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Prescrição de exercício para pessoas com excesso de peso e/ou

obesidade? – 3 dicas essenciais

Prescrição de exercício para pessoas com excesso de peso e/ou


obesidade? – 3 dicas essenciais

Exercício e perda de massa gorda. Descobre neste artigo o que realmente funciona e quais as
metodologias mais recentes e comprovadamente eficazes na perda de massa gorda.

A prática de exercício para perder massa gorda é uma das tendências mundiais do Fitness[1]. Com o aumento
da procura por este tema, naturalmente, o número de ofertas também aumenta. Contudo, apesar de muito
atraentes, muitas destas ofertas carecem de fundamentação científica que suportem a sua utilização. O
objetivo deste documento é dotar os profissionais de exercício e saúde com informação baseada na ciência
em três questões muito comuns quando se trabalha com o objetivo de perda de massa gorda. Será abordada
a eficácia do treino em jejum, a importância do treino de força e oportunidades de otimização do treino em
circuito.

Antes de avançarmos para estas questões, importa relembrar um conceito básico nesta questão da perda de
massa gorda: o balanço energético. O balanço energético é uma relação dinâmica entre a energia que
consumimos e o nosso dispêndio de energia. Uma imagem que ajuda a compreender esta relação é a de uma
balança de dois pratos (ver Figura 1). Em teoria, se mantivermos exatamente o mesmo valor da energia
consumida e energia gasta, existe uma manutenção do nosso peso. Se houver maior consumo do que energia
gasta, haverá um aumento do peso. Para que ocorra uma diminuição da massa gorda corporal, terá de haver
um deficit de energia. Por outras palavras, para que ocorra perda de massa gorda tem de haver um dispêndio
de energia superior ao consumo energético.

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Consumo de energia Energia gasta

Figura 1 - Ilustração da relação dinâmica do balanço energético

O nosso dispêndio energético diário pode ser dividido em taxa metabólica de repouso, efeito térmico dos
alimentos e efeito térmico da atividade física[2]. Sendo a atividade física uma forma de gastar energia (e a mais
facilmente manipulável), quais serão as metodologias mais eficazes para promover a perda de gordura? É
sobre esta questão central que nos debruçaremos de seguida.

1 – Treino em jejum – Será a solução mais eficaz?

A prática do treino em jejum tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos. Quem pratica treino em jejum para
perder massa gorda baseia-se num princípio fisiológico muito atraente que nos diz que os baixos níveis de
glicose e insulina pela manhã levariam a uma mudança na via energética para uma maior oxidação de
lípidos[3]. Contudo, é necessário perceber se a ciência corrobora com esta teoria. Para nos esclarecer sobre
este assunto, Paoli e os seus colaboradores[4] fizeram uma experiência em que colocaram 8 homens a fazer
treino aeróbio a uma intensidade de 65% da frequência cardíaca máxima, durante 35 minutos, em duas
condições distintas: 1) em jejum ou 2) após um pequeno almoço de 673kcal (25% de proteína, 22% de hidratos
de carbono e 53% de gorduras). Convém referir que o grupo que treinou em jejum tomou exatamente o
mesmo pequeno-almoço mas após a sessão de treino. Os participantes foram avaliados em relação ao seu
metabolismo e ao quociente respiratório (indicador fisiológico que nos permite identificar qual o substrato
energético com maior preponderância na síntese de energia). Os investigadores concluíram que em termos de
metabolismo e utilização de gorduras, treinar em jejum não apresentou qualquer vantagem adicional
comparativamente com o grupo que não treinou em jejum. Outros autores mostram também resultados
semelhantes na perda de massa gorda entre indivíduos que seguem um regime de treino associado a uma
dieta hipocalórica, independentemente de estarem ou não a treinar em jejum[5].

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Apesar de ser uma metodologia de treino muito atraente para otimizar a perda de massa gorda, os estudos
mostram que não existe qualquer vantagem associada à prática de treino quando comparado com
condições de treino onde os participantes são alimentados antes da sessão de treino. Se existir um balanço
energético negativo e igualado entre condições (jejum ou não jejum), os resultados vão ser muito
semelhantes no que refere a perda de massa gorda.

2 – Treino de força – É realmente importante?

A crença de que o “treino de força é para ganhar músculos e o treino aeróbio é para perder peso” vai
permanecendo nalgumas salas de exercício e ginásios. Contudo, será que é mesmo assim? Existem alguns
estudos que tentam responder a esta questão. É exemplo um estudo realizado por Geliebter e
colaboradores[6] onde estudaram três tipos de intervenção: 1) dieta hipocalórica; 2) treino de força e dieta
hipocalórica; e 3) treino aeróbio e dieta hipocalórica. Importa referir que a dieta foi controlada por um
nutricionista para que houvesse o mesmo deficit de energia para as três intervenções. As duas intervenções
que incluíram treino foram desenhadas para atingir o mesmo gasto energético nas sessões. Os autores deste
estudo verificaram que os participantes reduziram a massa gorda em todas as intervenções de forma muito
semelhante. Contudo, apenas o grupo que realizou treino de força manteve a massa isenta de gordura. Esta
manutenção da massa isenta de gordura poderá estar associada com melhorias da sensibilidade à insulina e
otimização do metabolismo glucídico[7].

Existe também evidências de uma forte relação entre obesidade, dor musculosquelética e incapacidade física.
Um sujeito obeso está submetido a fatores de risco biomecânicos durante a marcha que podem levar a
problemas articulares[8]. Além disso, se analisarmos por exemplo a articulação do joelho, esta está exposta a
forças compressivas durante atividades de suporte do peso corporal. Em indivíduos de peso normal as forças
compressivas ao nível do joelho podem exceder três o peso corporal numa caminhada e seis vezes o peso
corporal a subir escadas[9]. Conforme um individuo aumenta o seu peso corporal, as forças compressivas
articulares vão naturalmente aumentar de forma proporcional. Assim, prescrever atividades que exijam um
impacto articular constante e repetitivo (por exemplo uma caminhada durante 60 minutos) pode não ser a
melhor solução em determinados casos. Entenda-se que o treino cardiovascular pode oferecer diversos
benefícios para a saúde em geral e com uma grande utilidade no processo de perda de massa gorda[10].
Contudo, em determinados casos, pode promover maior stress articular, conduzir a dores e desconforto, perda
de função e consequentemente uma inibição na perda de peso. Não surpreendentemente, o fortalecimento
muscular por meio de exercícios de força de baixo impacto é frequentemente recomendado em pacientes com
problemas articulares[11] principalmente se forem obesos.
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É suficientemente claro que tanto o treino cardiovascular como o treino de força apresentam inúmeros
benefícios num processo que objetive a perda de peso, mais concretamente a perda de massa gorda. Em
muitas salas de exercício é frequente encontrar um pensamento com raízes profundas de que o treino de
força não é útil na perda de peso. Contudo, através do treino de força é possível perder massa gorda na
mesma magnitude que o treino aeróbio. Em alguns casos, onde existe tendência para problemas
articulares, o treino de força pode ser mais seguro em determinadas fases do planeamento de exercício,
principalmente em pessoas com obesidade.

3- Treino em circuito – Como otimizar?

O treino em circuito foi desenvolvido em 1953 pelos professores R.E Morgan e G.T Anderson da Universidade
de Leeds. Inicialmente, foram propostos 9 a 12 exercícios, onde os participantes realizavam cada estação para
um número específico de repetições e/ou tempo[12]. Este método de treino tem sido uma das estratégias
mais utilizadas para combater a obesidade e excesso de peso[13] pois permite realizar uma sessão de treino
bastante completa com economia de tempo[12].

Considerando estas características, torna-se de elevada pertinência perceber se existe alguma forma para
otimizar o treino em circuito para a perda de massa gorda. No seguimento deste tópico, um grupo de
investigação[14] submeteu 29 sujeitos (15 homens e 14 mulheres) com idades compreendidas entre os 18-28
anos e moderadamente ativos a três situações distintas com a mesma duração de treino (60min) e intensidade:
1) Treino em circuito com máquinas de musculação; 2) Treino em circuito com pesos livres; e 3) Treino em
circuito combinado que incluía exercícios de treino de força alternados com 1minuto de corrida. Os autores
verificaram que o treino em circuito combinado foi o que produziu maior gasto energético, seguido do treino
em circuito com pesos livres e, por último, o treino em circuito em máquinas.

Logicamente, devido à maior atividade do treino combinado (treino de força e treino aeróbio), este apresentou
maior dispêndio energético. Também facilmente depreendemos que devido à maior necessidade de
recrutamento muscular na situação de treino em circuito com pesos livres, o gasto energético é superior
quando comparado com o mesmo treino feito em máquinas. Mas a maior novidade deste estudo foi a menor
sensação de esforço na situação que obteve maior gasto energético. Por outras palavras, combinando
exercícios aeróbios com treino de força, para além de produzir maior gasto energético leva também a uma
menor perceção de esforço.

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O treino em circuito é uma estratégia bastante utilizada em ginásios, programas de exercício físico
outdoor, entre outros. Permite incluir uma grande variedade de estímulos com uma grande economia de
tempo. Quando o tema é perda de massa gorda, a literatura mostra-nos que incluir sessões de treino em
circuito onde exercícios de treino de força são alternados com exercícios aeróbios, permite atingir um
maior gasto energético (para o mesmo período temporal quando comparado com treino de força
tradicional) e com menor perceção de esforço.

Pontos-chave

Com o aumento da procura por exercício com o objetivo de perder massa gorda, existe também um aumento
das soluções para conquistar este objetivo. Contudo, existem algumas soluções que, apesar de atraentes do
ponto de vista teórico, falham na obtenção de fundamentação científica. É o caso do treino em jejum. Como
vimos anteriormente, o treino em jejum não oferece benefícios adicionais na perda de massa gorda quando
comparado com a situação de treino em condições de não jejum.

Vimos também que o treino de força é crucial num processo de perda de peso saudável e sustentável, com
inúmeros benefícios motores, fisiológicos e mecânicos. Ao contrário de um pensamento com raízes profundas
em muitas salas de exercício, o treino aeróbio não é o único aliado na perda de massa gorda. Por último, vimos
que o treino em circuito, uma das estratégias de treino mais utilizadas, pode beneficiar de algumas estratégias
para a sua otimização. Alternar exercícios aeróbios com exercícios de força pode ajudar a rentabilizar a sessão
de treino, aumentando o dispêndio energético, com menor perceção de esforço por parte do praticante.

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AUTOR
Ruben Francisco
Formador do Centro Formação Clínica das Conchas

Doutorando em Motricidade Humana com especialização em Atividade


Física e Saúde

Coordenador Pedagógico da Especialização “Treino Personalizado


Avançado” do Centro de Formação Clínica das Conchas

Coordenador Pedagógico da Especialização “Exercício e Nutrição para a


Perda de Massa Gorda” do Centro de Formação Clínica das Conchas

Ruben Francisco é formador na Especialização “Exercício e Nutrição para a Perda de Massa Gorda” no módulo
“Avaliação da composição corporal” e “Principais recomendações e metodologias avançadas na prevenção e
tratamento da obesidade e excesso de peso”. Na Especialização “Treino Personalizado Avançado” é formador
no módulo “Fisiologia do Exercício Físico em contexto de PT”. Mais informações em
formacao.clinicadasconchas.pt/pt

Contactos e mais informações:


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