que com esse sentido.

Só quem manja muito de português consegue fazê-lo


naturalmente, com correção. Aqui, é a elite da nata do
camarote VIP do português.

Portanto: seja bem-vindo.

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Você agora faz parte da elite portuguesística. Em poucos
minutos, aprendeu de maneira infalível a usar o que não
te ensinaram em trocentos anos de escola.

Você já sabe usar todos os porquês.

Agora, está na hora da crase.

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Antes de qualquer coisa: o que é a crase?

Crase não é o acento grave. Já começa por aí. O acento


serve para INDICAR a crase. Para avisar o leitor de que “ó,
tem uma crase aqui!”

A crase é um FENÔMENO.

Sabe quando o Ronaldinho, na copa de 2002, resolveu


usar aquele topete invertido, safado e glorioso, para
chamar a atenção? Pois é.

Visualmente, a coisa fica assim:

Tá. Mas qual é o FENÔMENO? O que a crase faz? Muito


simples.

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Leia esta frase: “Seja bem-vindo ao primeiro dia do
Português sem Cagaço!”

Você poderia dizer seja bem-vindo o primeiro dia ou seja


bem-vindo a primeiro dia?

Não, né. Você precisa de ao. As duas letras. De onde elas


vêm?

Quem é bem-vindo, é bem-vindo a algum lugar. Eis o a.

Daria para eu escrever “primeiro dia de aulas foi ótimo”?


Ficaria estranho, incompleto. Faltando alguma coisa.
Faltando o.

“O primeiro dia de aulas foi ótimo!”

É assim que a gente fala e escreve.


a + o = ao.

Agora leia esta frase: “Seja bem-vindo à aula de hoje.”

Quem é bem-vindo, é bem-vindo a algum lugar. Temos


um a.

Eu poderia escrever “aula de hoje foi ótima”? Ficaria


estranho, incompleto. Faltando alguma coisa. Faltando…
um a.

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“A aula de hoje foi ótima!”

a+a

=
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“Seja bem-vindo à aula de hoje.”

Esse é o fenômeno da crase. Quando os dois a se


esbarram e viram um só. Se a crase não existisse, teríamos
de escrever:

“Seja bem-vindo a a aula de hoje.”

Porque não podemos tirar nenhum dos dois a. Eles são


obrigatórios. Então a dona gramática achou um jeito de
deixar a coisa mais bonita, fácil e viável.

Fundiu os dois a.

90% dos casos de crase são exatamente assim.


Um a está colado numa palavra e o segundo a colado em
outra. Para saber se vai crase ou não em alguma frase,
basta você saber se temos dois a na história. É só isso.

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É isso que vamos aprender a verificar, agora.

Crase é como atravessar a rua — você precisa olhar para


os dois lados.

Mas como fazer isso? Outros professores agora


começariam a falar sobre “preposições” e “regência verbal
e nominal”. Eu não vou fazer nada disso.

Preste atenção: eu vou te ensinar agora dois testes


INFALÍVEIS. O teste da pergunta e o teste da linha. Um
para cada a. Sem você precisar decorar nomezinho
nenhum.

Vamos ver como a coisa funciona.

“Desejo um Feliz Natal à todos!”

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Será que essa crase está certa? Vamos olhar para os dois
lados. Primeiro, o teste da palavra à esquerda. O teste da
pergunta. A gente faz uma pergunta para o verbo:

Quem deseja, deseja algo (nesse caso, Feliz Natal) a


alguém.

Epa! Descobrimos um a. Ótimo.

Mas e “todos”? Tem a? Vamos para o teste da palavra à


direita. O teste da linha. Ele é muitíssimo simples.

“A ________ era maravilhosa.”

Viu a frase aqui em cima? Pois bem. Para saber se temos


um a na palavra à direita, seja ela qual for, basta encaixá-
la onde está a linha e ver se funciona:

A todos era maravilhosa.

Obviamente, não funcionou. A palavra não tem nada a ver


com a frase. Logo, não exige a. Se não temos dois a, NÃO
TEMOS CRASE. Ponto final. O certo é:

“Desejo um Feliz Natal a todos!"

Esses dois testes servem para 90% dos casos de crase.

Primeiro, olhe para a palavra à esquerda do a e aplique o


teste da pergunta. Depois, olhe para a palavra à direita do
a e aplique o teste da linha.

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Se não houver a em qualquer um dos dois, NÃO TEM
CRASE.

Pronto. Sabe aquelas mil e uma regrinhas?

Não pode crase antes de palavra masculina, de verbo,


de pronome pessoal do caso reto e pronome pessoal do
caso oblíquo… A crase é facultativa antes de nome
próprio e pronome possessivo…

Não precisa decorar nenhuma. Agora você tem duas


ferramentas práticas para analisar a situação.

Começou a sorrir quando aprendeu a usar essa joça.

Quem começa, começa a.


A sorrir era maravilhosa.

Só temos o primeiro a, outra vez. A frase está certa. Não


tem crase.

Você já foi à Bahia?

Quem vai, vai a algum lugar.

A Bahia era maravilhosa.

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Epa! Aqui temos dois a. Logo, temos crase. A frase está
certíssima.

Fizeram menção a nós dois.

Quem faz menção, faz menção a.

A nós estava maravilhosa.

Frase certa. Sem crase.

Essa blusa está cheirando a mofo.

Temos o primeiro a.

A mofo estava maravihosa?

Frase sem crase.

Fui à São Paulo.

Quem vai, vai a. O primeiro já foi.

A São Paulo estava maravihosa. Nada de a.

Nada de crase. Frase errada. O certo é “Fui a São Paulo”.

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O dinheiro das doações será revertido à entidades
assistenciais.

Se revertemos, revertemos alguma coisa a. Ótimo.

A entidades assistenciais estava maravilhosa?

Obviamente, a crase está errada.

Devolvi o batom à Renata.

Quem devolve, devolve algo a.

A Renata estava maravilhosa. Funciona? Sim.


Renata estava maravilhosa. Funciona? Sim.

Então a crase é facultativa. Faça o que você quiser.

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