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Sumário
1. Introdução. 2. O princípio da razoável
duração do processo penal e o atributo da
dignidade da pessoa humana. 3. O estigma do
cárcere e o princípio da presunção de inocência.
4. O princípio da razoável duração do processo
penal na perspectiva do Supremo Tribunal Fe-
deral. 5. Conclusão. Referências.
1. Introdução
Costuma-se afirmar, nas odes populares,
que o tempo cura todos os males. Em que
pese o seu caráter relativo, é pouco provável
a transposição da crença para a realidade da
prisão. É impossível, no Brasil, refletir sobre
prazo de pena privativa de liberdade sem
contrapor um elemento que se tornou sua
característica: seu excesso. A infelicidade da
assertiva conjuga inexoravelmente as duas
categorias, como vida e morte.
A discussão não pode ser míope; e nem
haveria necessidade ou predisposição. Há
fatores que incidem diretamente nessa re-
lação. Nessa tentativa de expor o nexo etio-
lógico entre os segmentos, surge evidente
o confronto dialético entre o Estado de-
José Valente Neto é Mestrando em Direito mocrático de Direito e o de polícia; entre o
pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Estado-providência e o Estado-penitência.
Constitucional da Universidade de Fortaleza. São modelos que não se complementam.
Defensor Público do Estado do Ceará. Pelo contrário, repelem-se.
Brasília a. 49 n. 195 jul./set. 2012 139
Objetiva-se, a partir desta perspectiva, maioria do contingente dos cárceres bra-
avaliar o instituto da custódia cautelar à luz sileiros. Outro quadro, não menos preocu-
do papel da Filosofia Política na conforma- pante, surge quando se faz a percepção do
ção dos direitos humanos. O Estado não tempo utilizado pelo Estado para concluir
se encontra imune a críticas na qualidade o juízo de mérito dos processos criminais.
de “detentor do monopólio da violência Esse contraponto é imprescindível para
simbólica legítima” (BOURDIEU, 2006, p. averiguar a possibilidade de a prisão cau-
146). A matriz do problema reside no fato telar funcionar como medida de contenção
de que o soberano é quem possui o direito de problemas sociais, mecanismo que não
de estabelecer normas penais incrimina- encontra respaldo em um direito penal/
doras. A celeuma, portanto, tem origem processual penal de um Estado constitu-
em dois campos. O ponto de partida é a cional e democrático de Direito. Sob esse
representação de um fato notório, comum: prisma, não pode ficar alheia ao debate a
o recrudescimento dos índices de violência. advertência dos antropólogos e sociólogos:
O combate, mediante políticas públicas, “Em tais condições, desenvolver o
divide teóricos e a própria sociedade, Estado penal para responder às desor-
muitas vezes refém de arquétipo de defesa dens suscitadas pela desregulamenta-
meramente simbólico, como se criado pela ção da economia, pela dessocialização
dramaturgia. Nesse palco, sem hesitações, do trabalho assalariado e pela paupe-
há eleição de demônios, de (ir)responsá- rização relativa e absoluta de amplos
veis, de atores da desordem, de culpados. contingentes do proletariado urbano,
Uma corrente propugna o punitivismo aumentando os meios, a amplitude e a
expansionista. Para seus adeptos, há ne- intensidade da intervenção do apare-
cessidade de leis penais mais rígidas, com lho policial e judiciário, equivale a (r)
penas privativas de liberdade mais altas. estabelecer uma verdadeira ditadura
Tal medida, não raro, é defendida de forma sobre os pobres” (WACQUANT, 2001,
paralela à supressão ou redução de garan- p. 10, grifo nosso).
tias processuais. São seus representantes
o movimento da “lei e da ordem” e o pro- 2. O Princípio da razoável duração
grama “tolerância zero”. Em uma vertente
do processo penal e o atributo da
mais radical, saliente-se, há o “direito penal
de terceira velocidade”, também chamado
dignidade da pessoa humana
de “direito penal do inimigo”. A oponente Todos os direitos fundamentais pos-
se rende a uma conexão garantista com suem como eixo o protoprincípio consti-
o princípio da não culpabilidade; adota tucional da dignidade da pessoa humana.
a prudência e o respeito irrestrito aos di- Celso Lafer (1988, p. 118) leciona que “o
reitos fundamentais como postulados de valor da pessoa humana enquanto conquis-
ação e reflexão. Eugenio Raúl Zaffaroni ta histórico-axiológica encontra a sua ex-
(2007, p. 9) pondera que “a secular tradição pressão jurídica nos direitos fundamentais
legitimadora do exercício estruturalmente do homem” (LAFER, 1988, p. 118). Como
discriminatório do poder punitivo operou protagonista da Constituição Federal, a
como fissura absolutista no Estado consti- dignidade irradia seu conteúdo por todo o
tucional de direito”. A terceira doutrina, sistema jurídico, fundamentando-o. Tama-
menos expressiva, advoga a tese do aboli- nha a sua envergadura e dimensão, não se
cionismo penal; sua base aposta nas sanções trata de direito. É um atributo axiológico
administrativas e civis. inerente a todo ser humano, sem distinções.
É fato que os presos sob o regime de con- A dignidade da pessoa humana se insere
finamento cautelar representam a grande de tal maneira no arcabouço constitucional