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E-mail: daguibarbosa@yahoo.com.br
1 Assistente Social, Especialista em Terapia de Família pela UCAM/Niterói, mestranda em Política Social pela
ESS/UFF. Contato: daguibarbosa@yahoo.com.br
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gênero passa a ser amplamente utilizado entre teóricos e militantes feministas no final da
década de 70. Gênero (gender) é uma categoria teórica e analíticade interseção com eixos
como classe, raça/etnia, imprescindível aos estudos sobre as relações entre masculino e
feminino inscritas sob o signo do essencialismo.
alegando que desejava cuidar dosmesmosaqui no Rio para a nora, mas ela discordara. A
usuária relatou que estava separada do pai dos seus filhos (também seu agressor) e havia
enviado as duas crianças, uma de seis e outra de quatro anos de idade para a casa de seus
pais em Minas Gerais, argumentou que não contava com nenhuma rede aqui no Rio, por
isso preferiu transferir sua maternidade2à sua mãe em detrimento da sogra. A usuária
demonstrava-se preocupada com a guarda dos filhos e aflita com a situação em que se
encontrava.
Acredito que existem relações de reciprocidade e solidariedade de entre noras e
sogras, relações possíveis de serem travadas, mas nesse caso percebi que essas duas
mulheres não possuíam um vínculo que permitisse tal partilha de cuidadoscom as crianças.
Encaminhei a usuária para a orientação jurídica e devidamente orientada parecia mais
aliviada e demonstrava-se mais confiante sobre o caso referente à guarda dos filhos.
Em determinado momento a equipe técnica discutiu o caso em tela tendo sido
ponderado sobre o bem-estar das crianças, e também argumentado que a mudança das
crianças para um lar “estranho” poderia provocar muito sofrimento, tendo em vista, que até
então elas conviviam com a avó paterna. A equipe ficou dividida, algumas profissionais
acreditavam que as crianças estariam mais protegidas e confortáveis com uma avó que
osconheciam desde pequenos, no caso a avó paterna aqui do Rio de Janeiro.O fato de a
usuária ter enviado as crianças para tão longe dela provocou estranhamento à equipe, que
se somou equivocadamente, ao fato, da mesma estar em um novo relacionamento,
conforme “acusa” a família do ex-companheiro.A existência de um novo namoradoe a
distância dos sujeitos que lhe conferem a materialização da função materna parece que
para alguns são mais do que indícios que apontam sem sombra de dúvidas para
anegligência da mãe má (BADINTER,1985).
Em suma, não cabe a nós julgarmos se a mesma era uma mãe má ou uma mãe boa,
baseada no fato dela não ter ficado com os filhos no Rio, ou por não ter se submetido à rede
constituída pela família do seu ex-companheiro.Enfim, neste episódio o desfecho foi a favor
do reconhecimento ao direito que ambas as usuárias possuíam, independente das práticas
e discursos diferentes e concorrentes sobre o que é ser uma mãe que cada uma delas
tenha. Se a usuária A.F. não tivesse tido acesso e uso ao atendimento teoricamente
destinado a todas as mulheres, seus direitos teriam sido violados.Por isso, chamo a atenção
para o fato de que perspectivas de gênero introjetadas, que por ventura possamos adotar
2 O conceito maternidade transferida implica a transferência de cuidados com crianças de uma mulher para
outra.Mulheres de camadas médias e altas realizam a saída do espaço privado para o público através da
remuneração de outras mulheres que assumem a responsabilidade com o cuidado da sua casa e de seus filhos.
Mulheres pobres para poderem fazer o mesmo percurso, em geral recorrem às redes sociais baseadas em
vínculos de parentesco, afinidade, reciprocidade e compadrio.
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Até então, antes do século XVIII, a mortalidade infantil era alarmante, os pais em
geral, pouco olhavam ou cuidavam dos seus filhos, só no século XIX nasce a medicina
infantil, enquanto especialidade e em 1872 surge a palavra “pediatria” (BADINTER, 1985, p.
80). Portanto, se agora as crianças passam a exigir cuidados, a mãe torna-se a protagonista
nesse processo. Desde então, preconiza-se a proteção à infância proporcionalmente ao
estímulo às responsabilidades maternas.
biologicamente preparadas para procriar, demonstravam que não bastava nascer uma
criança para nascer uma mãe.
No decorrer dos séculos a maternidade assumiu um caráter sacrossanto, que exigia
habilidades e inúmeros requisitos, se uma mulher não os possuía era imediatamente
recriminada. Nas palavras de Badinter “da responsabilidade à culpa”(BADINTER, 1985, p.
271).
Da responsabilidade à culpa, parece que foi a mesma transição denunciada pela
família do ex-marido da usuária A.F. à CODIM. Ainda hoje, no século XXI, quando
conveniente, apresenta-se como condenável a mãe trabalhadora, vista como uma mãe má,
sobretudo, se ela se afasta das crianças sob o argumento de que está trabalhando, este
definitivamente é lido como a negação do dever materno.
Para começar, cabe explicar que são consideradas famílias monoparentais aquelas
que vivem com um único progenitor com um ou mais filhos menores de idade. A expressão
monoparentalidade surgiu na metade dos anos sessenta do século XX, importada por
sociólogas feministas dos países anglo-saxões (VITALE, 2002). Embora, num primeiro
momento, famílias chefiadas por mulheres confundam-se com famílias monoparentais, elas
não se enquadram na definição de monoparentalidade descrita acima. Vitale destaca as
implicações vinculadas à monoparentalidade, uma diz respeito ao gênero: “Ao se vincular
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Durante uma entrevista realizada em janeiro neste ano de 2012 com uma usuária da
CODIM e do CRAS/Centro, beneficiária do Programa Bolsa Família/PBF, a minha primeira
informante nesta pesquisa, pude conhecer a sua experiência de inserção no programa e
verificar como se dá a caracterização das famílias beneficiárias PBF, em específico em
monoparentais femininas. Esta primeira informante tem 39a,branca, é natural de Curitiba,
tem três filhos (um rapaz de 19a, uma menina de 10a, e a caçula de 08a, só as meninas
vivem com ela), possui segundo grau incompleto, é do lar, mas realiza “bicos”, ou seja,
atividades informais, como lavar roupa pra fora, fazer bolo, bombom, dar faxina, vender
colares que a própria produz:
“E vou fazendo o que eu posso por fora com o salário que eu ganho
da Bolsa Família, entendeu?”
“(...) Eu limpo casa. (...) Eu lavo roupa. Ah, tem uns... aprendi a fazer
um colar de, de, de... é trabalho manual!”
A informante também vendeu o cabelo de uma das filhas há pouco tempo para
conseguir algum dinheiro. Sobre os colares de pano, que confecciona,se remete muita
satisfeita ao negócio bem sucedido:
“(...) Eu vendi todos eles. No final do ano vendi todos! Até... eu vendo
há dez reais cada um. (...) Dá pra tirar um bom dinheirinho, por
semana R$ 50,00, R$ 100,00, dependendo de quanto vende,
entendeu?”
Esta usuária vive maritalmente há cerca dez anos com um homem, que lhe agride há
nove anos verbal e fisicamente, sua filha caçula é filha do casal. Depois do
acompanhamento na CODIM, em função da violência doméstica e familiar que sofre fala
sobre o quê mudou para ela:
muito pouco (risos). Um ano, depois nove anos de surra, mas eu vou
fazer o quê? Custei aprender.”
Quando perguntada sobre como atualizou o seu cadastro, senão teve problemas, ela
responde brevemente: “Eu fui lá e falei que ele me abandonou que eu fui chutada.” Logo em
seguida completa: “Aí a necessidade faz a questão”.
Outra experiência registrada por meio do depoimento oral, em entrevista também
realizada neste ano, com uma senhora beneficiária do PBFaponta certa semelhança à
realidade da primeira informante. As duas informantes são usuárias do CRAS/Centro e da
CODIM/NITe não informaram seus companheiro/marido ao CadÚnico para o recebimento do
Bolsa Família. Ambas são vítimas de violência doméstica e familiar, ambas veem no
benefício a única possibilidade de autonomia frente a perversidade que encobre um
relacionamento baseado na violência. Esta segunda informante tem 58a, é branca, casada,
possui ensino fundamental incompleto, não tem filhos, não tem profissão, é do lar, mas
realiza bicos, como faxinas, vende latinhas que ela mesma recolhe:
“Quando eu vendo latinha, né, que eu cato, cato, mas fica juntando,
né? Aí quando eu vendo, às vezes faz uns cem reais, dependendo aí
do preço do quilo da latinha, né? Que tem isso também. E... bicos
assim ó: faxina pinta de cinquenta, eu ajudo a minha sobrinha a fazer
a faxina que ela também faz e ela racha a faxina comigo. É assim.
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“Ah, minha observação é isso: que eu sei que eu teria que né, que
cancelar no caso quando eu casei. Né isso? Mas eu preciso desse
dinheirinho, como precisei desde o começo que fiz, porque eu casei,
mas ele não me dá nada, continuo com a mesma situação. Tá. Só
isso.”
joelhos, a segunda está com um problema no pulmão e se locomove com muita dificuldade,
de acordo com ela está com um problema num dos joelhos também. Infelizmente, a
feminização da pobreza avança para um futuro que anuncia a miséria de muitas mulheres.
Durante a III Conferência Municipal de Políticas para as Mulheres de Niterói que ocorreu em
julho de 2011, sob o tema de abertura “Autonomia Econômica e Igualdade no Mundo do
Trabalho: mulher e pobreza extrema”, a Conferencista Profª. Drª. Hildete Pereira de Melo
apresentou a seguinte comunicação socializada nos Grupos de Trabalho: “Pobreza e
gênero: que relação é essa?” destacando diversos aspectos sobre a condição feminina no
mundo do trabalho, dentre eles enfatizou de acordo com dados da PNAD/IBGE, 2009, que:
6. Referências Bibliográficas:
VITALE, Maria Amália Faller. Família monoparentais: indagações. Serviço Social &
Sociedade. São Paulo: Cortez. Ano XX, n° 71. 2202. Pp. 45-62.