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Neuropsicopedagogia

Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser

Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

L685n

Leyser, Kevin Daniel dos Santos

Neuropsicopedagogia. / Kevin Daniel dos Santos Leyser. – Indaial:


UNIASSELVI, 2020.

278 p.; il.

ISBN 978-65-5663-323-7
ISBN Digital 978-65-5663-319-0

1. Aprendizagem. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

CDD 370

Impresso por:
Apresentação
Caro acadêmico, a educação tem a ver com o aprimoramento da
aprendizagem e a neurociência com a compreensão dos processos mentais
envolvidos na aprendizagem. Esse terreno comum sugere um futuro no
qual a prática educacional pode ser transformada pela ciência, assim como a
prática médica foi transformada pela ciência há cerca de um século.

O objetivo deste Livro Didático é apresentar a você o campo de


estudo, pesquisa e intervenção da Neuropsicopedagogia. Este campo
científico visa descobrir como todos os alunos podem ser ajudados a
atingir seus potenciais de aprendizagem e tornar a aprendizagem mais
eficaz. Psicólogos educacionais, pedagogos e neurocientistas reconhecem,
em grande medida, que é possível construir modelos mais integrados de
aprendizagem, que façam melhor justiça a essa complexidade de reunir
processos sociais, cognitivos e neurais dos sujeitos envolvidos nos processos
de ensino-aprendizagem. Deste modo, se quisermos obter qualquer
explicação abrangente da aprendizagem, a conclusão lógica é que isso
dependerá de reunir todas essas vertentes em uma estrutura não reducionista
que contenha a descrição nos níveis ambiental, cognitivo e neural e busque
entender como interagem com um impacto mútuo para produzir resultados
observados em ambientes educacionais formais e informais. É essa estrutura
que a neuropsicopedagogia visa oferecer.

Você verá neste Livro que o campo emergente da neuropsicopedagogia,


assim como da neuroeducação, está atento à interação entre mente, cérebro e
educação. Esta abordagem integrada provou ser revolucionária na pesquisa
educacional, introduzindo conceitos, métodos e tecnologias em muitas
instituições avançadas ao redor do mundo. O rápido desenvolvimento
das neurociências, os avanços na psicologia e na pesquisa em educação e a
cooperação interdisciplinar entre esses campos de investigação levam a uma
melhor compreensão da aprendizagem, cognição, emoções e consciência,
temas que serão trabalhados no decorrer de seus estudos aqui.

A educação das crianças e dos adultos, muitas vezes praticada com


métodos tradicionais, não deve ignorar o progresso das neurociências e das
ciências cognitivas, mesmo que esteja em um estágio inicial. Esta é umas
das principais razões para que você explore os conteúdos e propostas da
Neuropsicopedagogia em sua formação. A educação é uma arte que precisa
integrar o conhecimento científico sobre o cérebro e a mente, bem como outros
aspectos sociais, políticos e éticos, a fim de lidar com seu objetivo altamente
complexo, a saber, elevar a criança ao seu potencial pleno. Considerando
as profundas mudanças sociais em um mundo globalizado e o impacto
das tecnologias da informação na vida humana, mudanças apropriadas na
educação podem enriquecer a vida de milhões.
Este livro aborda muitas facetas dos imensos desafios para a educação
relacionados ao desenvolvimento do cérebro, plasticidade neural, psicologia
do desenvolvimento, aprendizagem de língua e leitura, modelagem
dinâmica da aprendizagem e do desenvolvimento. As promessas das
neurociências e das ciências cognitivas para uma melhor compreensão da
base subjacente da aprendizagem estão se desenvolvendo rapidamente. A
pesquisa interdisciplinar deve envolver educadores e lidar com práticas
educacionais reais.

Contudo, como você poderá ver em seus estudos aqui, nas Unidades 1
e 2 deste Livro Didático, dada a complexidade do assunto, deve-se ter cuidado
para evitar conclusões precipitadas sobre a educação, impulsionadas por
implicações superficiais de descobertas recentes, como declarações acríticas
sobre “ensino baseado no cérebro”. Existem, no entanto, áreas em que o
conhecimento parece suficientemente sólido para apoiar conclusões que
impactam a aprendizagem (por exemplo, necessidades de sono, habilidades
de leitura e bilinguismo) e devem ser seriamente consideradas. As relações
entre o cérebro, a mente, a consciência e o self devem ser exploradas com
respeito em bases éticas, a fim de preservar a dignidade humana e promover
a equidade. Isso pode oferecer uma rica oportunidade de ampliar a
representação que homens e mulheres têm hoje de si mesmos, de seus estados
de desenvolvimento individual e de seu potencial de realização. Todos estes
temas serão abordados nas duas primeiras Unidades deste Livro.

Na Unidade 3, este livro didático pretende servir como uma ponte


entre a pesquisa e a prática, fornecendo a qualquer educador um modelo
coeso e utilizável de instrução eficaz, informado pela pesquisa educacional,
bem como pelas descobertas das neurociências e das ciências cognitivas. As
estratégias de pesquisa e instrução apresentadas são projetadas para serem
relevantes para uma ampla gama de educadores, desde profissionais da
primeira infância a professores de ensino superior.

Desejo uma boa jornada a todos, rumo à edificação da educação e


sucesso frente aos desafios intelectuais, éticos e pessoais proporcionados
pelo estudo da Neuropsicopedagogia.

Prof. Me. Kevin Daniel dos Santos Leyser


NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi-
dades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra-
mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui
para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida-
de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun-
to em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

UNI

Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos


materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais
os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais
que possuem o código QR Code, que é um código
que permite que você acesse um conteúdo interativo
relacionado ao tema que você está estudando. Para
utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos
e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar
mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você
terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen-
tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO....................................... 1

TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS..... 3


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO................................................................. 3
2.1 NEUROPSICOLOGIA E O SURGIMENTO DA NEUROPSICOPEDAGOGIA..................... 5
2.2 NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO: CIÊNCIAS DA MENTE,
CÉREBRO E EDUCAÇÃO.............................................................................................................. 8
2.2.1 O que é a ciência da mente, cérebro e educação.............................................................. 10
2.2.2 Desafios no ensino e na transformação de um neuropsicólogo e neuroeducador...... 11
2.2.3 Quem são os cientistas da mente, cérebro e educação?.................................................. 12
3 NEUROMITOS NA EDUCAÇÃO................................................................................................... 15
3.1 ALGUNS DE NÓS USAM MAIS O CÉREBRO ESQUERDO OU O CÉREBRO DIREITO.16
3.2 OUVIR MOZART TORNARÁ SEU BEBÊ MAIS INTELIGENTE.......................................... 17
3.3 A APRENDIZAGEM SE ENCERRA APÓS PERÍODOS CRÍTICOS DO
DESENVOLVIMENTO.................................................................................................................. 18
3.4 USAMOS APENAS 10% DO NOSSO CÉREBRO...................................................................... 19
3.5 OS PROFESSORES DEVEM AVALIAR E ENSINAR AO ESTILO DE APRENDIZAGEM
DE CADA CRIANÇA.................................................................................................................... 20
3.6 NASCEMOS COM TODAS AS CÉLULAS CEREBRAIS QUE TEREMOS EM VIDA......... 21
4 TEMAS IMPORTANTES DAS NEUROCIÊNCIAS E CIÊNCIAS COGNITIVA QUE OS
EDUCADORES DEVEM SABER........................................................................................................ 21
4.1 PLASTICIDADE E NEUROGÊNESE.......................................................................................... 21
4.2 EMOÇÃO E ESTRESSE................................................................................................................. 22
4.3 O PAPEL DA ATENÇÃO NA APRENDIZAGEM.................................................................... 22
4.4 FUNÇÃO EXECUTIVA................................................................................................................. 23
4.5 A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO E DAS ARTES NA APRENDIZAGEM.................. 23
4.6 ADOLESCENTES, SONO E APRENDIZAGEM....................................................................... 24
4.7 CRIATIVIDADE............................................................................................................................. 25
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 26
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 34
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 36

TÓPICO 2 — O CÉREBRO, O SELF E AS NEUROCIÊNCIAS..................................................... 37


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 37
2 O SUJEITO CEREBRAL E AS “NEURO” CIÊNCIAS................................................................. 37
3 A TENDÊNCIA NEUROLOGIZANTE........................................................................................... 41
4 CÉREBRO, CORPO E SELF.............................................................................................................. 42
5 A REVOLUÇÃO DA CEREBRALIDADE...................................................................................... 45
6 UMA ONTOLOGIA DA CEREBRALIDADE............................................................................... 49
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 54
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 56
TÓPICO 3 — CONSTRUINDO PONTES: NEUROPSICOPEDAGOGIA E
NEUROEDUCAÇÃO............................................................................................................................ 57
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 57
2 APRENDIZAGEM E NEUROCIÊNCIA VISUAL........................................................................ 58
3 MODELOS COGNITIVOS E EDUCAÇÃO.................................................................................. 62
4 NEUROCIÊNCIA COGNITIVA E MODELOS COGNITIVOS................................................ 64
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 68
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 69
REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 70

UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO.............. 81

TÓPICO 1 — APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA: ENTENDIMENTOS SOCIOCULTURAIS


E NEUROCIENTÍFICOS...................................................................................................................... 83
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 83
2 O PROBLEMA COM A APRENDIZAGEM.................................................................................. 84
2.1 CONECTANDO A PLASTICIDADE DO CÉREBRO E A EXPERIÊNCIA . ......................... 85
2.2 CONECTANDO CIRCUITOS CEREBRAIS E INTERAÇÃO SOCIAL.................................. 90
2.3 CONECTANDO AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E CULTURA .......................................... 91
2.4 CONECTANDO AMBIENTE E AGÊNCIA............................................................................... 92
2.5 CONECTANDO A FUNÇÃO CEREBRAL E O SIGNIFICADO SOCIAL............................. 92
3 POTENCIAIS DESCONEXÕES....................................................................................................... 93
4 APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA: UMA CIÊNCIA DA
APRENDIZAGEM CULTURAL.......................................................................................................... 94
4.1 CONECTANDO APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA............................................................. 96
4.2 CONECTANDO APRENDIZAGEM, CULTURA E NEUROCIÊNCIA................................. 98
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 99
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 100

TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE


APRENDIZAGEM............................................................................................................................... 103
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 103
2 A REPRESENTAÇÃO NEURONAL DO CONHECIMENTO................................................. 104
2.1 EVOLUÇÃO COMO UM PROCESSO COGNITIVO............................................................. 104
2.2 DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE DA EXPERIÊNCIA................................................ 106
2.3 O VALOR ADAPTATIVO DA SELEÇÃO DE CIRCUITOS EPIGENÉTICOS.................... 108
2.4 O CONTROLE DO DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE DA EXPERIÊNCIA . .......... 110
2.5 MECANISMOS DE APRENDIZAGEM DE ADULTOS......................................................... 112
2.6 DESCANSO E O SONO NO DESENVOLVIMENTO CEREBRAL DEPENDENTE DA
EXPERIÊNCIA.............................................................................................................................. 113
3 CRONOEDUCAÇÃO E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM............................................. 114
3.1 O RELÓGIO CIRCADIANO COMO FUNÇÃO BIOLÓGICA INDISPENSÁVEL............ 115
3.2 MECANISMOS CIRCADIANOS ATIVOS EM HUMANOS MODERNOS........................ 116
3.3 SONO-VIGÍLIA: O RITMO CIRCADIANO MAIS VISÍVEL NOS SERES HUMANOS... 118
3.4 A INFLUÊNCIA DO SISTEMA CIRCADIANO NO PROCESSO EDUCACIONAL........ 122
3.5 O SONO INFLUENCIA FORTEMENTE A EDUCAÇÃO..................................................... 123
3.6 REGULAÇÃO DO SONO E OS PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO ....................... 125
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 129
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 132

TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO,


CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM.............................................................................................. 135
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 135
2 CICLOS DE CRESCIMENTO E MARCAÇÕES PARA
CÉREBRO E COMPORTAMENTO.................................................................................................. 136
3 CICLOS DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO.................................................................. 140
4 CICLOS DE DESENVOLVIMENTO CORTICAL...................................................................... 144
5 CICLOS DE APRENDIZAGEM..................................................................................................... 150
6 DOS CICLOS DE DESENVOLVIMENTO ÀS IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS............ 153
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 155
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 160
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 162
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 163

UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS


ESCOLAS DO SÉCULO XXI............................................................................................................. 173

TÓPICO 1 — ESTABELECENDO O CLIMA EMOCIONAL PARA A APRENDIZAGEM.. 175


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 175
2 SISTEMAS NEURAIS SUBJACENTES À EMOÇÃO............................................................... 177
2.1 COMO PERCEBEMOS O MEDO E A AMEAÇA................................................................... 177
2.2 EFEITOS DO ESTRESSE NA APRENDIZAGEM................................................................... 179
2.3 ESTRESSE E AMBIENTES ESCOLARES.................................................................................. 179
2.4 O IMPACTO DAS EMOÇÕES POSITIVAS.............................................................................. 181
2.5 EMOÇÕES E O ADOLESCENTE.............................................................................................. 181
3 ESTABELECENDO O CLIMA EMOCIONAL DE APRENDIZAGEM.................................. 182
3.1 ESTRATÉGIAS PARA PROMOVER UM AMBIENTE POSITIVO DE
APRENDIZAGEM ............................................................................................................................ 183
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 192
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 194

TÓPICO 2 — CRIANDO O AMBIENTE FÍSICO E A EXPERIÊNCIA DA


APRENDIZAGEM............................................................................................................................... 195
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 195
2 ATENÇÃO E NOVIDADE.............................................................................................................. 196
3 OS EFEITOS DOS ASPECTOS AMBIENTAIS NA ATENÇÃO E APRENDIZAGEM....... 197
3.1 ILUMINAÇÃO NA SALA DE AULA...................................................................................... 197
3.2 O SOM NO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM..................................................................... 198
3.3 AROMAS NA SALA DE AULA................................................................................................ 200
3.4 OS EFEITOS DO MOVIMENTO NA ATENÇÃO................................................................... 201
3.5 ORDEM E BELEZA NA SALA DE AULA............................................................................... 201
4 CRIANDO A EXPERIÊNCIA DE APRENDIZAGEM............................................................... 202
4.1 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E PENSAMENTO DE QUADRO GERAL............. 204
4.2 PLANEJANDO O ENSINO DE UMA UNIDADE DE APRENDIZAGEM......................... 205
4.2.1 Tomada de decisão instrucional: escolha de conteúdo para metas e objetivos de
aprendizagem...................................................................................................................... 205
4.2.2 Atividades de aprendizagem............................................................................................ 206
4.2.3 Avaliando o aprendizado.................................................................................................. 206
4.2.4 Uso e organizadores gráficos............................................................................................ 207
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 208
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 210

TÓPICO 3 — ENSINANDO A DOMINAR O CONTEÚDO, AS HABILIDADES E OS


CONCEITOS......................................................................................................................................... 213
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 213
2 APRENDIZAGEM E MEMÓRIA.................................................................................................. 214
2.1 TIPOS E PROCESSOS DE MEMÓRIA...................................................................................... 214
2.1.1 Memória sensorial.............................................................................................................. 215
2.1.2 Memória de curto prazo e de trabalho............................................................................ 215
2.1.3 Memória de longo prazo................................................................................................... 217
2.1.4 Sistemas de memória na vida diária................................................................................ 218
3 NEUROBIOLOGIA DA APRENDIZAGEM E MEMÓRIA...................................................... 219
4 INTEGRAÇÃO DE ARTES PARA O DOMÍNIO DE CONTEÚDO, HABILIDADES E
CONCEITOS......................................................................................................................................... 220
4.1 ENSAIO DE REPETIÇÃO........................................................................................................... 221
4.2 ENSAIO DE ELABORAÇÃO..................................................................................................... 222
4.3 GERAÇÃO.................................................................................................................................... 222
4.4 ENAÇÃO...................................................................................................................................... 223
4.5 PRODUÇÃO................................................................................................................................. 224
4.6 ESFORÇO POR SENTIDO.......................................................................................................... 225
4.7 REPRESENTAÇÃO PICTÓRICA.............................................................................................. 226
4.8 EMOÇÃO E MEMÓRIA............................................................................................................. 226
5 ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA FORMAR MEMÓRIAS FORTES........................ 227
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 231
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 233

TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-


APRENDIZAGEM............................................................................................................................... 235
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 235
2 HABILIDADES DO SÉCULO XXI................................................................................................ 236
2.1 CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO NA SALA DE AULA.......................................................... 238
3 AS CIÊNCIAS DO CÉREBRO, O PENSAMENTO E A CRIATIVIDADE............................ 239
4 CONTEÚDO VERSUS PROCESSO NO MOVIMENTO DE HABILIDADES DO
SÉCULO XXI......................................................................................................................................... 243
5 AVALIANDO A APRENDIZAGEM.............................................................................................. 246
5.1 FEEDBACK FREQUENTE E OPORTUNO.............................................................................. 246
5.2 RECUPERAÇÃO ATIVA DE INFORMAÇÕES....................................................................... 248
5.3 EFEITOS DE ESPAÇAMENTO.................................................................................................. 249
6 MÚLTIPLOS TIPOS DE AVALIAÇÕES...................................................................................... 250
6.1 AVALIAÇÕES DE PORTFÓLIO................................................................................................ 251
6.2 DIÁRIOS DE ESTUDOS.............................................................................................................. 252
6.3 AVALIAÇÕES DE DESEMPENHO........................................................................................... 253
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 256
RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 260
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 263
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 265
UNIDADE 1 —

NEUROPSICOPEDAGOGIAE
NEUROEDUCAÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• introduzir o campo de conhecimento da neuropsicologia e neuroedu-


cação;
• apresentar o contexto histórico do surgimento das ciências voltadas ao
cérebro;
• identificar conexões possíveis entre as neurociências e as ciências da
educação;
• associar os dados neurocientíficos com as teorias e práticas de ensino-
-aprendizagem;

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS


NEUROMITOS

TÓPICO 2 – O CÉREBRO, O SELF E AS NEUROCIÊNCIAS

TÓPICO 3 – CONTRUINDO PONTES NA NEUROPEDAGOGIA E NEU-


ROEDUCAÇÃO

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 —

NEUROPSICOPEDAGOGIA,
NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

1 INTRODUÇÃO
Tornou-se habitual que os campos de estudo interdisciplinares, ou seja,
ciências envolvendo mais de uma disciplina, fossem nomeados com palavras
compostas. A neuropsicopedagogia e a neuroeducação são casos em questão.
Agora, há pelo menos duas maneiras de interpretar esses rótulos.

Por um lado, refere-se a uma abordagem da pesquisa e prática educacional


informada pela neurociência, ou seja, a ciência que estuda a organização e os
processos cerebrais. Por outro lado, também pode ser visto como significando
"educação do cérebro" e essa interpretação não seria incorreta.

Neste tópico, portanto, vamos introduzir o campo de conhecimento da


neuropsicopedagogia e a neuroeducação. Estes termos se referem, basicamente, à
mesma área de conhecimento e atuação interdisciplinar. Posteriormente, vamos
apresentar e comentar o que chamamos de “neuromitos”, construções errôneas
da ciência que, muitas vezes, atrapalham aqueles que estão começando os seus
estudos e práticas na neuropsicopedagogia.

Muito bem, então vamos lá!

2 NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO
A neuropsicopedagogia e a neuroeducação são, como afirmado
anteriormente, um campo interdisciplinar. Assim, para entender como o campo
funciona, precisamos entender como suas disciplinas relacionadas interagem
nele. As leituras incluídas nesta unidade fornecerão uma resposta para essa
consulta. O que todas as suas disciplinas relacionadas compartilham é a crença de
que qualquer tipo de aprendizagem é resultado de processos eletroquímicos que
ocorrem no nível do cérebro. Portanto, se um professor ou professora promover o
aprendizado em um determinado grupo de indivíduos, ele ou ela deve ter algum
conhecimento de como o cérebro funciona, como processa informações, como sua
capacidade de construir representações mentais do mundo ao nosso redor pode
ser aprimorada, melhorada ou prejudicada por fatores internos e externos.

Profissionais envolvidos na neuropsicopedagogia ou na neuroeducação,


como professores ou cientistas, têm a forte convicção de que o aprendizado
ocorre no cérebro, mesmo que não seja reduzido a ele (COSENZA; GUERRA,
3
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

2011). Não apenas palavras, fórmulas matemáticas, datas históricas e outros tipos
de informações enciclopédicas, mas também aspectos emocionais, físicos e até
estéticos e morais do self (eu) são aprendidos e representados no cérebro.

Claro, não há dois cérebros iguais. Esta é, de fato, a principal razão


pela qual não há duas pessoas iguais. Nossos cérebros são modelados e
remodelados pela influência de duas forças principais: uma dotação genética
e nossa experiência pessoal. Um dos objetivos da neuropsicopedagogia e da
neuroeducação é determinar até que ponto esses fatores podem beneficiar ou
obstruir o aprendizado de tipos específicos de informações e, mais importante,
se as limitações que eles impõem aos indivíduos podem ser substituídas pela
intervenção pedagógica.

A organização genética de todo o cérebro responde ao mesmo "plano


biológico" geral (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). É por isso que todos os
cérebros humanos, embora únicos em si mesmos, são mais semelhantes a outros
cérebros humanos do que aos cérebros de macacos, gatos, ratos ou moscas. Este é
um ponto muito importante. Não há dois cérebros humanos iguais, mas também
não são totalmente diferentes. Os aspectos gerais compartilhados por todo
cérebro normal, junto a sua interrupção em cérebros anormais, permitem aos
neuroeducadores e neuropsicopedagogos derivar conclusões gerais aplicáveis ​​a
todos os alunos, apesar de suas evidentes diferenças individuais.

Paradoxalmente, algumas das evidências mais importantes que temos


sobre as funções do cérebro humano são fornecidas pelo estudo de cérebros de
animais. Graças a experimentos realizados com ratos, por exemplo, aprendemos
que o medo – um aspecto do self (eu) que normalmente é definido como uma
emoção puramente psicológica ou espiritual – é o resultado de processos
biológicos, alguns dos quais são inatos. Todos os ratos temem gatos, mesmo
que nunca tenham visto um. Um rato não aprende a ter medo de um gato. A
reação automática de um rato ao ver um gato, ou seja, congelar, é geneticamente
conectada. O rato possui informações genéticas, mantendo-o parado diante do
perigo, porque, no curso da evolução, manter-se assim provou ser a melhor coisa
para uma presa em potencial, pois o movimento excita os predadores (KANDEL
et al., 2014).

No entanto, os cientistas descobriram que, se uma parte específica


do cérebro (a amígdala) é danificada, a reação automática do congelamento
é eliminada. Assim, a conclusão é que o medo depende crucialmente de uma
estrutura física e orgânica localizada dentro do cérebro. Pode-se continuar
definindo o medo como um fenômeno psicológico ou mental, desde que se
reconheça que esse fenômeno psicológico ou mental realmente tenha uma base
genética e cerebral (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006).

Agora, enquanto os genes moldam o amplo contorno de nossas mentes,


as experiências têm efeitos profundos em nossas crenças, atitudes, conhecimento
e comportamento. O que um indivíduo sabe, quão bom ele pode ser em alguma

4
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

coisa, quão eficiente ele pode se tornar na incorporação de novas informações,


esses são aspectos do self (eu) que não são inteiramente determinados pela
genética do cérebro. Toda experiência que temos – e quero dizer toda experiência,
incluindo a visão de uma flor, o sabor de um biscoito, o medo que sentimos
quando crianças em uma sala escura, o tom de voz de um professor – desencadeia
uma reação imediata e adaptação em nossos cérebros (COSENZA; GUERRA,
2011). É exatamente nisso que consiste o aprendizado: a nutrição da natureza,
a modificação baseada na experiência de estruturas conectadas em nossos
cérebros. Uma das tarefas cruciais da neuropsicopedagogia e da neuroeducação
é lançar luz sobre como essa interação ocorre, para que as estratégias de ensino
e aprendizagem possam ser projetadas para favorecer esses processos naturais.

Uma descoberta importante da neurociência, com importantes


implicações para a educação, é que muitas coisas que aprendemos opera abaixo
do limiar da consciência (STERBERG; STERNBERG, 2016). Em outras palavras,
existem várias funções cerebrais que não estão disponíveis para a consciência.
Acreditamos em muitas coisas e realizamos várias ações sem nem mesmo saber
que estamos fazendo isso. De fato, a maioria das funções cerebrais é inconsciente
(por exemplo, regulando a frequência cardíaca, ritmo respiratório, contrações
estomacais e postura, além de controlar muitos aspectos da visão, do olfato, do
comportamento, do sentir, do falar, do pensar etc.).

Nesse sentido, a neuropsicopedagogia e a neuroeducação enfatizam que


os alunos nunca podem saber conscientemente tudo o que aprendem e que, da
mesma forma, um professor nunca pode saber conscientemente tudo o que está
comunicando. A compreensão de como o cérebro aprende e que tipo de informação
ele pode incorporar conscientemente deve revelar aspectos importantes sobre o
processo educacional.

Por fim, se somos o que sabemos e o que aprendemos, então quem somos
é, em vários aspectos, determinado por nossos processos íntimos do cérebro.
Como argumenta Ledoux (2002), a resposta para a pergunta de como nosso
cérebro nos torna quem somos pode ser encontrada em processos sinápticos que
permitem interações cooperativas entre os vários sistemas cerebrais envolvidos
em estados e experiências particulares e, por essas interações serem vinculadas
ao longo do tempo.

2.1 NEUROPSICOLOGIA E O SURGIMENTO DA


NEUROPSICOPEDAGOGIA
A neuropsicologia, assim como a psicologia científica, tem sua origem nos
trabalhos médicos dos séculos XIX e XX (LEYSER, 2018). A especialidade médica
neurológica é uma das disciplinas que mais contribuíram para o desenvolvimento
autônomo da neuropsicologia, pois a observação das diferentes patologias que
os danos cerebrais podem causar permitiu que o comportamento humano fosse

5
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

melhor compreendido. Em 1971, em seu livro Introdução à Neuropsicologia,


Arthur Benton entrou em grandes detalhes sobre esse conceito, referindo-se à
Neuropsicologia como "neurologia comportamental".

A neuropsicologia está no ponto de cruzamento das neurociências (estudo


do sistema nervoso a partir de uma abordagem multidisciplinar) e da psicologia.
Essa é uma abordagem modelo que visa explicar as bases materiais e funcionais
sobre as quais os fenômenos "normais" e patológicos da mente humana são
encontrados. Deste ponto de vista, a neuropsicologia pode ser definida, de acordo
com o Loring (2015), como o estudo das relações existentes entre funções cerebrais,
estrutura psíquica e sistematização sociocognitiva em seus aspectos normais e
patológicos, ao longo de todo período de desenvolvimento, uma neuropsicologia
dinâmica integral.

Uma das principais causas que explicam o boom dos postulados


neuropsicológicos, hoje em dia, é o fato de que as pesquisas experimentais e
clínicas realizadas em ambientes naturais têm sido a fonte de um conhecimento
completo e rigoroso dos processos neurocognitivos, neurolinguísticos, do
neurodesenvolvimento e da base neurobiológica das emoções. A chamada
neuropsicologia infantil, de desenvolvimento ou pediátrica surgiu como uma
subdisciplina da neuropsicologia. A neuropsicologia infantil é uma ciência que
estuda as alterações resultantes dos diferentes tipos de atividade mental em seu
curso ontogenético, sempre que ocorrem os processos patológicos do cérebro ou
mesmo uma ciência interdisciplinar que estuda as relações entre o comportamento
e o cérebro durante o período de desenvolvimento, desde o nascimento até o
início da puberdade (LEYSER, 2018).

No campo da neuropsicologia infantil, nos últimos anos, surgiu uma


subespecialidade chamada neuropsicologia da aprendizagem, neuropsicologia
escolar, neuropedagogia, neurodidática, neuropsicopedagogia ou neuroeducação,
de acordo com as abordagens teóricas e pragmáticas de diferentes países.

Em 1988, Gerhard Preiss, professor de didática da Universidade de


Fribourg, propôs a introdução de um assunto autônomo baseado em pesquisa
e pedagogia do cérebro, que ele chamou de neurodidática. De acordo com essa
nova disciplina, a pedagogia escolar e a didática geral devem atribuir mais
importância ao fato de que a aprendizagem está nos processos cerebrais e que
os resultados cognitivos acompanham o desenvolvimento do cérebro de uma
criança. Levando isso em conta, pode-se dizer que a neurodidática estuda as
condições sob as quais a aprendizagem humana pode ser otimizada em seu nível
mais elevado (MÜLLER, 2015).

Essas disciplinas, atualmente em andamento, sugerem uma espécie


de intersecção entre neurociências e ciências da educação. No momento, esse
relacionamento está em seu primeiro estágio. Algumas das pesquisas mais
promissoras sobre neuropsicopedagogia e neuroeducação estão sendo conduzidas
no campo de distúrbios específicos de aprendizagem, como discalculia (dificuldade

6
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

matemática), dislexia, disgrafia, deficiência específica no desenvolvimento da


linguagem etc., assim, o estudo do cérebro danificado de uma criança se torna
uma questão central na neuropsicopedagogia ou neuroeducação.

Os teóricos desta área insistem em enfatizar a importância da detecção


precoce e do tratamento adequado de crianças com esses distúrbios. Se essas
crianças não puderem tirar bom proveito do estímulo natural que ocorre todos
os dias, exigirão um exame, diagnóstico e tratamento urgentes, bem como um
ambiente pedagógico particularmente favorável.

Em suma, pode-se dizer que, por um longo tempo, os resultados da pesquisa


do cérebro não interessavam à pedagogia e à didática. Afinal, o aprendizado
ocorre no cérebro, todo processo de aprendizagem é acompanhado por uma
mudança nos circuitos cerebrais. Essa é a razão pela qual a neuropsicologia
envolve necessariamente os fundamentos científicos mais sólidos sobre os quais
as atuais teorias pedagógicas e didáticas devem ser construídas.

A neuropsicopedagogia, neuroeducação ou neurodidática pretende


moldar a aprendizagem da maneira mais adequada para ajustar-se ao
desenvolvimento do cérebro. À luz de novos conhecimentos sobre pesquisa e
estudos clínicos em neurociência sobre o processo de ensino-aprendizagem, fica
muito claro que muitas premissas educacionais são completamente básicas.

Os neurocientistas descrevem o cérebro como um sistema ativo que, com


base no conhecimento prévio, chega ao mundo e, imediatamente, começa a fazer
ao ambiente um grande número de perguntas. Desde o nascimento, as crianças são
dedicadas a descobrir ansiosamente o que acontece ao seu redor. Durante muito
tempo, foi dado como certo que o "potencial de aprendizagem" era geneticamente
pré-programado. Todavia, algumas experiências de laboratório com animais
mostraram que a hereditariedade genética fornece apenas o equipamento básico
para o plano de execução neuronal. O fluxo de informações dos órgãos dos sentidos
e as constantes interações ativas com o ambiente circundante determinam, mais
tarde, o que aprender e quais capacidades individuais serão desenvolvidas.

Hoje, os resultados de estudos em neurociência nos permitem saber que o


cérebro integra pensamento, sentimento e ação em um todo (KANDEL et al., 2014).
As crianças que frequentam a escola primária devem receber o conhecimento
necessário para que possam se adequar na maneira como o cérebro funciona. Isso
só é possível quando os educadores “realmente” conhecem o desenvolvimento
neuropsicológico dos processos de aprendizagem. A pesquisa realizada sobre o
cérebro e as ciências da educação deve tentar trabalhar em conjunto.

Curiosidade, interesse, alegria e motivação são os pressupostos básicos


para ensinar e aprender alguma coisa. Ao estudar o funcionamento do cérebro, é
amplamente estabelecido que todas as pessoas podem aprender desde o nascimento
até o fim da vida. Consequentemente, a neuropsicopedagogia ou neuroeducação
significa não apenas ajudar a desenvolver novas abordagens de aprendizagem

7
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

que levem em conta a neuropsicologia do cérebro em desenvolvimento, mas


também mostrar que a tendência e a vontade de aprender são uma qualidade
essencial do ser humano. Em suma, estas novas áreas de pesquisa teórica e prática
acrescentarão uma nova dimensão ao processo educacional.

2.2 NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO:


CIÊNCIAS DA MENTE, CÉREBRO E EDUCAÇÃO
Ensinar era uma arte mais simples nas gerações passadas. O acesso à
educação também era mais restrito, apenas algumas classes, geralmente as
que tinham maior poder aquisitivo, tinham este direito ou “privilégio”. Hoje, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Artigo 26, sugere que todas as
pessoas (ricas, pobres, com ou sem dificuldades de aprendizagem) têm o mesmo
direito a um lugar em nossas salas de aula (ONU, 1948). Não apenas os alunos
têm um espectro de habilidades muito maior, mas há mais crianças do que
nunca em nossas salas de aula, implorando pela atenção e orientação necessárias
para ajudá-los a alcançar seu próprio potencial. Essa riqueza de diferenças nos
proporciona dinâmicas nunca antes vistas na história da educação e oferece a
promessa de experiências de aprendizado mais ricas, se soubermos tirar proveito
da situação e não lamentar o desafio. Os recursos e a germinação cruzada de
muitas disciplinas, como encontrados na neuropsicopedagogia e neuroeducação
– que podem ser classificadas como ciência da Mente, Cérebro e Educação (MCE)
– oferecem essa perspectiva (KOIZUMI, 1999; TOKUHAMA-ESPINOSA, 2010).

A ciência da MCE começou como um empreendimento interdisciplinar


entre neurociência cognitiva e psicologia do desenvolvimento, mas depois foi
além desses parâmetros para integrar a educação via psicologia educacional e
neurociência educacional (Figura 1). No entanto, para realmente se tornar sua
própria disciplina acadêmica, a ciência da MCE passou pelo que Hideaki Koizumi
(1999), um dos principais defensores desta ciência no Japão, chama de processo
transdisciplinar de desenvolvimento.

8
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

FIGURA 1 – CIÊNCIA MENTE, CÉREBRO, EDUCAÇÃO (MCE) COMO UM CAMPO MULTIDISCI-


PLINAR

FONTE: Adaptado de Tokuhama-Espinosa (2010)

Semelhante a outros processos evolutivos, a ciência da MCE partiu dos


“genes” dominantes de seus pais para produzir um ser mais bem adaptado. Ou
seja, em vez de incluir tudo e qualquer coisa que se enquadre nos rótulos da
educação (pedagogia), neurociência e psicologia como um todo, a ciência da MCE
é uma seleção cuidadosa apenas das melhores informações que podem informar a
nova ciência do ensino e da aprendizagem. O desenvolvimento da ciência da MCE
resulta em uma maneira nova e inovadora de considerar problemas antigos na
educação e oferece soluções baseadas em evidências para a sala de aula. Essa nova
visão leva em consideração as diferentes histórias, filosofias e, principalmente,
as diferentes lentes epistemológicas através das quais os problemas comuns em
neurociência, psicologia e educação (pedagogia) são abordados.

Dado que a nova ciência do ensino e da aprendizagem nasceu dessas três


disciplinas parentais, ela carrega a "bagagem cultural" de seus pais. Isso significa
que a história e a filosofia – e, subsequentemente, as epistemologias – dessas três
disciplinas influenciam a existência da ciência da MCE. Como Samuels (2009)
colocou em um artigo da revista Mind, Brain e Education, “Historicamente, a
ciência e a educação demonstraram influências separadas, mas entrelaçadas, na
sociedade; filosoficamente, os valores pelos quais elas operam frequentemente
se opõem; e epistemologicamente, as disciplinas contam com diferentes
conceituações de conhecimento” (SAMUELS, 2009, p. 45). Isso significa que a
ciência da MCE enfrenta três desafios importantes, que serão mencionados a
seguir, após uma breve explicação sobre o nascimento da disciplina

9
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

DICAS

Assista à entrevista da Editora Moderna com a Dra. Telma Pantano sobre


Neuroeducação, gravada no sexto encontro da 1ª temporada do Educação Inovadora em
2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rtZoANRMZrc.

2.2.1 O que é a ciência da mente, cérebro e educação


Embora não seja difícil concordar que a ciência da MCE existe, é mais
difícil concordar com o que ela realmente é. Uma maneira de considerar essa
nova disciplina é pensar na neuropsicopedagogia como um "bebê" nascido de pais
adolescentes. Muitos pais adolescentes precisam trabalhar duro para tentar definir
seu próprio lugar no mundo e, ao mesmo tempo, ajudar a criar uma nova prole e
orientar seu crescimento: isso basicamente resulta em filhos que criam filhos. Uma
das disciplinas pais, a neurociência cognitiva, nasceu em torno do final da década
de 1970, há uns 40 anos (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). A educação
para as massas também é um retardatário relativo ao cenário global, tornando-se
verdadeiramente universalizado no final da década de 1890 (SAMUELS, 2009).
A psicologia é contemporânea do objetivo da educação universal, sendo apenas
um pouco mais antiga em sua fundação, em 1879 (GOODWIN, 2005). No ano de
2020, tanto a educação em massa quanto a psicologia têm cerca de 130 anos cada.
Embora 140 anos possa parecer antiga em termos humanos, essas disciplinas são
meros adolescentes à luz de outras disciplinas acadêmicas, como a biologia ou a
filosofia, com mais de mil anos. Apesar de um "casamento" de três vias entre uma
pessoa de 40 anos e duas de 140 anos possa parecer estranho, é uma boa metáfora
para entender, mais ou menos, o que aconteceu com a ciência da MCE: três
"jovens", as disciplinas se cruzaram e o produto deles era a neuropsicopedagogia
ou a neuroeducação, a ciência da mente, cérebro e educação.

Além de ser um casamento entre adolescentes, este é um casamento misto


e essa união fica ainda mais complicada. Casamentos mistos entre duas disciplinas
(chamadas disciplinas híbridas) tornaram-se mais comuns nos últimos anos,
mas isso não quer dizer que uniões desse tipo não tenham críticas. Casamentos
mistos podem ser rejeitados e até acusados ​​de "diluir" entidades outrora puras.
Casamentos mistos exigem compromissos de ambos os lados, bem como um novo
tipo de comunicação, às vezes com o sacrifício de elementos de um ou de todos os
envolvidos. Nos melhores casos, essas misturas são uniões frutíferas, mas exigem
manutenção contínua, mais do que coalizões homogêneas. Por quê? Porque cada
um dos pais vem com o peso de sua história, filosofias, epistemologias e formas
de ver o mundo – que podem coincidir, mas podem frequentemente colidir.

10
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

Fora ser uma disciplina transdisciplinar, a ciência da MCE


(neuropsicopedagogia e neuroeducação) é uma entidade transcultural
(SAMUELS, 2009). A disciplina foi conceitualizada (com diferentes rótulos,
como visto anteriormente) literalmente em todo o mundo quase ao mesmo tempo
em vários países. Entre 2002 e 2009, países tão variados quanto Japão, Estados
Unidos, Canadá, Austrália, Alemanha, Holanda, Reino Unido, Itália, França
(FISCHER, 2009) lançaram iniciativas para promover a disciplina. No Brasil, a
neuropsicologia foi proposta no ano de 2008 (BRASIL, 2014). Esta colaboração
internacional implica que os padrões em desenvolvimento para a disciplina se
baseiem na aceitação transcultural de certas normas e valores compartilhados.

A força da ciência da MCE, a neuropsicopedagogia ou neuroeducação,


também é sua maior fraqueza. Pontos de vista, esquemas de conhecimento e
valores que geralmente são complementares, mas que, às vezes, também podem
ser contraditórios, contribuem para essa disciplina. O aspecto contraditório oferece
uma explicação (mas não uma desculpa) para alguns problemas que esta ciência
enfrentou nos primeiros anos. Samuels (2009, p. 46) escreveu sobre o desafio
da ciência da MCE, dizendo: “a transdisciplinaridade é uma perspectiva sobre
a criação de conhecimento que integra disciplinas no nível de um determinado
assunto. É uma abordagem ideal para encontrar soluções complexas para
problemas complexos”.

Este livro didático começa com a premissa de que as soluções para os


problemas na educação, atualmente, exigem a abordagem mais sofisticada e
complexa oferecida pela neuropsicopedagogia e neuroeducação.

DICAS

Um bom livro para compreender melhor as conexões e implicações das


aproximações da neurociência e a educação é O cérebro vai à escola: aproximações entre
neurociências e educação no Brasil de Felipe Stephan Lisboa (2019).

2.2.2 Desafios no ensino e na transformação de um


neuropsicólogo e neuroeducador
Primeiro, o maior desafio para os novos profissionais da ciência da MCE é
aceitar as diferentes raízes históricas das três disciplinas fundantes. Isso significa
que aqueles que trabalham como pedagogos precisam compreender que algumas
informações da psicologia e da neurociência terão focos, objetivos, métodos e
procedimentos diferentes dos encontrados na educação, mas são igualmente úteis
para aprender a ensinar melhor. Da mesma forma, os psicólogos que praticam a

11
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

nova disciplina precisam reconhecer que as informações da neurociência e da


pedagogia são valiosas, apesar das diferenças históricas. Os neurocientistas,
acostumados a um tipo diferente de rigor experimental em suas pesquisas, terão
que aprender a apreciar a importância dos estudos qualitativos e o impacto que
os estudos da educação e da psicologia podem ter sobre a nova disciplina.

Segundo, precisamos reconhecer e aceitar que as múltiplas fundações


impactaram as filosofias através das quais os profissionais de cada uma das três
disciplinas veem o mundo. Os cientistas da ciência da MCE, neuropsicopedagogos
e neuroeducadores, têm uma visão um pouco mais ampla, portanto, porque
podem aplicar várias lentes através das quais podem visualizar o mesmo
problema. A disciplina em sala de aula, os problemas de aprendizagem, as
práticas instrucionais e os métodos de avaliação (entre outras questões de ensino-
aprendizagem) agora podem ser abordados de maneira inovadora, usando os
vários pontos de vista fornecidos pela nova ciência do ensino e da aprendizagem.

Finalmente e o mais importante, devemos entender que as respectivas


histórias e filosofias das três disciplinas originárias explicam por que cada uma
delas inclui epistemologias diferentes. Essas epistemologias focam a lente através
da qual os problemas são vistos.

Um modo de conhecimento surge da maneira como respondemos a


duas perguntas no centro da missão educacional: como sabemos o que
sabemos? E com que justificativa podemos chamar nosso conhecimento
de verdadeiro? Nossas respostas podem ser em grande parte tácitas,
até inconscientes, mas elas são comunicadas continuamente da
maneira que ensinamos e aprendemos (PALMER, 2012, p. 50-51).

A lente acadêmica, através da qual vemos o mundo, influencia o que é visto


como conhecimento, como é adquirido, quem entre nós sabe e por que sabemos
o que fazemos (HAY, 2008). Os neuropsicopedagogos e neuroeducadores, por
sua própria natureza, têm uma visão de mundo mais ampla do que aqueles
enraizados em apenas uma disciplina. Seja você pedagogo, neurocientista
ou psicólogo – ou alguém que trabalha em um campo relacionado – você está
convidado a participar dessa mudança de paradigma ao pensar sobre a maneira
como educamos. Stephen Jay Gould (1997, p. 96) disse uma vez: " não há nada
mais perigoso que uma cosmovisão dogmática, nada mais restritivo, mais cegador
para a inovação, mais destrutivo para a abertura à novidade". Uma nova visão
dos velhos problemas precisa de mentes abertas.

2.2.3 Quem são os cientistas da mente, cérebro e


educação?
Em alguns casos, esse rótulo significa pedagogos que estão integrando a
neurociência cognitiva e os fundamentos psicológicos em sua prática. Em outros
casos, significará psicólogos que buscam unir as neurociências e as ciências
educacionais. Em outros ainda, os neurocientistas que ousam trazer descobertas

12
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

laboratoriais para a sala de aula. Enquanto muitos pedagogos, psicólogos e


neurocientistas continuam sendo praticantes puros dentro de sua única disciplina,
um número crescente de outros profissionais se encontram nos três campos
acadêmicos da pedagogia, da psicologia e da neurociência cognitiva. Aqui,
portanto, não afirmamos que o trabalho como um "purista" é menos valioso do
que o trabalho na disciplina transdisciplinar da ciência da MCE. Reconhecemos,
no entanto, a necessidade de novos profissionais que falem a mesma língua, sigam
as mesmas orientações e possam trabalhar perfeitamente como especialistas em
neuropsicopedagogia ou neuroeducação.

Ser um cientista da MCE envolve um conjunto específico de


responsabilidades profissionais que diferem das áreas "puras" da pedagogia,
psicologia e neurociências. Além de seguir os padrões combinados destas três
áreas, os neuropsicopedagogos adotam certas atitudes únicas. Bruno Della Chiesa,
Vanessa Christoph e Christina Hinton (2009) descrevem certas características dos
especialistas na nova disciplina que foram úteis em suas pesquisas. Presume-se
que essas mesmas características sejam úteis e necessárias para todos os novos
neuropsicopedagogos e neuroeducadores. As três características mais importantes
são descritas a seguir.

• Primeira característica: estes profissionais da ciência da MCE devem estar


"dispostos a compartilhar conhecimento com aqueles que estão fora de sua
disciplina, não apenas com seus colegas" (CHIESA; CHRISTOPH; HINTON,
2009, p. 20) em suas disciplinas originais de formação. Isso significa: (1)
neurocientistas que desejam compartilhar suas descobertas com pedagogos, por
exemplo; (2) psicólogos que estimulam questões de pesquisa nas neurociências;
e (3) pedagogos que sugerem questões de pesquisa em psicologia.
• Segunda característica: os neuropsicopedagogos reconhecem a necessidade de
adaptar sua linguagem e contexto ao público para tornar seu conhecimento
compreensível àqueles fora de sua disciplina original de formação (CHIESA;
CHRISTOPH; HINTON, 2009). Ou seja, os cientistas da MCE entendem
a necessidade de desenvolver um vocabulário comum para aprimorar
a comunicação interdisciplinar (HEINZE, 2003) – que pode ser visto no
professor que escreve para um público de psicologia (ou vice-versa) ou em
um neurocientista que pode explicar suas descobertas para educadores
(ou vice-versa). Um dos maiores desafios ao estimular a colaboração entre
profissionais em neurociência, pedagogia e psicologia é a ausência de um
idioma compartilhado.
• Terceira característica: os neuropsicopedagogos ou neuroeducadores
geralmente aceitam, e talvez sejam mais compelidos, a crença de que "conectar
informações entre campos é vantajoso para os outros e para eles mesmos", e
eles aceitam a importância de nutrir sua própria prática com informações de
outros campos (CHIESA; CHRISTOPH; HINTON, 2009, p. 20). Por exemplo,
essa crença pode ser vista nos neurocientistas que entendem que o valor de seu
trabalho de laboratório aumenta quando ele pode realmente ser aplicado na
sala de aula, ou nos professores que fazem perguntas testáveis ​​aos cientistas
cognitivos.

13
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

Este último ponto também implica tacitamente outro aspecto importante da


neuropsicopedagogia. Todos os três campos (neurociência, psicologia e pedagogia)
estão em pé de igualdade e contribuem em partes idênticas às pesquisas, práticas
e políticas da nova disciplina. Por esse motivo, os três campos informam e
aprendem um com o outro. Essa perspectiva difere daquela de outras disciplinas,
que geralmente são unilateralmente independentes. Por exemplo, na neurociência
educacional, a neurociência informa a educação (geralmente, não vice-versa).
Na psicologia educacional, a psicologia informa a educação (geralmente, não o
contrário). O fluxo de informações na ciência da Mente, Cérebro e Educação é, por
definição, de três vias (veja a Figura 2):

FIGURA 2 – O FLUXO DE INFORMAÇÕES NA CIÊNCIA DA MENTE, CÉREBRO E EDUCAÇÃO


(MCE)

FONTE: Adaptado de Tokuhama-Espinosa (2010)

Esse fluxo de três vias significa que, para que um conceito seja aceito
na nova disciplina, educadores (pedagogos), psicólogos e neurocientistas
devem confirmar suas hipóteses não apenas em suas próprias disciplinas, mas
também nas outras duas. A ciência da MCE é a ponte formal que liga os campos
da neurociência, psicologia e pedagogia que está desaparecida há décadas
(FISCHER et al., 2007). Precisamos de professores que conheçam o cérebro e como
ele aprende melhor, e precisamos de neurocientistas e psicólogos que possam
prever a aplicação de seu trabalho nos ambientes escolares. Por quê? Porque a
educação é cheia de problemas complexos que não foram abordados com sucesso
o suficiente apenas através de abordagens pedagógicas.

Gardner (2007) escreve sobre a necessidade de a mente do futuro ser capaz


de sintetizar e julgar a qualidade das informações que existem atualmente no
mundo. Há tanta informação que bombardeia indivíduos diariamente (na ciência
da MCE ou não), que a formação de professores agora precisa incluir habilidades
explicitamente ensinadas sobre como separar o joio do trigo. Isto é, determinar o
que é informação "boa" e o que é "ruim". Essa classificação pode ser alcançada, em
parte, através de uma síntese clara da informação.

14
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

A síntese de informações é um processo complexo que requer a capacidade


de captar uma variedade de fontes de informações, entender os principais
conceitos de cada uma e depois julgar sua aplicabilidade ao tópico em questão. Os
professores devem estar equipados com excelentes habilidades de pensamento
crítico, a fim de serem capazes de transmitir tais habilidades aos seus alunos. O
processo de síntese desempenha um papel importante na neuropsicopedagogia e
neuroeducação, que está relacionada à capacidade de avaliar e julgar informações.
Isso significa que a ciência da MCE é vulnerável se os professores não são capazes
de pensar criticamente. A capacidade de transcender disciplinas e sintetizar
dados é crucial para os profissionais da disciplina.

Devido a sua complexidade, a ciência da Mente, Cérebro e Educação


(MCE) é difícil de definir e é multifacetada na execução. Não é de admirar que
vários anos se passaram desde a primeira chamada para colocar parâmetros em
torno da disciplina. Os problemas e desafios encontrados nas disciplinas de base
– a neurociência, psicologia e educação (pedagogia) – aumentam a complexidade
da própria ciência da MCE. Existem muitas subdisciplinas dentro das disciplinas
de base, e cada uma coloca ênfase diferente nos aspectos de ensino-aprendizagem,
compilando os elementos a serem considerados.

No entanto, a complexidade da neuropsicopedagogia e da neuroeducação


também faz parte de sua atratividade como disciplina acadêmica. Ela é sedutora,
em parte, exatamente porque é complexa. Depois que a complexidade é aceita
como parte integrante da nova disciplina, sua importância é confirmada. Cem anos
atrás, um dos maiores escritores de nosso tempo, Thorndike (1874-1949), disse:
“a evolução intelectual da raça consiste em um aumento no número, delicadeza,
complexidade, permanência e velocidade de formação dessas associações”
(THORNDIKE, 1911, p. 294), afirmando que os problemas continuamente mais
complexos na educação hoje exigem soluções que não sejam simplistas. Esse fato
chama a atenção para a ideia de que, se uma solução para problemas educacionais
parece simples demais para ser verdade, provavelmente é simples mesmo. A
cautela deve orientar o consumo de produtos que apenas usam prefixos “neuro”
pelo professor.

Veremos, a seguir, mais sobre estes “neuromitos”, perante os quais


precisamos ter cautela e sempre usar a nossa avaliação crítica.

3 NEUROMITOS NA EDUCAÇÃO
É facilmente reconhecido que o campo da neuroeducação ou
neuropsicopedagogia está apenas começando a trazer à tona, aos educadores,
conhecimento neurocientífico utilizável e aplicável nos espaços educacionais
concretos. No entanto, existe uma sólida base de literatura e um número crescente
de descobertas de pesquisas das neurociências e ciências cognitivas que podem
e, de fato, devem informar o processo de ensino-aprendizagem, por exemplo,
os trabalhos de Dubinsky (2010); Fischer, Goswami e Geake (2010); Fischer

15
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

et al. (2007); Hardiman e Denckla (2010); Meltzoff et al. (2009); Tallal (2004); e
Varma, McCandliss e Schwartz (2008). Infelizmente – e por várias razões – essas
descobertas que valem a pena, às vezes, são simplificadas ou mal interpretadas
quando são feitas tentativas de aplicá-las à pedagogia.

Vamos começar identificando algumas dessas construções errôneas da


ciência, geralmente chamadas de “neuromitos”. A seguir, destacaremos alguns
dos temas gerais das ciências neurocognitivas que podem dar aos educadores
uma perspectiva mais ampla do desenvolvimento e aprendizado da criança.
Muitos desses temas gerais (e neuromitos associados) serão revisitados nos
tópicos subsequentes.

Ao considerar os neuromitos, devemos estar cientes não apenas porque


eles estão incorretos, mas também de como eles passaram a ser amplamente
acreditados entre os educadores. Em particular, embora a mídia, os empresários e
os profissionais de marketing de produtos educacionais comerciais sensibilizem
indevidamente os resultados, os professores são os responsáveis ​​por aplicar
incorretamente esses resultados (GOSWAMI, 2006).

Depois de entrevistar educadores sobre o uso da neurociência na


educação, Howard-Jones, Pickering e Diack (2007) relataram que os professores
sentiram uma vergonha e até traição quando descobriram que os programas que
pensavam ser baseados na pesquisa em neurociência, realmente careciam de
apoio científico. Os professores foram incentivados, por exemplo, a ensinar para
o lado esquerdo ou direito do cérebro ou a inventariar os estilos de aprendizagem
de seus alunos (veja a seção a seguir para explicação) – atividades que, embora
talvez atraentes, carecem de apoio científico.

O tempo e os recursos escolares dos professores são desperdiçados


quando eles são enganados por publicidade falsa ou forçados pelos formuladores
de políticas públicas a usar produtos ou métodos que não são sustentados
por pesquisas. Para ilustrar, destacaremos alguns neuromitos populares para
que possamos entender por que é importante que os professores se tornem
consumidores mais experientes da pesquisa em neurociências e ciências
cognitivas.

3.1 ALGUNS DE NÓS USAM MAIS O CÉREBRO ESQUERDO


OU O CÉREBRO DIREITO
Alimentada pela mídia popular e produtos comerciais, a noção de que
podemos rotular a nós mesmos e a nossos alunos como pensadores de cérebro
esquerdo ou direito tornou-se essencialmente um conhecimento comum em
muitos círculos educacionais. A ideia surgiu da pesquisa de especialização
hemisférica em estudos de pacientes com "cérebro dividido", pois os pesquisadores
conseguiram isolar o processamento que ocorre principalmente em um hemisfério

16
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

ou no outro. Os cientistas demonstraram que o cérebro esquerdo está associado


ao processamento da linguagem, pensamento lógico ou "linear" e memória para
fatos, enquanto o lado direito lida com informações espaciais, formas e padrões
de uma maneira mais "holística" (GOSWAMI, 2006).

Gazzaniga, Ivry e Mangun (2006) apontam que, embora cada hemisfério


tenha especializações, por exemplo, a área de Broca no hemisfério esquerdo
controla grande parte da produção da fala, os dois hemisférios são mais
semelhantes em função do que diferentes. Isso explica porque aqueles com
lesões em um lado do cérebro ainda têm uma capacidade notável de manter o
funcionamento, apesar dos danos às estruturas cerebrais críticas (IMMORDINO-
YANG; DAMASIO, 2007).

Na realidade, a menos que alguém realmente tenha seu corpo caloso (isto
é, o feixe de fibras que conectam os dois hemisférios) cortado, ambos os lados do
cérebro estão envolvidos criticamente na maioria das tarefas. A ideia de que um
hemisfério possa "dominar" o outro – que pessoas que são melhores em alguns
tipos de tarefas do que outras devem ter um melhor funcionamento em um
hemisfério – não tem base de fato. Simplesmente, não há evidências científicas
que justifiquem a identificação dos alunos como "de cérebro esquerdo" ou "de
cérebro direito" e orientando instruções para um lado do cérebro ou para o outro.

3.2 OUVIR MOZART TORNARÁ SEU BEBÊ MAIS INTELIGENTE


A ideia de que ouvir Mozart aumentaria a pontuação no Quociente de
inteligência (QI) e ajudaria os bebês a se tornarem mais inteligentes foi aprovada
por artigos de fontes respeitáveis ​​como o New York Times e o Boston Globe, além
de livros e produtos comerciais que anunciavam aumentos no desenvolvimento
mental quando bebês ouviam concertos de Mozart para piano (CAMPBELL,
1997). Esse equívoco foi derivado de um estudo de Rauscher, Shaw e Ky (1993)
que investigou os efeitos de ouvir os concertos de Mozart sobre o raciocínio
espacial. Os pesquisadores descobriram que ouvir Mozart produziu apenas
um aprimoramento de curto prazo no raciocínio espacial (15 minutos) em um
subteste do teste de QI de Stanford-Binet, em comparação com indivíduos que
ouviram música de relaxamento ou experimentaram silêncio. Em outras palavras,
Rauscher, Shaw e Ky (1993) de fato encontraram um efeito de ouvir Mozart na
pontuação de alguém em um teste de QI, mas esse efeito foi passageiro e só foi
visto em um subteste muito específico associado a uma capacidade cognitiva
específica e não à inteligência em geral. Embora os pesquisadores afirmem que seu
trabalho foi deturpado, o impacto do estudo foi além da mera comercialização.
Em 1998, o governador da Geórgia, nos Estados Unidos, aprovou o financiamento
do orçamento do estado para fornecer a todas as crianças nascidas no estado uma
gravação de música clássica.

17
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

Os amantes de Mozart não precisam se desesperar. Jenkins (2001) relatou


resultados impressionantes na redução de ataques epiléticos depois que os
pacientes ouviram Mozart por intervalos de dez minutos a cada hora. Thompson,
Schellenberg e Husain (2001) sugerem que mudanças temporárias, resultantes
da escuta de Mozart ou de qualquer música, podem ser atribuídas a diferenças
de humor e excitação. Além disso, qualquer efeito de ouvir Mozart é novamente
bastante restrito, pois os autores afirmam que apenas a música percebida pelo
ouvinte como agradável produz algum efeito.

3.3 A APRENDIZAGEM SE ENCERRA APÓS PERÍODOS


CRÍTICOS DO DESENVOLVIMENTO
Frequentemente, usados ​​de forma intercambiável os termos “período
crítico” e “período sensível” (um eufemismo deliberado do primeiro) referem-se
a um período durante o desenvolvimento em que as crianças adquirem melhor
conhecimentos ou habilidades em algum domínio. A noção é que, se não ocorrer
estímulo apropriado durante esse período, a “janela de oportunidade” para a
aprendizagem se fechará e a habilidade específica nunca será desenvolvida.

Embora haja certamente evidências de períodos críticos e sensíveis para


certos aspectos do desenvolvimento, é importante não generalizar excessivamente
essa ideia em domínios para os quais não há evidências. Além disso, para domínios
em que um período crítico ou sensível possa ser demonstrado, parece que na
maioria dos casos a janela pode se estreitar um pouco, mas raramente fecha por
completo. Certamente, poderíamos aprender a tocar um instrumento musical aos
60 anos, mesmo que dificilmente nos tornaríamos exímios na performance de tal
instrumento.

A aquisição da linguagem é uma área particularmente importante na


qual os pesquisadores propuseram a existência de um período crítico. Grande
parte deste trabalho é baseada em estudos de crianças selvagens que, devido ao
abandono ou abuso, não foram expostas à linguagem e falharam em desenvolver
plenamente suas habilidades linguísticas. O trabalho de Jean Itard com Victor de
Aveyron no início de 1800 e o caso de Genie, descoberto em 1970, levaram à teoria
de que a exposição à linguagem deve ocorrer cedo na vida ou a linguagem não se
desenvolve (NEWTON, 2002).

Evidências adicionais de um período crítico para a linguagem são


baseadas em estudos de indivíduos com lesão cerebral. Os prejuízos de
linguagem resultantes tendem a ser mais graves quando o incidente ocorre na
idade adulta em comparação com a infância. Talvez a evidência mais convincente
para um período crítico para a aquisição da linguagem (cuja falta de informações
linguísticas não seja confundida com extrema privação social) venha de filhos
surdos de pais ouvintes. Algumas dessas crianças são frequentemente privadas
de um bom imput em linguagem de sinais até o Ensino Fundamental ou mais

18
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

tarde. Diferentemente das crianças expostas à língua de sinais no início da vida,


as crianças expostas mais tarde não aprenderão a língua de sinais de maneira
nativa (LEYSER, 2019; GRIMSHAW et al., 1998; MAYBERRY; EICHEN, 1991).

A aprendizagem da segunda língua é outra área muito mais controversa no


estudo de períodos críticos. De acordo com Singleton e Lengyel (1995), as crianças
mais jovens parecem ter vantagens na obtenção final de um segundo idioma.
Mesmo que a pronúncia nativa quase nunca seja observada nos alunos tardios,
adolescentes e adultos podem dominar um segundo idioma, especialmente com
relação ao vocabulário e sintaxe (ROBERTSON, 2002). Portanto, embora possa
existir algum tipo de "período crítico" especializado para a aquisição da segunda
língua, especialmente em fonologia, há evidências de alta realização final, mesmo
entre os alunos tardios de uma segunda língua.

Embora a janela de oportunidade para a aprendizagem de idiomas pareça


apenas estreita, o mesmo não pode ser dito sobre o desenvolvimento da visão.
Baseado no trabalho dos ganhadores do Prêmio Nobel David Hubel e Torsten
Wiesel (1970), um gatinho cego temporariamente de um olho, em um estágio
inicial do desenvolvimento, nunca recuperaria a visão naquele olho após a
remoção da venda, demonstrando assim que existe um período crítico para o
desenvolvimento do córtex visual.

As pesquisas na área de períodos sensíveis continuam avançando,


principalmente na área de desenvolvimento do adolescente. Estudos recentes
revelam mudanças na estrutura e função do cérebro no início da puberdade e no
início da idade adulta (LEYSER, 2018; DAHL, 2004; GIEDD, 2010). Embora isso,
com os exemplos descritos anteriormente, possa fornecer evidências a favor da
existência de períodos críticos ou sensíveis em determinados domínios, a ideia
de que isso é característico de todas ou na maioria das áreas de aprendizagem
não é apoiada por pesquisas científicas. Igualmente infundada é a ideia de que
não faz sentido tentar aprender novas informações após o término de um período
crítico ou sensível demonstrável. Isso parece ser verdade apenas em casos raros
ou extremos.

3.4 USAMOS APENAS 10% DO NOSSO CÉREBRO


Com toda a atenção da mídia popular sobre o funcionamento do cérebro
humano, é surpreendente que esse mito ainda se perpetue. De fato, muitos
acreditam que 90% do cérebro está inativo (HIGBEE; CLAY, 1998). O neurocientista
da Universidade de Washington, Eric Chudler (2013), oferece várias fontes para
esse mito, incluindo o trabalho de Karl Lashley na década de 1930. Lashley
descobriu que os ratos ainda eram capazes de executar certas tarefas, mesmo
depois de remover grandes áreas do córtex cerebral. Esse pode ser um dos vários
estudos em que os resultados foram deturpados ou exagerados de uma maneira
que contribuiu para a falsa conclusão de que grandes áreas do cérebro estavam
inativas.

19
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

De fato, usamos todo o nosso cérebro. Os resultados dos estudos de


neuroimagem demonstram atividade em todo o cérebro durante muitas tarefas
diferentes. Chudler (2013) aponta que estudos envolvendo neuroimagem
funcional geralmente destacam apenas as diferenças na atividade cerebral que
surgem devido ao desempenho de tarefas específicas. As áreas do cérebro que
parecem escuras no exame, provavelmente ainda estão ativas, elas simplesmente
não mudam em resposta à tarefa que está sendo estudada. Assim, quando uma
representação gráfica mostra apenas uma pequena ilha de ativação, isso não é de
forma alguma um indicativo da quantidade de atividade que ocorre no cérebro
como um todo.

3.5 OS PROFESSORES DEVEM AVALIAR E ENSINAR AO


ESTILO DE APRENDIZAGEM DE CADA CRIANÇA
Um neuromito muito recentemente desmascarado na literatura
educacional diz respeito ao conceito de "estilos de aprendizagem". A teoria do
estilo de aprendizagem pressupõe que algumas crianças aprendam melhor
através de métodos visuais, auditivos ou cinestésicos. De acordo com a teoria,
os professores devem inventariar o estilo preferido de cada criança e ajustar as
estratégias instrucionais para atender ao estilo de aprendizagem avaliado de cada
criança.

Esse neuromito é certamente generalizado: cerca de 90% das pessoas


pesquisadas relataram a crença de que todos têm um estilo preferido de
aprendizagem (WILLINGHAM, 2009). Daniel Willingham (2009) argumenta que
esse mal-entendido provavelmente provém de noções populares de múltiplas
inteligências e de teorias de processamento do cérebro esquerdo/direito.
Infelizmente, a teoria do estilo de aprendizagem, aplicada à instrução em sala de
aula, foi agressivamente perpetrada por fornecedores de produtos educacionais
que promovem avaliações e estratégias de estilo de aprendizagem para adaptar a
instrução a grupos específicos de alunos.

Especificamente, a teoria do estilo de aprendizagem foi promovida


como uma maneira de os educadores diferenciarem as instruções com base nas
“necessidades” de determinados alunos. Apesar da difusão da teoria do estilo de
aprendizagem em contextos educacionais, em uma extensa revisão da literatura,
Pashler et al. (2008) não encontraram evidências de que as crianças ensinadas em
seu estilo de aprendizagem preferido tivessem um desempenho melhor do que
se fossem ensinadas através de um estilo não preferido.

Pashler et al. (2008) apontam, no entanto, que a incorporação de diversos


métodos de ensino ainda parece ser uma maneira válida de alcançar qualquer
aluno. Em particular, eles sugerem que métodos variados de apresentação
baseados em currículo ou conteúdo parecem ser uma estratégia de ensino
eficiente. No que diz respeito à satisfação das necessidades individuais, existem

20
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

meios potencialmente mais eficientes de diferenciação, como considerar


conhecimento prévio, histórico no conteúdo, nível de domínio das habilidades,
nível de interesse ou diferenças e objetivos de aprendizagem identificados em
programas educacionais individualizados.

3.6 NASCEMOS COM TODAS AS CÉLULAS CEREBRAIS


QUE TEREMOS EM VIDA
Muitos de nós acreditam que o cérebro é um órgão estático, incapaz de
quaisquer mudanças significativas. Esse é um dos mitos mais importantes a
serem dissipados pelos educadores, pois pode influenciar as atitudes e percepções
dos professores sobre a capacidade de aprender das crianças (HARDIMAN;
DENCKLA, 2010).

Como veremos a partir da discussão sobre plasticidade e neurogênese a


seguir, o cérebro é um órgão incrível, capaz de tremenda mudança ao longo da
vida.

DICAS

Um excelente livro que aborda os principais insights da neurociência para a


educação, com o foco da aprendizagem, é Neurociência e educação: como o cérebro
aprende de Ramon Cosenza e Leonor Guerra (2011).

4 TEMAS IMPORTANTES DAS NEUROCIÊNCIAS E CIÊNCIAS


COGNITIVA QUE OS EDUCADORES DEVEM SABER
Agora que dissolvemos vários dos neuromitos mais insidiosos, voltaremos
para as áreas das neurociências e ciências cognitivas que podem e devem informar
as crenças filosóficas, bem como as práticas de educadores em todos os níveis.

4.1 PLASTICIDADE E NEUROGÊNESE


Plasticidade é o termo usado para explicar como o cérebro é modificado
com a experiência. A aprendizagem envolve mudanças na força entre sinapses
neurais após um input sensorial ou atividade motora. Os neurônios ramificam
novos dendritos, crescem novos axônios, desenvolvem novas sinapses e
modificam ou eliminam conexões neurais estabelecidas ao longo da vida útil do
ser humano.
21
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

A composição genética e as interações ambientais definem o caminho


para o cérebro mudar com a experiência (SHONKOFF; PHILLIPS, 2000). Assim
como os músculos são fortalecidos com exercícios repetidos, as redes cerebrais
são fortalecidas com o uso repetido.

Até recentemente, a maioria dos neurocientistas acreditava que, embora


as conexões entre as células continuem aumentando em número ao longo da vida,
o cérebro não produz novas células. A descoberta da neurogênese, a produção de
novas células em certas regiões do cérebro, representou um enorme avanço na
compreensão do cérebro humano.

Em estudos com animais, os pesquisadores demonstraram a gênese de


novas células cerebrais no cerebelo e em outras regiões importantes, como o
hipocampo, uma área associada à memória (GOULD et al., 1999). Além disso,
parece que a neurogênese pode ser aprimorada por meio de exercícios, nutrição e
redução do estresse (KEMPERMANN; WISKOTT; GAGE, 2004).

4.2 EMOÇÃO E ESTRESSE


O estudo da estrutura e função do cérebro revela a complexa interação
entre cognição e emoção, como podemos ver, por exemplo, no célebre livro O
erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano do neurocientista A. Damásio
(1995). Talvez as palavras de Jill Bolte Taylor, neurocientista em recuperação de
um derrame severo, expressem melhor essa interação. Taylor explica um grande
avanço em seu pensamento sobre a função cerebral enquanto ela narra o processo
de cura de seu cérebro. Ela afirma: “embora muitos possam acreditar que somos
criaturas pensantes que sentem, biologicamente somos criaturas sensíveis que
pensam” (TAYLOR, 2008, p. 159).

Muitos de nós fomos treinados em nossos programas de preparação


de professores para acreditar que o processamento racional e emocional não
deve se misturar. Escolas e salas de aula, acreditávamos, devem se concentrar
no desenvolvimento de processos cognitivos, a emoção deve ser desligada para
que a aprendizagem ocorra. Agora sabemos que é impossível separar emoções e
aprendizagem.

4.3 O PAPEL DA ATENÇÃO NA APRENDIZAGEM


A regulação da atenção a tarefas relevantes (ou mesmo elementos
de tarefas) afeta claramente todos os aspectos da aprendizagem. Posner e
Rothbart (2007) identificam três redes neurais – ou sistemas de regiões cerebrais
interconectadas – envolvidas nos comportamentos atencionais: a rede de alerta,
que nos permite manter um estado de alerta; a rede de orientação, que nos ajuda
a ter atenção para eventos sensoriais; e a rede executiva, que mantém a atenção
em um evento.

22
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

Os autores citados apontam que o controle da atenção se desenvolve


desde a primeira infância até a adolescência. Seus estudos mostraram mudanças
nos padrões de atividade neural subjacentes aos processos atencionais e melhoria
nas medidas comportamentais da atenção depois que os indivíduos receberam
treinamento específico em tarefas que exigem um controle cuidadoso da atenção
(POSNER; ROTHBART, 2007).

4.4 FUNÇÃO EXECUTIVA


O termo função executiva é usado para descrever processos cognitivos
básicos subjacentes a comportamentos contínuos direcionados a objetivos
e habilidades de pensamento de ordem superior. Essas funções básicas,
frequentemente associadas ao processamento neural no lobo frontal, incluem
manter informações na memória de trabalho, iniciar e também inibir uma ação
e mudar a perspectiva ou o foco da atenção e, juntos, nos permitem realizar
ações mais complexas como planejar eventos futuros, organizar processos,
automonitoramento e regular a resposta emocional (LEYSER, 2018).

Muitas crianças diagnosticadas com Transtorno de Déficit de Atenção e


Hiperatividade (TDAH) apresentam déficits em uma ou mais das habilidades
associadas à função executiva (STERNBERG; STERNBERG, 2016). A função
executiva é necessária para a maioria, senão todos os aspectos da aprendizagem
se concentram nos processos de pensamento de ordem superior e na aplicação do
conhecimento. Essa é uma área em que a função executiva é especialmente crítica
para um aprendizado eficaz, pois exige ser capaz de criar novas associações e
usar informações de maneira flexível em diferentes contextos.

4.5 A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO E DAS ARTES NA


APRENDIZAGEM
Por muito tempo, reconhecendo a importância do movimento na cognição
e na aprendizagem, Maria Montessori (1987, p. 142-159) observou que “um dos
erros dos tempos modernos é considerar o movimento em si, como distinto
das funções mais elevadas [...]. O desenvolvimento mental deve estar ligado ao
movimento e dele depender”.

Consistente com a ideia de Montessori, em seu livro Spark, John


Ratey (2008) explica que movimento e exercício fazem mais do que apenas
produzir química que nos faz sentir bem. A atividade física realmente afeta o
desenvolvimento cognitivo, acelerando a produção de químicas específicas
necessárias para a consolidação da memória, estimulando o desenvolvimento de
novos neurônios do hipocampo.

23
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

Embora o número de programas de artes pareça estar diminuindo


nas escolas do mundo todo, um crescente corpo de pesquisa sustenta que
existem importantes efeitos positivos do envolvimento das artes em ambientes
educacionais. Além de servir como uma experiência criativa e enriquecedora
para as crianças, as artes demonstraram ter benefícios de vários tipos para a
aprendizagem.

Por exemplo, o diretor do Consórcio de Artes e Cognição da Dana


Foundation, Michael Gazzaniga (2008), relata uma forte correlação entre o
estudo das artes e a melhoria da atenção e várias habilidades cognitivas. Além
disso, James Catterall (2009) relata diferenças significativas no desempenho
acadêmico e nos comportamentos sociais entre jovens altamente envolvidos em
programas de artes, em comparação com aqueles sem envolvimento artístico.
Outros pesquisadores mostraram mudanças na estrutura do cérebro, mesmo com
quantidades relativamente pequenas de treinamento musical (HYDE et al., 2009).
Os mesmos autores descobriram que os alunos que receberam apenas 15 meses de
treinamento em música, mostraram mudanças significativas em regiões cerebrais
específicas que também foram correlacionadas com melhorias nas habilidades
motoras e auditivas musicalmente relevantes.

4.6 ADOLESCENTES, SONO E APRENDIZAGEM


Pesquisas nas neurociências e ciências cognitivas estão começando
a esclarecer o modo como o cérebro muda durante a adolescência, bem como
quais padrões de atividade neural podem acompanhar pelo menos algumas
dessas mudanças (LEYSER, 2018). O pesquisador Jay Giedd (2009, 2010), por
exemplo, aponta que o início da puberdade traz mudanças cerebrais dramáticas.
Comparadas às crianças pré-pubescentes, as crianças que entram na puberdade
exibem maior conectividade entre várias regiões do cérebro durante a conclusão
de tarefas, redução no volume de massa cinzenta e alteração do equilíbrio entre
as conexões nos sistemas de funções executivas límbicas e frontais.

Um estudo relativamente recente demonstrou significativa plasticidade


cerebral durante a adolescência, evidenciada por medidas biológicas e
comportamentais. Ramsden et al. (2011) encontraram alterações nos escores de QI
verbal e não verbal (maiores e menores) durante a adolescência, em comparação
com os testes anteriores. Esses escores correlacionaram-se com alterações nas
estruturas cerebrais locais associadas, envolvidas no processamento verbal e não
verbal.

Além das alterações no processamento neural e cognitivo, os padrões de


sono também costumam mostrar mudanças significativas. Os ritmos circadianos
dos adolescentes apontam para uma tendência para o início tardio do sono à
noite e a excitação posterior pela manhã (DAHL, 2004). Esse achado sugere que
um dia escolar que começa no final da manhã pode ser mais consistente com os
padrões de sono dos adolescentes.

24
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

As alterações cerebrais também podem explicar a tendência dos


adolescentes de deixar de buscar aprovação de adultos para obter aprovação de
colegas da mesma idade, bem como de os adolescentes terem maior propensão
a comportamentos de busca de emoções e aventuras (GIEDD, 2009). Novas
pesquisas promissoras, nessa área, poderiam ser usadas para ajudar educadores
e cuidadores a compreender e impedir o aumento da morbimortalidade que vem
com esse período sensível do desenvolvimento humano.

4.7 CRIATIVIDADE
Como marca registrada das “habilidades do século XXI”, a criatividade
no ensino e na aprendizagem se tornou um tópico de conversa e aumentou o
interesse na literatura acadêmica e na mídia popular. Em um artigo, Bronson e
Merryman (2010) apontam que, embora as pontuações de QI para crianças nos
últimos 30 anos tenham melhorado, os índices de criatividade diminuíram. Eles
citam análises que examinaram as notas em declínio de mais de 300.000 crianças
e adultos no teste de Torrance, uma medida popular do pensamento criativo. Ken
Robinson (2001) acredita que concentrar-se em testes de alto risco em relação a
uma infinidade crescente de padrões de conteúdo está tirando a criatividade de
nossas escolas e salas de aula.

Enquanto os educadores discutem como criar atividades mais criativas


em currículos superlotados, os cientistas continuaram demonstrando diferenças
na maneira como o cérebro processa as informações quando as pessoas se
envolvem em tarefas criativas e espontâneas, em oposição às atividades comuns
que dependem do conhecimento comum (FINK et al., 2007).

25
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

LEITURA COMPLEMENTAR

NEUROPSICOPEDAGOGIA: A INTERLOCUÇÃO ENTRE


NEUROCIÊNCIA E APRENDIZAGEM

Bianca Acampora

Quem é o neuropsicólogo?

Como profissional, ele vai integrar a sua formação psicopedagógica o


conhecimento adequado do funcionamento do cérebro, para melhor entender a
forma como esse órgão recebe, seleciona, transforma, memoriza, arquiva, processa
e elabora todas as sensações captadas pelos diversos elementos sensoriais. A
partir desse entendimento, ele adapta as metodologias e técnicas educacionais
a todas as pessoas, principalmente, para quem tem características cognitivas e
emocionais diferenciadas.

O que é a Neuropsicopedagogia?

Entre as muitas opções existentes para se entender como se dá o aprendizado,


nos últimos tempos, vem ganhando destaque a neuropsicopedagogia, uma
área que interliga conhecimentos de psicologia cognitiva e de pedagogia, para
possibilitar a compreensão da forma com que o cérebro dos sujeitos receptivos
assimila as informações que são transmitidas a eles. Para alcançar esse objetivo,
os atuantes da área, que é bem recente no Brasil, estudam a interação entre o
funcionamento cerebral, a mente e o aprendizado, por meio de métodos
rigorosamente científicos, que os levam a planejar intervenções precisas na
intenção de promover o desenvolvimento dos sujeitos epistêmicos.

A partir dessa pequena introdução, mediante um transtorno de


aprendizagem, a neuropsicopedagogia, ao mesmo tempo que fortalece a
identidade cultural e social do aprendente, também atua como uma espécie de
linha divisória entre o sucesso e o fracasso escolar.

A neuropsicopedagogia é uma área que estuda o sistema nervoso e sua


atuação no comportamento humano, tendo como enfoque a aprendizagem. Por
isso, a neuropsicopedagogia procura fazer inter-relações entre os estudos das
neurociências com os conhecimentos da psicologia cognitiva e da pedagogia.
Como um novo campo de conhecimento, ela vem abrindo bastante espaço para a
atuação, mas também exige muito estudo, pesquisa e conhecimento das funções
cerebrais.

26
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

Semelhanças e diferenças entre psicopedagogia e neuropsicopedagogia

Conforme Suarez (2006) e Fernandez (2010), a neuropsicologia tem três


pontos elucidativos. O primeiro é a Educação, cujo intuito é o de promover a
instrução, o treinamento e a Educação dos cidadãos; o segundo, a Psicologia,
com o foco nos aspectos psicológicos do indivíduo; e o terceiro é a própria
neuropsicopedagogia, que estuda a teoria do cérebro trino, que oportuniza a
teoria das múltiplas inteligências, propostas pelo psicólogo cognitivo norte-
americano Howard Gardner.

A neuropsicopedagogia contribui para a Educação, pois abre


possibilidades para o educador perceber o indivíduo em sua totalidade, a partir
de conhecimentos neurocientíficos, pedagógicos e psicológicos.

QUADRO 1 – DIFERENÇAS ENTRE PSICOPEDAGOGIA E NEUROPSICOPEDAGOGIA

A psicopedagogia A neuropsicopedagogia
Além de trabalhar os aspectos mencionados,
tem como foco compreender o funcionamento
do sistema nervoso, integrando suas diversas
funções (movimento, sensação, emoção,
Trabalha com as dificuldades de pensamento etc.), intervindo na melhora das
aprendizagem e a diversidade dificuldades de aprendizagem, tais como:
de fatores que contribuem para • distúrbios de memória;
tal, podendo estes ser de origem • falta de atenção;
orgânica, cognitiva, emocional, • bloqueios de aprendizagem nas diversas
social ou pedagógica. matérias dos conteúdos escolares;
• dificuldades em raciocínio lógico,
matemática, leitura e escrita;
• baixa autoestima;
• falta de motivação, entre outras.

FONTE: O autor.

Com a intervenção do trabalho neuropsicológico, o sujeito será beneficiado


com excelente desempenho, alta capacidade de absorver conhecimentos,
criatividade, autonomia em suas estratégias de aprendizagem, apropriando-se
da utilização dos conceitos aprendidos em qualquer situação, além de obter um
desejo constante em aprender.

Em uma visão mais abrangente, pode-se dizer que neuropsicopedagogia


é uma ciência que estuda o sistema nervoso e sua atuação no comportamento
humano, tendo como enfoque a aprendizagem.

A neuropsicopedagogia tem sua base na psicopedagogia, porém, conforme


Kung (2011), além das atribuições do psicopedagogo de estudar as características
27
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

da aprendizagem humana, os processos de ensinagem e a origem das alterações


na aprendizagem, promovendo a identificação, o diagnóstico, a reabilitação
e a prevenção diante das dificuldades e dos distúrbios das aprendizagens, o
neuropsicopedagogo, mediante seus saberes e conhecimentos em neurociências,
poderá elaborar pareceres de encaminhamento para neurologistas, psicólogos,
pediatras e psiquiatras, auxiliando-os na identificação diagnóstica, mediante o
quadro de sintomas e queixa principal.

A neuropsicopedagogia tem as mesmas bases de regulamentação da


psicopedagogia, pautadas nos seguintes documentos:

• Lei nº 3.124/97 – Senado Federal, que pode ser acompanhada a sua tramitação
pelo site da Câmara dos Deputados.
• Certificado de Especialista com registro no MEC – CNE;
• Registro na ABPp.

As atividades e atribuições do profissional em psicopedagogia também


servem de base para os da neuropsicopedagogia, conforme dispõe o artigo 4º do
Projeto de Lei nº 3512, de 2008, que regulamenta a função de psicopedagogo:

• intervenção psicopedagógica que visa à solução dos problemas de


aprendizagem;
• realização de diagnósticos psicopedagógicos;
• utilização de métodos, técnicas e instrumentos psicopedagógicos para
pesquisa, prevenção, avaliação e intervenção relacionadas à aprendizagem;
• consultoria e assessoria psicopedagógicas;
• apoio psicopedagógico;
• supervisão em trabalhos teóricos e práticos em psicopedagogia;
• direção de serviços de psicopedagogia;
• projeção, direção ou realização de pesquisas psicopedagógicas.

Os neuropsicopedagogos possuem um conhecimento mais amplo que o


psicopedagogo sobre a função cerebral, entendendo a forma como esse cérebro
recebe, seleciona, transforma, memoriza, arquiva, processa e elabora todas
as sensações captadas pelos diversos elementos sensores para, a partir desse
entendimento, poder adaptar as metodologias e técnicas educacionais a todas as
pessoas e, principalmente, aquelas com características cognitivas e emocionais
diferenciadas. Diante desses saberes, os neuropsicopedagogos poderão
desempenhar funções, tais como:

• Rever aspectos do desenvolvimento humano a partir das novas descobertas


das neurociências.
• Enumerar fatores que afetam negativa e positivamente o desenvolvimento
neuropsicológico.
• Reconhecer aspectos envolvidos nos processos de memória e atenção relati-
vos à aprendizagem.
• Compreender os problemas referentes ao Déficit de Atenção e Hiperativida-

28
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

de, transtornos e dificuldades de aprendizagem para que se realizem encami-


nhamentos pedagógicos pertinentes a cada caso.
• Relacionar memória e desenvolvimento destacando recursos que favorecem
a aprendizagem.
• Assessoramento técnico diante das instituições voltados ao trabalho de Edu-
cação Especial Inclusiva, Atendimento Clínico ou, em mais recente proposta,
no apoio ao trabalho com a Saúde Mental.
• Compreender o papel do cérebro do ser humano em relação aos processos
neurocognitivos na aplicação de estratégias pedagógicas nos diferentes es-
paços da escola, cuja eficiência científica é comprovada pela literatura, que
potencializarão o processo de aprendizagem.
• Intervir no desenvolvimento da linguagem, neuropsicomotor, psíquico e cog-
nitivo do indivíduo.
• Adquirir clareza política e pedagógica sobre questões educacionais e a capa-
cidade de interferir no estabelecimento de novas alternativas neuropsicope-
dagógicas e nos encaminhamentos no processo educativo.
• Compreender e analisar o aspecto da inclusão de forma sistêmica, abrangen-
do educandos com dificuldades de aprendizagem e sujeitos em risco social.

Entretanto, ainda se faz necessária a regulamentação da


neuropsicopedagogia, seguindo assim o exemplo do Conselho Regional de
Psicologia, o qual regulamentou o Especialista em Neuropsicologia, porém, no
site da Associação Brasileira de Psicopedagogia, há informações de quais os
procedimentos legais para abrir um consultório voltado à prática psicopedagógica.

Os profissionais da neuropsicopedagogia clínica

A dificuldade de aprendizagem é vista na neuropsicopedagogia como


um indicador de problemas que podem estar acontecendo em várias dimensões
da vida daquele aluno(a), ou indivíduo. São elas: cognitiva (relativas ao
conhecimento); afetiva ou psíquica (relativas ao emocional); social (quanto aos
relacionamentos); biológica (quanto ao físico-funcional).

Essas quatro dimensões se inter-relacionam e interferem umas nas outras


promovendo ou não as dificuldades de aprendizagem, como resposta de que algo
não vai bem. A intervenção neuropsicológica vai exatamente atuar no sujeito e
não no aluno, para que ele possa se estruturar, conhecer a si mesmo e mobilizar-se
internamente para a aprendizagem e para a vida, favorecendo o desenvolvimento
de habilidades para lidar com frustrações e conflitos.

Para cada causa associada ou isolada, existem intervenções específicas.


Trabalha-se com o “como” ele aprende e não “por que” ele não aprende. Atuando
diretamente nos estilos modais de aprendizagem, o neuropsicopedagogo descobre
habilidades que ele já possui e, por meio da valorização dessas habilidades, sugere
caminhos menos conhecidos e maneiras diferentes que as da escola, facilitando o
raciocínio, a descoberta, o entendimento e, consequentemente, a aprendizagem.
Este processo devolve ao aprendiz a autoconfiança e a autonomia para voltar

29
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

a estudar e sentir-se mais seguro para fazê-lo sozinho, com a satisfação de


estar apreendendo os devidos conteúdos e conhecimentos. Os profissionais da
neuropsicopedagogia clínica são capacitados para:

• Compreender o papel do cérebro do ser humano em relação aos processos


neurocognitivos na aplicação de estratégias pedagógicas nos diferentes es-
paços da escola, cuja eficiência científica é comprovada pela literatura, que
potencializarão o processo de aprendizagem.
• Intervir no desenvolvimento da linguagem, neuropsicomotor, psíquico e cog-
nitivo do indivíduo.
• Adquirir clareza política e pedagógica sobre as questões educacionais e a ca-
pacidade de interferir no estabelecimento de novas alternativas neuropsico-
pedagógicas e nos encaminhamentos no processo educativo.
• Compreender e analisar o aspecto da inclusão de forma sistêmica, abrangen-
do educandos com dificuldades de aprendizagem e sujeitos em risco social.

Dessa forma, pode-se afirmar que a neuropsicopedagogia apresenta-


se como um novo campo de conhecimento que, por meio dos conhecimentos
neurocientíficos, agregados aos conhecimentos da pedagogia e da psicologia,
vem contribuir para os processos de ensino e aprendizagem de indivíduos que
apresentem dificuldades de aprendizagem.

O papel do neuropsicopedagogo na instituição escolar

Socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais
diversas práticas sociais é o objetivo de qualquer ambiente educativo. É na escola
que as crianças inseridas nos grupos podem ser avaliadas e onde elas podem
ser comparadas com seus pares, com seu grupo etário e social. Com preparo
e sensibilidade, o professor, melhor do que qualquer outro profissional, está
preparado para detectar problemas cruciais na vida de toda e qualquer criança
que por ele passar. Entretanto, o ato de educar e incluir não são atos solitários,
eles necessitam de parcerias, de trocas, de profissionais que percebam cada
indivíduo nos mais diferentes modos de ser e estar no grupo, enfim uma equipe
multidisciplinar.

A inclusão no contexto educativo traz a metáfora de um diamante, ele


tem diferentes lados; é “multifacetado”. Muitos, ao contemplar um diamante,
percebem somente o seu brilho, outros percebem somente sua superfície, alguns
voltam seus olhos para a profundidade, mas há aqueles que têm a visão mais
ampla, observam as “multifacetas” (brilho, superfície, profundidade, fragilidade
e por aí adiante). Isso é um trabalho multidisciplinar, um trabalho de equipe em
que cada um na sua especialidade consegue ver focos diferentes dentro de um
mesmo contexto e, por consequência disso, o brilho final aparece reluzindo o
trabalho de todos.

Dewey (1943) já fazia relatos de aprendizagem comunitária, ele preocupava-


se com o isolamento escolar da vida comunitária típica e com a rotina natural da

30
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

aprendizagem na sala de aula e pregou a utilização do trabalho e das atividades


comunitárias como o foco de aprendizagem. Fazendo isso, Dewey exigia que as
escolas unissem as crianças e criassem oportunidades para a aprendizagem por
meio de ação e de relacionamentos de apoio mútuo. Assim como na sociedade,
a escola também necessita ser remodelada para que as pessoas tenham cada vez
mais relacionamentos interpessoais, trocas entre os diferentes profissionais, ter
uma visão de que se fazem necessários profissionais que tenham conhecimentos
neurocientíficos, pois a vida está se reciclando. A cada dia, novos conhecimentos
vêm surgindo, e a neurociência a cada dia vem abrindo mais seu espaço.

A atuação do neuropsicopedagogo na instituição escolar contribui


para que se desenvolvam metodologias que abordem as várias barreiras para
aprendizagem apresentadas pelas crianças no ambiente escolar, procurando ligar
vários intervenientes deste processo, tais como: pais, professores e colaboradores,
que juntos almejam uma melhoria significativa no desempenho acadêmico, social
e emocional da criança.

O que é o diagnóstico neuropsicopedagógico?

É a investigação do processo de aprendizagem do indivíduo: seu


modo de aprender, áreas de competência e limitações, habilidades. Tem como
objetivo entender as origens das dificuldades e/ou distúrbios de aprendizagem
apresentado. O neuropsicopedagogo não busca um diagnóstico isolado. Ao
contrário disso, complementa suas impressões e achados com outros profissionais,
como o neurologista, psicólogo, fonoaudiólogo, nutricionista, visando aprofundar
tal investigação.

Instrumentos de avaliação neuropsicopedagógica

Para realizar o diagnóstico clínico, o neuropsicopedagogo utiliza diversos


recursos. Esses recursos se constituem em um importante instrumento de
linguagem e revelam dados sobre a nossa vida, que muitas vezes são segredos
para nós mesmos. Com base nesses dados, é elaborado o plano de intervenção. Os
instrumentos de avaliação podem incluir diferentes modalidades de atividades
e testes padronizados, utilizados de acordo com a habilitação profissional e a
composição da equipe multidisciplinar da clínica de educação.

Em geral, realiza-se uma análise do material escolar: questionários;


atividades matemáticas, como resolução de cálculos, problemas, exercícios de
lógica; escrita livre e dirigida, visando avaliar a grafia (qualidade da letra ou
caligrafia); ortografia e produção textual; leitura (decodificação e compreensão);
desenhos; jogos de construção, jogos simbólicos e com regras; testes psicomotrizes;
interações grupais e usa-se também testes de neurofeedbacks.

31
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

Acompanhamento neuropsicopedagógico

O trabalho de acompanhamento neuropsicopedagógico desencadeará


novas necessidades, de modo a provocar o desejo de aprender e não somente
uma “melhora no rendimento escolar”. O foco do neuropsicopedagogo não é o
“aluno” como outrora comentou-se, mas sim o “indivíduo”, o ser aprendente, em
qualquer das dimensões em que ele se manifeste.

Durante o acompanhamento são estabelecidos contatos periódicos ou


um cronograma com o neuroaprendiz, os pais e a equipe escolar (coordenador
e professores), com a finalidade de obter um melhor feedback dos avanços,
melhoras e conquistas do neuroaprendiz, até que o neuropsicopedagogo conclua
que seu paciente reassumiu sua autonomia cognitiva, para conduzir seu caminho
de conhecimentos. [...]

A neuropsicologia é uma área do conhecimento que, aos poucos,


ganha espaço e surge como um aporte na atuação interdisciplinar, agregando
conhecimentos neurocientíficos e tendo seu foco nos processos neurobiológicos
e no ensino e na aprendizagem. Procura aliar as atividades pedagógicas a todas
as ciências que possam contribuir para a aprendizagem do indivíduo de forma
mais ampla.

Assim, a neuropsicopedagogia, que agrega conhecimentos da


neurociência, psicologia e pedagogia, realiza um trabalho investigativo na
promoção da aprendizagem, avaliando estímulos, respostas e sensações nos
processos didáticos e metodológicos para que o ensino e a aprendizagem
ocorram preventivamente, além de estudar como cérebro aprende e armazena
informações. Requer mudanças de paradigmas e práticas que vão além da aula
expositiva, estimulando o cérebro a produzir aprendizagens.

Utilizando o conhecimento da neurociência, objetiva estabelecer as


relações emocionais aos processos de ensino e aprendizagem quando da aplicação
das estratégias pedagógicas, utilizando não só a literatura científica, mas também
as pedagógicas, potencializando o processo educativo desde o seu planejamento
até a intervenção, considerando a atual grade curricular e o contexto social.
Diante destas reflexões, o presente trabalho requer um olhar acurado em relação
à emoção, aos sentimentos e às reações dos educandos no ambiente escolar.

Buscando respostas para as reações do cérebro diante dos estímulos


emocionais, tensionamos esclarecer e tecer comparativos entre aprendizagem,
cérebro, emoção e interferências, fazendo um estudo bibliográfico do tema
em teóricos ligados à neurociência, bem como de estudos realizados por
neurocientistas por meio de pesquisas neurológicas e de outros teóricos ligados à
área da psicologia, pedagogia, sociologia e psicanálise.

Neurociência é o estudo do sistema nervoso: sua estrutura, seu


desenvolvimento, funcionamento, evolução, relação com o comportamento e

32
TÓPICO 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, NEUROEDUCAÇÃO E OS NEUROMITOS

a mente e, também, suas alterações. Neurocientistas são as pessoas que atuam


fazendo pesquisa em neurociência.

A psicologia é um estudo aplicado que envolve o estudo científico do


comportamento e das funções mentais.

A neuropsicologia é uma interface ou aplicação da psicologia e da


neurologia, que estuda as relações entre o cérebro e o comportamento humano.

A educação engloba os processos de ensinar e aprender. É um fenômeno


observado em qualquer sociedade e nos grupos constitutivos dessa, responsável
pela sua manutenção e perpetuação a partir da transposição às gerações que se
seguem dos modos culturais de ser, estar e agir necessários à convivência e ao
ajustamento de um membro no seu grupo ou sociedade.

A psicopedagogia estuda os processos e as dificuldades de aprendizagem


tanto de crianças e adolescentes como dos adultos. A psicopedagogia faz o uso de
diversas áreas, e são elas: pedagogia, psicanálise, psicologia e antropologia.

A neuropsicopedagogia é a intersecção entre neurociência, psicologia e


pedagogia, integrando os diferentes saberes.

FONTE: ACAMPORA, B. Neuropsicopedagogia: a interlocução entre Neurociência e aprendizagem.


In: PEDRO, W. (Org.). Guia prático de neuroeducação: neuropsicopedagogia, neuropsicologia e
neurociência. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2018.

33
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A neuropsicopedagogia e a neuroeducação são um campo interdisciplinar


e para entender como o campo funciona, precisamos entender como suas
disciplinas relacionadas interagem nele.

• Profissionais envolvidos na neuropsicopedagogia ou na neuroeducação têm a


forte convicção de que o aprendizado ocorre no cérebro, mesmo que não seja
reduzido a ele.

• Enquanto os genes moldam o amplo contorno de nossas mentes, as


experiências têm efeitos profundos em nossas crenças, atitudes, conhecimento
e comportamento.

• A neuropsicologia, assim como a psicologia científica, tem sua origem nos


trabalhos médicos dos séculos XIX e XX.

• No campo da neuropsicologia infantil, nos últimos anos, surgiu uma


subespecialidade chamada neuropsicologia da aprendizagem, neuropsicologia
escolar, neuropedagogia, neurodidática, neuropsicopedagogia ou
neuroeducação, de acordo com as abordagens teóricas e pragmáticas de
diferentes países.

• Algumas das pesquisas mais promissoras sobre neuropsicopedagogia e


neuroeducação estão sendo conduzidas no campo de distúrbios específicos
de aprendizagem.

• A neuropsicopedagogia, neuroeducação ou neurodidática pretende moldar a


aprendizagem da maneira mais adequada para ajustar-se ao desenvolvimento
do cérebro.

• Podemos classificar a neuropsicopedagogia e a neuroeducação como ciência


da Mente, Cérebro e Educação (MCE).

• A ciência da Mente, Cérebro e Educação (MCE) é uma seleção cuidadosa das


melhores informações da pedagogia, neurociência e psicologia que podem
informar a nova ciência do ensino e da aprendizagem.

• A história e a filosofia – e, subsequentemente, as epistemologias – das três


disciplinas fundantes influenciam a existência da ciência da MCE.

• Além de ser uma disciplina transdisciplinar, a ciência da MCE


(neuropsicopedagogia e neuroeducação) é uma entidade transcultural.

34
• No Brasil, a neuropsicologia foi proposta no ano de 2008.

• As soluções para os problemas na educação, atualmente, exigem a


abordagem mais sofisticada e complexa oferecida pela neuropsicopedagogia
e neuroeducação.

• O maior desafio para os novos profissionais da ciência da MCE é aceitar as


diferentes raízes históricas das três disciplinas fundantes.

• Precisamos reconhecer e aceitar que as múltiplas fundações impactaram as


filosofias através das quais os profissionais de cada uma das três disciplinas
veem o mundo.

• Devemos entender que as respectivas histórias e filosofias das três disciplinas


originárias explicam por que cada uma delas inclui epistemologias diferentes.

• O fluxo de informações na ciência da Mente, Cérebro e Educação é, por


definição, de três vias.

• O processo de síntese desempenha um papel importante na


neuropsicopedagogia e neuroeducação.

• Muitas descobertas da neurociência que valem a pena, às vezes, são


simplificadas ou mal interpretadas quando são feitas tentativas de aplicá-las
à pedagogia.

• Não há evidências científicas que justifiquem a identificação dos alunos como


"de cérebro esquerdo" ou "de cérebro direito".

• Qualquer efeito de ouvir Mozart é bastante restrito, apenas a música percebida


pelo ouvinte como agradável produz algum efeito.

• Usamos todo o nosso cérebro, não apenas 10%.

• Não há evidências de que as crianças ensinadas em seu estilo de aprendizagem


preferido tenham um desempenho melhor.

35
AUTOATIVIDADE

1 A neuropsicopedagogia e a neuroeducação podem ser classificadas como a


ciência da Mente, Cérebro e Educação (MCE). A MCE é um empreendimento
interdisciplinar. Quais são as disciplinas cientificas de base que possibilitam
a MCE?

2 O fluxo de informações na neuropsicopedagogia e neuroeducação é, por


definição, de três vias. O que isso significa?

3 O que são neuromitos?

36
UNIDADE 1 TÓPICO 2 —

O CÉREBRO, O SELF E AS
NEUROCIÊNCIAS

1 INTRODUÇÃO
Este tópico explora alguns desenvolvimentos históricos sobre ideias com
relação à conexão entre cérebro e self (eu) e sugere que eles constituam o pano de
fundo – e, de fato, as condições históricas e intelectuais de possibilidade – para
projetos, como o que inspira esse livro de neuropsicopedagogia ou neuroeducação,
que visa integrar as neurociências às (ou nas) áreas tradicionais das ciências
humanas, em específico nas ciências da educação. Essa integração pode ser
concebida em termos reducionistas (a área em questão, por exemplo, educação,
psicologia ou pedagogia, deve ser totalmente reformada com base no conhecimento
neurocientífico e dependente dos avanços nas neurociências) ou em termos mais
colaborativos (as ciências humanas mantêm sua independência epistêmica e
metodológica, mas devem ser enriquecidas e parcialmente modificadas pelas
informações neurocientíficas disponíveis).

Se as neurociências parecem tão cruciais, é porque, além do que é relevante


para cada área de aplicação ou cooperação, elas mostram até que ponto o cérebro é
um órgão fundamental para a constituição da personalidade humana. Sugerimos,
neste tópico, no entanto, que o significado que as neurociências adquiriram
depende, pelo menos em parte, da crença de que o próprio cérebro é o único órgão
que cada um de nós precisa para ser nós próprios.

Essa crença é obviamente apoiada por descobertas neurocientíficas, mas não


se originou nelas; pelo contrário, precede o conhecimento moderno do cérebro. Isso
pode parecer contraintuitivo, mas se for realmente esse o caso, a história deve nos
ajudar a entender as raízes, bem como os valores e crenças implícitos ao entusiasmo
contemporâneo sobre as consequências das neurociências para outras disciplinas.

2 O SUJEITO CEREBRAL E AS “NEURO” CIÊNCIAS


Para falar sobre cérebro e self em uma perspectiva histórica, é útil a
compreensão de dois termos, “cerebralidade” e “sujeito cerebral”. O termo
cerebralidade é modelado por analogia com a pessoalidade. Como a pessoalidade
é a qualidade ou condição de ser uma pessoa individual, cerebralidade pode ser
usado para nomear a qualidade ou condição de ser um cérebro. Gostaria de sugerir
que, a partir da segunda metade do século XX, a cerebralidade era tematizada
como propriedade definidora dos seres humanos. Os seres humanos tornaram-
se explicitamente o que poderíamos chamar de "sujeito cerebral". Desde a ficção

37
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

científica na escrita e no cinema até a neurofilosofia e as práticas de terapia intensiva


e transplante de órgãos, os humanos passaram a ser considerados não apenas como
tendo um cérebro, mas como sendo um cérebro.

Obviamente, muitas outras propriedades das pessoas humanas foram


reconhecidas. No entanto, no todo ou em parte, o cérebro emergiu como o único
órgão verdadeiramente indispensável para a existência de um self (eu) humano
e para definir a individualidade. De fato, ao contrário do que ocorre em todos os
outros casos de transplante de órgãos ou modificação corporal, presume-se que,
se o cérebro de A for transplantado para o corpo de B, não será B quem recebe um
novo cérebro (como seria o caso para todos os outros órgãos do corpo), mas A que
ganha um novo corpo.

Pelo menos nas nações ocidentais industrializadas desde a segunda metade


do século XX, o sujeito cerebral tem sido uma figura antropológica extremamente
influente, que teve e terá consequências de longo alcance para todos os tipos de
decisões na vida privada e nas políticas públicas (BLANK, 1999). O sujeito cerebral
pressupõe o que historiador das ciências do cérebro Michael Hagner chamou de
homo cerebralis (HAGNER, 1997). Essa expressão capta a transformação que o
cérebro sofreu durante o século XIX: da sede da alma, tornou-se o órgão do self.

A noção de sujeito cerebral também implica algo como o "homem neuronal”


de Jean-Pierre Changeux, uma noção que sublinha os fundamentos materiais da
identidade pessoal (CHANGEUX, 1985). No entanto, partindo da propriedade
ontológica da cerebralidade, a concepção de um sujeito cerebral é mais abrangente
do que o homem neuronal ou o homo cerebralis. “Designa uma figura antropológica
– o ser humano como cérebro – com uma diversidade grande de inscrições sociais
e imaginárias, dentro e fora dos campos neurocientíficos” (ORTEGA; BEZERRA
JUNIOR, 2006, s.p.), filosóficos e psicológicos. Como tal, constitui uma das
condições de possibilidade para projetos que visam reunir as neurociências e certas
áreas das ciências humanas e reformar essas últimas com base no conhecimento
sobre o cérebro. Novos projetos desse tipo estão em constante desenvolvimento.

De fato, o surgimento de neuro domínios de investigação constitui uma


característica marcante da paisagem cultural atual. Embora o prefixo “neuro” esteja
em uso desde o século XVII, para o nosso tópico, o termo pioneiro é "neurociência",
inventado no início da década de 1960. Outros se seguiram, e, hoje (para mencionar
apenas alguns), falamos não apenas de neuropediatria, neurogerontologia e
neurogeriatria, mas também de neuroestética, neuroeconomia, neuropsicanálise,
neuroética, neuroteologia, neuropsicologia e, é claro, neuroeducação e
neuropsicopedagogia. Se esses domínios crescerão em disciplinas completas ou
permanecerão em zonas de interseção ou interação entre campos, seus nomes
são significativos. Embora os neurônios não estejam apenas no cérebro, os neuro
neologismos tendem a se referir apenas a esse órgão. O prefixo certamente cria
termos mais eufônicos do que palavras derivadas do cérebro, mas também vincula
imediatamente os neuro domínios recentes às neurociências bem estabelecidas
e prestigiadas. Aí reside a eficácia promocional dos neologismos. No entanto,
a publicidade claramente não é tudo: o prefixo neuro declara que o avanço das

38
TÓPICO 2 — O CÉREBRO, O SELF E AS NEUROCIÊNCIAS

neurociências coloca desafios cruciais e oferece oportunidades empolgantes para


as disciplinas envolvidas.

As neuro áreas tratam de fundamentos materiais – o cérebro nos


estágios inicial e tardio do desenvolvimento, no caso da neuropediatria e
neurogerontologia, por exemplo. A neuroteologia visa investigar as bases
neurológicas da experiência espiritual e mística (NEWBERG; D'AQUILI; ROUSE,
2001). Da mesma forma, de acordo com uma definição, a neuroestética procura
estabelecer os fundamentos biológicos e neurobiológicos da experiência estética
(ARAGUZ, 2010). Quanto à neuropsicanálise, ela se concentra nos fundamentos
neurológicos dos processos descritos pela teoria psicanalítica (KAPLAN-SOLMS;
SOLMS, 2004). A neuroeconomia, talvez a mais desenvolvida das novas áreas, é
o estudo de como o cérebro incorporado interage com seu ambiente externo para
produzir comportamento econômico, com ênfase na tomada de decisão individual
(CHAVAGLIA NETO; FILIPE; FERREIRA, 2017).

A neuroética, uma área que promete ser de importância crucial para o neuro
futuro, é um pouco diferente. Certamente, existe a busca pela base neurológica
do comportamento moral, mas a maioria de seus esforços é direcionada às
consequências éticas, sociais e legais do conhecimento neurocientífico e de suas
aplicações (MARCUS, 2004). Todas essas áreas enfatizam não o reducionismo,
mas o diálogo, a interdisciplinaridade e as interações de mão dupla entre as
neurociências e os outros campos. Embora não sejam homogêneas e estejam
abertas ao debate, todas manifestam certa inclinação corticocêntrica e colocam –
mesmo com advertências – uma enorme esperança nas contribuições das técnicas
de neuroimagem.

A neuroeducação ou neuropsicopedagogia não é exceção. Embora a


educação seja muito mais do que seus aspectos neurais, as neurociências podem
iluminar muitas de suas necessidades. A busca por metodologias e corpos de
conhecimento capazes de transformar a arte da educação data desde pelo menos o
Renascimento, e tem figurado com destaque na pedagogia desde os movimentos
de educação progressista do início do século XX. O projeto neuroeducacional ou
neuropsicopedagógico não é exceção. Como seus predecessores, isso implica que o
progresso da ciência é a condição essencial para seu sucesso: acredita que o avanço
das ciências neurocognitivas acabará por dar à educação uma base empírica mais
firme e levar a reformas pedagógicas apropriadas.

Vale a pena notar que as visões sobre a natureza e a história da ciência que
sustentam essa crença foram formuladas até agora em termos inconsistentes com
os que prevalecem entre os historiadores da ciência, segundo os quais objetividade,
evidência e fatos são eles mesmos historicamente construído, enraizado em
contextos particulares e sujeito à negociação intelectual e institucional. John T.
Bruer (1997) que coibiu os entusiastas neuroeducacionais e criticou tentativas
precipitadas de colmatar a lacuna entre neurociência e educação com base em
noções simplistas ou infundadas sobre lateralidade ou períodos críticos, escreve
que: “nós simplesmente não sabemos o suficiente sobre como o cérebro trabalha
para extrair implicações educacionais das mudanças na morfologia sináptica”, e ele

39
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

conclui que a “neurociência descobriu muito sobre neurônios e sinapses, mas não o
suficiente para orientar a prática educacional” (BRUER, 1997, p. 10-15).

Pensar nessas questões em termos quantitativos e com a imagem de


uma ciência progressivamente cumulativa em mente dificilmente faz justiça à
complexidade das questões envolvidas. Para começar, mais significativos que a
quantidade em si são os tipos de conhecimento e as tecnologias que se mostram
relevantes: no caso da educação, as técnicas de neurobiologia do desenvolvimento
e de imagem cerebral surgiram como áreas decisivas para abrir o caminho para os
neurônios e intervenção neurocognitiva.

A neuroeducação ou neuropsicopedagogia compartilha com os outros


campos neuro uma forte fé de que o avanço da ciência fornecerá soluções (ou é a
condição essencial para encontrar tais soluções). No entanto, talvez mais do que
outros, a neuropsicopedagogia enfatiza as relações de mão dupla: os neurocientistas
devem entrar na sala de aula e os professores devem levar suas perguntas ao
laboratório. Este é um primeiro passo para contrabalançar seu discurso científico,
levantando questões centrais sobre os objetivos da educação, a ética da pesquisa e
intervenção, as dimensões políticas e o impacto de futuras reformas. Por fim, como
os outros campos neuro, os neuroeducadores e neuropsicopedagogos terão que
pensar em suas suposições antropológicas, em suas crenças sobre o que os seres e
sociedades humanas são e devem ser.

DICAS

Uma leitura pertinente ao tema deste tópico é a obra Somos nosso cérebro?
de Fernando Vidal e Francisco Ortega, no qual os filósofos oferecem uma exploração crítica
do neurocentrismo.

FIGURA – LIVRO SOMOS NOSSO CÉREBRO?

FONTE: <https://bit.ly/3lphu7E>. Acesso em: 23 jun. 2020.

40
TÓPICO 2 — O CÉREBRO, O SELF E AS NEUROCIÊNCIAS

3 A TENDÊNCIA NEUROLOGIZANTE
A tendência neurologizante manifestada no surgimento das neurociências
baseia-se em suposições sobre a relação entre "ser humano" e "ter um cérebro",
ou seja, a crença de que o cérebro (ou eventualmente um equivalente funcional)
é a única parte verdadeiramente insubstituível do corpo que precisamos para
ser nós mesmos. Em uma das histórias mais famosas de Roald Dahl (1979), um
homem chamado William está disposto a sobreviver à morte de seu corpo como
um cérebro separado. Antes da operação, ele pede ao médico para manter o
nervo óptico e um olho preso a ele para que ele ainda possa ler o jornal, uma
de suas ocupações favoritas. Assim, William continua vivendo como um cérebro
flutuando em uma solução, com um globo ocular ligado a ele. No entanto, nem
para William nem para o cirurgião o olho seria necessário para a persistência de
William como exatamente a mesma pessoa que ele era antes de sobreviver ao seu
próprio corpo (DAHL, 1979). Essa fantasia corresponde às reais aspirações de
algumas pessoas: a última moda na busca da imortalidade por meio da "criônica",
em parte impulsionada por seu menor custo, é a "neuropreservação", isto é,
manter o cérebro e se livrar do resto do corpo.

É provável que mesmo alguns clientes de neuropreservação, e muitos


outros que promovam a neurologização das ciências humanas, não se reconheçam
na ontologia do cérebro e rejeitem a ideia de que podemos ser reduzidos ao nosso
cérebro. Numa perspectiva histórica, no entanto, as condições para o surgimento
da tendência em questão incluem, como elemento crucial, a figura antropológica
do sujeito cerebral. Como observado por Hagner e Borck (2001, p. 507-508), as
neurociências diferem de outros ramos das ciências da vida, como a biologia
molecular, na medida em que seu sucesso ''não se originou de um avanço
tecnológico ou conceitual, nem foi seguido, acompanhada ou aprimorada por
um fluxo igualmente rico e constante de desenvolvimentos tecnológicos”.

Reciprocamente, a cerebralização (ou, mais precisamente, a corticalização)


da pessoalidade não é um resultado inerentemente necessário do progresso
neurocientífico, como sugerido no artigo lúcido de Zimmer (2004). Pelo contrário,
é uma suposição historicamente contingente das neurociências modernas. No
decorrer do século XVIII, o cérebro se tornou não apenas a sede da identidade
pessoal, mas, mais radicalmente, a única parte do corpo essencial para o self – o
único órgão que precisamos ter e que deve ser intrinsecamente nosso, para que
sejamos nós mesmos. O desenvolvimento da neurologia e das neurociências nos
séculos XIX e XX reforçou crucialmente essa visão inicial. Então, na década de
1960, filósofos da tradição analítica anglo-americana discutiram a identidade
pessoal por meio de experimentos de pensamento que tomaram o cérebro
como objeto e transformaram as ficções cirúrgicas cerebrais em uma ferramenta
conceitual indispensável para pensar sobre a identidade pessoal (FERRET, 1993).

O surgimento das ficções cerebrais filosóficas coincidiu cronologicamente


com o aumento do peso simbólico, institucional e financeiro da pesquisa sobre
o cérebro no crescimento comparativo de áreas acadêmicas, na distribuição

41
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

de financiamento e a percepção pública de quais campos de pesquisa são


mais decisivos para o futuro da humanidade. A Organização Internacional de
Pesquisa sobre o Cérebro, uma organização não governamental reconhecida pela
UNESCO, foi criada em 1960 com o objetivo de promover as neurociências e
facilitar o treinamento e a comunicação entre os cientistas; em 1973, foi admitida
com status de associado no Conselho Internacional de Uniões Científicas, tornou-
se membro titular, em 1993, e realiza aulas anuais de neurociência desde 1999
(LISBOA, 2019).

Esse sinal inicial do crescimento internacional das ciências do cérebro foi


no final do século XX, seguido por esforços filantrópicos e vigorosa divulgação:
o governo dos Estados Unidos declarou a década de 1990 a Década do Cérebro
(VENTURA, 2010) e duas grandes fundações americanas fizeram da pesquisa
sobre o cérebro e da educação pública sobre esta temática o foco de seus
programas. Em 1992, a Fundação Dana estabeleceu uma Aliança para Iniciativas
Cerebrais e, mais tarde, lançou uma Semana Anual de Consciência Cerebral, com
o objetivo de promover o conhecimento público sobre o progresso, a promessa
e os benefícios da pesquisa cerebral; desde o ano 2000, a “Ponte entre cérebro,
mente e comportamento" é uma das três áreas do programa apoiadas pela
Iniciativa Científica do século XXI da Fundação John S. McDonnell (SOUSA,
2017). Jean-Pierre Changeux (2000) anunciou que o século XXI será o século do
cérebro; e para o especialista em memória e ganhador do Nobel, Eric R. Kandel,
a neurociência cognitiva – com sua preocupação sobre percepção, ação, memória,
linguagem e atenção seletiva – passará a representar cada vez mais o foco central
de todas as neurociências (KANDEL et al., 2014).

Esses são apenas alguns sinais visíveis do lugar que as neurociências


ocupam no universo da pesquisa científica contemporânea, pelo menos nas
nações industrializadas ocidentais. Eles falam não apenas sobre a história e a
sociologia da ciência e da medicina desde meados do século XX, mas também
sobre o núcleo da pessoalidade. Em 1989, James D. Watson, um dos descobridores
da estrutura do DNA e primeiro diretor do Projeto Genoma Humano, declarou:
“costumávamos pensar que nosso destino estava nas estrelas. Agora sabemos
que, em grande medida, nosso destino está em nossos genes” (WATSON, 1988
apud JAROFF, 1989, p. 67). Se tudo correr como profetizado, no século XXI
não deixaremos de ser nossos genes – mas nos tornaremos nosso cérebro. Uma
perspectiva histórica sobre a cerebralidade pode ajudar a antecipar e enfrentar os
desafios éticos e psicológicos que o futuro mundo neurológico inevitavelmente
colocará.

4 CÉREBRO, CORPO E SELF


A questão da cerebralidade é diferente do problema das relações entre alma
e corpo. Para simplificar, podemos dizer que existem no cristianismo ocidental até
o Iluminismo dois momentos principais e, basicamente, uma tradição na história
das ideias sobre as relações entre alma e corpo. Os momentos são o aristotélico e

42
TÓPICO 2 — O CÉREBRO, O SELF E AS NEUROCIÊNCIAS

o pós-aristotélico; a tradição é a da medicina e fisiologia galênicas. Nas estruturas


cristãs aristotélicas que dominaram o pensamento escolástico até o final do século
XVI, a alma é definida, nas palavras de Aristóteles (2010, 412a20, p. 72), como
a “forma” ou “primeira atualidade de um corpo natural que tem em potência
vida”. Isso significa não apenas que a alma (psuchè, anima) é um princípio da
vida ou aquilo que anima certos tipos de matéria, mas também que a alma não é
realmente separável do corpo. As analogias de Aristóteles sobre esse ponto são
eloquentes: "se o olho fosse um animal", escreveu ele, "a alma dele seria a visão
[...] mas o olho é a matéria para a visão e, ausente a visão, não é mais olho, exceto
por homonímia – assim como um olho de pedra ou desenhado” (ARISTÓTELES,
2010, 412b17, p. 73).

A alma concebida dessa maneira é responsável por todas as funções


essenciais dos seres vivos. Essas foram definidas como faculdades ou poderes,
com os nomes de nutritiva ou vegetativa; perceptiva ou sensível; apetitiva ou
desiderativa; motora ou locomotiva; e racional ou intelectual (BRAGA, 2018). Às
vezes, as faculdades também eram descritas como almas diferentes, mas o debate
em torno deste ponto não nos interessa aqui. O importante é que a alma humana
tenha todas essas faculdades. Foi dito que outros seres vivos não tinham uma alma
racional, e as plantas eram atribuídas apenas a uma alma vegetativa. Todos esses
organismos foram considerados animais ou corpos com alma e é por isso que, até
o final do século XVII, o termo psicologia (em uso por volta do ano 1590) ou sua
expressão sinônima “ciência da alma” (scientia de anima) designava uma ciência
genérica dos seres vivos, incluindo plantas, animais e humanos (VIDAL, 2006).
O intelecto ou a alma racional apresentavam problemas particulares. Aristóteles
(2010) falou de um "intelecto ativo", que ele descreveu como separado, imortal e
eterno. Essa noção bastante aristotélica deu origem a séculos de debate. No século
XIII, no entanto, a ideia de que a alma era uma substância unitária e de que a alma
racional era "por si mesma e, essencialmente," a "forma" do corpo (no sentido de
Aristóteles) tornou-se a doutrina oficial da Igreja cristã (BRAGA, 2018).

À medida que as estruturas aristotélicas se desintegravam, a alma deixou


de ser responsável pelas funções nutritiva, vegetativa e sensível e, como na
filosofia de René Descartes, tornou-se igual à mente ou à alma racional. Essa
foi uma transformação radical do conceito de alma e exigiu repensar a união da
alma e do corpo. Nos séculos XVII e XVIII, três posições enquadraram discussões
sobre a união alma-corpo (VIDAL, 2003). De acordo com o sistema de influência
física, as duas substâncias se afetam materialmente. No ocasionalismo de Nicolas
Malebranche (2005), Deus é o agente causal de sua união. Por exemplo, quando a
alma deseja mover o corpo, Deus faz com que ele se mova. Finalmente, Gottfried
Wilhelm Leibniz (1983) viu a relação entre alma e corpo regulada, como dois
relógios perfeitamente sincronizados, por uma harmonia pré-estabelecida. Foi
feita uma diferença entre o postulado da união alma-corpo e a interação alma-
corpo como um tópico de investigação empírica. Embora sua união fosse aceita
como um fato confirmado pela fé, razão e senso interior, ainda que misteriosa,
sua interação (commercium) poderia ser elucidada examinando os fenômenos
dos seres humanos que pareciam manifestar a dependência mútua da alma e

43
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

do corpo. Essa interação constituiu um foco principal do campo da “psicologia


empírica”, conforme se desenvolveu no século XVIII (VIDAL, 2006).

Apesar da grande diferença entre os períodos aristotélico e pós-


aristotélico, a maneira de ver a interação entre alma e corpo permaneceu por
muitos séculos muito parecida, com base nas teorias fisiológicas derivadas de
Galeno, um filósofo e médico grego do século II (VIEIRA, 2012). Com base em
ideias mais antigas atribuídas a Hipócrates, médico grego nascido por volta
de 460 AEC, Galeno propôs considerar a saúde como um equilíbrio dos quatro
principais fluidos ou "humores" do corpo. Esses humores – sangue, bile amarela,
bile preta e fleuma – são compostos de misturas dos quatro elementos (fogo,
ar, água e terra) e compartilham suas qualidades básicas (quente, frio, úmido e
seco). As prescrições terapêuticas, dietéticas e higiênicas para uma vida saudável
são baseadas em considerações destinadas a manter o equilíbrio dos humores.
Em cada indivíduo, eles estão presentes em várias proporções e misturas que
determinam o chamado "temperamento". Dizem que os temperamentos ditam
o que chamaríamos agora de personalidade e capacidade de um indivíduo, uma
ideia expressa no título do influente tratado de Galeno (1995), As faculdades da
alma seguem os temperamentos do corpo. O ponto essencial para o nosso objetivo
atual é que o ser humano foi definido como um composto de duas substâncias,
corpo e alma, intimamente conectados e em constante interação um com o outro.

A interação em si foi explicada de maneira puramente fisiológica. Segundo


Galeno (1995), o corpo inclui três sistemas: o cérebro e os nervos; o coração e as
artérias; o fígado e as veias. O sangue, formado no fígado, é transportado pelas
veias para o resto do corpo, é consumido pelos órgãos e transformado em vários
“espíritos” ou em fluidos finos e cada vez mais sutis. Primeiro, ele se torna um
"espírito natural", responsável pela nutrição e crescimento. Nos pulmões, o
sangue combina com o ar; depois ele passa para o coração, e uma parte dele se
torna o "espírito vital", do qual as funções motoras e vitais deveriam depender.
A transformação final do sangue ocorre no cérebro, onde se torna o “espírito
animal” necessário para as funções sensíveis e intelectuais. As qualidades
desses espíritos, como temperatura ou densidade, estão intimamente ligadas às
dos humores. Por exemplo, se o sangue de uma pessoa estiver muito frio, seus
espíritos animais também estarão frios e os atos mentais que dependem deles
serão fracos e lentos. Acreditava-se que os espíritos animais residissem e se
movessem entre os ventrículos cerebrais que operavam como a sede do "bom
senso", cujas informações sensoriais eram coletadas, a imaginação e a fantasia, o
juízo e o intelecto e a memória (VIEIRA, 2012).

O cérebro funciona aqui como a fábrica dos espíritos animais, mas são esses
espíritos, com o resto dos humores, que determinam o caráter e as capacidades de
uma pessoa. Por exemplo, em seu renomado Examen de ingenios para las ciencias,
de 1575, o médico, pedagogo e filósofo espanhol Juan Huarte de San Juan seguiu
o Quod animi mores de Galeno e explicou que existe uma correspondência entre
umidade e memória, secura e compreensão, calor e imaginação (VEGA, 1996). As
diferenças individuais nessas faculdades, portanto, dependiam das qualidades
físicas do cérebro, a saber, sua temperatura e grau de umidade e secura.

44
TÓPICO 2 — O CÉREBRO, O SELF E AS NEUROCIÊNCIAS

Nos séculos XVII e XVIII, a teoria humoral perdeu algum terreno contra
alternativas mecanicistas e solidistas, mas permaneceu extremamente influente.
No que diz respeito à interação entre alma e corpo, e, especialmente, as funções
cognitivas, os nervos ganharam novo significado. Eles foram concebidos como
fibras sólidas e elásticas ou como tubos ocos (VIEIRA, 2012). Nos dois casos, eles
constituíam o intermediário entre o corpo e a alma; seu papel é destacado pelo
fato de que alguns autores, como o naturalista e filósofo de Genebra, Charles Bon-
net, colocaram a sede da alma em um ponto conjectural dentro do cérebro, cujos
nervos convergiam (DALGALARRONDO, 2011). Ainda mais substancialmente
do que na estrutura galênica, onde os humores e o temperamento desempenha-
ram um papel crucial, o cérebro tornou-se o órgão do self e crucial para o desen-
volvimento da ciência da psicologia empírica. Dois dos pensadores psicológicos
mais importantes do Iluminismo, o médico escocês David Hartley em suas Obser-
vações sobre o homem, sua constituição, seu dever e suas expectativas (1749) e Bonnet
em seu Ensaio de psicologia (1754) e seu Ensaio analítico sobre as faculdades da alma
(1760), elaborou psicologias que enfatizavam o papel dos nervos e do cérebro na
formação de hábitos, mecanismos de associação e desenvolvimento de conceitos
a partir das impressões sensoriais (WHITAKER; SMITH; FINGER, 2007).

Principalmente, por razões técnicas, no entanto, o cérebro permaneceu


por muitos séculos o órgão mais difícil do corpo para examinar cientificamente
(DALGALARRONDO, 2011; SMITH; WHITAKER, 2014). Assim, a cerebralização
ou neurologização da psicologia não é de fato consequência direta de algo como
os avanços no conhecimento da estrutura e função do cérebro. Um fator crucial
foi, na verdade, precisamente a revolução antropológica que é capturada pelo
termo “cerebralidade”. E é para essa revolução que devemos nos voltar agora.

5 A REVOLUÇÃO DA CEREBRALIDADE
Apesar da importância do cérebro na fisiologia galênica e, posterior-
mente, na neuropsicologia iluminista, o surgimento da ontologia da cerebrali-
dade depende de outros fatores científicos e filosóficos. Para entender esses fa-
tores, precisamos primeiro relembrar algo essencial sobre o cristianismo como
tradição religiosa: o fato de ser baseado no mistério da Encarnação, ou seja, que
o Cristo era Deus feito carne, Deus encarnado. Certamente, houveram debates
iniciais sobre a natureza do corpo de Cristo e sobre o relacionamento exato
entre sua natureza humana e sua natureza divina. A posição que se tornou ofi-
cial era que Cristo tinha um corpo inteiramente humano e era Deus e homem.
Disso seguiu o princípio básico da antropologia cristã, que diz que uma pessoa
humana só pode existir como um corpo.

Tem sido dito frequentemente que o cristianismo vê o indivíduo como


uma dualidade, dividida entre uma alma imortal a ser elevada e redimida, e
um corpo perecível a ser mortificado e desprezado. No entanto, do ponto de
vista antropológico, sustenta o oposto da ficção de Descartes (2004) de um self
sem corpo na primeira de suas Meditações sobre a primeira filosofia. A ideia de

45
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

que, para a tradição cristã, "ser humano significa ser uma mente encarnada"
(PORTER, 1991, p. 212) é imprecisa. A expressão comum “self (eu) corporifica-
do” envolve a ideia de um self (potencialmente) desencarnado. O cristianismo,
no entanto, rejeita a possibilidade de uma pessoa existir de outra maneira que
não como um composto de corpo e alma. Como disse o teólogo Antoine Vergo-
te (1979, p. 96-97) uma pessoa "não é alguém que tem um corpo, mas [alguém]
cuja existência é corporal; [...] o corpo é o homem inteiro".

Essa antropologia tem consequências radicais, a mais misteriosa das


quais talvez seja a doutrina da ressurreição do corpo. Mais uma vez, houve
debates nos primeiros séculos do cristianismo, mas a posição oficial passou a
ser a de que tanto a identidade corporal quanto a identidade psicológica dos in-
divíduos ressuscitados serão iguais às das pessoas que eram enquanto viviam.
“Identidade”, no sentido do pronome reflexivo latino ipse, necessita, portanto,
de “mesmidade”, no sentido de idem (usado quando dois predicados são refe-
ridos ao mesmo assunto ou, na comparação, “o mesmo que ...”). Existem alguns
problemas complicados envolvidos nessa visão. Alguns foram criados no início
do cristianismo e mantiveram os pensadores preocupados até o século XVIII
(VIDAL, 2002). Eles envolveram perguntas como: se toda a nossa carne precisa
ser restaurada em nossos corpos ressuscitados, o que acontece com toda a ma-
téria que perdemos e substituímos ao longo de nossas vidas? Ou, de maneira
mais dramática: se você é comido por um canibal que assimila sua carne a dele,
onde a carne assimilada terminará, no corpo ressuscitado do canibal ou no seu?

Essas perguntas expressaram um problema ontológico. A doutrina da


ressurreição afirma que nossos corpos ressuscitados serão "espirituais" e se-
rão dotados de algumas qualidades especiais. Ao mesmo tempo, afirma que os
corpos ressuscitados permanecerão “numericamente” idênticos aos corpos de
carne que possuímos durante nossa vida na Terra, ou seja, idênticos não apenas
qualitativamente, mas em sua matéria física. Entre os cristãos, a questão nunca
foi se a ressurreição ocorrerá ou se, como pessoas ressuscitadas, seremos real-
mente nós mesmos. A dificuldade conceitual era imaginar a “automesmidade”
corporal e sua relação com o que significa ser nós mesmos (LEYSER, 2015). Os
corpos ressuscitados serão numericamente idênticos aos corpos terrestres cor-
respondentes? Se sim, como? E se não, de que dependerá sua identidade quali-
tativa? O problema da ressurreição destaca, assim, o princípio da antropologia
cristã, ou seja, que o corpo é a pessoa inteira, que não existe existência humana
desencarnada e que, para que cada um de nós seja nós mesmos, precisamos ter
corpos – não apenas qualquer corpo, mas o nosso. No final do século XVII, no
entanto, essa visão foi reconsiderada e contestada.

No que diz respeito ao nosso tópico, três processos inter-relacionados


começaram no contexto da Revolução Científica: uma desencarnação relativa
da pessoa, a psicologização da identidade pessoal e a crescente focalização do
corpo no cérebro (MARTIN; BARRESI, 2006). Dois componentes do que foi en-
tão chamado de “nova filosofia” combinados para gerar uma primeira forma de
cerebralidade: a teoria corpuscular da matéria e a teoria da identidade pessoal

46
TÓPICO 2 — O CÉREBRO, O SELF E AS NEUROCIÊNCIAS

de John Locke. A filosofia corpuscular (que foi adotada por Isaac Newton, por
exemplo) explica os fenômenos da natureza pelo movimento, repouso e posição
das partículas intercambiáveis da
​​ matéria. As diferenças entre os corpos físicos
não derivam da natureza de sua substância, mas das propriedades mecânicas
de suas partículas em composição. Isso teve uma consequência imediata e ex-
plícita para a doutrina da ressurreição, a saber, que os corpos ressuscitados não
precisavam mais ser compostos exatamente da mesma matéria que os corpos
terrestres correspondentes. A continuidade material perdeu sua importância
como elemento constitutivo da identidade pessoal; e isso, como o filósofo John
Locke (2012) logo deixaria claro, aplicava-se não apenas às pessoas ressuscita-
das, mas também à pessoalidade em geral.

Na segunda edição de seu Ensaio sobre o entendimento humano, Locke


(2012) propôs separar substância e identidade pessoal. Sua teoria começa com
a distinção entre homem e pessoa. Locke escreve que a identidade do homem
consiste na “participação de uma mesma vida contínua em partículas de maté-
ria constantemente fugidias, vitalmente unidas em sucessão a um mesmo cor-
po organizado" (LOCKE, 2012, p. 348); assim, se a alma de Locke fosse trans-
portada para um de seus animais de estimação, ninguém diria que o animal
de estimação era um homem ou Locke. Em contraste, Locke definiu a pessoa
como “um ser pensante inteligente, de razão e reflexão, que pode se considerar,
em diferentes tempos e lugares" (LOCKE, 2012, p. 352). A identidade pessoal,
portanto, reside em uma continuidade de memória e consciência, naquilo que
Locke chamou de mesmidade ou mesmice do ser racional. E ele acrescentou,
“o alcance da identidade de uma pessoa é igual à extensão retrospectiva da
consciência que ela tem de uma ação ou de um pensamento” (LOCKE, 2012, p.
352-353). A identidade pessoal, explicou, depende exclusivamente de ser a mes-
ma consciência. Como bem explica Locke: “o que faz que um homem seja, para
si mesmo, ele mesmo, o que consiste em sua identidade pessoal é uma mes-
ma consciência, seja anexada a uma única substância individual, seja contínua,
numa sucessão de muitas substâncias” (LOCKE, 2012, p. 354). Segue-se que o
self (que é para Locke o que a palavra “pessoa” significa), também depende da
consciência e não da substância. Assim, o filósofo imagina que, se meu dedo
mínimo for cortado da minha mão, e minha consciência ficar com ele, então é
evidente que o dedo mínimo seria a pessoa, a mesma pessoa, e o eu [self] não
teria então nada a ver com o resto do corpo. Nesta perspectiva do individua-
lismo possessivo, não dizemos que somos "corpos", mas que "temos" corpos;
objetivados e distanciados de nós mesmos, nossos corpos se tornam para nós
coisas que possuímos, não entidades que somos (TAYLOR, 1989). A identidade
pessoal torna-se assim psicológica e distinta da identidade corporal.

Em comparação com a ênfase anterior na corporalidade essencial do


self, a abordagem lockeana implica uma óbvia perda de corpo. Esse tipo de de-
sencarnação não pode ser total. Nas ficções de Locke, a memória e a consciência
necessárias para a identidade ainda estavam presas a um dedo mínimo. Na psi-
cologia empírica do Iluminismo, elas estavam localizadas no cérebro. Portanto,
permaneceu o caso de que uma alma desencarnada separada não poderia, por
si só, constituir o que Locke chamou de homem. A questão era: de que parte

47
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

de nosso corpo precisamos para ser nós mesmos? E a resposta foi que, para ser
uma pessoa, tudo que um indivíduo precisa é de seu próprio cérebro – aquele
que envolve sua memória e consciência. O resto do corpo é descartável e, quan-
do presente, não precisa mais ser o da pessoa.

Não é de surpreender que as ciências do cérebro não se envolvam dire-


tamente com essas questões. Três debates internos as dominaram desde o final
do século XVIII. Um é o debate mente-cérebro, monismo-dualismo. A questão
aqui é se a cognição e o comportamento em geral, tendo o cérebro como funda-
mento material, podem de alguma forma ser considerados entidades separa-
das ou se a mente e suas funções podem ser reduzidas ao cérebro. O segundo
debate se opôs ao localismo e ao holismo, sendo a questão aqui se os neurônios
e diferentes áreas do cérebro têm funções específicas ou se o cérebro funciona
como uma totalidade integrada. O terceiro diz respeito à natureza da consciên-
cia e como ela pode ser causada pelo cérebro. Nesse sentido, a recorrência do
termo "alma" nas neurociências e neurofilosofia contemporânea provavelmente
não é uma simples figura de linguagem ou uma afirmação irônica, mas o sinal
de um grande problema a ser resolvido.

O século XIX oferece muitos sinais do surgimento do sujeito cerebral.


A frenologia é o exemplo mais conhecido (GOODWIN, 2005). Com base nas
teorias do médico vienense Franz Joseph Gall (1758-1828), a frenologia era ao
mesmo tempo uma psicologia da faculdade, uma teoria do cérebro e um mé-
todo para avaliar o caráter e as habilidades das pessoas. Foi baseado em várias
premissas: que o cérebro é o órgão da mente; que a mente é composta de facul-
dades inatas; que cada faculdade tem seu próprio local ou "órgão" no cérebro;
que o tamanho de um órgão é proporcional à força da faculdade corresponden-
te; que o cérebro é formado pelo crescimento diferencial desses órgãos; e, final-
mente, que, como o crânio deve sua forma ao cérebro subjacente, sua superfície
ou "saliências", revelam as aptidões e tendências psicológicas de um indivíduo.

Embora os supostos órgãos cerebrais tenham sido imaginários, a freno-


logia foi o primeiro sistema a atribuir qualidades e comportamentos psicológi-
cos a regiões localizadas do córtex cerebral, e algumas de suas premissas foram
confirmadas na segunda metade do século XIX, quando os avanços fundamen-
tais foram feitos, especialmente no que diz respeito à localização cerebral e
à citoarquitetura (ou a arquitetura celular do cérebro, incluindo a descoberta
do neurônio). Essas descobertas foram encorajadas (e obviamente confirma-
das) pela ideia de que o cérebro é o órgão do self. Essa crença se materializou
em pesquisas sobre os cérebros de gênios, criminosos e doentes mentais, cujas
extraordinárias qualidades positivas ou negativas deveriam estar inscritas em
seus cérebros (HAGNER, 2004). Desde então, a suposição neurofilosófica de
uma correlação entre estados cerebrais e estados psicológicos não perdeu ne-
nhum de seu fascínio – pelo contrário, sua atração aumentou graças à dissemi-
nação de técnicas de neuroimagem que geram imagens cuja beleza dinâmica e
aparente imediatismo, e suposta legibilidade e apelo intuitivo, conferem a eles
o status de fatos convincentes sobre quem somos (DUMIT, 2004).

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TÓPICO 2 — O CÉREBRO, O SELF E AS NEUROCIÊNCIAS

DICAS

Assista a palestra Neurociências: nós somos nossos cérebros? com o filó-


sofo Francisco Ortega, gravada em 2019 e disponibilizada pelo Instituto CPFL. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=sT4RMtiBxX0.

6 UMA ONTOLOGIA DA CEREBRALIDADE


Os desenvolvimentos esboçados conspiraram para fazer surgir o homo
cerebralis e o homem neuronal, bem como a crença implícita de que um ser
humano, para ser uma pessoa, não precisa de nada além de seu cérebro. Uma
ontologia da cerebralidade, no entanto, cristalizou-se apenas na década de 1960,
em certas discussões filosóficas sobre identidade pessoal. Essas discussões foram
caracterizadas pelo uso de experimentos imaginários análogos aos que John Locke
empregou em seu ensaio – apenas que os experimentos agora diziam respeito ao
cérebro. Até onde sabemos, o primeiro exemplo pode ser encontrado em um livro
publicado em 1963 pelo filósofo Sidney Shoemaker, da Universidade de Cornell.

No contexto da discussão de critérios corporais e psicológicos da


identidade pessoal, Shoemaker apresentou um dos argumentos de Locke, que
ele chamou de "argumento da mudança de corpo". Locke observou que, “caso a
alma de um príncipe, levando consigo a consciência da vida passada do príncipe,
entrasse e desse forma ao corpo de um sapateiro, tão logo este fosse abandonado
por sua própria alma”, mesmo ainda com a aparência do sapateiro, “todo mundo
veria que ele seria a mesma pessoa que o príncipe, responsável somente pelas
ações do príncipe” (LOCKE 1964 apud BONJOUR; BAKER, 2010, p. 279). Como
Shoemaker (1963, p. 22) observa, a ideia de Locke é que “uma pessoa pode deixar
de ter o corpo que era ‘dele’ no passado e passar a ter um corpo diferente”.

O filósofo Shoemaker (1963) passa a imaginar que a medicina desenvolveu


uma técnica de “extração cerebral”, para que um cérebro possa ser totalmente
removido do crânio de uma pessoa para ser examinado ou operado e depois
colocado de volta no crânio. Um dia, um cirurgião descobre que um assistente,
enquanto substituía os cérebros de Brown e Robinson após a extração, os trocou.
Um dos dois homens morre imediatamente, mas o outro sobrevive. Ele tem o
corpo de Robinson e o cérebro de Brown – então, propõe Shoemaker, vamos
chamá-lo de "Brownson". Quando Brownson recupera a consciência e olha para
si mesmo, ele fica totalmente surpreso com a aparência de seu corpo, e afirma que
seu corpo é o cadáver do Sr. Robinson deitado em uma cama próxima. Quando
perguntado o nome dele, ele responde "Brown", reconhece a esposa e a família de
Brown e pode descrever eventos na vida de Brown. Na verdade, ele exibe todos os
traços de personalidade e outras características psicológicas que caracterizaram
Brown.

49
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

Shoemaker (1963) observa, com razão, que muitos de nós estariam


fortemente inclinados a dizer que, enquanto Brownson tem o corpo de Robinson,
ele é realmente Brown. Seu comentário sobre esta situação, no entanto, é que seria
absurdo sugerir que a identidade do cérebro seja nosso critério de identidade
pessoal. De fato, se, ao recuperar a consciência, Brownson agisse e falasse como
Robinson sempre fez no passado, certamente ninguém diria que esse homem que
olha, age e fala como Robinson, e tem o que sempre foi o corpo de Robinson,
deve ser realmente Brown, e não Robinson, porque ele tem o cérebro de Brown.
Shoemaker conclui que a relação entre o estado do cérebro e as características
psicológicas de alguém é causal e contingente, mas não é logicamente necessária.
Browson ter o cérebro de Brown "torna sua afinidade psicológica com o velho
Brown [...] causalmente inteligível [...], mas isso não pode ser em si mesmo o nosso
fundamento para dizer [...] que Brownson é Brown.” (SHOEMAKER, 1963, p. 24).
Se dissermos isso, estamos permitindo que os critérios psicológicos de identidade
pessoal substituam “o fato de não identidade corporal” (SHOEMAKER, 1963, p.
25). Os críticos observaram que, falando de "não identidade corporal" e chamando
esse argumento de "argumento da mudança de corpo", Shoemaker trata um corpo
sem cérebro como se fosse o corpo na sua totalidade – negligenciando totalmente
o fato de que o cérebro faz parte do corpo (FERRET, 1993, p. 77). E, no entanto,
poucas figuras de linguagem nesse domínio são mais comuns do que a dicotomia
corpo-cérebro.

Na esteira de Shoemaker, tornou-se inevitável recorrer a ficções cerebrais


cirúrgicas para discutir a identidade pessoal. O cérebro emergiu como o limite
somático do self, de tal maneira que deixo de ser (eu mesmo) se meu cérebro
é amputado. Os critérios psicológicos e corporais podem ser combinados na
seguinte fórmula: uma pessoa A é idêntica a uma pessoa B somente se A e B
tiverem o mesmo cérebro funcional (FERRET, 1993). Essa definição, que reduz
o corpo relevante ao cérebro, pode ser tomada como o axioma da cerebralidade.

Entendida dessa maneira, a cerebralidade possui inúmeras materializações


culturais fora da filosofia e das ciências humanas e da vida: na ética médica (que
lida com questões como morte cerebral, técnicas de intervenção cerebral e enxerto
neural); em teologia e religião (abrangendo não apenas a “neuroteologia” ou a
busca pela base neurocientífica da espiritualidade e da experiência religiosa,
mas também questões como se a ressurreição do corpo não deve ser reconcebida
como a ressurreição do cérebro); e, finalmente, no conglomerado em expansão de
neurocrenças e neuropráticas que vão de aprender a desenhar ou sentir com um
lado do cérebro, a várias formas de neurosalutarismo e neuroesoterismo.

O trabalho do socioantropólogo da ciência Joseph Dumit mostra como


as técnicas de neuroimagem produzem uma “imagem digital da categoria da
pessoa” e alteram a vida e a autopercepção das pessoas por meio do que ele chama
de “automodelagem objetiva” (DUMIT, 1997, 2004). Finalmente, estudos recentes
sobre práticas de modificação corporal sugerem que, enquanto o corpo extra
cerebral é visto como um local fundamental da identidade pessoal e, portanto,
como veículo para se transformar, as práticas em questão também implicam uma

50
TÓPICO 2 — O CÉREBRO, O SELF E AS NEUROCIÊNCIAS

atitude em relação ao corpo que o faz ser algo que possuímos, não aquilo que
somos (FEATHERSTONE, 2000).

Mesmo que a questão mente-cérebro tenha sido efetivamente suspensa


ou resolvida graças a uma noção unitária (por exemplo, "cérebro mental"),
é provável que a cerebralidade continue sendo uma suposição tácita. É muito
significativo, por exemplo, que em um argumento contra o ceticismo o filósofo
de Harvard, Hilary Putnam (1992), imaginou a seguinte situação: enquanto você
dormia, um cientista removeu seu cérebro, colocou-o em uma cuba e ligou-o a
um computador que envia para seus terminais nervosos os tipos de sinais que
geralmente informa seu cérebro. Quando você acorda, tudo parece o mesmo de
sempre, contudo você não passa de um cérebro em uma cuba. Não importa como
Putnam tirou conclusões anticéticas desse experimento mental, ele afirma que
se você fosse realmente um cérebro em uma cuba, você não poderia pensar que
era um cérebro em uma cuba. O que conta é quão óbvio parece ser a escolha do
cérebro, como se investigar problemas de autoconhecimento de maneira natural
e necessariamente implicaria a cerebralidade.

Até o momento, existem várias maneiras de diferenciar ou resistir à


ontologia da cerebralidade; e é crucial enfatizar que nenhuma delas exige negar o
papel obviamente fundamental do cérebro. Uma abordagem é ilustrada no livro
Real people (Pessoas reais) de 1988, escrito por Kathleen Wilkes, cuja crítica dos
experimentos mentais não a impede de dedicar muitas páginas ao cérebro, com
ênfase na necessidade de não simplificar demais as informações científicas e não
reduzir o cérebro ao córtex cerebral.

Outra abordagem foi a de Paul Ricoeur (1991). Para ele, as ficções cerebrais
neutralizam o corpo e o restringem ao cérebro às custas do self (eu) como carne
(soi comme chair – eu como carne). O cérebro, ele observa, é diferente do resto
do corpo, pois não possui "status fenomenológico". De fato, embora tenhamos
uma "relação vivida" com outros órgãos do corpo, sejam eles relacionados ao
movimento (a mão), a percepção (o olho), a emoção (o coração) ou a expressão (a
voz), nenhuma experiência do mesmo tipo se aplica ao cérebro (RICOEUR, 1991).

Uma terceira abordagem foi a do neurocientista Francisco Varela (1996).


Começando com uma crítica à equação cérebro-corpo e ao neuro-reducionismo
eliminatório (segundo o qual não há estados mentais, apenas estados neuronais),
ele desenvolveu uma "neurofenomenologia" que visava reintegrar-se na
incorporação das neurociências e na experiência em primeira pessoa.

Acredito que essas reações à cerebralidade estão no caminho certo. Os


estudos de cerebralidade, no entanto, mal começaram, e a história e as implicações
completas do sujeito cerebral ainda precisam ser exploradas. A tarefa não é
fácil, pois certamente não podemos ficar sem pelo menos uma parte de nossos
cérebros, e já que a cerebralidade funciona como uma condição existencial na
qual estamos todos imersos; já dita o momento de nossas mortes – embora seja
problemático (BERGESCH, 2006) – e moldará cada vez mais, com benefícios e

51
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

riscos, o curso de grande parte de nossas vidas. Ao mesmo tempo, na medida


em que a cerebralidade constitui uma visão sobre o que os humanos são, é uma
criação humana desprovida de necessidade inerente, apenas mais um exemplo
do impulso imemorial de atribuir autoridade moral à natureza. Compreender e
aceitar a ontologia da cerebralidade é uma tarefa futura a longo prazo. Aqui, não
podemos fazer mais do que indicar indiretamente algumas sugestões e oferecer
um emblema dos desafios que possivelmente teremos que enfrentar. Em 1991,
Helen Chadwick criou uma impressionante obra de arte (Figura 1).

FIGURA 3 – HELEN CHADWICK, ‘‘SELF-PORTRAIT’’ (AUTORRETRATO)

FONTE: <https://bit.ly/394aEPo>. Acesso em: 23 jun. 2020.

É uma fotografia, impressa em uma placa de vidro e iluminada por


trás. Autorretrato é o seu título desconcertante. Chadwick (1996) substituiu um
cérebro pela face dos autorretratos tradicionais, ela parece estar dizendo: "eu sou
o meu cérebro". O cérebro representado, no entanto, não poderia ser o próprio
da artista; em contraste, as mãos, outro elemento tradicional de autorretrato, são
de fato dela, com sua forma única e suas marcas e ornamentos característicos.
Eles seguram o cérebro em um gesto cuidadoso que o apresenta como se fosse
um ato de oferenda ou devoção, quase uma imposição de mãos, sacralizando
seu significado e anunciando sua fragilidade no que é um retrato do self (eu).
A própria presença das mãos, o tecido confuso e cor de carne em forma de
cérebro, remete-nos a todo o corpo da artista, a sua arte, sua individualidade,
sua história, seus laços contextuais e pessoais. Helen Chadwick declarou: "quero
que o corpo seja um local de vitória tanto quanto o cérebro" (CHADWICK, 1996
apud WARNER, 1989, p. 58). Seu autorretrato, então, claramente não diz: "eu sou

52
TÓPICO 2 — O CÉREBRO, O SELF E AS NEUROCIÊNCIAS

o meu cérebro". Antes, mostra que, de fato, o cérebro está no centro da obra de
arte – mas também que a pessoa que criou a obra não é redutível ao cérebro dela.

Isso é consistente com o espírito em que este livro didático explora a


neuropsicopedagogia ou a neuroeducação. As breves considerações históricas
sobre o cérebro e o self apresentadas aqui, no entanto, mostram que tal posição
não é a única e que ela própria resulta de um desenvolvimento histórico e de uma
atitude reflexiva diante dos desafios das neurociências. Tais considerações esboçam
o tipo de ambiente em que o projeto neuropsicopedagógico e neuroeducacional
está crescendo e podem ajudar seus atores a permanecerem sensíveis ao seu
contexto e dimensões antropológicas.

Os educadores, na prática, podem achar que a parte da "arte" na educação


sempre ultrapassará a parte da "ciência". No entanto, o problema pode ser como
harmonizar as duas, e pensar a contribuição da neurociência para a educação
em outros termos que não sejam apenas quantidades de dados disponíveis
sobre a estrutura e função do cérebro. Pois, como a história da cerebralidade e
do sujeito cerebral parece sugerir, como as neurociências afetarão a educação
dependerá menos de informações técnicas do que de decisões conhecedoras e,
esperançosamente sábias, morais, filosóficas e políticas sobre o que é ser humano
e como a sociedade humana deve ser organizada.

53
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Cerebralidade pode ser usado para nomear a qualidade ou condição de ser


um cérebro.

• O cérebro emergiu como o único órgão verdadeiramente indispensável para a


existência de um self (eu) humano e para definir a individualidade.

• A noção de sujeito cerebral pressupõe o conceito de homo cerebralis de


Michael Hagner e, também, implica o "homem neuronal” de Jean-Pierre
Changeux.

• O surgimento de neuro domínios de investigação constitui uma característica


marcante da paisagem cultural atual.

• O prefixo neuro declara que o avanço das neurociências coloca desafios


cruciais e oferece oportunidades empolgantes para as disciplinas envolvidas.

• Embora a educação seja muito mais do que seus aspectos neurais, as


neurociências podem iluminar muitas de suas necessidades.

• Acredita-se que o avanço das ciências neurocognitivas acabará por dar


à educação uma base empírica mais firme e levar a reformas pedagógicas
apropriadas.

• Os neuroeducadores e neuropsicopedagogos terão que pensar em suas


suposições antropológicas, em suas crenças sobre o que os seres e sociedades
humanas são e devem ser.

• A tendência neurologizante, manifestada no surgimento das neurociências,


baseia-se em suposições sobre a relação entre "ser humano" e "ter um cérebro"
– a crença de que o cérebro é a única parte verdadeiramente insubstituível do
corpo que precisamos para ser nós mesmos.

• A cerebralização (mais precisamente, a corticalização) da pessoalidade não é


um resultado inerentemente necessário do progresso neurocientífico.

• O surgimento das ficções cerebrais filosóficas coincidiu cronologicamente


com o aumento do peso simbólico, institucional e financeiro da pesquisa
sobre o cérebro.

• Apesar da grande diferença entre os períodos aristotélico e pós-aristotélico, a


maneira de ver a interação entre alma e corpo permaneceu por muitos séculos

54
muito parecida, com base nas teorias fisiológicas derivadas de Galeno.

• A cerebralização ou neurologização da psicologia não é de fato consequência


direta de algo como os avanços no conhecimento da estrutura e função do
cérebro.

• O problema da ressurreição destaca, assim, o princípio da antropologia cristã,


ou seja, que o corpo é a pessoa inteira.

• Três processos inter-relacionados começaram no contexto da Revolução


Científica: uma desencarnação relativa da pessoa, a psicologização da
identidade pessoal e a crescente focalização do corpo no cérebro.

• O século XIX oferece muitos sinais do surgimento do sujeito cerebral, a


frenologia é o exemplo mais conhecido.

• Uma ontologia da cerebralidade cristalizou-se apenas na década de 1960, em


certas discussões filosóficas sobre identidade pessoal.

• O cérebro emergiu como o limite somático do self, de tal maneira que deixo
de ser (eu mesmo) se meu cérebro é amputado.

• Existem várias maneiras de diferenciar ou resistir à ontologia da cerebralidade,


e nenhuma delas exige negar o papel fundamental do cérebro, como nas obras
de Kathleen Wilkes, Paul Ricoeur e Francisco Varela.

55
AUTOATIVIDADE

1 O que denota o termo “cerebralidade”?

2 Qual foi a crítica levantada por John Breur à neuroeducação ou à neuropsi-


copedagogia?

3 Em que se embasa a tendência neurologizante?

56
UNIDADE 1 TÓPICO 3 —

CONSTRUINDO PONTES:
NEUROPSICOPEDAGOGIA E
NEUROEDUCAÇÃO
1 INTRODUÇÃO
As iniciativas da neuropsicopedagogia e da neuroeducação de questões
sobre a mente, o cérebro e a educação devem construir pontes entre educadores
e cientistas comportamentais, cognitivos e neurobiológicos. Contudo, algumas
pontes são robustas e outras são problemáticas.

Os vínculos do desenvolvimento cognitivo com a educação podem ser


diretos e úteis. Por exemplo, crianças com baixo nível socioeconômico geralmente
apresentam atrasos na aquisição normal de habilidades e conceitos aritméticos.
Quando essas crianças têm acesso a treinamento intensivo, elas superam os
obstáculos e melhoram seu nível de desempenho. Algumas outras pontes não são
tão bem fundamentadas. Em particular, a ênfase excessiva em períodos críticos
ou sensíveis para a aprendizagem relacionada à maturação cerebral levou a um
conceito restritivo de “janelas de oportunidade” para a aprendizagem, o que não
é sustentado por pesquisas sobre aprendizagem.

De fato, algumas pesquisas invalidam a visão comum de que alta


densidade sináptica é necessária para a aprendizagem. A ligação da neurociência
à pedagogia e à educação precisa incluir a avaliação dos comportamentos-alvo,
por exemplo, aprender aritmética e leitura, e não presumir que as descobertas
cerebrais se vinculem de maneiras óbvias. Você verá em outros tópicos deste
livro, nesta e em outras unidades, que existem áreas em que os vínculos entre
pesquisa cerebral e comportamentos educacionalmente relevantes estão sendo
feitos de modo profícuo e com a cautela científica apropriada, especialmente para
linguagem e aritmética.

Neste tópico, partimos de algumas preocupações sobre supostas


implicações da neurociência do desenvolvimento no ensino e na aprendizagem.
Pois, atualmente a psicologia cognitiva é uma fonte melhor para pesquisa
básica educacionalmente relevante do que a neurociência do desenvolvimento,
quando entendida de modo não crítico e isolada. A neurociência cognitiva ainda
é a candidata mais promissora para uma ciência básica da aprendizagem, mas
também depende dos métodos da psicologia cognitiva. A melhor estratégia dos
educadores que trabalham com a neuropsicologia e a neuroeducação é adotar
a psicologia cognitiva e construir pontes “aplicada” da psicologia cognitiva à
prática educacional e pontes básicas entre a ciência cognitiva e a neurociência dos
sistemas.

57
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

Deste modo, aqui vamos questionar o papel dominante que a neurociência


visual teve no pensamento sobre as bases neurais da aprendizagem. Vamos
também ilustrar a importância de modelos cognitivos para pesquisa e prática
educacional e abordar como a neurociência cognitiva pode ajudar a refinar
modelos cognitivos relevantes para a educação.

Muito bem, então vamos lá!

2 APRENDIZAGEM E NEUROCIÊNCIA VISUAL


Os neurocientistas sabem desde o final dos anos 1970 que em macacos e
humanos há um período no desenvolvimento pós-natal precoce, durante o qual
a taxa de formação de sinapses excede a taxa de eliminação de sinapses, ou seja,
há períodos de sinaptogênese no desenvolvimento (LEYSER, 2018). Os cientistas
comportamentais e etólogos também observaram que há períodos críticos no
desenvolvimento animal e humano (BAILEY et al., 2001). Embora a definição de
“período crítico” tende a variar de autor para autor, a ideia central é que existam
períodos limitados no desenvolvimento biológico em que um organismo é
suscetível, preparado ou aberto a certos tipos de experiência. Se essa experiência
não ocorrer durante esse período, o desenvolvimento diverge permanentemente
de sua trajetória normal. Muito do que sabemos sobre os mecanismos neurais
subjacentes a períodos críticos deriva de pesquisas sobre como a privação visual
afeta a formação ou manutenção de colunas de dominância óptica no córtex visual
(SINGER, 2008). Há também um histórico de pesquisas sobre como a criação de
ratos em ambientes complexos (ambientes selvagens ou naturais simulados)
afeta a estrutura sináptica no córtex visual de ratos (GREENOUGH, BLACK;
WALLACE, 1987).

NOTA

Sinaptogênese é a formação dos circuitos neurais. É a criação de sinapses que


ocorre rapidamente no córtex durante os primeiros anos após o nascimento, resultando na
quadruplicação do peso geral do cérebro na idade de quatro anos. Contudo, a sinaptogênese
ocorre em surtos, ela não é regular e contínua. Como estes surtos produzem mais sinapses
do que o necessário, cada surto é seguido por períodos de podas sinápticas (BOYD; BEE,
2011).

Com base nessas descobertas, alguns educadores e neurocientistas tentam


extrair implicações educacionais de longo alcance (CASTORINA; CARRETERO,
2014). Eles afirmam, por exemplo, que a sinaptogênese do desenvolvimento
ocorre durante os primeiros 10 a 12 anos de vida e que este é um período de

58
TÓPICO 3 — CONSTRUINDO PONTES: NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

densidade sináptica elevada e metabolismo cerebral. Partindo disso, afirmam que


este seria o período crítico no desenvolvimento do cérebro e que, durante esse
período crítico, as crianças aprendem com mais rapidez e eficiência do que em
qualquer momento da vida.
Essa afirmação vem em várias variedades, algumas mais extremas que
outras, porém ela mantém sua credibilidade nos círculos educacionais e políticos,
apenas porque alguns neurocientistas explicitamente mantêm, sugerem ou
levantam a hipótese de que seu trabalho tem tais implicações (BRUER, 2002).

Por exemplo, Kandel et al. (2014) concluem uma discussão de períodos


críticos na formação/manutenção de colunas de dominância ocular, sugerindo
que esses períodos provavelmente são características gerais do desenvolvimento
do cérebro. Isso explicaria por que certas capacidades – como as de linguagem,
música ou matemática – geralmente devem ser desenvolvidas bem antes da
puberdade, para que possam se desenvolver de fato.

Ao argumentar pela hipótese de que o período de alta densidade sináptica


é privilegiado para a aprendizagem, Peter Huttenlocher (2003, p. 541) escreveu:
“os dados mostram boas correlações entre a idade da poda sináptica e o declínio da
plasticidade do cérebro, especialmente em sistemas mais simples, como o córtex
visual”. Um comunicado de imprensa do Instituto Nacional de Saúde Mental,
publicado no estudo de imagens de Giedd et al. (1999), mostrou mudanças na
substância branca no cérebro adolescente em desenvolvimento implicando que
esse também poderia ser um período crítico para a aprendizagem. Embora os
cientistas ainda não saibam o que explica as mudanças observadas, Giedd et al.
(1999) afirmam que elas podem ser paralelas a um processo de poda que ocorre
no início da vida que parece seguir o princípio do “usar ou largar”. Ou seja,
as conexões neurais, ou sinapses, que são exercitadas são mantidas, enquanto
aquelas que não, são perdidas. Pelo menos, é o que sugerem os estudos sobre o
desenvolvimento de sistemas visuais dos animais. Neste contexto, Max Cynader
(2000, p. 1943) afirmou: “o córtex visual representa o melhor sistema modelo que
temos para entender como a estimulação sensorial do cérebro inicial influencia os
circuitos e funções cerebrais ao longo da vida”.

As primeiras perguntas que um programa integrado de pesquisa mente-


cérebro-educação deve fazer são: o sistema visual é o melhor modelo? Isso tem
implicações para a aprendizagem ao longo da vida? A resposta curta é “não”.

A interpretação de Harry Chugani do estudo de Chugani, Phelps e


Mazziota (1987) é o exemplo mais conhecido cuja dependência excessiva da
neurobiologia do desenvolvimento gera falsas implicações (pseudoimplicações)
para o ensino-aprendizagem. Chugani (1998) acredita que a alta densidade
sináptica e o metabolismo cerebral elevado dos períodos de desenvolvimento
são a janela de oportunidade biológica quando a aprendizagem é eficiente e
facilmente retida.

59
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

O estudo de Chugani, Phelps e Mazziota (1987) utilizou imagens PET


para medir as alterações no metabolismo da glicose no cérebro em repouso para
várias regiões do cérebro em indivíduos com idade variada, desde a infância até a
idade adulta jovem. A curva sólida (Gráfico1), representada pela linha vermelha
– porcentagem máxima de captação de glicose ao longo da vida útil – mostra
mudanças observadas na captação de glicose ao longo do desenvolvimento do
córtex frontal, uma das áreas mais recentes do cérebro a sofrer sinaptogênese e
poda de desenvolvimento.

GRÁFICO 1 – CAPTAÇÃO DE GLICOSE NO CÓRTEX FRONTAL E CURVA DE APRENDIZAGEM DE


TAREFAS

FONTE: Bruer (2011, p. 16)

O período elevado de captação de glicose nessa região cerebral, o córtex


frontal, ocorre entre 2 e 11 anos de idade. Os autores Chugani, Phelps e Mazziola
(1987) afirmam que o aumento da captação de glicose ocorre para apoiar o aumento
da densidade sináptica durante a sinaptogênese do desenvolvimento. Esse deve
ser, então, o período crítico ou janela biológica de oportunidade, para as tarefas
de aprendizagem associadas ao córtex frontal. Nesse período, as crianças devem
mostrar alguma vantagem em aprender essas tarefas.

Uma revisão das evidências comportamentais disponíveis não suporta


esta alegação. Por exemplo, Overman et al. (1996b) treinaram indivíduos de 15
meses a 20 anos na Prova do Intruso (Oddity Task) – tarefa comumente assumida
como dependente do córtex frontal. Ele testou indivíduos cinco dias por semana,
15 ensaios por dia, até atingirem um critério de aprendizagem de 13/15 escolhas
corretas em dois dias de teste consecutivos ou que tivessem passado por um
máximo de 1500 ensaios de treinamento.

60
TÓPICO 3 — CONSTRUINDO PONTES: NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

NOTA

O Oddity Task (Prova do Intruso) – um teste desenvolvido por Bradley e


Bryant (1983) que averigua consciência de aliteração e rima. Nesta prova ou tarefa, a
criança deve decidir qual a palavra que não tem o mesmo som que outras em duas listas,
sendo a primeira de rima e a segunda de aliteração.

Com que rapidez e eficiência os sujeitos aprenderam essa tarefa em


diferentes idades? A curva azul no Gráfico 1 responde a essa pergunta. A
curva azul mostra a mudança por idade no número de sujeitos de ensaios de
treinamento necessários para atingir o critério na tarefa. Quanto mais testes
forem necessários, menos fácil e menos eficiente será a aprendizagem. O eixo
Y à direita do Gráfico 1 é invertido para a curva de aprendizagem. À medida
que a curva de aprendizagem desce, a aprendizagem piora. À medida que a
curva sobe, a aprendizagem melhora. Para a Prova do Intruso, a facilidade de
aprendizagem está negativamente correlacionada com a captação frontal de
glicose. À medida que o metabolismo cerebral aumenta, a aprendizagem piora.
À medida que o metabolismo cerebral diminui, a aprendizagem melhora. Além
disso, a aprendizagem continua a melhorar depois que a captação frontal de
glicose se instala em níveis maduros.

Este não é um resultado isolado. Macacos e humanos adultos aprendem


algumas tarefas mais rapidamente do que indivíduos imaturos (BACHEVALIER;
MISHKIN, 1984). Os adultos aprendem as tarefas de navegação espacial
mais rapidamente do que as crianças (OVERMAN et al., 1996c). Humanos e
macacos adultos aprendem tarefas de discriminação mais rapidamente do que
indivíduos imaturos (OVERMAN et al., 1996a). Declarações simplistas baseadas
ou extrapoladas da neurobiologia do desenvolvimento do sistema visual
simplesmente não são consistentes com o que a pesquisa comportamental já nos
diz sobre a facilidade e a eficiência da aprendizagem ao longo da vida.

Tais afirmações simplistas também são inconsistentes com o que os


psicólogos cognitivos estabeleceram sobre a aprendizagem e a memória
estudadas nos últimos 40 anos. A pesquisa psicológica cognitiva estabeleceu que
o conhecimento prévio em um domínio de assunto é o determinante mais forte da
rapidez e eficácia com que os indivíduos aprendem (STERNBERG; STERNBERG,
2016). A facilidade e a eficiência da aprendizagem dependem da experiência
anterior, não da idade ou (dentro dos limites) da maturação cerebral.

Means e Voss (1985) estudaram como a aprendizagem e a experiência


anteriores influenciam a compreensão das pessoas sobre uma história. A história
usada no estudo foi a trilogia de filmes de Star Wars. Em seu estudo, os iniciantes
foram definidos como sujeitos que assistiram ao filme pelo menos uma vez, mas

61
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

não mais do que três vezes. Especialistas haviam visto o filme quatro ou mais
vezes. Os indivíduos variaram de 7 anos a 19 anos em diante. Assim, os sujeitos
deste estudo incluíram indivíduos dentro e fora da suposta janela biológica de
aprendizagem, dada a história neurobiológica entre 11 e 12 anos de idade.

Especialistas aprenderam mais do que iniciantes em todas as idades em


cada uma das três tarefas de aprendizagem empregadas no estudo (MEANS;
VOSS, 1985). Na verdade, a aprendizagem de especialistas e iniciantes aumentou
com a idade. A facilidade e a eficácia da aprendizagem não atingiram o pico entre
as idades de 4 a 10 anos. Em vez disso, os sujeitos pareciam atingir níveis de
aprendizagem maduros entre 11 e 12 anos e mantiveram ou excederam esses
níveis na idade adulta, ou seja, após o fechamento da “janela de oportunidade
biológica".

A pesquisa psicológica estabeleceu que a experiência em qualquer idade é


importante (STERNBERG; STERNBERG, 2016). Qualquer conexão simples entre
o cronograma maturacional do cérebro e a facilidade e eficiência da aprendizagem
são inconsistentes com o que sabemos sobre como a experiência anterior, em
qualquer idade, influencia a aprendizagem. A neurobiologia do desenvolvimento
pode, eventualmente, ajudar a explicar o que a ciência psicológica já descobriu
sobre a aprendizagem ao longo da vida. No entanto, se atualmente a ciência
do cérebro não pode explicar essas descobertas psicológicas fundamentais,
as alegações e especulações dos neurocientistas sobre as implicações de suas
pesquisas para a educação devem ser pelo menos consistentes com o que a ciência
do comportamento já nos diz.

Qualquer iniciativa de pesquisa mente-cérebro-educação deve ter uma


visão crítica e interdisciplinar das reivindicações emanadas da neurociência do
desenvolvimento de que o sistema visual com seus períodos críticos é o melhor
modelo para explicar a aprendizagem ao longo da vida. O problema pode
ser apenas que os neurocientistas desconhecem o que a psicologia cognitiva e
educacional já alcançou. Um benefício de um programa de pesquisa integrado
seria incentivar o diálogo entre os cientistas da mente e do cérebro, para que
pesquisas, hipóteses e especulações pudessem ser moderadas, restringidas e
consistentes com o que a pesquisa básica já nos diz sobre a aprendizagem e a
instrução.

3 MODELOS COGNITIVOS E EDUCAÇÃO


Pesquisadores educacionais e professores de sala de aula estão interessados​​
em resolver problemas instrucionais que surgem no ensino de leitura, matemática,
ciências e estudos sociais. A psicologia cognitiva ofereceu respostas para esses
problemas educacionais e muitos outros (BRUER, 1994). A psicologia cognitiva
tenta entender as representações e processos mentais subjacentes à experiência nos
domínios da aprendizagem. Modelos cognitivos de desempenho de especialistas
permitem que os psicólogos expliquem os conhecimentos de domínio e permitem

62
TÓPICO 3 — CONSTRUINDO PONTES: NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

que os educadores identifiquem qual conhecimento e quais processos podem


estar faltando em crianças que têm dificuldades para aprender em um domínio
de assunto. A identificação de déficits específicos contribui para os currículos e
materiais de ensino destinados a melhorar esses déficits.

Aprender a primeira aritmética formal fornece um excelente exemplo de


como os modelos cognitivos podem informar e melhorar a aprendizagem. Por
que algumas crianças não conseguem adquirir o domínio da primeira aritmética
formal no ensino fundamental?

A partir de meados da década de 1960, os psicólogos cognitivos


descobriram que as crianças desenvolvem estratégias para resolver problemas
aritméticos simples, como 4 + 2, usando seu entendimento prévio de contar e
comparar números por tamanho (BRUER, 1994). Para 4 + 2, a típica criança de
cinco ou seis anos determinaria que 4 é maior que 2 e, em seguida, contaria dois
nomes de números a partir de 4 para encontrar a resposta: “4, ... 5, 6.” A Linha
Numérica Mental (LNM) ou Reta Numérica, fornece um modelo cognitivo do
conhecimento e processos que permitem a invenção dessa estratégia.

Para inventar essa estratégia, as crianças devem saber que a contagem


exige uma correspondência individual entre os objetos contados e os nomes
dos números ordenados, que, à medida que a pessoa passa pela sequência de
contagem, cada nome de número se refere a uma magnitude maior que o nome
do número anterior. Que na medida que alguém vai da esquerda para a direita
na LNM, as magnitudes aumentam e os algarismos arábicos também se referem
às magnitudes.

Griffin, Case e Siegler (1994) desenvolveram um teste de conhecimento de


números com base nesse modelo cognitivo para avaliar quais processos aritméticos
e entendimentos numéricos as crianças adquirem em idades específicas. Para
normalizar o teste, eles testaram várias populações de estudantes nos Estados
Unidos e no Canadá. Eles descobriram, para sua surpresa, que a aquisição
dessas habilidades numéricas básicas dependia não apenas de cronogramas de
desenvolvimento, mas também de fatores sociais e culturais. Crianças de lares
de Nível Socioeconômico (NSE) baixo tendiam a adquirir essas habilidades mais
lentamente do que crianças de lares de classe média. Por exemplo, na entrada da
escola, uma criança de seis anos com NSE baixo pode ter o desempenho de uma
criança de quatro anos da classe média no teste de conhecimento de números.
As diferenças mais pronunciadas nas habilidades ocorreram na comparação de
magnitude numérica e na solução de problemas aritméticos mentais simples,
como 4 + 2. Por exemplo, crianças de classe média que ingressam na escola
poderiam resolver problemas simples 72% das vezes, em comparação com 14%
para crianças com NSE baixo.

A boa notícia é que currículos baseados no modelo cognitivo predomi-


nante que incluem instruções explícitas sobre contagem, comparação e a estrutu-
ra conceitual da LNM associada pode corrigir esses problemas de aprendizagem.

63
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

Por exemplo, após um ano de instrução em um destes programas nos Estados


Unidos, o programa Right Start, as crianças identificadas como em risco de fra-
cassar na primeira aritmética formal com base em um teste de conhecimento nu-
mérico, atingiram níveis de realização em aritmética indistinguível daquele en-
contrado em um grupo de controle da classe média (BRUER, 1994). Este é apenas
um exemplo de por que os educadores podem considerar melhor a psicologia
cognitiva como uma ciência básica para uma ciência aplicada da aprendizagem.

DICAS

Dois livros que são excelentes para uma compreensão mais profundas dos
modelos cognitivos e educação, ensino e aprendizagem são: Desenvolvimento cognitivo
e educação: os inícios do conhecimento – Volume 1 – e “Desenvolvimento cognitivo e
educação: processos do conhecimento e conteúdos específicos – Volume 2 – de José
Castorina e Mario Carretero (2013).

4 NEUROCIÊNCIA COGNITIVA E MODELOS COGNITIVOS


No passado, os modelos cognitivos baseavam-se em estudos
comportamentais conduzidos por psicólogos cognitivos e do desenvolvimento.
Nos últimos dez anos, dado o impacto da pesquisa unificada mente-cérebro,
outras fontes de evidências baseadas no cérebro foram utilizadas nos modelos
cognitivos. Dehaene (1992) fornece uma excelente revisão de como essas novas
fontes de evidência podem ser integradas à evidência comportamental para
aprimorar nossa compreensão da cognição numérica. Para os estudos psicológicos
da cognição baseados em pesquisas de especialistas, Dehaene (1992) adiciona
evidências de estudos com animais sobre numerosidade, estudos de lesões
neurológicas que fornecem informações sobre a localização de representações e
processos no cérebro e estudos de imagem que buscam correlações neurais para
processos cognitivos básicos. O objetivo de um programa integrado de pesquisa
mente-cérebro-educação deve ser o de explorar como essas fontes convergentes
de evidência podem gerar modelos cognitivos mais refinados sobre os quais
podemos construir uma melhor instrução.

O trabalho de Dehaene (1992) sobre a neurociência cognitiva da cognição


numérica fornece um excelente exemplo de como esse programa de pesquisa
pode contribuir. O modelo LNM faz uma suposição implícita. Ele pressupõe que
exista uma representação abstrata única de magnitude e que numerar palavras
e algarismos arábicos se refira a essa representação de magnitude. Há debate
entre psicólogos cognitivos sobre a existência dessa representação de magnitude
abstrata comum. Será que não é caso que nomes de números e algarismos arábicos
estejam associados a diferentes representações internas de quantidade?

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TÓPICO 3 — CONSTRUINDO PONTES: NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

Dehaene (1996) e colegas usaram a tarefa de comparação numérica nos


estudos de potenciais relacionados a eventos (ERP) e imagem por ressonância
magnética funcional (fMRI) para responder a essa pergunta (DEHAENE, 1996;
PINEL et al., 2001). Aos sujeitos da pesquisa foram mostrados uma palavra numérica
(OITO) ou um número arábico (8) e foram solicitados a avaliar se a magnitude
nomeada pelo símbolo era maior ou menor que cinco. Eles descobriram que áreas
específicas do cérebro são ativadas na tarefa de comparação numérica e que essas
áreas são as mesmas para palavras numéricas e números arábicos. Os dados
das imagens cerebrais e das gravações são consistentes com a alegação de que
existe uma representação abstrata comum de magnitudes, conforme presumido
no modelo LNM. O estudo das imagens fornece evidências convergentes,
independentes das evidências comportamentais, sobre quais representações e
processos devem ser incluídos em um modelo cognitivo adequado de cognição
numérica.

Evidências convergentes como essa têm apoiado o modelo de cognição


numérica de código triplo de Dehaene (1992). O modelo postula que temos
três representações distintas de número: uma representação palavra-forma
(as palavras numéricas), uma representação visual de formas de números
(algarismos arábicos) e uma representação de magnitude analógica pré-verbal.
O modelo afirma que podemos traduzir entre esses códigos mentais e que
operações ou processos numéricos específicos estão associados a uma ou outra
das representações numéricas. Operações com vários dígitos e julgamentos de
paridade invocam a representação arábica. Contar e recordar fatos de adição/
subtração invocam a representação da palavra numérica. A comparação e o
cálculo aproximado invocam a representação de magnitude.

Um modelo cognitivo como esse nível fornece uma estrutura unificadora


que pode ajudar a explicar o que de outra forma pareceria ser problemas
de aprendizagem "isolados" ou falhas "gerais" na aquisição de habilidades
numéricas. Isso pode nos ajudar a ver como a pesquisa cognitiva anterior sobre
aprendizagem no domínio dos números se relaciona com as três representações
numéricas básicas. O trabalho de Griffin, Case e Siegler (1994) indicou que as
crianças podem ter dificuldade em vincular palavras numéricas a magnitudes.
A pesquisa de Resnick (1982) descobriu que as crianças geralmente acham difícil
vincular algoritmos escritos para cálculos de números arábicos a procedimentos
de contagem usando palavras numéricas. Nathan e Koedinger (2000) revelaram
o resultado instrutivamente contraintuitivo de que o entendimento prévio
das crianças das representações numéricas verbais facilita a aquisição de
representações simbólicas. A compreensão prévia dos alunos dos problemas
representados verbalmente pode facilitar a transição para o uso de representações
simbólicas. Apenas essa transição é necessária para passar da solução aritmética
para a resolução algébrica. Modelos cognitivos apropriados de cognição numérica
podem ajudar a pensar em problemas instrucionais como falhas ao vincular as
representações pré-instruídas de número das crianças à representação que é o
alvo da instrução.

65
UNIDADE 1 — NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

Como outro exemplo, a neurociência cognitiva pode contribuir para


modelos cognitivos mais refinados da leitura especializada. A habilidade
fundamental de leitura é a capacidade de processar as representações impressas
das palavras (ortografia) em suas representações faladas (fonologia). Os
psicólogos cognitivos propuseram dois modelos cognitivos fundamentalmente
diferentes para explicar essa habilidade.

O modelo cognitivo de dupla-rota postula que as palavras impressas


podem ser reconhecidas de pelo menos duas maneiras (ELLIS, 1995). Primeiro,
para palavras familiares, o leitor pode converter as sequências de letras impressas
em um código visual. Então, código visual é mapeado para um léxico mental
de palavras familiares ao leitor. Em segundo lugar, para palavras impressas
desconhecidas, o leitor pode recodificar fonologicamente a sequência de letras em
questão e associar esse código ao seu conhecimento de palavras familiares da fala
que aparecem no léxico mental. No modelo conexionista não há léxico (FINGER,
2008). Em vez disso, quando um leitor olha para uma sequência de letras, as
unidades são ativadas em uma rede conexionista e essa ativação se espalha para
outras unidades que representam informações fonológicas ou semânticas que,
em última análise, permitem ao leitor identificar a palavra.

Para estudar essa habilidade e testar seus modelos cognitivos, os


psicólogos comparam os tempos de reação dos sujeitos para reconhecer palavras
impressas que variam em sua lexicalidade (palavra vs. não palavra), frequência
(palavra comum vs. palavra incomum) e consistência da ortografia ao som. Os
sujeitos reconhecem palavras mais rapidamente do que as não palavras, palavras
comuns mais rapidamente do que palavras incomuns e, quando solicitados a ler
palavras em voz alta, palavras consistentes mais rapidamente do que palavras
inconsistentes. Há também uma interação entre frequência e consistência. Os
sujeitos são consideravelmente mais lentos na leitura de palavras inconsistentes de
baixa frequência do que na leitura de palavras inconsistentes de alta frequência e
palavras consistentes de alta frequência. Os modelos de dupla-rota e conexionista
são consistentes com esses resultados comportamentais robustos.

Os neurocientistas cognitivos procuram correlatos neurais dos processos


cognitivos. Em um estudo de imagem cerebral, Fiez et al. (1999) identificaram uma
área na região frontal medial esquerda do cérebro, cuja ativação é paralela aos
dados comportamentais. Há uma interação entre frequência e consistência das
palavras e ativação muito alta quando os indivíduos leem palavras inconsistentes
de baixa frequência.

Esse resultado fornece evidências convergentes adicionais em favor de


um dos modelos cognitivos? Não. Ambos os modelos, assim como a ativação
frontal medial esquerda são consistentes com os dados comportamentais. No
modelo de dupla-rota, a atividade na área frontal esquerda é consistente com
a área envolvida na rota de processamento na qual usamos o conhecimento de
letras e sons para ''soar'' não palavras pronunciáveis. Em um modelo conexionista
(sem léxico), a ativação da área é consistente com a instanciação de uma camada
oculta no modelo que calcula a transformação ortográfica em fonológica.

66
TÓPICO 3 — CONSTRUINDO PONTES: NEUROPSICOPEDAGOGIA E NEUROEDUCAÇÃO

No entanto, a história se torna mais interessante quando se traz outros


dados convergentes de imagem cerebral e neuropsicológicos para a discussão.
Esses dados mostram que a região frontal esquerda está ativa em tarefas
fonológicas que não requerem transformação ortográfica em fonológica (por
exemplo, manutenção de itens na memória de trabalho verbal). Outros dados
cerebrais mostram que a região frontal esquerda não está ativa quando os
indivíduos leem palavras de alta frequência, uma tarefa fonológica que requer
processamento fonológico. Portanto, a área medial frontal esquerda tem uma
função mais geral do que as funções específicas de leitura que os modelos dupla-
rota e conexionista lhe atribuem. Também tem uma função mais específica que o
processamento fonológico. Assim, Fiez et al. (1999) concluem que, quando dados
comportamentais, neuropsicológicos e de imagem cerebral são totalmente levados
em consideração, nenhum modelo pode explicar adequadamente os dados. A
neurociência cognitiva sugere que devemos refinar nossos modelos cognitivos.

Como podemos fazer isso da melhor maneira? Franck Ramus (2001)


argumentou que a melhor estratégia para a revisão de modelos pode ser uma
em que os psicólogos e neurocientistas cognitivos levem a fonologia – uma
ciência comportamental madura e estabelecida – a sério. A fonologia postula
uma hierarquia de representações e processos nos níveis lexical e sublexical
necessários para explicar como usamos os padrões sonoros para transmitir
significado. Psicólogos cognitivos e neurocientistas apenas arranharam a
superfície do que a fonologia poderá contribuir para o refinamento de seus
modelos de reconhecimento de palavras.

Seguindo a sugestão de Ramus (2001), nossa estratégia geral de pesquisa


em neuropsicopedagogia e neuroeducação pode ser a melhor tentativa de refinar
nossos modelos cognitivos por meio de interações recursivas entre estudos
neurocientíficos comportamentais, neuropsicológicos e cognitivos. Um programa
assim pode eventualmente ter implicações educacionais. Acreditamos, por
exemplo, que déficits fonológicos causam dislexia, mas quais déficits fonológicos
específicos são as causas?

67
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Ao apresentar algumas diretrizes ou princípios para um programa integrado


de pesquisa mente-cérebro-educação, podemos aplicar a metáfora da
construção de pontes.

• Devemos construir uma ponte melhor entre a neurobiologia do


desenvolvimento e as ciências da aprendizagem.

• É necessária uma discussão sobre até que ponto, por exemplo, o sistema
visual fornece um modelo para aprendizagem e plasticidade neural ao longo
da vida.

• Devemos estar cientes da ponte que existe atualmente entre a psicologia


cognitiva e a educação, mesmo que seja utilizada com pouca frequência de
maneira coerente.

• Pontes criticamente construídas entre psicologia cognitiva e educação


possibilitam uma atuação em neuropsicopedagogia e neuroeducação eficiente
e fundamentada.

• Devemos entender como a neurociência cognitiva pode auxiliar na construção


de pontes entre a ciência da mente e do cérebro e contribuir para o refinamento
dos modelos cognitivos que são utilizados nas ciências da educação.

• Devemos estabelecer uma interação interativa e recursiva entre educadores e


cientistas comportamentais, cognitivos e neurobiológicos.

CHAMADA

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68
AUTOATIVIDADE

1 O que é a sinaptogênese?

2 Griffin, Case e Siegler (1994) desenvolveram um teste de conhecimento


de números com base nesse modelo cognitivo para avaliar quais processos
aritméticos e entendimentos numéricos as crianças adquirem em idades
específicas. O que indicou o trabalho destes pesquisadores?

3 Quais são os dois modelos cognitivos postulados pela psicologia cognitiva


para a leitura especializada?

69
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79
80
UNIDADE 2 —

DESENVOLVIMENTO CEREBRAL,
COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a aprendizagem em sua complexidade a partir de entendi-


mentos neurocientíficos e socioculturais;
• apresentar as relações entre epigenética e plasticidade cerebral e o pro-
cesso de aprendizagem;
• introduzir questões sobre o ritmo circadiano e a cronoeducação e suas
relações com a aprendizagem;
• compreender os ciclos dinâmicos do desenvolvimento cerebral e cogni-
tivo no contexto educacional.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA: ENTENDIMENTOS


SOCIOCULTURAIS E NEUROCIENTÍFICOS

TÓPICO 2 – PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O


PROCESSO DE APRENDIZAGEM

TÓPICO 3 – CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO,


CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

81
82
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —

APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA:
ENTENDIMENTOS SOCIOCULTURAIS E
NEUROCIENTÍFICOS
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, vamos explorar as conexões entre a teoria sociocultural
e a neurociência. Nosso objetivo aqui é que você possa reconhecer que os
entendimentos socioculturais e neurocientíficos compartilham algumas
características ou talvez, mais especificamente, conectam-se, em termos de
certos conceitos-chave, em ambas as disciplinas. Tal conexão possibilita uma
compreensão mais apurada do campo teórico e prático da neuropsicopedagogia
e seu olhar peculiar à aprendizagem.

A plasticidade e a experiência, circuitos cerebrais e experiências sociais,


aquisição e cultura de linguagem, ambiente e agência, função cerebral e
significado social – tudo se alinha de maneiras muito particulares para trazer
significado à experiência quando explorada socioculturalmente. Deste modo, as
pesquisas apresentas aqui são amplamente complementares e podem sustentar
uma abordagem da aprendizagem mais aberta, contextual e social.

Este tópico também considera o conceito de pedagogia e destaca as


implicações de uma compreensão sociocultural da aprendizagem. Conectando a
aprendizagem, a cultura e a neurociência. O conteúdo apresentado neste tópico
confirma a crença de que há valor na investigação de conceitos socioculturais, como
cultura, interação social e significado, e revela que eles podem ser empregados de
maneira proveitosa na construção de uma teoria da aprendizagem que esteja em
diálogo com a neurociência e as ciências cognitivas.

Nosso principal objetivo aqui é exemplificar e justificar afirmações de


que o discurso e a teoria sociocultural e neurocientífica sobre a natureza da
aprendizagem possibilita conexões, assim como desconexões. Faremos isso com
referência a pesquisas, histórias e práticas específicas. Desse modo, empregamos
aqui pesquisas socioculturais e neurocientíficas para exemplificar o que significa
quando dizemos que aprendemos algo.

Este tópico analisa atentamente algumas conexões que emergem do discurso


neurocientífico e sociocultural. Aqui, reconhecemos que a teoria sociocultural
e a neurociência trazem as mesmas informações sobre a aprendizagem, mas
argumentaremos que, quando se trata de pedagogia, é a teoria sociocultural que
detém o poder explicativo de aplicar reivindicações sobre a aprendizagem aos
contextos reais de aprendizagem.

83
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

Começamos definindo o contexto para isso, explicando que, quando se


trata de aprendizagem, a pesquisa neurocientífica por si só não pode se traduzir
diretamente em pedagogia educacional. Em seguida, oferecemos uma série de
conexões entre teoria sociocultural e neurociência, reconhecendo que ambas
as teorias podem se alinhar, conectar-se e estabelecer pontes. Priorizando a
profundidade e não a amplitude. Neste tópico, focamos amplamente em uma
conexão entre a plasticidade do cérebro e a importância da experiência. Outras
conexões também são feitas entre as duas perspectivas, mas brevemente.

2 O PROBLEMA COM A APRENDIZAGEM


Caro acadêmico, o entendimento neurocientífico do cérebro e
aprendizagem, alinhando-se à linguagem usada para definir a função cerebral,
é comumente visto como determinístico, clínico, ordenado, simples – quase que
em “preto e branco”. Neste contexto, no centro da aprendizagem está o cérebro
computacional, um santuário interno que reproduz o mundo e pode aprender,
reconectar e até mudar sua própria estrutura se o ambiente for manipulado de
maneiras específicas e controladas. Aprender, neste sentido, é uma espécie de
gerenciamento, de horas de tarefas que desenvolverão mais sinapses.

A aprendizagem, a partir dessa perspectiva, pode ser capturada


visualmente e é mensurável e quantificável nas regiões do cérebro. O sucesso
e o fracasso estão localizados no cérebro, um sistema de hardware que oferece
a todos uma via de escape quando se trata de explicar o comportamento. É
claro, as pessoas ainda precisam sentir que têm poder e que podem continuar
melhorando seu aprendizado. De modo que, estratégias baseadas no cérebro
para aprendizagem e para a pedagogia, livros e cursos de autoajuda inundam
o mercado na tentativa de garantir ao indivíduo que o que eles fazem possui
algum senso de agência, embora apenas dentro da estrutura de um entendimento
neurocientífico do cérebro e da aprendizagem. Falando sobre a psicologia, em
1899, William James disse:

Você comete um grande erro se acha que a psicologia, sendo a ciência


das leis da mente, é algo a partir do qual é possível deduzir programas
e esquemas e métodos de instrução definidos para uso imediato na
sala de aula. Psicologia é uma ciência e ensinar é uma arte; e as ciências
nunca geram artes diretamente de si mesmas (JAMES, 2008, p. 13).

Pouco mais de cem anos depois, embora ainda seja um campo importante
e respeitado, a ciência da psicologia foi impactada pelo tempo e não mantém
mais o fascínio que já teve como “a grande novidade”. Movendo-se com o tempo,
nossa sociedade, mais sofisticada, encontra novas respostas para perguntas
antigas em definições neurocientíficas, colocando o cérebro como uma espécie de
"deus", ignorando o papel definidor que a cultura, a sociedade e a interação social
tiveram na construção dessa nova “verdade”. O problema inerente a esse processo
é que nós, professores, formuladores de políticas e teóricos da educação, ainda
estamos empregando modelos antigos de aprendizagem para desenvolver nossos

84
TÓPICO 1 — APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA: ENTENDIMENTOS SOCIOCULTURAIS E NEUROCIENTÍFICOS

entendimentos. Muitos desses modelos da psicologia e agora da neurociência são


amplamente mecânicos (em termos de função cerebral), mas a aprendizagem não
é meramente mecânica.

A próxima grande novidade, a neurociência, lidera a pesquisa em educação


e aprendizagem, mas, como William James afirmou sobre a psicologia, as ideias
neurocientíficas também não podem ser simplesmente importadas “como estão”
no discurso e na teoria educacional. Muito trabalho de base precisa ser feito, que
mova o discurso neurocientífico e a pesquisa ao domínio de nossas experiências
vividas de aprendizagem, para que, o que acontece no cérebro (desenvolvido por
meio de discursos neurocientíficos) seja entendido em termos do que acontece no
mundo (desenvolvido por meio de discursos socioculturais).

O poder explicativo da teoria sociocultural preenche os espaços em


branco em termos neurocientíficos para nos dar uma nova compreensão de uma
ciência da cultura e da aprendizagem. Discursos neurocientíficos e socioculturais
se conectam e se desconectam para dizer algumas coisas muito interessantes
sobre ensino e aprendizagem. A exploração dessas conexões e desconexões no
contexto social e cultural mais amplo facilita uma conceitualização dinâmica e
constitutiva da aprendizagem e construção da pedagogia, algo que deveria ser o
núcleo da teoria e prática neuropsicopedagógica e neuroeducacional. Passamos
agora a discutir algumas conexões entre a neurociência e a teoria sociocultural.

2.1 CONECTANDO A PLASTICIDADE DO CÉREBRO E A


EXPERIÊNCIA
Um sistema cerebral é formado por muitas vias neuronais ou neurônios
que estão conectados um ao outro e trabalhando juntos. Se certas vias principais
estiverem bloqueadas, o cérebro usará vias antigas para contorná-las. Imagine
o seguinte, se você estiver dirigindo da sua casa para o centro da cidade e a via
principal que te conduz estiver bloqueada, primeiro você ficará paralisado no
trânsito. Então, você começa a ir por velhas estradas secundárias. Ao usar essas
estradas, você encontra caminhos mais curtos para chegar rapidamente aonde
quer. Essas vias neurais “secundárias” são “desmascaradas” ou expostas e, com
o uso, fortalecidas. Pensa-se que esse desmascaramento seja uma das principais
maneiras pelas quais o cérebro plástico (aqui no sentido de “plasticidade”) se
reorganiza.

O conceito neurocientífico de plasticidade cerebral conecta processos


socioculturais e neurocientíficos. O fato de o cérebro ser plástico, dependente
e maleável, com base em diferentes ambientes, experiências e situações sociais,
confirma a importância do ambiente e da interação social na função e na
aprendizagem do cérebro. Pesquisas neurocientíficas revelam que nossos cérebros
são “plásticos”, o que significa que nosso cérebro muda à medida que aprendemos.
A plasticidade cerebral ou neuroplasticidade, ocorre no cérebro no início da vida

85
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

(quando o cérebro imaturo se organiza), quando ocorre lesão cerebral (seja para
compensar as funções perdidas ou maximizar as funções restantes), e ao longo
da vida adulta (quando algo novo for aprendido). A plasticidade cerebral é um
processo físico, à medida que a substância cinzenta muda de forma e as conexões
neurais são feitas e desfeitas. Gopnik, Meltzoff e Kuhl (1999) conceberam esse
processo de desenvolvimento de vias neurais como semelhantes aos crescentes
fios telefônicos que se comunicam entre si.

Pesquisas neurocientíficas revelam a extrema plasticidade do cérebro


humano. Por exemplo, Maguire, Woollett e Spiers (2006) estudaram os motoristas
de ônibus e táxi e descobriram que os motoristas de táxi têm um hipocampo
maior (na região posterior) do que os motoristas de ônibus. Eles explicam que
isso se deve à especificação desta região cerebral para adquirir e usar informações
espaciais complexas, a fim de navegar eficientemente pelos sistemas. Como
os motoristas de ônibus seguem apenas um conjunto limitado de rotas e os
motoristas de táxi devem navegar por toda cidade, essa região cerebral específica
é mais desenvolvida nos motoristas de táxi. Da mesma forma, Mechelli et al.
(2004) observaram que a aprendizagem de um segundo idioma ocorre através
de alterações funcionais no cérebro. O estudo de Draganski et al. (2006), de
estudantes de medicina, três meses antes de um exame médico, também revelou
que a aprendizagem de informações abstratas causou alterações nas regiões do
córtex parietal e hipocampo posterior.

Em seu livro O Cérebro que se transforma, Norman Doidge (2016) relata


histórias de muitos indivíduos que sofreram doenças ou acidentes, perdendo
a função cerebral, apenas para recuperar mais tarde essa funcionalidade em
uma região cerebral diferente. Essa reorganização da função cerebral revela
novamente a natureza extremamente plástica do cérebro. Podemos ver isso à
medida que indivíduos paralisados, ​​como resultado de um derrame, recuperam
sua capacidade de usar seus membros que não funcionavam mais. Um excelente
exemplo da plasticidade cerebral é descrito por Doidge (2016), no caso dos
Ciganos do Mar, uma tribo de pessoas que aprendem a nadar antes de aprender
a andar e se distinguem de outras crianças em sua capacidade de ver claramente
em águas com grandes profundidades sem o uso de óculos especiais. Este é
um ótimo exemplo de como as atividades culturais podem mudar os circuitos
cerebrais.

DICAS

Assista ao documentário O Cérebro que se transforma, baseado no livro


médico psiquiatra Dr. Norman Doidge. O foco é a neuroplasticidade, a capacidade do
cérebro de se adaptar e se modificar. Disponível em: https://www.youtube.com/wat-
ch?v=71_Da3SKj0g.

86
TÓPICO 1 — APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA: ENTENDIMENTOS SOCIOCULTURAIS E NEUROCIENTÍFICOS

Todos esses exemplos de pesquisas neurocientíficas exemplificam casos


de plasticidade cerebral a partir de uma perspectiva neurológica, mas carecem da
capacidade de explicar o processo de aprendizagem. Mudanças no cérebro físico
se manifestam como mudanças em nossas habilidades. Por exemplo, cada vez
que aprendemos um novo passo de dança, isso reflete uma mudança em nossos
cérebros físicos, novas vias neurais que dão instruções aos nossos corpos sobre
como executar o passo. Cada vez que esquecemos o nome de alguém, ele também
reflete alterações cerebrais, vias neurais que, uma vez conectadas à memória, foram
degradadas ou até cortadas. Como esses exemplos mostram, alterações no cérebro
podem resultar em habilidades aprimoradas (um novo passo na dança) ou no
enfraquecimento das habilidades (um nome esquecido).

A ideia de que mudanças no cérebro físico se manifestam como mudanças


em nossas habilidades é típica da teorização fechada e singular no centro desses
estudos. Olhando apenas para uma coisa em um lugar e em um momento, faz o
cérebro parecer supremo, e o ambiente e a experiência aparentam ser secundários.
A teoria sociocultural questiona isso perguntando se tudo começa e termina com o
cérebro. Então, o que nos motivaria a aprender essas habilidades, como dançar, em
primeiro lugar? A teorização neurocientífica fica aquém do entendimento rico que
a teoria sociocultural pode trazer à ideia de plasticidade cerebral.

A plasticidade cerebral revela a aprendizagem como um processo de


cognição social e consciência compartilhada. De uma perspectiva sociocultural,
entender o cérebro e a aprendizagem significa antes de tudo entender o mundo ao
seu redor, pois toda aprendizagem no cérebro ocorre através da interação social.
Para ter sentido, nossas práticas devem ser lidas dentro de nossa própria cultura
e nossas ações devem ser entendidas de uma perspectiva histórica e situada. Nas
palavras de Lave e Wenger, de uma perspectiva sociocultural, "agente, atividade e
mundo se constituem mutuamente" (LAVE; WENGER, 1991, p. 33).

A complexidade dessa ideia sociocultural requer mais explicações. Para


Lave (2008), a aprendizagem ocorre quando agente, atividade e mundo se alinham
de uma maneira muito particular. O autor usa o termo “agente” para representar
nossas identidades performativas, compartilhadas e mediadas (plásticas), nossos
selves socialmente construídos. Essas identidades são fluidas e emergentes e pode
ser diferente em diferentes comunidades de prática. Quem somos é representado
em um contexto no qual somos autorizados a ser, e isso influencia todos os
contextos e os recursos compartilhados que podemos nos apropriar para participar
de diferentes práticas. Por exemplo, no meu papel de professor, só posso fazer o
meu trabalho e dar uma palestra se outras pessoas se juntarem a mim no auditório,
se sentarem, fazerem anotações, escutarem e fazerem perguntas. Como agente, só
posso ter sucesso em minha prática quando a agência compartilhada, mediada e
distribuída dentro do grupo, me permite fazê-lo. Assim, minhas ações individuais
devem ser aceitas como significativa pelo grupo. Não se trata apenas de tomar
agência ou controle.

Por atividade, Lave (2008) refere-se à tarefa específica em que estamos


envolvidos, que lidera nosso envolvimento nas comunidades de prática. As

87
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

atividades podem ser variadas e muitas pessoas podem se envolver aparentemente


na mesma atividade, enquanto na realidade sua prática é motivada por diferenças
sutis. Por exemplo, um grupo de trabalhadores em uma fábrica de latas pode
ser entendido como trabalhando em conjunto para concluir pedidos, concluir o
trabalho e manter o emprego. No entanto, o olhar de um trabalhador para o outro
pode revelar muitas diferenças interessantes.

Os trabalhadores em fábricas lidam com máquinas pesadas e devem


garantir que sua segurança seja priorizada o tempo todo. Os empacotadores
querem ser vistos como trabalhadores eficientes e bons, mas não podem trabalhar
muito rapidamente, pois desejam o maior número possível de horas em seu
cronograma. Os transportadores querem levar tudo para os caminhões de entrega
enquanto esperam, mas devem garantir que suas cargas não sejam muito pesadas.
Os gerentes controlam todas as áreas desse processo, mas novamente têm suas
próprias agendas enquanto realizam sua prática diária. Além disso pode haver
o funcionário que chega atrasado e quer garantir que seu chefe não descubra,
outro funcionário que está tentando sair mais cedo para conhecer a namorada, o
funcionário que está atualmente em uma disputa com vários outros funcionários
ou o funcionário que está seriamente de ressaca. À medida que cada um desses
agentes realiza sua prática diária de trabalho, a tarefa específica em questão traz
algo único à nossa participação e prioriza a importância de desenvolver identidades
específicas nessa comunidade de prática específica.

Por fim, Lave (2008) usa o conceito de mundo para significar que quando
agimos, agimos como um indivíduo historicamente localizado, criando e sendo
criado por histórias pessoais e compartilhadas de participação e reificação. Dessa
forma, nossa cultura e nosso mundo, com o agente e a atividade, são todos recursos
para o desenvolvimento da identidade e à aprendizagem.

A introdução do mundo ao agente e à atividade acrescenta uma riqueza e


uma complexidade que capta mais fielmente no discurso sociocultural a experiência
da aprendizagem e responde à pergunta de como o cérebro atinge sua extrema
plasticidade. Embora as pesquisas neurocientíficas postulem a importância do
ambiente nas funções cerebrais, elas não exibem de forma alguma uma compreensão
sociocultural do que isso pode significar na experiência vivida.

DICAS

Uma excelente obra de Jean Lave que foi traduzida para o espanhol é La
Cognición em la Práctica, de 2013. A autora faz análise de uma modalidade específica de
atividade cognitiva (a resolução de problemas aritméticos) fora do laboratório, para a es-
fera da vida cotidiana. Dessa maneira, demonstra como a matemática é, como qualquer
forma de pensamento, moldada pela interação dinâmica entre a mente, culturalmente
baseada e seu contexto total.

88
TÓPICO 1 — APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA: ENTENDIMENTOS SOCIOCULTURAIS E NEUROCIENTÍFICOS

Em termos socioculturais, o cérebro é definido como um parceiro no


processo de aprendizagem. O conceito de agente, atividade e mundo trabalhando
juntos para criar uma experiência de aprendizagem que ocorre por meio da
interação social, define o cérebro como um agente, mas a ênfase é colocada nas
redes sociais e neurais, como as histórias, experiências e interações passadas
de um indivíduo. As funções mentais de ordem superior que experimentamos
quando ligamos e disparamos sinapses a partir de uma perspectiva neurocientífica
são combinadas com o conceito de processos intermentais de Vygotsky (1991),
em que os aspectos culturais, sociais e relacionais da aprendizagem se tornam
inevitáveis. Nessa perspectiva, aprendizagem e letramento, leitura e escrita são
habilidades cognitivas, mas essas habilidades cognitivas dependem muito da
evolução cultural humana (VYGOTSKY, 1991).

Esse entendimento básico de nossa prática, que envolve processos


sociais dependentes da evolução cultural, começou apenas em tempos muito
recentes a se conectar em perspectivas socioculturais e neurocientíficas. Isso
ocorre principalmente através do papel que a plasticidade cerebral (desde uma
perspectiva neurocientífica) e a experiência (desde uma perspectiva sociocultural)
desempenham na aprendizagem.

Podemos então, caro acadêmico, levantar a pergunta: qual é a relação


entre o cérebro e a cultura? A resposta convencional tem sido que o cérebro
humano, do qual todo pensamento e ação emana, produz a cultura. Com base
no que aprendemos sobre neuroplasticidade, essa resposta não é mais adequada.
A cultura não é apenas produzida pelo cérebro, é também, por definição, uma
série de atividades que moldam a mente. A cultura é, muitas vezes, definida
como cultivo ou desenvolvimento da mente, faculdades, maneiras e melhoria
ou aperfeiçoamento por meio de educação e treinamento. O treinamento,
desenvolvimento e aperfeiçoamento da mente, gostos e maneiras. Ou seja,
tornamo-nos cultivados por meio do treinamento em várias atividades, como
costumes, artes, maneiras de interagir com as pessoas, uso de tecnologias e
aprendizagem de ideias, crenças, filosofias compartilhadas e religião.

A pesquisa sobre a neuroplasticidade nos mostrou de modo sustentado


que toda atividade já mapeada – incluindo atividades físicas, atividades
sensoriais, aprendizagem, pensamento e imaginação – muda o cérebro e a mente.
Ideias e atividades culturais não são exceção. Nossos cérebros são modificados
pelas atividades culturais que fazemos – sejam estas leituras, estudando música
ou aprendendo novas línguas. Todos nós temos o que pode ser chamado de
cérebro culturalmente modificado e, à medida que as culturas evoluem, elas
continuamente levam a novas mudanças no cérebro. Nossos cérebros são muito
diferentes, em detalhes, dos cérebros de nossos ancestrais. Em cada estágio do
desenvolvimento cultural o humano teve que aprender novas habilidades, em
diferentes níveis de complexidades, e todas envolveram mudanças cerebrais
maciças. Cada um de nós, em nossa época atual, pode realmente aprender um
conjunto incrivelmente elaborado de habilidades e capacidades desenvolvidas
ancestralmente, de certa forma gerando uma recriação dessa história da evolução
cultural via plasticidade cerebral (DOIDGE, 2007).

89
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

2.2 CONECTANDO CIRCUITOS CEREBRAIS E INTERAÇÃO


SOCIAL

Pesquisas neurocientíficas recentes, usando imagem por ressonância


magnética funcional (FMRI), começaram a mapear o circuito do cérebro social
e isso, com a descoberta de neurônios-espelho, confirma ainda mais a natureza
social do cérebro e da aprendizagem. A pesquisa neurocientífica agora identificou
caminhos e mecanismos neurais especializados desenvolvidos para processar
informações sociais. Tais mecanismos especializados incluem: a percepção de
sinais e símbolos sociais no sistema vomeronasal (órgão olfatorial auxiliar), a
formação da memória social através do reconhecimento social (em termos de
gênero, parentesco, status e individual), imprinting filial (definindo espécies e
fenótipos parentais), imprinting sexual (definindo futuros parceiros sexuais em
potencial) e a identificação mais ampla das consequências neurais da experiência
social (TURNER, 2014; CACIOPPO; VISSER; PICKET, 2006; PORT; VAN GELDER,
1995).

Essas pesquisas confirmam os principais conceitos da teoria sociocultural,


pois agora é fato científico que não apenas o cérebro influencia o comportamento,
mas a experiência e a interação social influenciam o desenvolvimento do cérebro
e a aprendizagem. A teoria sociocultural define o cérebro como um órgão
inteiramente social e postula que isso ocorre porque os significados por trás do que
fazemos como indivíduos são sempre sociais (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV,
2006). Na verdade, nunca estamos sozinhos quando estamos aprendendo.

O exemplo de uma estudante universitária de pedagogia, que prepara um


artigo para uma disciplina, destaca isso muito bem: quando ela entra na biblioteca
é acompanhada mentalmente pelo professor da faculdade que a corrigirá, seu
antigo professor do ensino médio e todas as interações que ela teve com seus
amigos durante e depois das aulas. Dentro da biblioteca, ela se junta a outra
comunidade de prática, pois todo livro que ela tira da prateleira abre outra ideia,
opinião e pessoa para ajudá-la a escrever seu artigo. Nesse exemplo, é impossível
imaginar uma situação em que a aprendizagem possa ser uma façanha individual
perfeita que comumente o entendimento neurocientífico afirma ser. Será que é
possível aprender alguma coisa por conta própria?

Esse entendimento sociocultural da aprendizagem é exemplificado


no estudo neurocientífico de bebês de nove meses, expostos ao idioma chinês
mandarim por meio de um aparelho de televisão ou por meio da interação
com falantes do mandarim da vida real (KUHL; TSAO; LIU, 2003). Os autores
descobriram que os bebês que foram expostos ao mandarim pela televisão
não mostraram mais capacidade de discriminar os sons da fala em mandarim
do que o grupo controle. O outro grupo de bebês, no entanto, que foram
apresentados ao mandarim por meio de interação social, após doze sessões,
mostrou uma capacidade aprimorada de discriminar certos sons de mandarim.
Mais recentemente, Christakis et al. (2009) concluem que o efeito de conversas e

90
TÓPICO 1 — APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA: ENTENDIMENTOS SOCIOCULTURAIS E NEUROCIENTÍFICOS

interação social na competência linguística é quase seis vezes maior para crianças
do que apenas ouvir adultos conversando. Esses estudos neurocientíficos
evidenciam ainda que há mais para a aprendizagem do que apenas o trabalho
arbitrário de um cérebro computacional.

O “pai” da teoria sociocultural, Lev Vygotsky (1991), em seus primeiros


escritos apoia essa tese e argumenta que os processos mentais individuais têm
sua origem na interação social. Ele entendeu que os empreendimentos culturais,
como leitura e escrita, são habilidades cognitivas que dependem da evolução
cultural humana. Seu trabalho defende a interação social, a mediação da
linguagem e o papel do outro realizado (e a zona de desenvolvimento proximal)
na compreensão social da aprendizagem. Hoje, pesquisas neurocientíficas
apoiam essa visão da cognição social (ainda que inadvertidamente), revelando
as interconexões massivas que existem entre diferentes áreas do cérebro, o que
sugere que a aprendizagem nunca pode ser separada das emoções, significado
e experiência (FUSTER, 2003). No mapeamento neural, os neurocientistas estão
encontrando imensas conexões entre regiões do cérebro que, acredita-se, localizam
emoção, linguagem e interação social. Dessa maneira, a pesquisa neurocientífica
está revelando como o desenvolvimento da linguagem está ligado às emoções, à
interação social, à experiência no mundo.

2.3 CONECTANDO AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E CULTURA


Uma compreensão sociocultural do significado da cultura na aprendizagem
é apoiada pela pesquisa neurocientífica. O estudo neurocientífico de Hakuta (2009)
sobre aquisição da linguagem e bilinguismo revela as características biológicas e
sociais inerentes ao processo de aprendizagem de idiomas. Ele destaca fatores
sociais e culturais, como o status social da língua, a compartimentalização
ou representação de diferentes aspectos de diferentes línguas, a história da
alfabetização do indivíduo, a participação em uma comunidade de fala bilíngue
e as circunstâncias históricas, todas desempenhando um papel importante na
aprendizagem de idiomas. Ele conclui que, embora a aprendizagem de idiomas
tenha uma base biológica, não é algo que fazemos em “nossas cabeças”, mas uma
condição individual aninhada em uma distribuição de circunstâncias sociais mais
amplas que causam contato com o idioma (HAKUTA, 2009).

Seu estudo sobre as comunidades de imigrantes e falantes de inglês


canadense que começam a aprender francês revela que o bilinguismo é geralmente
alcançado pelos falantes de inglês porque eles querem obter acesso aos privilégios
do bilinguismo. Para os imigrantes, por outro lado, porque há pouco ou nenhum
valor social colocado em suas línguas nativas, elas terão apenas uma gama
muito limitada de uso e, como resultado, dificilmente sobreviverão nas gerações
futuras. No estudo de Hakuta (2009), os diferentes status sociais de cada idioma
influenciaram a força e a estabilidade do bilinguismo de cada indivíduo.

91
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

2.4 CONECTANDO AMBIENTE E AGÊNCIA


O reconhecimento de Immordino-Yang e Fischer (2009) de que a experiência
molda as redes cerebrais confirma a pesquisa sociocultural (MCDERMOTT,
1996) que endossa a importância do ambiente, da experiência, da oportunidade
de aprender, do tempo para prática e acesso às valiosas práticas de linguagem
e letramento nas comunidades. Embora provenientes de uma estabilidade
epistemológica diferente, as neurociências também confirmam as perspectivas
socioculturais da aprendizagem que desafiam os modelos deficitários de
aprendizagem e desenvolvimento (CURTIN; HALL, 2013).

O estudo neurocientífico de Rizzolatti e Craighero (2004) alinha-se à


teoria sociocultural, por exemplo, a pesquisa de Ray McDermott (1996), ao
mostrar que as crianças aprendem contínua e inconscientemente com o que é
modelado por outras pessoas em sua experiência – com o que está disponível para
elas de ser aprendido. Dessa forma, a pesquisa neurocientífica, se apreendida
concomitantemente ao mundo que com tanto esforço tenta se separar, alinha-se
à concepção de Lave (1991, 2008) da aprendizagem como dependente do agente,
da atividade e do mundo.

2.5 CONECTANDO A FUNÇÃO CEREBRAL E O SIGNIFICADO


SOCIAL
Caro acadêmico, à luz de todos os exemplos de pesquisas e histórias
apresentadas nesse tópico, parece que a função cerebral e a experiência social são
processos interdependentes e ambos são necessários para que a aprendizagem
ocorra. Em termos socioculturais, os significados, participações, negociações e
intersubjetividades no cerne da interação social fornecem ao cérebro experiências
ricas. Destacar a importância dessas experiências e sua dependência social e
cultural revela uma compreensão mais completa do processo de aprendizagem.
Apesar da infinidade de "pornografia cerebral" (CHABRIS, 2011) que afirma o
contrário, o cérebro não funciona isoladamente.

Como seres sociais, os significados do que fazemos são sempre sociais.


Cultura, experiência e oportunidade de participar são essenciais para a
aprendizagem e o desenvolvimento de seres humanos conscientes e letrados.
Experiência é aprendizagem. A pesquisa sociocultural argumenta que é através
de experiências sociais significativas, e não comprometendo as informações com a
memória de forma isolada, que aprendemos (ROGOFF, 1995; WENGER, 1998). A
mente e o corpo, o cérebro e a interação social estão conectados por meio de redes
neurais, culturais e sociais, e a singularidade de cada cérebro evidencia ainda mais
a importância da biologia, da experiência e da interação social na aprendizagem
e na pedagogia. Esse novo entendimento está começando a emergir na literatura
e na pesquisa neurocientífica, mas os vínculos entre a neurociência e a teoria
sociocultural e as implicações delas para a aprendizagem ainda devem ser feitos de
maneira precisa e significativa.
92
TÓPICO 1 — APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA: ENTENDIMENTOS SOCIOCULTURAIS E NEUROCIENTÍFICOS

3 POTENCIAIS DESCONEXÕES
As pesquisas neurocientíficas e socioculturais, destacadas nesse tópico,
falam muito bem entre si, mas apenas de uma maneira muito específica.
A neurociência fornece nesses estudos uma janela para a experiência que a
teoria sociocultural não consegue – ela nos mostra o que acontece no cérebro
quando aprendemos. Dizer, no entanto, que isso explica a aprendizagem é um
erro muito sério. Dado um artefato ou objeto de estudo, a teoria sociocultural
se torna uma ferramenta analítica através da qual podemos conhecer nossas
próprias experiências. Tendo explorado algumas conexões entre a neurociência
e a teoria sociocultural, gostaríamos agora de concluir este tópico examinando
uma desconexão, em reconhecimento à complexa relação entre os dois discursos
concorrentes.

Cérebros notáveis ​​há muito tempo deixaram os neurocientistas


interessados. Albert Einstein morreu em 1955, por décadas depois que seu
cérebro foi transportado em 240 pedaços em uma jarra pelo patologista Thomas
Harvey, houve a tentativa de descobrir o que havia de tão especial no cérebro de
uma pessoa considerada um gênio. Enquanto o cérebro era de tamanho médio,
as partes pareciam maiores e, por um tempo, perguntou-se se Einstein era um
gênio porque partes do seu cérebro eram maiores (SMITH, 2011). Revisitamos
as histórias que cercavam o cérebro de Einstein aqui para destacar o argumento
de que apenas o discurso neurocientífico é incapaz de explicar o que estuda
devido a sua abordagem de dentro para fora para entender a aprendizagem.
Tentar explicar a experiência em termos do cérebro simplesmente não é possível.
Explicar o cérebro em termos da experiência fornece entendimentos mais ricos da
própria experiência.

Contemplando a mesma questão (a importância do tamanho do cérebro),


mas de fora para dentro, o psicólogo evolucionista Robin Dunbar (2016) tem uma
explicação muito interessante para o motivo pelo qual nosso cérebro é cinco a sete
vezes maior do que seria esperado para um mamífero do nosso tamanho. Dunbar
(2016) afirma que nossos cérebros são do tamanho que são devido à natureza
extremamente social do mundo em que vivemos. Com base em mais exemplos
de pesquisas, ele explica que os pássaros de uma espécie que se agrupam têm
cérebros comparativamente maiores do que os pássaros da mesma espécie que
não fazem parte de um grupo. Para Dunbar (2016), nosso cérebro simplesmente
teve que crescer quando entrou em contato com o aumento do tamanho dos
grupos e copiamos outras pessoas na tentativa de aprender sobre nós mesmos.

O que é interessante nessas duas explicações para o tamanho do cérebro,


a neurocientífica e sociocultural, é que ambas começam em extremos opostos
da experiência. Thomas Harvey tentou encontrar significado para a experiência
no cérebro, enquanto Dunbar (2016) tenta entender o cérebro em termos da
experiência. A diferença para Harvey e no discurso neurocientífico como um
todo é que ele simplesmente chega a um caminho sem saída. Uma nova ciência
do cérebro começa e não termina com o cérebro.

93
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

Outras pesquisas também revelam que, no mundo da neurociência,


déficits estão começando a ser identificados e possíveis soluções abordadas.
Os neurocientistas precisam encontrar maneiras de capturar a variabilidade
individual se realmente querem ajudar seus pacientes (CACIOPPO; VISSER;
PICKETT, 2006). O que estamos descobrindo é que, todos os indivíduos com
AVC perinatal, por exemplo, seguem caminhos diferentes para a recuperação, de
modo que a regra pode ser a de que não existe regra – que é realmente importante
analisar as pessoas em um contexto individual, de modo que a força motriz de
muitas coisas que os neurocientistas fazem agora é tentar encontrar ferramentas
analíticas que os afastem do nível médio, padronizado, e tente levar em conta a
maior variabilidade individual e o maior número possível de fatores individuais.

A interação crítica entre o que um indivíduo traz para o ambiente e, portanto,


tira dele, é movida pelas características do indivíduo, pelas partes particulares
do ambiente em que ele tocará como consequência de suas características e, em
seguida, por sua resposta a elas (CACIOPPO; VISSER; PICKETT, 2006). Essa
interação é, portanto, idiossincrática. Então, quando analisamos o mundo de
uma maneira em que tentamos reduzir a variabilidade e observar uma média
na população, estamos desassistindo a complexidade das interações reais que
estão ocorrendo. Deste modo, a melhor maneira de ensinar uma criança em
um ambiente específico exigirá uma compreensão mais profunda do que esse
indivíduo produz e da melhor forma de capitalizar essas características.

Embora os neurocientistas não usem uma linguagem particularmente


sociocultural, essa posição atual revela o início de uma virada sociocultural na
linguagem da neurociência. Alguns neurocientistas afirmam, por exemplo, que não
veem com grande surpresa que filhos de excelentes atletas sejam frequentemente
excelentes no atletismo. Em vez de explicar isso apenas em termos de genes e
biologia, sugerem que também se pode argumentar que é porque eles crescem em
um ambiente que valoriza muito o atletismo (TURNER, 2014).

Uma abordagem que pressupõem que não deveria haver padronizações


automáticas, mensurações e explicações que serviriam para todos, pode ser
vista como criando dificuldades no trabalho de qualquer neurocientista, mas,
na prática, o oposto é verdadeiro. Ao assumir uma abordagem mais complexa
que compreende que as pessoas não se encaixam em meras padronizações e
reducionismos possibilita ao neurocientista procurar em outro lugar, tal como no
discurso da ciência sociocultural, para explicar as experiências.

4 APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA: UMA CIÊNCIA DA


APRENDIZAGEM CULTURAL
Todo comportamento e aprendizagem humana, incluindo sentimento,
pensamento, criação, lembrança e decisão, originam-se no cérebro. Em vez de um
sistema biológico conectado, o cérebro se desenvolve por meio de um processo

94
TÓPICO 1 — APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA: ENTENDIMENTOS SOCIOCULTURAIS E NEUROCIENTÍFICOS

ativo e dinâmico no qual as experiências sociais, emocionais e cognitivas de uma


criança organizam seu cérebro ao longo do tempo, de acordo com restrições e
princípios biológicos. Na outra direção, os pontos fortes e fracos neuropsicológicos
de uma criança moldam a maneira como ela percebe e interage com o mundo.
Como a tecelagem de uma teia intrincada e delicada, os processos fisiológicos e
culturais interagem para produzir aprendizado e comportamento em padrões
altamente diferenciados e complexos de desenvolvimento humano.

Basear-se em perspectivas socioculturais e neurocientíficas coloca a


aprendizagem como cultural, social e biologicamente dependente (IMMORDINO-
YANG; FISCHER, 2009). De natureza constitutiva, a aprendizagem se torna a
capacidade social de reconhecer sinais, símbolos e linguagem compartilhadas
por outras pessoas na cultura. Esse processo também depende da capacidade
biológica do indivíduo de responder a essas reificações socialmente significativas
da experiência. Nesse entendimento, a aprendizagem é um processo e um
produto – é um processo de participação no mundo.

As implicações de uma definição sociocultural do cérebro e da aprendizagem


podem ser lidas com alguns temas centrais da pesquisa neurocientífica de Sousa
(2017), para enriquecer nossa compreensão da aprendizagem. Usamos, no Quadro
1, esses temas centrais e algumas implicações socioculturais que pensamos ser
pertinentes para refletir como ambos podem ser lidos mais facilmente juntos. As
descobertas que apresentamos são os conceitos centrais da teoria sociocultural,
enquanto as implicações ilustram o que essa crença teórica pode significar para a
nossa prática.

QUADRO 1 – UMA COMPREENSÃO SOCIOCULTURAL DA APRENDIZAGEM: DESCOBERTAS E


IMPLICAÇÕES

Descobertas Implicações
Há momentos em nossas vidas em que
a questão da aprendizagem se torna
problemática e requer muita atenção,
A aprendizagem é uma atividade por exemplo, na escola ou na faculda-
central à vida cotidiana e não separa- de; mas também há momentos em que
da ou independente da mesma. a aprendizagem funciona, por exemplo,
quando um bebê pronuncia sua primei-
ra palavra. Podemos aprender com es-
sas experiências.

O problema surge quando um indiví-


Toda situação é uma oportunidade duo aprende algo em qualquer situação,
para a aprendizagem e o desenvolvi- além do que era inicialmente esperado
mento da identidade; no entanto, os como resultado da aprendizagem. Com-
indivíduos só podem aprender o que preender isso para os educadores signi-
os rodeia e pode ser aprendido. fica que a aprendizagem não pode ser
planejada. Só pode ser projetada.

95
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

Nossa compreensão da aprendi- Nossa perspectiva sobre a aprendizagem


zagem é parte integrante de nossa é mais importante. O que pensamos sobre
vida cotidiana. Faz parte da nossa a aprendizagem influencia onde reconhe-
participação em nossas comunida- cemos a aprendizagem e o que fazemos
des e organizações. quando melhorias devem ser feitas.

Aprender é uma negociação de significa-


do e formação de identidade na prática
Somos seres sociais e esse fato é um social. O significado – nossa capacidade
de experienciar o mundo e nosso envolvi-
aspecto central da aprendizagem. mento com ele como significativo – é, em
última análise, o que a aprendizagem deve
produzir.

O conhecimento é uma questão de


Saber é uma questão de participação na
competência em relação a empreen-
busca de tais empreendimentos, que é
dimentos valorizados, como cantar
um engajamento ativo no mundo.
em sintonia etc.

A mente é mediada pela cultura e Os significados e nossa compreensão do


mundo e de nós mesmos são sempre media-
distribuída pelas comunidades de
dos e se desenvolvem nos processos sociais e
prática. históricos de participação e reificação.

As comunidades de prática podem ser


O que define uma comunidade de
concebidas como histórias compartilhadas
prática é uma questão de manter
de aprendizagem. Se isso for verdade, a
um envolvimento mútuo suficiente
aprendizagem se tornará uma caracterís-
na busca de um empreendimento
tica fundamental da prática. A aprendiza-
em conjunto para compartilhar
gem é o mecanismo da prática e a prática é
uma aprendizagem significativa.
a história dessa aprendizagem.

Poder e agência são fundamentais Aprendizagem e identidade não são pos-


para a aprendizagem, mas esse po- ses. Elas envolvem a negociação constan-
te de interação e experiência social. Nesse
der e agência não são posses; ao con-
entendimento, é a comunidade ou mais
trário, são distribuídos por e através especificamente seus participantes que
das comunidades de prática. aprendem.

FONTE: Adaptado de Sousa (2017)

4.1 CONECTANDO APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA


Uma discussão sobre aprendizagem é incompleta sem uma consideração
da pedagogia. Um dos escopos deste livro é desenvolver aplicações específicas
de nossos entendimentos neuropsicopedagógicos de aprendizagem para
compreender a pedagogia em contextos de aprendizagem definidos, como

96
TÓPICO 1 — APRENDIZAGEM E PEDAGOGIA: ENTENDIMENTOS SOCIOCULTURAIS E NEUROCIENTÍFICOS

veremos nas outras unidades. Contudo, incluímos, aqui, um foco na pedagogia a


ser feito, alguns pontos breves, mas importantes.

Começamos com uma definição sociocultural de pedagogia: nossa


participação na prática como resultado de nossa compreensão da natureza da
aprendizagem. Nesse entendimento, uma discussão sobre pedagogia envolve
mais do que uma discussão sobre ensino nas escolas. Sempre que nos envolvemos
na aprendizagem, desenvolvemos nossa prática pedagógica e a prática de outras
pessoas. Um entendimento da pedagogia abrange:

O que é saliente para as pessoas que se envolvem em atividades


e desenvolvem competência na prática em questão. Ele leva em
consideração dois fenômenos e seu relacionamento dinâmico (a)
a ordem social, como refletida, por exemplo, na política e em suas
crenças e premissas culturais associadas; e (b) o mundo experimentado,
como refletido na representação e nas crenças mediando como ele é
experienciado (HALL; MURPHY; SOLER, 2008, s.p.).

A escola é um lugar cujas práticas pedagógicas são evidentes e


tradicionalmente vinculadas à palavra “pedagogia”. A compreensão da pedagogia
implícita neste contexto, no entanto, como fixa e limitada é falsa. Em sua obra,
Pedagogia e prática: cultura e identidades, Hall, Murphy e Soler (2008) desafiam essa
noção limitada de pedagogia, sugerindo que nos contextos escolares o foco deve
permanecer, antes, nos aspectos paralelos do currículo, introduzidos em três
níveis:

1. Currículo conforme especificado – para incluir ordem e políticas sociais.


2. Currículo conforme promulgado – para incluir nossa própria participação.
3. Currículo conforme experienciado – para incluir o mundo experienciado.

Uma exploração da pedagogia nos contextos escolares, portanto,


concentrar-se-ia na relação entre esses três entendimentos do currículo, nas
conexões e desconexões, não constituindo uma definição da própria pedagogia.
A partir dessa reconceitualização da pedagogia, fica claro que é um processo
compartilhado, dinâmico e relacional em contextos específicos ou amplos. É
exatamente essa perspectiva que exige um foco amplo nas práticas pedagógicas:

Essa noção mais profunda e ampla de pedagogia, que não se limita a


um local, contexto, faixa etária ou estágio particular, chama a atenção
para as identidades que são variadas, valorizadas, reproduzidas e
transformadas à medida que as pessoas participam da atividade.
Se a prática está relacionada a se tornar um leitor, um aprendiz de
matemática na escola, um professor, um arquiteto, um cabeleireiro e
assim por diante, como a prática cultural é mediada pelas experiências
vividas se torna significativo para a capacidade de se mostrar
competente e ser reconhecido por outras pessoas como competente
em uma determinada prática. A pedagogia envolve uma apreciação da
importância das experiências e dos aspectos de mediação como chave
para apoiar a aprendizagem (HALL; MURPHY; SOLER, 2008, s.p.).

97
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

4.2 CONECTANDO APRENDIZAGEM, CULTURA E


NEUROCIÊNCIA
A consciência tem sido descrita, em termos neurológicos, como a aparência
de um mundo, uma:

Certa fluidez, flexibilidade, sensibilidade ao contexto [...] temos a


sensação de estar presente no mundo real [...] Você pode descrevê-
lo como uma ilusão específica, mas é uma grande conquista
neurocomputacional do cérebro humano – o senso de presença como
um self em uma cena consciente (METZINGER, 2010, p. 12-14).

Em nossa compreensão sociocultural de aprendizagem neurocientifica-


mente informada, essa “sensibilidade ao contexto” é biológica e culturalmente
embasada. Tudo o que dizemos e fazemos como indivíduos, incluindo os siste-
mas de linguagem e signos que usamos para expressá-lo, são construções cul-
turais e sociais. A partir dessa premissa básica, porém poderosa, tudo o que se
segue também deve ter origem cultural e social. A aprendizagem se torna uma
construção social e um processo social.

Em outros lugares, autores sugeriram que, de uma perspectiva sociocul-


tural e neurocientífica, a aprendizagem é a aparência de um self letrado e funcio-
nal, em um mundo que o indivíduo experimenta como significativo (CURTIN;
HALL, 2013). Isso só pode ocorrer na qual atividade, agente e mundo; a experiên-
cia, o cérebro e o ambiente se alinham de uma maneira particular e a aprendiza-
gem ocorre por meio de ferramentas culturais compartilhadas na interação social.

Esse entendimento está no cerne do olhar crítico e fundamentado de


uma teoria e prática neuropsicopedagógica e neuroeducacional. A varredura do
cérebro não é a aprendizagem – é uma imagem de uma parte dela. Neste tópico,
tentamos abrir o que vemos como novos mundos da aprendizagem, ampliando o
entendimento do que realmente significa empregar definições neurocientíficas e
socioculturais da palavra "cérebro" para "explicar" a aprendizagem. Charles Horton
Cooley (1902, p. 45) resume muito bem essa compreensão da aprendizagem e da
experiência em sua frase "o self-espelho" (looking-glass self), apresentada no capítulo
3 de sua obra, que ele usa para descrever a maneira como o self (eu) é moldado pelas
opiniões refletidas dos outros ao nosso redor. Visto de maneira diferente por nossas
famílias, nossos colegas, nossos amantes, nossos amigos, cada um nos mostra um
espelho, no qual podemos ver algo de nós mesmos. Como afirma Cooley (1902, p.
152), “não sou o que penso que sou e não sou o que você pensa que sou; eu sou o
que acho que você pensa que sou”.

98
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Há uma série de conexões emergentes entre conceitos socioculturais e


neurocientíficos e teorização (plasticidade e experiência; circuitos cerebrais
e experiências sociais; aquisição e cultura de linguagem; ambiente e agência;
função cerebral e significado social).

• Muitos discursos socioculturais e neurocientíficas convergem sobre


aprendizagem, mas precisamos olhar para essas conexões criticamente.

• Apesar das semelhanças, os discursos socioculturais e neurocientíficos podem


ser vistos como não complementares se for apenas feito uma transposição das
descobertas da neurociência de maneira direta para a educação.

• É necessário construir um conceito de pedagogia mais amplo e profundo na


teoria e prática neuropsicopedagógica e neuroeducacional.

• Uma definição de trabalho sociocultural da pedagogia permite mais


significado e desenvolvimentos lucrativos tanto para a teoria quanto para a
prática neuropsicopedagógica.

• Em vez de explicar a aprendizagem, a pesquisa neurocientífica nos dá outra


maneira de analisá-la.

• A aplicação de conceitos socioculturais, aliada à pesquisa neurocientífica, nos


permitirá aprofundar nossa compreensão da aprendizagem.

99
AUTOATIVIDADE

1 Explique o que é a plasticidade cerebral?

2 O que significa entender o cérebro e a aprendizagem desde uma perspectiva


sociocultural?

3 Nos dias atuais, o campo da neurociência oferece grandes novidades


para o entendimento da aprendizagem. Contudo, a história nos mostra
que qualquer explicação reducionista dos fenômenos humanos nos conduz
a erros de compreensão. Entendendo, portanto, que a aprendizagem não é
meramente mecânica, surge a necessidade de suprir essas lacunas deixadas
pelas explicações neurocientíficas. Sobre esta necessidade e possíveis soluções
para preencher as lacunas citadas, analise as sentenças a seguir:

I- A teoria sociocultural aliada à neurociência poderá oferecer uma nova


compreensão da ciência e da cultura nos processos de aprendizagem,
preenchendo assim as lacunas.
II- Os processos culturais ajudam a preencher algumas lacunas, contudo no
quesito da plasticidade cerebral, a explicação neurocientífica é suficiente.
III- A experiência e a interação social influenciam o desenvolvimento do
cérebro e a aprendizagem, por isso, é necessário também olhar para teorias
socioculturais.
IV- A teoria da cognição social ainda não ofereceu evidências suficientes para
preencher tais lacunas explicativas deixadas pela neurociência na questão da
aprendizagem.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças I e II estão corretas.

4 A teoria sociocultural é uma teoria emergente em psicologia que analisa


as contribuições importantes que a sociedade faz para o desenvolvimento
individual. Essa teoria enfatiza a interação entre as pessoas em desenvolvimento
e a cultura em que vivem. A teoria sociocultural também sugere que a
aprendizagem humana é, em grande parte, um processo social. Ocorre
que muitos pesquisadores da educação e dos processos de aprendizagem,
atualmente, enfatizam as contribuições das neurociências, o que poderia
sugerir uma negação da teoria sociocultural. Apesar dessa tendência
reducionista, de ver a aprendizagem apenas de uma única perspectiva, é
possível conectar neurociência e teoria sociocultural. Sobre o exposto, avalie
as asserções a seguir e a relação proposta entre elas:

100
I- Uma compreensão sociocultural do significado da cultura na aprendizagem
é apoiada pela pesquisa neurocientífica.

PORQUE

II- Várias pesquisas em neurociências confirmam as perspectivas socioculturais


da aprendizagem que desafiam os modelos deficitários de aprendizagem e
desenvolvimento.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
b) ( ) A asserção I é uma proposição é falsa, e a II é uma proposição é verda-
deira.
c) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras e estabelecem relação
entre si.
d) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, porém não estabelecem
relação entre si.

101
102
UNIDADE 2 TÓPICO 2 —

PLASTICIDADE CEREBRAL E
CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO
DE APRENDIZAGEM
1 INTRODUÇÃO
Alguns resultados robustos em neurobiologia podem explicar
características da representação neuronal do conhecimento em humanos. A
arquitetura funcional do cérebro depende não apenas dos genes, mas também
dos mecanismos epigenéticos (processos de desenvolvimento) baseados na
estabilização das conexões entre os neurônios para tarefas específicas. “Neurônios
que disparam juntos” é a regra básica, não apenas no período embrionário, mas
também após o nascimento. Os bebês são dotados de uma incrível riqueza de
informações já acessíveis em seus cérebros.

A educação não parte de um quadro em branco, mas se desenvolve a partir


de conhecimentos a priori sobre o ambiente interno e externo. Durante os primeiros
períodos de desenvolvimento, ocorrem algumas janelas de desenvolvimento, bem
documentadas para as áreas visuais do córtex, onde a privação sensorial pode
alterar para sempre a consolidação dos circuitos corticais. Após a puberdade,
qualquer aprendizagem é limitada por arquiteturas neuronais invariantes,
mas a aprendizagem continua a ocorrer devido a modificações funcionais na
conectividade do sistema cerebral, como descrito na primeira Unidade deste
livro. Deste modo, os programas educacionais se beneficiarão do conhecimento
do desenvolvimento de novos circuitos neuronais durante a aprendizagem.

As considerações sobre a otimização de estratégias educacionais devem


levar em consideração o conhecimento sobre o desenvolvimento cerebral e os
mecanismos de aprendizagem acumulados pela pesquisa neurobiológica nas
últimas décadas. A grande quantidade de dados impede uma visão abrangente de
aspectos potencialmente relevantes em apenas um livro. Portanto, a ênfase neste
tópico, estará nos aspectos gerais da aquisição e representação do conhecimento.
Nesse contexto, as seguintes perguntas são de particular importância:

• Como o conhecimento é representado no cérebro?


• Ao nascer, o cérebro já possui conhecimento sobre o mundo em que irá evoluir
ou deve ser considerado uma tábula rasa livremente programável?
• Como a experiência e a educação interferem no desenvolvimento do cérebro?
• Em que medida o cérebro em desenvolvimento tem controle sobre os processos
que medeiam seu desenvolvimento e aquisição de conhecimento?
• Em caso afirmativo, como os processos de aprendizagem no cérebro em
desenvolvimento diferem daqueles no organismo maduro?

103
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

2 A REPRESENTAÇÃO NEURONAL DO CONHECIMENTO


Ao contrário dos computadores que consistem em um hardware invariável
que executa operações fixas, cuja sequência pode ser livremente programada
pelo software apropriado, não há dicotomia entre hardware e software no
cérebro. A maneira pela qual os cérebros operam é totalmente determinada
pelas propriedades integrativas das células nervosas individuais e pela maneira
como elas estão interconectadas. É a arquitetura funcional das conexões que
determina como os cérebros percebem, decidem e agem. Portanto, não apenas as
regras segundo as quais os cérebros processam informações, mas também todo
o conhecimento que um cérebro possui residem em sua arquitetura funcional.
Daqui resulta que os padrões de conectividade do cérebro contêm informações
e que qualquer aprendizado, isto é, a modificação de programas computacionais
e do conhecimento armazenado, deve ocorrer através de mudanças duradouras
em sua arquitetura funcional. Tais alterações podem ser obtidas alterando as
propriedades integrativas dos neurônios individuais, alterando os padrões de
conectividade anatômica e modificando a eficácia das conexões excitatórias e/ou
inibitórias. Assim, a busca pelas fontes de conhecimento é equivalente à busca de
processos que especificam e modificam a arquitetura funcional do cérebro.

É possível distinguir três processos principais: evolução, desenvolvimento


ontogenético e aprendizagem. Embora esses processos difiram notavelmente
no curso de seu tempo e nos mecanismos subjacentes, eles são igualmente
responsáveis ​​pela especificação da arquitetura funcional do cérebro. Portanto,
eles podem ser considerados como mecanismos subjacentes à aquisição de
conhecimento, ou em termos mais gerais, como processos cognitivos.

2.1 EVOLUÇÃO COMO UM PROCESSO COGNITIVO


As arquiteturas do cérebro evoluíram de acordo com os mesmos princípios
de tentativa, erro e seleção que todos os outros componentes dos organismos.
Organismos dotados de cérebros cuja arquitetura permitia a realização de
funções que aumentavam sua aptidão sobreviveram e os genes que especificam
essas arquiteturas foram preservados. Através desse processo de seleção,
informações sobre operações computacionais úteis foram implementadas em
arquiteturas cerebrais e armazenadas nos genes. Toda vez que um organismo se
desenvolve, essa informação é transmitida dos genes através de um processo de
desenvolvimento complexo para arquiteturas cerebrais específicas, que depois
traduzem esse conhecimento em comportamento bem adaptado.

Como a evolução é conservadora, os aspectos básicos da arquitetura


funcional dos sistemas nervosos foram preservados após a comprovação de sua
eficácia. Assim, as propriedades integrativas das células nervosas e os principais
princípios do processamento de informações permaneceram inalterados desde
o primeiro surgimento de sistemas nervosos simples nos invertebrados. Isso
implica que estratégias computacionais – como o mecanismo de aprendizagem
104
TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

que associa sinais temporariamente contingentes – permaneceram praticamente


inalteradas ao longo da evolução. Continuamos a utilizar o conhecimento que
os organismos primitivos adquiriram sobre algoritmos computacionais que se
mostraram úteis para a avaliação de sinais sensoriais e a preparação de respostas
bem adaptadas. A única grande mudança pela qual os sistemas nervosos
sofreram durante a evolução é um aumento dramático na complexidade. Essa
complexidade se deve a um aumento maciço no número de células nervosas
e, ainda mais, a um aumento impressionante de conexões. O cérebro humano
adulto consiste em cerca de 86 bilhões de células nervosas e um total estimado
em um quatrilião de conexões sinápticas. Um milímetro cúbico de córtex cerebral
contém aproximadamente 60.000 neurônios (HERCULANO-HOUZEL, 2017).
Cada um desses neurônios se conecta entre 10.000 e 20.000 outros neurônios e
recebe informações de um número comparável de células nervosas. A maioria das
interações mediadas por essas conexões ocorre entre células nervosas localizadas
nas proximidades, mas também existem inúmeras conexões de longo alcance
que ligam células nervosas que são distribuídas por áreas remotas do cérebro. A
maioria dessas conexões é altamente seletiva e suas trajetórias são especificadas
geneticamente.

Assim, uma quantidade enorme de informações é armazenada na


arquitetura funcional de cérebros altamente evoluídos, e uma das fontes dessas
informações é a seleção evolutiva. Importante no presente contexto é o fato de
que a maioria das características geneticamente determinadas da arquitetura
cerebral são prontamente expressas no momento do nascimento. Isso implica
que os bebês nascem com cérebros que armazenaram em sua arquitetura uma
quantidade substancial de conhecimento sobre estratégias úteis de processamento
de informações. Enquanto a especialização funcional dos órgãos dos sentidos
determina quais sinais do ambiente devem ser capturados pelo organismo para
posterior avaliação, a arquitetura funcional do sistema nervoso determina como
esses sinais devem ser processados, recombinados, armazenados e traduzidos em
padrões de ação. O conhecimento inato define como percebemos e interpretamos
sinais sensoriais, avaliamos regularidades e derivamos regras, associamos sinais
uns com os outros e identificamos relações causais, associamos conotações
emocionais a sinais sensoriais e, finalmente, como raciocinamos. Os bebês
humanos nascem com uma imensa base de conhecimentos sobre as propriedades
do mundo em que irão evoluir, e esse conhecimento reside na arquitetura
funcional geneticamente determinada de seus cérebros, seus cérebros estão longe
de ser uma tabula rasa livremente instrutiva (LEYSER, 2018).

Por razões óbvias, não temos lembrança consciente da aquisição desse


conhecimento. É de natureza a priori e determina as operações básicas de nossos
cérebros, incluindo a aquisição subsequente de novos conhecimentos através da
aprendizagem. É o conhecimento implícito que especifica como percebemos o
mundo e categorizamos os fenômenos como iguais ou diferentes. Não podemos
questionar esse conhecimento nem substituir, por deliberações conscientes, os
resultados computacionais fornecidos por nossa arquitetura cerebral inata.
Embora saibamos que as vibrações com frequências abaixo e acima de 18 Hz

105
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

diferem apenas quantitativamente em termos físicos, nossos sistemas sensoriais


subdividem arbitrariamente esse continuum em vibrações e sons, respectivamente
(GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). Exemplos para essa formação arbitrária
de categorias, de acordo com inferências a priori estabelecidas pela arquitetura
do nosso sistema nervoso, são numerosos. Essas preconcepções inatas também
podem ser mais sutis e assim são menos facilmente identificadas como tais. Elas
aparecem como convicções não questionáveis ​​sobre a natureza do mundo em
que evoluímos. A pesquisa atual sobre primatas e bebês visa revelar essa base de
conhecimento inata. Como esse conhecimento a priori fornece a estrutura para
todos os processos de aprendizagem subsequentes, ele precisa ser levado em
consideração em qualquer tentativa de melhorar os esforços educacionais iniciais.

2.2 DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE DA EXPERIÊNCIA


Apesar da determinação substancial da arquitetura do cérebro por fatores
genéticos, os bebês humanos nascem com cérebros extremamente imaturos
que continuam a se desenvolver estruturalmente até o final da puberdade.
No momento do nascimento, todos os neurônios estão a postos e as conexões
básicas, especialmente aquelas que percorrem longas distâncias, são formadas.
No entanto, a maioria dos neurônios no córtex cerebral ainda não está totalmente
conectada. Somente após o nascimento e durante os anos seguintes é que a
arquitetura funcional do cérebro atinge sua complexidade final. Esse processo
de desenvolvimento é caracterizado por uma rotatividade contínua de conexões.
As células nervosas estendem os processos que recebem contatos de outras
células nervosas (seus dendritos) e os processos com os quais distribuem sua
atividade a outras células nervosas (axônios) e estabelecem conexões. Uma vez
formadas, essas conexões são sujeitas a um teste funcional e são consolidadas
pelo resto da vida ou removidas irreversivelmente. Esse processo de validação
é controlado pela atividade neuronal. As conexões entre os neurônios que têm
uma alta probabilidade de exibir atividade correlacionada temporalmente
tendem a se consolidar, enquanto as conexões entre os neurônios que têm uma
menor probabilidade de serem ativadas de maneira correlacionada tendem a
ser removidas. Os neurônios se unem e disparam juntos. Após o nascimento, a
atividade das redes neuronais é naturalmente influenciada em grande parte pelos
sinais sensoriais agora disponíveis. Isso implica que a experiência sensorial tenha
acesso a um processo de desenvolvimento que leva à especificação de arquiteturas
funcionais. Através desse processo, a experiência pode moldar a conectividade
neuronal (SINGER, 1990, 1995).

O que torna esse processo tão importante no contexto de considerações


sobre estratégias educacionais é sua irreversibilidade. Como mencionado
anteriormente, esse processo de formação e seleção de circuitos, de acordo com
critérios funcionais, persiste até o final da puberdade – mas ocorre em janelas
com tempo preciso que diferem para diferentes estruturas. Para áreas do córtex
cerebral que realizam um processamento de baixo nível de sinais sensoriais,
como as áreas sensoriais primárias, essa maturação dependente de experiência

106
TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

dos circuitos começa logo após o nascimento e termina nos primeiros dois anos
de vida. Para áreas dedicadas ao processamento da linguagem, a janela de
desenvolvimento inicia mais tarde e fica aberta por um longo período. E ainda
mais tarde são as janelas de desenvolvimento para o amadurecimento dos centros
que servem ao gerenciamento da memória declarativa, à representação do self e
à incorporação do indivíduo nos sistemas sociais.

Uma vez fechadas as respectivas janelas de desenvolvimento, os neurônios


param de formar novas conexões e as conexões existentes não podem mais ser
removidas. É por isso que as janelas durante as quais a maturação cerebral é
suscetível a influências dependentes da experiência são denominadas de "períodos
críticos" (contudo é importante compreender estes períodos com criticidade
e cautela evidencial, como já discutimos na unidade anterior deste livro). É
somente durante esses períodos críticos que as arquiteturas do cérebro podem
ser modificadas e otimizadas de acordo com critérios funcionais. Terminado o
respectivo período crítico, o circuito na área do neocórtex em questão não é mais
modificável. As conexões perdidas não podem ser recuperadas e as conexões
inadequadas não podem ser removidas (KANDEL et al., 2014). A única maneira
de induzir mais modificações na arquitetura agora cristalizada é alterar a eficácia
das conexões existentes. Presume-se que essas modificações funcionais sejam a
base da aprendizagem de adultos e, após a puberdade, sejam restringidas pelas
arquiteturas anatômicas invariantes na época.

O importante papel que a experiência desempenha nesses processos de


maturação pós-natal é sublinhado pelas dramáticas consequências da privação
sensorial. Na era pré-antibiótica, os bebês frequentemente sofriam de infecções
perinatais dos olhos, que causavam opacidades na córnea ou na lente. Portanto,
esses bebês não tinham visão de contorno. Eles não conseguiam receber sinais
de alto contraste das bordas do contorno e podiam perceber apenas mudanças
difusas de brilho. Devido às propriedades de resposta pré-especificadas
ajustadas para contrastar as bordas, os neurônios no córtex cerebral não podiam
responder bem a essas mudanças globais no brilho e, como consequência, a
atividade entre neurônios interconectados ao longo da cascata de transmissão
do olho para os neurônios corticais era apenas pouco correlacionada. Devido a
essas correlações ruins, as conexões inicialmente formadas eram interrompidas
e as que persistiam eram isentas de validação funcional e tinham uma grande
chance de serem inadequadas. Devido à falta de visão normal do contorno, os
circuitos no córtex visual não podiam se desenvolver normalmente, os circuitos
não podiam ser selecionados de acordo com os critérios funcionais, e o processo
de desenvolvimento parava em um nível imaturo e não funcional (ENGEL;
LANKENAU; MULKIDJANIAN, 2011).

Deste modo, sabemos que depois que o período crítico termina, que em
gatos dura cerca de três meses e em bebês humanos cerca de um ano após o
nascimento, esses déficits na conectividade não podem mais ser restaurados.
Intervenções cirúrgicas que restauram os processos óticos danificados são em
vão porque o cérebro agora é incapaz de processar adequadamente os sinais

107
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

transmitidos pelos olhos. Experimentos em animais revelaram que as retinas estão


funcionando normalmente, apesar da privação precoce, mas as redes neuronais no
córtex visual são incapazes de processar adequadamente os padrões de atividade
recebidos. Os bebês que foram submetidos a tal restauração tardia da visão
permanecem funcionalmente cegos e, na melhor das hipóteses, desenvolvem
alguma percepção rudimentar das mudanças de iluminação (LUNDY-EKMAN,
2008).

Embora, por razões óbvias, não haja estudos sistemáticos sobre efeitos
de privação em funções cognitivas superiores, como aquisição de linguagem
e integração social, parece legítimo supor por extrapolação que podem existir
janelas críticas para a aquisição de tais funções superiores e que os efeitos de
privação poderão ser igualmente prejudiciais. Novamente, lembrando que ainda
não há evidências que sustentem tal generalização, como vimos na Unidade
I deste livro, de todo modo, é crucial levar em conta todos os esforços das
investigações científicas em neurociência que a cada dia elucidam mais e mais
nossa compreensão destes dados.

Apesar da provável importância das janelas de desenvolvimento para


a aquisição de funções cognitivas superiores, pouco se sabe sobre seu início e
duração. O conhecimento sobre o curso temporal desses desenvolvimentos será
altamente valioso para uma melhor gestão dos currículos educacionais, por isso
a pesquisa em psicologia do desenvolvimento possui uma importância crescente
no campo da pedagogia.

2.3 O VALOR ADAPTATIVO DA SELEÇÃO DE CIRCUITOS


EPIGENÉTICOS
Os efeitos dramáticos que a privação tem sobre a maturação das
arquiteturas cerebrais levantam a questão de porque a natureza implementou
mecanismos de desenvolvimento que expõem o cérebro em maturação aos riscos
da experiência sensorial. É provável que abrir o processo de desenvolvimento
a influências epigenéticas permita a realização de funções que não poderiam
ter sido alcançadas apenas por instruções genéticas e compensar os possíveis
riscos de privação. Considerações sobre o desenvolvimento de funções visuais
poderiam fornecer suporte para essa noção.

Animais, incluindo seres humanos com olhos frontais, têm a capacidade


de fundir as imagens geradas nas duas retinas em uma única percepção. Isso
tem pelo menos duas grandes vantagens. Primeiro, permite uma melhoria
significativa das relações sinal-ruído através da comparação de dois canais
sensoriais independentes. Segundo, permite a visão estereoscópica, a capacidade
de extrair informações precisas de profundidade através da comparação das
disparidades entre as duas imagens da retina. Para realizar essas funções que,
sem dúvida, aumentam a aptidão do organismo, as conexões entre os dois olhos

108
TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

e os neurônios corticais devem ser especificadas de maneira muito precisa.


É preciso garantir que as células ganglionares que codificam sinais do mesmo
ponto no espaço visual – desde que o animal se fixe com os dois olhos – convirjam
exatamente nos mesmos neurônios corticais (RIDLEY, 2007).

Em termos técnicos, é necessário garantir que os aferentes dos locais


correspondentes da retina terminem nas mesmas células corticais. Vários
argumentos sugerem que esses padrões precisos de conectividade não podem
ser alcançados apenas com instruções genéticas. Quais locais da retina realmente
corresponderão no sistema maduro dependem de vários fatores, como a distância
interocular, o tamanho preciso das esferas oculares e a localização precisa das
esferas oculares na órbita (RIDLEY, 2007). Essas variáveis ​​dependem de uma
série de fatores epigenéticos, como processos de crescimento dependentes de
nutrientes no útero e outras interferências epigenéticas. Assim, eles não podem
ser antecipados com precisão suficiente pelo processo de desenvolvimento
geneticamente determinado.

Existe, no entanto, uma estratégia elegante para identificar a posteriori


quais das conexões realmente provêm dos locais correspondentes da retina, e isso
deve depender de atividade correlacionada. Por definição, aferentes originários
dos locais correspondentes da retina são ativados exatamente pelos mesmos
contornos no espaço visual (SINGER, 1995). Portanto, eles transmitem padrões
de ativação altamente correlacionados quando o organismo fixa um padrão com
os dois olhos. Assim, um mecanismo que é capaz de selecionar entre muitos
aferentes diferentes aqueles que transmitem a melhor atividade correlacionada
assegura a estabilização seletiva de inputs dos locais correspondentes da retina.
Esse é exatamente o mecanismo pelo qual os aferentes dos olhos às células corticais
são selecionados durante o desenvolvimento. Nesse caso em particular, existe,
portanto, uma boa razão para incluir a experiência como fator de modelagem no
desenvolvimento de circuitos.

Argumentos relacionados se aplicam a outros processos de


desenvolvimento nos quais a seleção de circuitos corticais depende da experiência.
Através da estabilização seletiva de conexões que ligam neurônios que exibem
atividade correlacionada, as correlações que ocorrem com frequência no mundo
exterior podem ser traduzidas na arquitetura das conexões. Assim, o sistema pode
aprender sobre contingências estatísticas em seu ambiente e pode armazenar
esse conhecimento em suas arquiteturas de processamento. Esse conhecimento
pode então ser usado para formular hipóteses educadas sobre as propriedades
específicas do mundo em que o organismo evolui. Através da modelagem
epigenética da arquitetura funcional do cérebro, os organismos podem adaptar
suas arquiteturas neuronais ao ambiente em que nascem, e isso economiza muito
os recursos computacionais que precisam ser investidos para lidar com os desafios
específicos dos respectivos ambientes (DEHAENE; COHEN, 2007).

Uma ilustração impressionante dessa adaptação dependente da experiência


dos processos cognitivos é fornecida pela aquisição da linguagem. A exposição à

109
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

língua materna induz mudanças irreversíveis nas arquiteturas de processamento


necessárias para a decodificação e reprodução dessa linguagem. Assim, as crianças
desenvolvem esquemas específicos para a prosódia da língua materna e para
fonemas característicos. Isso lhes permite segmentar rápida e automaticamente o
fluxo contínuo de sons produzidos pelos falantes. Esse não é o caso dos segundo
e terceiro idiomas, se eles forem adquiridos apenas em estágios posteriores de
desenvolvimento. Nesse caso, a segmentação não é mais automática, mas requer
controle atencional, razão pela qual é necessário um esforço para acompanhar
conversas com vários falantes em idiomas estrangeiros adquiridos tardiamente.
Um exemplo particularmente marcante para a modelagem irreversível das
arquiteturas de processamento é a incapacidade dos falantes de idiomas asiáticos
de distinguir as consoantes “R” e “L”. Eles são realmente incapazes de ouvir
a diferença entre essas consoantes porque os idiomas asiáticos os fundem em
uma única categoria de fonemas (GOSWAMI, 2020). As evidências indicam que
é extremamente difícil – se não impossível – reinstalar esses limites dos fonemas
pela aprendizagem depois que as janelas de desenvolvimento para a aquisição da
língua materna se fecham.

A opção de abrir o desenvolvimento da arquitetura funcional do cérebro


a modificações epigenéticas dependentes da experiência tem, portanto, duas
grandes vantagens sobre os processos de desenvolvimento que dependem
exclusivamente de instruções genéticas. Primeiro, ao incluir sinais do ambiente,
permite a validação funcional e o ajuste fino das conexões a uma extensão que
não pode ser alcançada apenas por instruções genéticas. Isso permite a realização
de funções que não poderiam ter sido desenvolvidas de outra forma. Segundo,
a inclusão de influências ambientais no processo de desenvolvimento permite a
adaptação específica das arquiteturas de processamento às demandas reais do
ambiente em que elas nasceram. Essas opções obviamente compensam os riscos
associados à modificação epigenética das arquiteturas cerebrais.

2.4 O CONTROLE DO DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE


DA EXPERIÊNCIA
Como se poderia esperar, o cérebro em desenvolvimento possui
mecanismos para se proteger contra modificações epigenéticas inadequadas de
sua arquitetura (KANDEL et al., 2014). Obviamente, não há possibilidade de se
defender da privação porque a falta de informação não pode ser compensada. No
entanto, a natureza implementou mecanismos poderosos que permitem ao cérebro
excluir sinais ambientais da configuração de sua arquitetura que são identificados
como inapropriados ou conflitantes. Para a indução de modificações dependentes
de atividade dos circuitos em desenvolvimento, sua consolidação ou interrupção,
cascatas complexas de interações moleculares precisam ser desencadeadas pela
atividade neuronal. Essa cadeia altamente complexa de processos moleculares é
por sua vez controlada por sinais de múltiplas fontes que permitem ou desativam
a tradução da atividade neuronal em duradouras modificações anatômicas. Esses

110
TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

sinais de bloqueio são derivados de projeções de feedback originárias de outras


áreas de processamento e de sistemas moduladores que controlam os estados
cerebrais globais e cuja atividade é modulada por fatores como atenção, valor
de recompensa dos estímulos e relevância comportamental (GOSWAMI, 2020).
Esses sistemas de controle garantem que apenas aqueles sinais do ambiente que
correspondam às expectativas e às necessidades do cérebro em desenvolvimento
possam induzir modificações no circuito.

A seleção dependente da experiência dos aferentes da retina


correspondentes é novamente um bom exemplo. Essa seleção só pode ser bem-
sucedida se estiver confinada a períodos em que o bebê não move os olhos, mas
fixa um alvo com os dois olhos. É somente nesses casos que a atividade dos locais
correspondentes da retina é realmente correlacionada (SINGER, 1990). Portanto,
é necessário garantir que a seleção do circuito esteja confinada a episódios em que
o bebê tenha os olhos adequadamente ajustados. Para garantir isso, a natureza
implementou vários mecanismos de controle paralelo. Com base em instruções
genéticas, a correspondência aproximada entre os aferentes dos dois olhos já
está estabelecida antes do início do período crítico de sintonia fina dependente
da experiência. A consequência é que a atividade de rede ressoa melhor se as
imagens nos dois olhos forem aproximadamente correspondentes do que se os
olhos não estiverem alinhados corretamente. Como a atividade forte e ressonante
induz modificações no circuito com mais eficiência do que a atividade fraca e
incoerente, é mais provável que ocorram modificações no circuito quando os
olhos já estiverem em uma posição próxima da ideal.

Além disso, há um input dos receptores de estiramento dos músculos


extraoculares que sinalizam se os olhos estão em repouso ou se movem. Esses sinais
também têm um papel importante na seleção dependente do uso de conexões
aferentes. Finalmente, é necessária a atividade de vários sistemas moduladores,
cuja atividade é regulada em função da excitação e atenção. A atividade desses
sistemas moduladores garante que apenas esses sinais possam induzir mudanças
duradouras nos circuitos atendidos pelo organismo e que tenham significado
comportamental atribuído (POSNER; FAN, 2001).

Assim, o conhecimento a priori que reside nas arquiteturas geneticamente


determinadas dos cérebros é usado para selecionar os sinais ambientais que são
apropriados para a modelagem epigenética das arquiteturas cerebrais. O cérebro
em desenvolvimento conhece a natureza dos sinais que podem ser usados ​​para
a otimização de seus circuitos. Assim, o cérebro em desenvolvimento se engaja
na busca ativa dos sinais necessários para apoiar seu próprio desenvolvimento.
Dependendo do curso das várias janelas de desenvolvimento, a natureza dos sinais
necessários muda. Consequentemente, apenas esses inputs são considerados
para alterações de circuito que correspondem às necessidades do processo de
desenvolvimento real. Daqui resulta que o cérebro em desenvolvimento tem a
iniciativa em todos os processos de desenvolvimento dependente da experiência.
Ele coloca questões específicas em estágios de desenvolvimento específicos,
direciona sua atenção seletivamente para os padrões de input especiais e aceita

111
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

apenas os sinais para otimização do circuito que correspondem às expectativas


pré-programadas (SINGER, 1990).

Essas noções têm consequências de longo alcance para o projeto de


currículos educacionais. É óbvio que a privação terá consequências desastrosas
em todas as etapas do desenvolvimento. No entanto, também é óbvio que não
faz sentido oferecer tantos estímulos quanto possível durante o maior tempo
possível. O cérebro em desenvolvimento utilizará apenas os sinais de que
realmente precisa, e há o risco de que a oferta de estímulos em demasia e diversos
tenha um efeito distrativo e dificulte o cérebro de se concentrar nos sinais de que
precisa. Uma estratégia mais eficaz é provavelmente observar cuidadosamente o
comportamento espontâneo das crianças, descobrir quais são suas necessidades
e interesses nos vários estágios do desenvolvimento e, então, fornecer respostas o
mais abrangentes e não ambíguas possível.

O que as crianças realmente procuram e exigem para o desenvolvimento


bem-sucedido pode ser facilmente decifrado a partir de suas atitudes emocionais.
Elas não apenas buscam espontaneamente os estímulos de que precisam, mas
também respondem à disponibilidade dos estímulos solicitados com emoções
positivas. Como os cursos das várias janelas de desenvolvimento podem mostrar
considerável variabilidade interindividual, é importante descobrir quando
uma criança em particular precisa de quais informações para promover seu
desenvolvimento cerebral. Isso pode ser alcançado observando cuidadosamente
quais atividades atraem a atenção dessa criança e aumentam seu interesse.

2.5 MECANISMOS DE APRENDIZAGEM DE ADULTOS


Como mencionado anteriormente, é geralmente assumido que a
aprendizagem de adultos depende de mudanças na eficácia de conexões
excitatórias e/ou inibitórias. Os mecanismos que medeiam essas mudanças
induzidas pela aprendizagem na força de acoplamento entre os neurônios
se assemelham àqueles que medeiam as alterações do circuito dependente da
atividade durante o desenvolvimento dependente da experiência. As conexões
excitatórias entre os neurônios se fortalecem se esses neurônios descarregam de
maneira correlacionada enquanto enfraquecem se a atividade das células não está
relacionada temporalmente. Os processos moleculares que avaliam as correlações
temporais entre os padrões de disparo neuronal e os traduzem em modificações
duradouras da força de acoplamento são em geral os mesmos que promovem
a seleção de circuitos dependentes da atividade durante o desenvolvimento
(SINGER, 1995).

A única grande diferença é que, no adulto, o enfraquecimento das conexões


não é mais seguido por sua remoção e que não são formadas novas conexões.
No entanto, existem algumas exceções. Nos últimos anos, tornou-se disponível
a evidência de que em algumas regiões cerebrais distintas, partes do hipocampo
e dos neurônios do bulbo olfativo continuam a ser gerados ao longo da vida, e

112
TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

esses neurônios formam novas conexões e se integram aos circuitos existentes


(KEMPERMANN; KUHN; GAGE, 1997). Assim, nessas áreas distintas do cérebro,
os processos de desenvolvimento persistem, ao longo da vida, e atualmente não
está claro por que esse é apenas o caso nessas regiões específicas e não no córtex
cerebral, cuja maioria das modificações relacionadas à aprendizagem ocorrem.

A aprendizagem de adultos se assemelha a processos de desenvolvimento


dependentes da experiência também no que diz respeito à dependência de
mecanismos de atenção, sistemas de recompensa e sono. Assim, todas as
estratégias que forem desenvolvidas para melhorar os processos de aprendizagem
em adultos provavelmente serão úteis também para a promoção de processos
de desenvolvimento dependentes da experiência em jovens. O que é necessário
agora é a transferência de conhecimento sobre processos de desenvolvimento
dependentes da experiência que foram acumulados com a experimentação
neurobiológica para programas educacionais. Isso requer intensificação da
pesquisa em psicologia do desenvolvimento e incorporação de técnicas não
invasivas para a avaliação dos processos cerebrais em crianças. Agora, esses
métodos estão disponíveis e podem ser aplicados a crianças, por exemplo,
registros eletroencefalográficos ou magnetoencefalográficos, com a tomografia
por ressonância magnética funcional. Tais abordagens podem ajudar a definir
com mais precisão os períodos críticos do desenvolvimento de funções cerebrais
específicas e a projetar estratégias adaptadas para a otimização dos processos de
desenvolvimento dependentes da experiência.

2.6 DESCANSO E O SONO NO DESENVOLVIMENTO


CEREBRAL DEPENDENTE DA EXPERIÊNCIA
Há muito se sabe que o sono tem efeitos benéficos na consolidação das
memórias. Nas últimas décadas, essa noção geral recebeu forte apoio de estudos
experimentais bem controlados. O sono aparece como um processo ativo
altamente estruturado pelo qual os traços de memória acumulados ao longo do
dia são reorganizados e consolidados. Estudos neurofisiológicos sugerem que
os padrões de atividade induzidos por testes de aprendizagem são repetidos
durante determinadas fases do sono, e acredita-se que esse ensaio promova a
consolidação dos traços de memória (LOUIE; WILSON, 2001; HOFFMAN;
MCNAUGHTON, 2002).

Curiosamente, não apenas a consolidação de memórias declarativas, ou


seja, conscientemente armazenadas, requer sono, mas também a aquisição de
habilidades que são adquiridas através da aprendizagem processual, ou seja,
através da prática. Um exemplo bem examinado é a aprendizagem perceptiva.
Se os sujeitos praticam a discriminação de certas características visuais, como a
orientação dos contornos, seu desempenho aumenta ao longo do tempo de uma
maneira altamente específica para a tarefa específica. Essa melhoria de uma
habilidade instrumental que depende de modificações das propriedades de

113
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

resposta dos neurônios no córtex visual também requer consolidação através do


sono. Se os indivíduos forem privados de sono após as sessões de treinamento, o
desempenho não melhora (AHISSAR; HOCHSTEIN, 1997).

Ainda mais surpreendente é a crescente evidência de que também as


modificações dependentes da experiência das arquiteturas neuronais que ocorrem
durante o desenvolvimento do cérebro requerem sono para sua expressão e
consolidação. A evidência vem novamente de experimentos de privação no
sistema visual. Em experimentos iniciais, verificou-se que a experiência visual teve
efeitos mais profundos nas propriedades de resposta dos neurônios corticais de
gatinhos quando foram expostos ao ambiente visual por apenas breves períodos e
subsequentemente permitidos descansar no escuro do que quando foram expostos
ao mesmo ambiente por um período de tempo semelhante ininterruptamente
(MIOCHE; SINGER, 1989). Outro estudo mostrou que as mudanças no circuito
não ocorreram apesar da exposição a condições visuais que normalmente induzem
mudanças drásticas quando os animais foram anestesiados após a exposição e,
portanto, foram impedidos do sono natural (RAUSCHECKER; HAHN, 1987).
Um estudo mais recente forneceu evidências diretas de que a interferência em
uma fase específica do sono, o chamado sono paradoxal ou movimento ocular
rápido (REM), é suficiente para interromper a seleção do circuito dependente da
experiência. Assim, os processos de desenvolvimento dependentes da experiência
parecem depender do sono da mesma maneira que a formação de memórias pela
aprendizagem convencional (CARDINALI, 2008).

Essa evidência da experimentação animal deve ter consequências para a


organização de horários de atividades nas creches e pré-escolas. É de se esperar
que as crianças exijam períodos de repouso e, provavelmente, também durmam
após atividades nas quais tiveram experiências intensas particulares. Assim,
deve-se considerar a organização de creches e pré-escolas de forma a permitir
que as crianças recuem e tirem uma soneca de acordo com suas necessidades
individuais. Que eu saiba, são escassos os estudos sistemáticos sobre a relação
entre padrões de sono, aprendizagem e maturação cerebral em crianças – mas
os dados de experimentos com animais sugerem fortemente que o descanso e o
sono desempenham um papel central mesmo nos processos de desenvolvimento.

Agora, vamos aprofundar essas questões sobre o sono, a vigília e o


processo de aprendizagem no que chamamos de cronoeducação.

3 CRONOEDUCAÇÃO E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM


A pesquisa em neurociência pode ser de grande ajuda para melhorar o
desempenho escolar de crianças e adolescentes. Sabemos, por exemplo, que a
privação do sono prejudica significativamente a memória e a aquisição de muitas
habilidades, além de afetar o desempenho emocional e cognitivo (VALLE, 2019).
Ao induzir a privação do sono em muitas pessoas na maioria dos ambientes

114
TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

urbanos, a sociedade moderna pode se tornar uma ameaça ao comportamento


saudável. Os adolescentes, em particular, tendem a dormir menos devido ao
horário de dormir tardio (trabalho ou entretenimento) e à escolarização precoce.

Esse padrão cultural atual está em tensão com o relógio interno do corpo
e os ritmos circadianos que são o resultado de milhões de anos de adaptação
biológica em mamíferos. As pessoas certamente não estão preparadas para
acordar quando a temperatura corporal é mínima, por exemplo. Além disso, o
padrão cíclico de dormir e acordar muda com a idade. Os adolescentes mostram
uma mudança em direção a um comportamento mais parecido com uma coruja
e sua hora ideal do dia, geralmente, é à noite (PEREIRA; GUARNDIOLA;
PORCIUNCULA, 2018). Essa é a razão pela qual eles podem ficar com sono pela
manhã e ficar mais alertas quando as aulas terminarem. Ao prestar atenção a
esses fatos da cronoeducação, as escolas podem melhorar o aprendizado dos
alunos, criando uma melhor conexão entre os ritmos diurnos e o horário escolar.

Muitas funções biológicas aumentam e diminuem em ciclos que se


repetem a cada dia, mês ou ano. Tais padrões não refletem simplesmente a
resposta passiva do organismo às mudanças ambientais. Em vez disso, refletem
os ritmos biológicos do organismo, ou seja, sua capacidade de acompanhar o
tempo e coerentemente direcionar as mudanças de função. Como a Terra gira em
seu eixo, apresenta dois ambientes, isto é, luz e escuridão; como o eixo de rotação
da Terra é inclinado, as durações dos períodos diários de escuridão e luz variam
sistematicamente ao longo do ano. Através da evolução, os animais responderam
a essas mudanças ambientais, adaptando-se preferencialmente a elas.

3.1 O RELÓGIO CIRCADIANO COMO FUNÇÃO


BIOLÓGICA INDISPENSÁVEL
Esta é a origem dos ritmos biológicos que se repetem aproximadamente a
cada 24 horas, chamados ritmos circadianos (do latim, circa, “por volta de”, e dies,
“dia”), e dos ritmos que oscilam anualmente, seguindo o aparecimento recursivo
das estações. Assim, quando os animais alternam entre os modos diurno, noturno
ou sazonal de seu comportamento, eles não estão simplesmente respondendo
passivamente a mudanças nas condições externas de iluminação. Eles estão
respondendo aos sinais gerados por um marca-passo circadiano que está inscrito
em seus genes sincronizados com os ciclos de rotação da Terra, que antecipa
as transições entre dia e noite e desencadeia mudanças apropriadas no estado
comportamental e nos substratos fisiológicos. Dessa maneira, o marca-passo
circadiano cria dia e noite dentro do organismo que espelha aproximadamente o
mundo exterior (CARDINALI, 2008).

Durante a década passada, houve um enorme progresso na determinação


dos componentes moleculares do relógio biológico. Os mecanismos moleculares
subjacentes à função do relógio estão universalmente presentes em todas as células

115
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

e consistem em ciclos de feedback gene-proteína-gene nos quais as proteínas


podem regular negativamente sua própria transcrição e estimular a transcrição
de outras proteínas do relógio (HASTINGS; REDDY; MAYWOOD, 2003).

Embora os ritmos circadianos sejam ancorados geneticamente, eles são


sincronizados e mantêm certas relações de fase com fatores externos (exógenos),
especialmente a parte do sono do horário claro-escuro. Esses ritmos persistirão
com um período diferente de 24 horas, quando as pistas de tempo externo forem
suprimidas ou removidas, como durante o completo isolamento social ou sob
luz ou escuridão constantes. Pesquisas em animais e seres humanos mostraram
que apenas algumas pistas ambientais, como ciclos de luz-escuro, são agentes
efetivos de sincronização para o oscilador circadiano (Zeitgebers). Um agente
de sincronização pode realmente redefinir ou mudar a fase do relógio interno.
Dependendo de quando um organismo é exposto a um agente sincronizador,
os ritmos circadianos podem ser adiantados, atrasados ​​ou não serem alterados.
Portanto, envolvido no ajuste do padrão de atividade diária para a hora apropriada
do dia, há uma variação rítmica na influência do Zeitgeber como um fator de
redefinição (MURPHY; CAMPBELL, 1996; CARDINALI, 1998; ASAYAMA et al.,
2003).

NOTA

Existe uma certa imprecisão entre a marcação horária do organismo (in-


terna) e aquela dada pelo ambiente (externa). Entretanto, os ritmos biológicos, embora
sejam intrínsecos, adaptam-se às mudanças ambientais. Essa sincronização deve-se a um
fenômeno chamado de “arrastamento”, e o impulso que o comanda é nomeado pela
palavra alemã zeitgeber, que significa, literalmente, “doador de tempo” (JANSEN et al.,
2007, p. 83).

Nos mamíferos, um oscilador circadiano hierarquicamente importante


está localizado nos núcleos supraquiasmáticos (NSQ) do hipotálamo. O relógio
mestre circadiano do NSQ age como um timer multifuncional para ajustar o
sistema homeostático, incluindo sono e vigília, secreções hormonais e várias outras
funções corporais, para o ciclo de 24 horas (HASTINGS; REDDY; MAYWOOD,
2003; MARQUES; MENNA-BARRETO, 1999).

3.2 MECANISMOS CIRCADIANOS ATIVOS EM HUMANOS


MODERNOS
Nosso ancestral hominídeo, Homo erectus, usou cavernas como abrigos e
pode ter usado fogo já há 1,5 milhão de anos. O Homo sapiens começou a construir
habitações artificiais (que poderiam bloquear os raios do sol) já há 45.000 anos e
116
TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

a fazer lâmpadas (que poderiam ser usadas para estender o período diário de
iluminação ao período noturno) há cerca de 28.000 anos (RIDLEY, 2007). Nos
últimos 200 anos, os humanos desenvolveram lâmpadas cada vez mais eficientes
e fontes de energia baratas para alimentá-las. Ao mesmo tempo, cada vez mais
mudaram suas atividades do campo para a cidade e do exterior para o interior,
onde a luz natural pode não penetrar. Consequentemente, os seres humanos cada
vez mais se isolam dos ciclos naturais de luz e escuridão que moldam os ritmos
endógenos da vida neste planeta há bilhões de anos.

No entanto, a luz, quando aplicada adequadamente, pode ter efeitos


profundos no relógio circadiano humano. Em voluntários normais, a exposição
à luz intensa durante a primeira parte da noite atrasa a fase do ciclo circadiano;
uma mudança de luz comparável no final da noite avança. Em outros momentos
do dia, a exposição à luz não tem influência de mudança de fase (CARDINALI,
1998).

A melatonina, um hormônio produzido pela glândula pineal e que é o


código químico endógeno da noite, mostrou uma curva de resposta de fase oposta
à luz, produzindo avanços de fase durante a primeira metade da noite e atrasos
de fase durante a segunda metade (CARDINALI, 1998). De fato, a melatonina é
o protótipo endógeno de uma classe de compostos que pode redefinir o relógio
biológico, chamado de "cronobióticos". O uso da melatonina em várias patologias
que apresentam perturbações circadianas, como cegueira (SKENE, 2003) ou
doença de Alzheimer (CARDINALI et al., 2002), agora é comprovado.

Entre as inúmeras mudanças periódicas que sustentam aos ritmos


fisiológicos evidentes, os valores de pico ocorrem em uma sequência ao longo
do dia (“mapa de fases”) em indivíduos humanos saudáveis. Tal sequência e
espaçamento reflete a ordem e as relações temporais de causa-efeito nas interações
normais dos vários processos corporais e é o próprio indicativo da saúde do
organismo (CARDINALI; CATALÁ; BARCELÓ, 1994). Os mapas de fases podem
sofrer interrupções transitórias quando os seres humanos são obrigados a fazer
um rápido ajuste de fase, como, por exemplo, após uma mudança rápida para
uma nova longitude geográfica ou como consequência do trabalho em turnos ou
após mudanças repentinas de hábitos diurnos para noturnos, como os observados
entre adolescentes.

Sob tais circunstâncias, os vários componentes individuais de 24h que


compõem o mapa de fases circadiano não redefinem suas fases para os novos
tempos ambientais no mesmo ritmo e tornam-se um pouco deslocados em suas
relações entre si. Para redefini-los para a nova hora local, são necessários vários
dias de exposição aos ajustamentos de fase locais. Esse fenômeno é bastante
familiar para pessoas que viajaram longas distâncias rapidamente por vários
fusos horários. O deslocamento rítmico resultante e a necessidade de ajuste
gradual ao longo de dois a dez dias no final de uma viagem são conhecidos como
jet-lag (HASTINGS; REDDY; MAYWOOD, 2003).

117
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

NOTA

O jet-lag é a alteração do ritmo biológico de 24 horas consecutivas que


ocorre após mudanças do fuso horário em longas viagens de avião. Caracteriza-se por
problemas físicos e psíquicos, especialmente do ciclo do sono, decorrentes de altera-
ções dos níveis hormonais de hidrocortisona.

3.3 SONO-VIGÍLIA: O RITMO CIRCADIANO MAIS VISÍVEL


NOS SERES HUMANOS
O sono é um processo essencial na vida. É um estado comportamental
definido por: (i) relaxamento da postura característico; (ii) limiares sensoriais
elevados; e (iii) sinais eletroencefalográficos (EEG) distintos (Figura 1).

FIGURA 1 – GRAVAÇÃO ELETROENCEFALOGRÁFICA TÍPICA DAS FASES DE VIGÍLIA E SONO


Vigília, Sono REM

Ritmos 20-40 Hz

Sono - Estágio 1

Ritmos 7-16 Hz

Sono - Estágio 4

Ritmos 0,5-4 Hz

FONTE: Adaptada de Cardinali (2008, p. 114)

118
TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

Duas hipóteses principais, embora não mutuamente exclusivas, têm


sido predominantes na interpretação do sono: (i) o sono é restaurador do
metabolismo cerebral; (ii) o sono serve à consolidação da memória e ao processo
de aprendizagem.

FIGURA 2 – ARQUITETURA DO SONO

WK
REM
51
52
53
54

2.00 3.00 4.00 5.00 6.00 7.00 8.00 9.00

WK
REM
51
52
53
54

23.00 0.00 1.00 2.00 6.00 7.00 8.00 6.00

FONTE: Adaptada de Cardinali (2008, p. 115)

Uma dificuldade para entender o sono é que não é um estado unitário,


mas composto por dois subestados. Um é caracterizado por movimentos oculares
rápidos (sono REM ou MOR); o outro, em que não há movimentos rápidos dos
olhos, é conhecido como sono não REM (NREM) ou de ondas lentas (Figura 1 e 2).
Em qualquer episódio típico de sono, os dois subestados se alternam: em humanos
adultos, o ciclo do sono NREM-REM tem um período de 90 a 100 minutos (Figura
2 e 3) (HOBSON; PACE-SCHOTT, 2002).

119
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

FIGURA 3 – PROCESSO HOMEOSTÁTICO, CIRCADIANO E ULTRADIANO

FONTE: Adaptada de Cardinali (2008, p. 116)

Quatro estágios do sono NREM são diferenciados no EEG. O estágio 1 é


um sono superficial, com atividade de baixa amplitude e alta frequência. O estágio
2 é caracterizado pela ocorrência de fusos e é mais superficial que os estágios 3 e 4,
que são dominados pela atividade de ondas lentas (Figura 1). Durante o sono REM
humano, o EEG se assemelha ao padrão de baixa amplitude e alta frequência do
estágio 1 do sono NREM. O tônus na maioria dos músculos voluntários é mínimo,
mas o sistema nervoso autônomo e os músculos oculares são ativados de forma
faseada, dando ao sono REM alguma semelhança com o estado de vigília, motivo
pelo qual, às vezes, é chamado de sono "paradoxal". Em todos os mamíferos, o
sono é iniciado pelo NREM e é interrompido pelo REM em intervalos regulares.
Em humanos maduros, o período médio de sono noturno consiste em quatro a
cinco desses ciclos. Após um período prolongado de atividade de vigília (como
em humanos), os primeiros ciclos são caracterizados por uma preponderância
de atividade de ondas lentas de alta tensão (ou seja, a fase NREM) enquanto os
últimos ciclos mostram mais atividade de ondas rápidas e de baixa tensão (isto é,
a fase REM) (Figura. 2 e 3) (HOBSON; PACE-SCHOTT, 2002).

120
TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

Os ciclos recorrentes do sono NREM e REM são acompanhados por


grandes mudanças em todos os sistemas fisiológicos do corpo. De fato, pode-se
dizer que vivemos sequencialmente em "três corpos diferentes": o de vigília, o de
NREM e o de REM. Para um adulto que vive 75 anos, aproximadamente 50 anos
são vividos em estado de vigília, 19 anos em sono NREM e seis anos em sono
REM. Importantes diferenças fisiológicas entre esses três estágios (ou "corpos")
foram documentadas. Durante o sono NREM, ocorrem reduções na pressão
sanguínea, na frequência cardíaca e na frequência respiratória. Ocorre também
a liberação pulsátil de hormônios anabólicos, como o hormônio do crescimento,
junto a um aumento geral da função imunológica. A concomitância desses eventos
dá credibilidade à noção de que o sono NREM está funcionalmente associado a
processos anabólicos e citoprotetores. O próprio cérebro fica hipoativo, conforme
indicado por uma redução de 20 a 30% no consumo de oxigênio, semelhante ao
que é visto em uma anestesia leve. Vários fatores neurotróficos são sintetizados
durante o sono NREM (MAZZONI et al., 1999).

Por outro lado, o sono REM está associado a um estágio “anti-homeos-


tático”. Os mecanismos reguladores que controlam as funções cardiovascular,
respiratória e termorreguladora tornam-se extremamente ineficientes. A frequ-
ência cardíaca e a pressão arterial aumentam e a frequência respiratória se torna
irregular. A ereção peniana nos homens e o ingurgitamento do clitóris nas mu-
lheres acompanham o cérebro e a ativação autonômica dessa fase, e a muscula-
tura somática é ativamente inibida. Despertar do sono ativado ou REM normal-
mente produz relatos detalhados de sonhos alucinoides, mesmo em indivíduos
que raramente ou nunca lembram dos sonhos espontaneamente. Isso indica que
a ativação cerebral dessa fase do sono é suficientemente intensa e organizada
para apoiar processos mentais complexos e, novamente, argumenta contra uma
função de repouso para a maior parte do cérebro no REM. De fato, várias áreas
do cérebro, por exemplo o sistema límbico, fica mais ativo no sono REM do que
durante a vigília (HOBSON; PACE-SCHOTT, 2002).

Um concomitante fisiológico significativo do sono REM é a perda de


regulação da temperatura. Se a temperatura ambiente ou temperatura central do
corpo começar a cair, o sono é interrompido, mas os processos termorreguladores
não podem ser acionados durante o sono REM. Assim, a noção de que nós
humanos somos animais homeotérmicos não é mais sustentável. Parecemos
repteis, pelo menos nesse estágio da nossa vida. A lógica da desconexão somática
e autonômica é que esse período de sono pode ser prejudicial para a sobrevivência
do indivíduo.

Existem vários aspectos do sono, incluindo a continuidade, o tempo


e o padrão de diferentes estágios do sono, necessários para que o processo
restaurador ocorra. Por exemplo, se indivíduos forem permitidos dormir ad
libitum (livremente) por 8 a 10 horas, mas forem despertados a cada 15 minutos
por breves períodos, no dia seguinte eles relatariam cansaço, fadiga e alterações
emocionais semelhantes a ter tido quantidades insuficientes de sono. Da mesma
forma, se os indivíduos recebem quantidades ad libitum de sono, mas são
seletivamente privados de um estágio do sono, como movimento rápido dos

121
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

olhos (REM) ou sono lento, eles também relatam déficits atencionais durante o
dia (HOBSON; PACE-SCHOTT, 2002).

Três processos de interação regulam o tempo, a duração e a profundidade


ou a intensidade do sono: um processo homeostático que mantém a duração e a
intensidade do sono dentro de certos limites, um ritmo circadiano que determina
o tempo do sono e um ritmo ultradiano dado pela alternância entre sono não
REM e sono REM (Figura 3). O processo homeostático depende da história
imediata: o intervalo desde o episódio anterior do sono e a intensidade do sono
naquele episódio. Esse impulso para entrar no sono aumenta, possivelmente
exponencialmente, com a duração desde o final do episódio anterior do sono.
Ele diminui exponencialmente quando o sono é iniciado. Isso reforça a natureza
cíclica do sono e da vigília e equipara o sono a outras necessidades fisiológicas,
como fome ou sede. O impulso do sono homeostático controla o sono NREM em
vez do sono REM.

Por outro lado, a fase e a amplitude do ritmo circadiano são independentes


da história do sono anterior, mas são geradas pelo principal marca-passo, o
núcleo supraquiasmático (NSQ). A variação circadiana da propensão do sono
humano é aproximadamente o inverso do ritmo da temperatura corporal central:
a propensão máxima ao sono e a maior continuidade do sono ocorrem próximas
à temperatura mínima (Figura 3).

Impulsos adaptativos, incluindo uma variedade de mecanismos que in-


fluenciam o sono, mas que são independentes do tempo despendido acordado e
dos ritmos circadianos, também devem ser considerados na regulação do sono.
Fatores adaptativos modificam o ciclo sono-vigília de acordo com as mudanças
no ambiente, que são significativas para o indivíduo. Eles incluem fatores com-
portamentais, como motivação, atenção e outras respostas psicológicas ao am-
biente (por exemplo, conforto da cama, atividade social), ruído, temperatura am-
biente, exercício físico e ingestão de alimentos (HOBSON; PACE-SCHOTT, 2002).

3.4 A INFLUÊNCIA DO SISTEMA CIRCADIANO NO


PROCESSO EDUCACIONAL
Um princípio geral muito importante sobre o sistema circadiano relevante
para a aprendizagem é que ele se adapta lentamente às mudanças nos horários
de sono/vigília. Assim, adolescentes que mudam rapidamente os horários de
sono/vigília entre noites escolares e fins de semana ou férias podem enfrentar
consequências circadianas (CARSKADON; ACEBO; JENNI, 2004). Outro
importante princípio geral sobre o sistema de temporização circadiano relevante
para a educação é que o sistema circadiano se adapta mais facilmente a atrasos
no horário de sono/vigília do que a adiantamentos. É por isso que é naturalmente
mais fácil ficar acordado mais tarde e dormir mais tarde nos fins de semana e
é mais fácil viajar de dois a três fusos horários para o oeste do que para o leste
(HASTINGS; REDDY; MAYWOOD, 2003).

122
TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

A relevância desses princípios para os padrões de sono dos adolescentes


é bem clara. Muitos adolescentes sofrem mudanças bruscas no tempo de sono
entre horários regulares da escola, exigindo um despertar matinal mais cedo
e horário de dormir mais tarde, com mudanças rápidas de volta para as horas
de dormir tarde e dormir mais nos fins de semana e férias. Por exemplo, um
adolescente brasileiro típico que vai dormir às 3h da manhã nos fins de semana
e dorme até o meio-dia atrasará temporariamente o sistema circadiano durante
o período de férias, para ser despertado até as 3 da manhã em alguns dias. No
entanto, a mudança para um período anterior ao término do período de férias,
compatível com o fato de ir à escola de manhã cedo, exigirá vários dias de um
horário estável para alterar completamente os ritmos de temperatura corporal e
hormônios.

Portanto, muitos adolescentes, particularmente aqueles que dormem


demais ou perdem um dia de aula ocasional durante o meio da semana, podem
sentir sintomas de fadiga do tipo jet lag, dificuldade em adormecer à noite e
dificuldade em acordar pela manhã. Na versão mais grave desse problema,
denominada síndrome da fase atrasada do sono, os adolescentes e suas famílias
costumam brigar por meses por causa da hora de dormir tarde da noite e grandes
dificuldades para acordar nos dias de escola (Figura 2). De fato, os adolescentes
estão tentando acordar durante a temperatura corporal mínima, quando seu
corpo não está preparado para estar acordado e ativo. Um princípio importante
a ser considerado é que mudanças lentas, constantes e consistentes no tempo de
sono/vigília permitirão que o sistema circadiano se realinhe para um padrão mais
apropriado.

3.5 O SONO INFLUENCIA FORTEMENTE A EDUCAÇÃO


Quando o sono é considerado dentro do contexto educacional, emergem
vários aspectos relevantes. Trata-se da associação dos processos de aprendizagem
ao sono. Vários estudos mostraram aumento nas quantidades de sono ou na
arquitetura do sono após as tarefas de aprendizagem (CARSKADON; ACEBO,
JENNI, 2004). Por exemplo, correlações positivas entre o número de ciclos de
sono NREM e a memorização de listas de palavras foram relatadas (MAZZONI
et al., 1999). Foi demonstrado que a aprendizagem em labirinto aumenta o sono
no estágio 2 e a atividade de ondas lentas no sono subsequente, evidenciadas no
eletroencefalograma (EEG) (PEIGNEUX et al., 2001). Aumentos semelhantes nos
fusos de sono são relatados no EEG após a memorização das listas de palavras
(GAIS et al., 2000) e estão positivamente correlacionados com o desempenho da
memória. Curiosamente, o sono NREM do estágio 2, que é particularmente rico em
atividade de ondas lentas no EEG, é relatado como positivamente correlacionado
com a aquisição de várias habilidades.

Outro princípio central sobre o sono, que é de particular relevância para


aspectos do desenvolvimento humano, é o vínculo estreito entre o sono e as
percepções de ameaça/segurança. O sono, no nível comportamental, envolve

123
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

a perda de consciência e capacidade de resposta ao ambiente externo. Durante


o sono, a maioria das informações exteroceptivas para no nível do tálamo,
impedindo a percepção (e a resposta comportamental) de ameaças potenciais
no ambiente. Como resultado, a maioria das espécies desenvolveu mecanismos
para garantir que o comportamento do sono seja limitado a nichos relativamente
seguros dos predadores. Também faz sentido que qualquer percepção de ameaça
e o aumento da excitação concomitante sejam o oposto de ir dormir. Esse vínculo
entre sono e segurança tem relevância clínica para os problemas do sono.

No ambiente ancestral humano, um grupo social unido fornecia proteção


contra predadores. O cérebro humano evoluiu sob condições em que esse
sentimento de pertencimento social era crucial para a segurança. As tendências
naturais no cérebro humano moderno continuam refletindo esses elos, de
modo que os estressores sociais evocam sentimentos poderosos de ameaça e
perturbação do sono, mas sentimentos de amor, carinho e conexão social criam
uma sensação de segurança e promovem o sono. É importante considerar como a
percepção de segurança/ameaça e sua capacidade de interromper o sono mudam
durante o desenvolvimento. O desenvolvimento do sistema de vigilância ou
percepção e resposta a ameaças mostra um aumento significativo na puberdade,
provavelmente porque os adolescentes estão fazendo os preparativos físicos para
assumir papéis de adultos, com demandas crescentes na avaliação de ameaças.

Outro aspecto a ser considerado é o encurtamento do tempo de sono


causado pela sociedade 24 horas. Como os humanos modernos usam luz artificial
para prolongar seu período de vigília e atividade até a noite, eles aderem a um
horário curto de sono noturno durante todo o ano e durante a maior parte de
suas vidas. Nessas circunstâncias, os indivíduos adormecem logo após deitar-se
e dormem sem interrupção até que despertam pela manhã. Esse tipo de sono,
que tendemos a considerar como nosso único tipo normal de sono, é altamente
consolidado e eficiente, ocupando quase todo o período noturno de repouso na
cama. No entanto, os humanos modernos provavelmente obtêm menos do que
sua cota total de sono noturno. Pesquisas indicam que em estado estacionário,
em longas noites artificiais, indivíduos normais dormem em média 8,25 horas/
noite, o que é mais do que a maioria dos humanos obtém na vida moderna. Essa
descoberta levanta a possibilidade de que os humanos modernos são privados de
sono e menos despertos durante o dia (HOBSON; PACE-SCHOTT, 2002).

Diferentemente do ser humano, o sono da maioria dos outros animais


é polifásico, exibindo vários episódios por dia. De fato, a maioria das pessoas
provavelmente consideraria o sono em episódios polifásicos que se alternam com
períodos de vigília silenciosa como anormais e indesejáveis ​​se ocorressem. No
entanto, estudos do sono com indivíduos em longas noites indicam que o sono
humano também pode ser polifásico. Em noites longas, os períodos de descanso
e contemplação geralmente começam após a transição para a vigília dos períodos
de sono REM (e sonho) particularmente intensos. É tentador especular que, nos
tempos pré-históricos, esse arranjo forneceu um canal de comunicação entre
os sonhos e a vida em vigília que foi gradualmente fechado à medida que os

124
TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

humanos comprimiram e consolidaram seu sono. Se assim for, essa alteração


poderia fornecer uma explicação fisiológica para a observação de que os humanos
modernos parecem ter perdido o contato com a fonte de mitos e fantasias.

3.6 REGULAÇÃO DO SONO E OS PROCESSOS DE


DESENVOLVIMENTO
O sono total diminui de 14 a 16 horas/dia no recém-nascido para
aproximadamente 8 horas/noite aos 18 anos de idade (Figura 4). Crianças de
um ano dormem 11 a 12 horas/noite, com mais 2,5 horas de sono obtidas em
dois cochilos diurnos separados. Aos 3 anos de idade, a criança média dorme
10,5 horas por noite com um cochilo de 1,5 hora. No Brasil, uma criança típica
cessa os cochilos diurnos com cerca de 4 a 5 anos de idade. Também é importante
enfatizar que há considerável variação individual nas necessidades de sono, bem
como influências culturais no comportamento do sono e do cochilo; por exemplo,
os cochilos diurnos continuam até a idade adulta nas culturas latino-americanas.

FIGURA 4 – SONO TOTAL, SONO NÃO REM E DURAÇÃO DO SONO REM DESDE O NASCIMEN-
TO ATÉ O FINAL DA ADOLESCÊNCIA

FONTE: Adaptada de Cardinali (2008, p. 120)

Quais são as principais mudanças do sono durante a adolescência?


As principais mudanças encontradas são: (i) há uma diminuição na duração
e profundidade do NREM (estágios 3 e 4) e do sono REM, (ii) desenvolve-se
um padrão de tipo mais adulto de sono REM, (iii) há aumentos na sonolência
diurna, (iv) há uma mudança no padrão circadiano em direção a uma tendência
mais parecida com uma “coruja” para horários de dormir e acordar mais tarde

125
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

(Figura 2). Há também uma diminuição no limiar de excitação desde a infância


até a adolescência (SADEH; GRUBER; RAVIV, 2002). A maturação do adolescente
também está associada a um encurtamento relativo do intervalo entre o início do
sono e o primeiro período REM (menor latência do REM) e uma diminuição na
densidade do REM (taxa de ocorrências de movimentos oculares no REM).

Os adolescentes normalmente dormem menos (pelo menos nas noites


de dias escolares). No entanto, existem várias razões para acreditar que essa
diminuição ocorre independentemente da biologia. Em estudos de adolescentes em
ambientes naturais (quando os adolescentes dormem menos do que em situações
de laboratório), são observados níveis dramaticamente elevados de sonolência
diurna. Em muitos casos, os níveis de sonolência em estudantes do ensino médio
estão próximos do limiar observado em distúrbios do sono, como narcolepsia ou
apneia do sono. Práticas educacionais flexíveis e estilos de vida irregulares foram
associados à menor duração do sono e às capacidades atencionais de menor
desempenho (BILLON-DESCARPENTRIES, 1997). Portanto, erros educacionais
dos pais (e cuidadores) para com os filhos sobre o sono, pode resultar em uma má
distribuição do tempo de vigília/sono e em um débito crônico de sono e, como as
pesquisas indicam, isso pode ser uma das causas de um desempenho escolar baixo.

Os horários das escolas também afetam os padrões de sono dos adolescentes,


pois comumente impõem horários de despertar mais cedo, na medida em que
o dia escolar tende a iniciar mais cedo durante a adolescência (CARSKADON;
ACEBO; JENNI, 2004). Ironicamente, em muitos países o horário de início das
aulas muda para mais cedo à medida que o ano escolar das crianças avança.
Embora o horário escolar comece mais cedo, as crianças não conseguem ajustar a
hora de dormir de acordo, e isso pode resultar em privação do sono (DEXTER et
al., 2003). Posteriormente, ficam com sono durante a manhã e ficam mais alertas à
tarde, quando as aulas escolares estão quase terminando (ANDRADE et al., 1992;
ANDRADE et al., 1993).

A alternância da fase circadiana também pode influenciar o desempenho


escolar das crianças por meio da assincronia entre a hora preferida do dia e a hora
em que as aulas são ministradas. De acordo com o efeito da sincronia, os adultos
mais jovens e mais velhos apresentam melhor desempenho em várias tarefas
cognitivas no horário ideal do dia do que no horário não ideal do dia (o que é
diferente para os dois grupos). Por exemplo, adultos mais jovens e mais velhos
ficam menos distraídos nos horários ideais, o reconhecimento de informações
recém-aprendidas é melhor nos horários ideais e o controle sobre respostas fortes,
mas inadequadas, é melhor nos horários ideais (ELIASSON et al., 2002). Além
disso, e de especial relevância para a aprendizagem em sala de aula, há evidências
que mostram diferenças dramáticas no desempenho da memória de adultos mais
jovens e mais velhos testados em horários ideias versus não ideias.

Como a preferência do horário do dia das crianças muda para a noite à


medida que envelhecem, é provável que seu funcionamento cognitivo esteja no auge
mais à tarde do que pela manhã. Assim, se aulas básicas importantes, como leitura
e matemática, são ministradas pela manhã, as crianças em idade escolar aprendem

126
TÓPICO 2 — PLASTICIDADE CEREBRAL E CRONOEDUCAÇÃO: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

esse material crítico na hora menos preferida ou não ideal do dia, resultando em
pior desempenho escolar do que o encontrado em cursos com maior sincronia com
os ritmos de excitação circadiana (ROBERTS; ROBERTS; CHEN, 2002).

É interessante que, em um estudo sobre hábitos de sono e resultados


escolares em crianças do ensino médio (DRAKE et al., 2003), participantes que
relataram baixo desempenho escolar, altas taxas de absenteísmo, baixa satisfação
escolar, baixo tempo total de sono e doenças frequentes, também relataram níveis
significativamente mais altos de sonolência diurna em comparação com crianças
com melhores resultados relacionados à escola. Giannotti et al. (2002) examinou
a relação entre preferências circadianas, regularidade dos padrões de sono,
problemas de sono, sonolência diurna e comportamento diurno. A vespertinidade
foi associada à hora de dormir e acordar mais tardia, principalmente nos finais de
semana, menor tempo na cama durante a semana, maior tempo no final de semana
na cama, horário irregular de dormir-acordar e sono ruim subjetivo. Além disso,
os indivíduos com o cronotipo de verspertinidade costumavam cochilar com mais
frequência durante os dias escolares, queixavam-se de sonolência diurna, referiam
mais problemas de atenção, mau desempenho escolar e mais lesões e ficavam
mais perturbados emocionalmente do que os indivíduos com o cronotipo da
matutinidade (GIANNOTTI et al., 2002).

NOTA

A preferência pela matutinidade-vespertinidade (M-V), cronotipo ou tipologia


circadiana, é a diferença individual que explica mais claramente as variações na expres-
são rítmica de padrões biológicos e comportamentais. O cronotipo é uma propriedade
do sistema de temporização circadiana. Os fatores determinantes para os cronotipos
humanos, distribuídos em determinada população num continuum de extrema vesper-
tinidade à extrema matutinidade, são ainda desconhecidos. O cronotipo pode relacio-
nar-se com a capacidade de adaptação e o desempenho de atividades diárias quando
são exigidas mudanças dos hábitos de sono que possam determinar privação ou débito
desse importante estado funcional (ALAM et al., 2008).

Além do sono inadequado, um fator separado, mas relacionado, é o


cansaço. O cansaço pode ser definido como o sentimento de fadiga que dificulta
a motivação ou o início de certos tipos de comportamento, principalmente
aqueles associados a objetivos de longo prazo ou consequências negativas.
Cansaço e sintomas de fadiga podem ser proeminentes em adolescentes, mesmo
que permaneçam acordados; esses sintomas também podem contribuir para
consequências a longo prazo. Além disso, o emprego de meio período tem
um impacto significativo nos padrões de sono dos adolescentes: aqueles que
trabalham mais de 20 horas por semana dormem menos, vão dormir mais tarde,
ficam mais sonolentos e bebem mais cafeína e álcool (DEXTER et al., 2003).

127
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

Outro domínio importante dos efeitos da privação do sono está em relação


ao humor (CARSKADON; ACEBO, JENNI, 2004). A privação do sono pode
prejudicar a capacidade de executar uma tarefa cognitiva e emocional ao mesmo
tempo. Embora estes possam parecer efeitos relativamente sutis, o fundamento da
competência social, uma área de grande tensão para os adolescentes, exige fluência
no desempenho em tais tarefas. Em particular, a capacidade de se concentrar em
uma meta ou consequência de longo prazo, enquanto regula as reações emocionais
em situações sociais, é precisamente o território que muitos adolescentes estão
tendo dificuldades para lidar no seu dia a dia. Se a privação do sono resultar em
prejuízo nesse domínio, poderá ter consequências muito significativas.

A consciência, definida pelo filósofo inglês John Locke (1999) como a


percepção do que passa na mente do ser humano, depende muito dos níveis de
estados de alerta e, portanto, exibe flutuações circadianas significativas. Tipos
específicos de desempenho chegam ao pico em momentos diferentes durante o
ciclo circadiano, dependendo do envolvimento perceptivo, do uso de memória e
da quantidade de raciocínio lógico necessário. A execução de tarefas que envolvem
destreza manual, reconhecimento simples e tempo de reação é paralela ao ritmo
circadiano da temperatura corporal, atingindo o pico quando a temperatura
corporal é mais alta no final da tarde. O raciocínio verbal atinge o pico no início
do ciclo circadiano e pode se ajustar mais rapidamente do que outros tipos de
desempenho a interrupções como jet lag ou turnos de trabalho. Além disso, quando
os indivíduos são solicitados a indicar seu nível de alerta, cansaço, felicidade ou
outros humores em uma escala visual em horários regulares ao longo do dia,
surgem padrões circadianos consistentes.

Muitos aspectos do desempenho humano caem para níveis mínimos à


noite, refletindo não apenas a influência do marca-passo circadiano, mas também
a privação de sono. A privação do sono, mesmo por uma noite, é um dos mais
importantes fatores perturbadores da função mental e física humana. O relógio
circadiano também leva a um mínimo noturno em muitos tipos de performance.
Assim, a privação do sono combinada com a influência do marca-passo circadiano
pode reduzir severamente o desempenho noturno. Esses fatores têm implicações
importantes para qualquer sistema educacional em nossa "sociedade 24 horas",
que sobrepõe uma demanda crescente de vigília ao nosso projeto fisiológico
grosseiramente inadequado, incapaz de manter níveis de alerta não modificados,
independentemente da hora do dia.

A transição para um horário mais cedo de início das atividades escolares, com
o atraso da fase puberal do desenvolvimento, afeta significativamente a qualidade
do sono dos adolescentes, a transição do ciclo sono/vigília e o comportamento
diurno. A combinação do adiantamento de fase, atividades ou trabalhos noturnos
e demandas escolares matinais pode restringir significativamente as horas
disponíveis para dormir. Os estudos comunitários e escolares disponíveis que
examinam a prevalência de distúrbios do sono em jovens indicam que os sintomas
de insônia e hipersonia são comuns. De fato, em populações não clínicas, 20% a
30% das crianças e adolescentes apresentam queixas ou dificuldades relacionadas
ao sono que são consideradas significativas.

128
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A maneira pela qual os cérebros operam é totalmente determinada pelas


propriedades integrativas das células nervosas individuais e pela maneira
como elas estão interconectadas.

• As arquiteturas do cérebro evoluíram de acordo com os mesmos princípios


de tentativa, erro e seleção que todos os outros componentes dos organismos.

• Como a evolução é conservadora, os aspectos básicos da arquitetura funcional


dos sistemas nervosos foram preservados após a comprovação de sua eficácia.

• Os bebês humanos nascem com uma imensa base de conhecimentos sobre


as propriedades do mundo em que irão evoluir, e esse conhecimento reside
na arquitetura funcional geneticamente determinada de seus cérebros, seus
cérebros estão longe de ser uma tabula rasa livremente instrutiva.

• Apesar da determinação substancial da arquitetura do cérebro por fatores


genéticos, os bebês humanos nascem com cérebros extremamente imaturos
que continuam a se desenvolver estruturalmente até o final da puberdade.

• É somente durante os períodos críticos que as arquiteturas do cérebro podem


ser modificadas e otimizadas de acordo com critérios funcionais, a única
maneira de induzir mais modificações na arquitetura cristalizada é alterar a
eficácia das conexões existentes.

• Através da modelagem epigenética da arquitetura funcional do cérebro, os


organismos podem adaptar suas arquiteturas neuronais ao ambiente em que
nascem, e isso economiza muito os recursos computacionais que precisam ser
investidos para lidar com os desafios específicos dos respectivos ambientes.

• O cérebro em desenvolvimento possui mecanismos para se proteger contra


modificações epigenéticas inadequadas de sua arquitetura.

• O conhecimento a priori que reside nas arquiteturas geneticamente


determinadas dos cérebros é usado para selecionar os sinais ambientais que
são apropriados para a modelagem epigenética das arquiteturas cerebrais.

• Como os cursos das várias janelas de desenvolvimento podem mostrar


considerável variabilidade interindividual, é importante descobrir quando
uma criança em particular precisa de quais informações para promover seu
desenvolvimento cerebral.

129
• A aprendizagem de adultos se assemelha a processos de desenvolvimento
dependentes da experiência também no que diz respeito à dependência de
mecanismos de atenção, sistemas de recompensa e sono.

• A privação do sono prejudica significativamente a memória e a aquisição de


muitas habilidades, além de afetar o desempenho emocional e cognitivo.

• A observação da cronoeducação poderá melhorar, nas escolas, o aprendizado


dos alunos, criando uma melhor conexão entre os ritmos diurnos e o horário
escolar.

• Embora os ritmos circadianos sejam ancorados geneticamente, eles são


sincronizados e mantêm certas relações de fase com fatores externos
(exógenos), especialmente a parte do sono do horário claro-escuro.

• Os seres humanos cada vez mais se isolam dos ciclos naturais de luz e
escuridão que moldam os ritmos endógenos da vida neste planeta há bilhões
de anos.

• Entre as inúmeras mudanças periódicas que sustentam aos ritmos fisiológicos


evidentes, os valores de pico ocorrem em uma sequência ao longo do dia
(mapa de fases) em indivíduos humanos saudáveis.

• Uma dificuldade para entender o sono é que não é um estado unitário, mas
composto por dois subestados.

• Os ciclos recorrentes do sono NREM e REM são acompanhados por grandes


mudanças em todos os sistemas fisiológicos do corpo.

• Várias áreas do cérebro, como o sistema límbico, ficam mais ativas no sono
REM do que durante a vigília.

• Existem vários aspectos do sono, incluindo a continuidade, o tempo e o padrão


de diferentes estágios do sono, necessários para que o processo restaurador
ocorra.

• Um princípio geral muito importante sobre o sistema circadiano relevante


para a aprendizagem é que ele se adapta lentamente às mudanças nos horários
de sono/vigília.

• O sistema circadiano se adapta mais facilmente a atrasos no horário de sono/


vigília do que a adiantamentos.

• Muitos adolescentes, particularmente aqueles que dormem demais ou perdem


um dia de aula ocasional durante o meio da semana, podem sentir sintomas
de fadiga do tipo jet lag, dificuldade em adormecer à noite e dificuldade em
acordar pela manhã.

130
• Vários estudos mostraram aumento nas quantidades de sono ou na arquitetura
do sono após as tarefas de aprendizagem.

• Há um vínculo estreito entre o sono e as percepções de ameaça/segurança.

• Práticas educacionais flexíveis e estilos de vida irregulares foram associados à


menor duração do sono e às capacidades atencionais de menor desempenho.

• Os horários das escolas também afetam os padrões de sono dos adolescentes,


pois comumente impõem horários de despertar mais cedo, na medida em que
o dia escolar tende a iniciar mais cedo durante a adolescência.

• A alternância da fase circadiana também pode influenciar o desempenho


escolar das crianças por meio da assincronia entre a hora preferida do dia e a
hora em que as aulas são ministradas.

131
AUTOATIVIDADE

1 Os organismos podem adaptar suas arquiteturas neuronais ao ambiente


em que nascem, como isso eles economizam os recursos computacionais que
precisam ser investidos para lidar com os desafios específicos dos respectivos
ambientes. Através de qual modelagem essa adaptação é feita?

2 Quando falamos de sincronização dos ritmos circadianos, um termo alemão


surge na literatura, os Zeitgebers. O que são os Zeitgebers?

3 As investigações neurocientíficas sobre o ritmo circadiano em conjunto com


campo teórico e prático da educação possibilitam uma maior compreensão a
relação entre padrões de sono, aprendizagem e maturação cerebral em crianças.
Essas relações investigativas podem ser chamadas de cronoeducação. Sobre a
cronoeducação e o processo de aprendizagem, analise as sentenças a seguir:

I- Adolescentes que mudam rapidamente os horários de sono/vigília entre


noites escolares e fins de semana ou férias podem enfrentar consequências
circadianas.
II- Práticas educacionais flexíveis e estilos de vida irregulares são associados à
menor duração do sono e às capacidades atencionais de menor desempenho.
III- Se aulas básicas importantes, como leitura e matemática, são ministradas
pela manhã, as crianças em idade escolar aprendem esse material crítico na
hora mais preferida ou ideal do dia.
IV- Os indivíduos com o cronotipo de matunidade costumam cochilar com
mais frequência durante os dias escolares, queixam-se de sonolência diurna e
referem mais problemas de atenção.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças I e II estão corretas.

4 As pesquisas indicam que o cronotipo (a preferência de acordar e dormir)


matutino ou vespertino influência nos processos cognitivos centrais da
aprendizagem e das atividades acadêmicas. Por exemplo, se temos alunos que
são matutinos e estudam no turno da manhã, os resultados de desempenho
acadêmicos são superiores aos alunos matutinos que estudam no turno
vespertino. Assim também ocorre com os alunos com o cronotipo vespertino.

132
Você poderá ler sobre isso em uma pesquisa realizada por Márcia Finimundi,
Eduardo Pacheco Rico e Diogo Onofre Souza (2013), que se encontra publicada
no artigo Relação entre ritmo circadiano, turno e rendimento escolar de alunos do
Ensino Fundamental.

FONTE: <https://periodicos.unifesp.br/index.php/neurociencias/article/downlo-
ad/8179/5711>. Acesso em: 3 nov. 2020.

Baseado nesses dados, pedimos que você pense na realidade das escolas em
sua cidade. Os turnos escolares, a disposição de oferta das disciplinas escolares
nos horários nesses turnos, a variação dos cronotipos dos estudantes, como a
escola se organiza nesses quesitos após o retorno das férias escolares, entre
outros aspectos pertinentes à cronoeducação. Você poderá coletar dados e
informações sobre essa realidade escolar de sua cidade a partir de pesquisas
documentais, bibliográficas ou partindo da sua própria experiência. A proposta
é que, a partir desta reflexão, você realize a seguinte simulação: Imagine que
você é um consultor formado ou especializado em neuropsicopedagogia.
Imagine que você receba uma solicitação de uma escola da sua cidade para
oferecer um parecer do que poderia ser feito para melhorar o desempenho
escolar dos alunos. Focando apenas no aspecto da cronoeducação, qual seria
o seu parecer? Quais medidas seriam convenientes e necessárias para a escola
solucionar seu problema? Quais medidas possibilitariam o aumento do
desempenho escolar dos alunos?

Escreva um texto direcionado a uma escola (hipotética) da sua cidade, com o


seu parecer. Este texto deverá ser de, no mínimo, uma página e, no máximo,
duas páginas. Apresente possíveis medidas que a escola poderá tomar,
baseado no conteúdo deste livro didático, do artigo citado nesta questão e de
outras pesquisas suas.

Ao finalizar o texto você poderá encaminhar para o seguinte e-mail:


portfolio.psicopedagogia@uniasselvi.com.br.

133
134
UNIDADE 2 TÓPICO 3 —

CÍCLOS DINÂMICOS DO
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO,
CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM
1 INTRODUÇÃO
Desde o trabalho seminal de Jean Piaget (1976, 1977) sobre a relação entre
o conhecimento e a biologia geral, os pesquisadores começaram a entender os pro-
cessos neurocognitivos básicos no desdobramento do desenvolvimento humano.
Em particular, os recentes modelos dinâmicos de crescimento elucidam as mudan-
ças complexas e inter-relacionadas que ocorrem durante o crescimento cerebral, o
desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem.

O desenvolvimento neurocognitivo deve ser concebido não como uma es-


cada de estágios sucessivos, mas como uma complexa rede de interações e atrato-
res, caminhos convergentes e divergentes, ciclos aninhados, estabilidades e insta-
bilidades, progressões e regressões, agrupamentos de descontinuidades e níveis
estáveis ​​de desempenho. Ciclos de desenvolvimento cortical e ciclos de desempe-
nho cognitivo parecem estar relacionados. Em particular, o relacionamento se torna
mais visível com o funcionamento ideal do sistema cognitivo, como quando um
bom professor ou livro didático apoia o desempenho de um aluno.

Uma série de descontinuidades no crescimento cognitivo ideal define uma


escala de desenvolvimento em dez níveis, com muitas implicações educacionais
em potencial. De maneira mais geral, os ciclos sistemáticos de crescimento/desen-
volvimento da cognição e do cérebro têm muitas implicações para a educação que,
às vezes, não são diretas. É essencial para o futuro da educação que os professores
se envolvam na pesquisa neurocognitiva e os neurocientistas descubram o grande
desafio teórico e prático de trabalhar nas escolas.

Muitos cientistas e professores acham óbvio que o desenvolvimento cogni-


tivo e o desenvolvimento do cérebro andam juntos, e o empreendimento de conec-
tar mente, cérebro e educação começa com essa suposição, como é evidente neste
livro didático. O conhecimento do desenvolvimento do cérebro está crescendo a
um ritmo fenomenal (DAWSON; FISCHER, 1994), e o conhecimento do desenvol-
vimento cognitivo e da aprendizagem é extenso, profundo e ainda está em constru-
ção (FISCHER; BIDELL, 2006).

No entanto, a compreensão de como o desenvolvimento cognitivo e do cé-


rebro se relaciona tem sido mínima. Muitas características do cérebro – número de
neurônios e sinapses, massa cerebral, mielinização, atividade cerebral etc. – mudam
sistematicamente à medida que as crianças crescem. Simultaneamente, as ações, a
fala, os conceitos, a solução de problemas, as habilidades sociais, a motivação e as

135
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

emoções das crianças se desenvolvem. Todas essas várias mudanças são global-
mente correlacionadas, mas as correlações não são muito informativas porque tudo
está mudando em paralelo. Os cientistas que buscam entender as relações cérebro-
-comportamento e os educadores que desejam usar a neurociência cognitiva para
melhorar a educação precisam de maneiras de encontrar e analisar conexões signi-
ficativas entre mudanças no cérebro e no comportamento, indo além da descoberta
de que as características geralmente aumentam (algumas geralmente diminuem)
com idade. Apesar dessas limitações do conhecimento científico, as expectativas do
público sobre relacionar a ciência do cérebro à prática educacional estão muito à
frente das realidades do conhecimento científico (FISCHER, IMMORDINO-YANG;
WABER, 2007).

Abordagens significativas para relacionar o cérebro e o desenvolvimento


cognitivo estão começando a surgir. Em uma arena promissora, as novas ferramen-
tas de análise de sistemas dinâmicos foram combinadas com a descoberta de ciclos
de crescimento no desenvolvimento cognitivo e cerebral para fornecer uma base
para ultrapassar as dificuldades de analisar as relações cérebro-comportamento. A
teoria de sistemas dinâmicos fornece ferramentas para analisar padrões complexos
de mudança em pessoas individuais, em contraste com as ferramentas tradicionais
que se concentram na análise de padrões médios de mudança para grupos, que su-
avizam as complexidades interessantes da mudança individual (FERRES; CHINA;
ABUSAMRA, 2014; CALL, 2013; DOMINGUES, 2007).

Pesquisas mostram que indivíduos crescem em padrões complexos, mostran-


do mudanças não lineares, mas ciclos de altos e baixos (DAWSON-TUNIK et al., 2005;
FISCHER; BIDELL, 2006). Essas descontinuidades e padrões complexos fornecem
ferramentas valiosas para analisar o desenvolvimento do cérebro e do comportamen-
to, porque os cientistas podem examinar as relações entre os padrões. As evidências
estão se acumulando para ciclos de crescimento cerebral, ciclos de desenvolvimento
cognitivo e ciclos de aprendizagem. Todos os três ciclos parecem envolver um pro-
cesso comum de crescimento, e um resultado da pesquisa sobre esses padrões de
crescimento é a descoberta de uma regra geral para o desenvolvimento e a aprendi-
zagem que tem muitos usos na avaliação e na prática educacional.

2CICLOSDECRESCIMENTOEMARCAÇÕESPARACÉREBRO
E COMPORTAMENTO
Nos organismos vivos, o crescimento geralmente ocorre através de ciclos.
Um excelente exemplo é o crescimento do córtex, que cresce seis camadas em um
processo cíclico de geração e migração de neurônios, conforme descrito por Rakic​​
(1971, 1988). Assim, um único processo de crescimento produz seis camadas dis-
tintas, nas quais as células de diferentes camadas acabam com funções muito
diferentes, mesmo que todas sejam criadas pelo mesmo processo. O processo co-
meça quando a camada germinativa na zona ventricular do embrião cresce novas
células em grandes números, e cada célula migra ao longo de uma escada criada
por uma célula glial para seu destino.

136
TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

As primeiras células a migrar param na primeira camada do córtex


(chamada de camada seis, porque é a sexta camada partindo da parte superior
do córtex, embora seja a primeira no desenvolvimento do embrião). Depois que
essa camada é preenchida, as células continuam em um ponto mais alto para se
tornar a segunda camada, que por sua vez fica preenchida. As próximas células
então param no que se torna a terceira camada, que novamente fica cheia. Esse
processo continua até que as seis camadas do córtex sejam todas estabelecidas.
Dessa maneira, um processo de crescimento cria camadas corticais que acabam
com propriedades e funções muito diferentes. Dentro de uma coluna cortical, as
seis camadas se relacionam hierarquicamente, com as camadas inferiores (cinco
e seis por numeração convencional) executando funções mais básicas, como lidar
com inputs e outputs sensoriais e motores básicos, e as camadas superiores (um e
dois) executando funções que combinam, integram ou diferenciam os sinais das
inferiores (FLOR; CARVALHO, 2012).

Ciclos de crescimento análogos parecem ocorrer no desenvolvimento ce-


rebral e cognitivo ao longo do tempo, com base em pesquisas ainda recentes sobre
os padrões de crescimento da atividade cerebral e nas evidências mais maduras
sobre o desempenho cognitivo. Um dos índices mais simples do padrão cíclico
é que o crescimento ocorre com uma série de descontinuidades – surtos (cresci-
mento acelerado) ou quedas (crescimento lento) no caso mais simples, como os
surtos amplamente documentados no desenvolvimento da linguagem no segun-
do ano de idade dos indivíduos (REZNICK; GOLDFIELD, 1992). Em um estudo
sobre a produção espontânea da linguagem em crianças holandesas, Ruhland e
Geert (1998) descobriram que a maioria das crianças apresentou saltos rápidos
no desempenho para categorias de palavras específicas nas proximidades dos 24
meses de idade, como demonstrado pelo surto produzido pelo sujeito de pesqui-
sa chamado Tomas, para o uso de pronomes pessoais, mostrado na Figura 5.

FIGURA 5 – SURTO DE DESENVOLVIMENTO NO USO DE PRONOMES PESSOAIS POR TOMAS,


UM GAROTO HOLANDÊS

FONTE: Adaptada de Ruhland e Geert (1998, p. 80)

137
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

Esse surto que ocorre cerca dos 24 meses de idade compreende uma
passagem pelo ciclo de crescimento para o desenvolvimento cognitivo, que
se move através de uma série de surtos de desempenho, começando no início
da infância e continuando até os 20 anos de idade (FISCHER; BIDELL, 2006),
como mostraremos na linha superior na Figura 6. Bebês, crianças, adolescentes
e jovens adultos passam por períodos em que suas habilidades estão avançando
em ritmo acelerado, especialmente em condições que apoiam o desempenho
ideal (linha superior). Em desempenho mais comum, em que eles não estão
forçando os limites de sua capacidade, geralmente mostram crescimento linear
ou mudança não sistemática (linha inferior). O gráfico apresenta um retrato
resumido dos padrões de crescimento para as habilidades abstratas avançadas
que se desenvolvem durante a adolescência e o início da idade adulta (FISCHER;
YAN; STEWART, 2003).

FIGURA 6 – SURTOS CÍCLICOS PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO EM CONDIÇÕES


IDEAIS

FONTE: Adaptada de Fischer, Yan e Stewart (2003, p. 497)

Esses padrões de crescimento complexos combinados com métodos


da teoria dos sistemas dinâmicos fornecem ferramentas poderosas para uso
em pesquisas sobre desenvolvimento do cérebro e educação, porque seguem
uma escala comum entre domínios. Habilidades em diferentes domínios
demonstram descontinuidades na mesma escala (DAWSON-TUNIK et al., 2005;
FISCHER; BIDELL, 2006). Os resultados são especialmente fortes e claros para
o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem, cuja pesquisa demonstrou
claramente uma única escala comum de complexidade de habilidades em
diversos conteúdos e com métodos diferentes para avaliar padrões de mudança.
138
TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

O desenvolvimento cognitivo se move ao longo dessa escala, independentemente


do domínio, assim como a temperatura segue uma escala, independentemente
de o objeto medido ser uma criança doente, uma geleira, uma panela com água
fervente, um vulcão ou a superfície do sol. A escala de complexidade fornece
marcações úteis para avaliações educacionais, aplicando-se a diferentes domínios,
para alunos e professores, para testes e currículos (BIDELL; FISCHER, 1992).
Ela se mostrou útil mesmo para rastrear os altos e baixos da aprendizagem de
uma tarefa específica, que é comumente chamada de microdesenvolvimento
(GRANOTT; PARZIALE, 2002).

Para entender os padrões de crescimento por trás da escala, é necessário


primeiro abordar um equívoco comum sobre desenvolvimento. A maioria das
pessoas assume inconscientemente que o desenvolvimento envolve a progressão
ao longo de uma escada de um estágio para o outro. No entanto, tanto crianças
como adultos não se desenvolvem ao longo de uma escada, mas ao longo de uma
rede de muitos fios, muitas vertentes. A escala de complexidade comum entre
domínios não significa que o desenvolvimento ocorra em estágios semelhantes
a escadas. A Figura 7 ilustra a rede para três domínios de desenvolvimento em
adolescentes e adultos jovens – matemática, self em relacionamento e julgamento
reflexivo (FISCHER; YAN; STEWART, 2003).

FIGURA 7 – UMA REDE DE DESENVOLVIMENTO DE MUITAS VERTENTES COM AGLOMERADOS


DE DESCONTINUIDADES PARA TRÊS NÍVEIS DE HABILIDADE

FONTE: Adaptada de Fischer, Yan e Stewart (2003, p. 498)

139
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

Um indivíduo constrói habilidades separadas para cada domínio,


incluindo várias vertentes diferentes dentro de cada domínio. Todas as vertentes
se movem na mesma escala de complexidade, mas as habilidades em uma vertente
são independentes das habilidades de outra. Às vezes, as vertentes se diferenciam
em novas vertentes separadas e, outras vezes, combinam-se para formar uma
nova vertente integrada. Para alguns propósitos, habilidades em diferentes
domínios, como julgamento reflexivo e concepções de si (do self), podem ser
tratadas como simplesmente separadas, mas, à medida que o desenvolvimento
avança, as pessoas geralmente combinam vertentes de diferentes domínios,
conectando, por exemplo, concepções de si como um aluno com conceitos sobre
como eles sabem que algo é verdadeiro (as bases do conhecimento – julgamento
reflexivo). Em ambos os casos, a mesma escala de complexidade caracteriza o
desenvolvimento ao longo de cada vertente, mesmo que envolvam habilidades
separadas. A mesma marcação mede a complexidade, mas essa marcação comum
não implica que todas as habilidades sejam iguais.

O ciclo de crescimento da construção de habilidades aparece na rede


como aglomerados de descontinuidades – ângulos, junções e separações de linhas
dentro das caixas marcando as zonas nas quais três novos níveis ideais emergem.
Esses aglomerados, ou clusters, capturam alterações para obter o desempenho
ideal, enquanto o desempenho normal e não ideal ocorre em pontos mais baixos
ao longo das vertentes. Ou seja, a mesma pessoa no mesmo domínio ou vertente
mostra um nível de desenvolvimento diferente, dependendo se ele ou ela está
executando no nível ideal ou funcional (como mostrado na Figura 6). As pessoas
não agem de maneira consistente em um nível, mesmo para um domínio familiar,
como as concepções de si. Suas habilidades variam em complexidade de minuto
a minuto, dependendo do suporte contextual, motivação, fadiga e outros fatores.

3 CICLOS DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO


O desenvolvimento cognitivo passa por dez níveis entre os 4 meses
de idade e o início da idade adulta. Os níveis da infância à idade adulta, que
são mais relevantes para a educação, estão resumidos no Quadro 2. Entre as
evidências mais simples e convincentes para os níveis estão os surtos e quedas no
desempenho que ocorrem para obter o desempenho ideal em idades específicas.
Pesquisas sobre aritmética, conceitos de si (autoconceitos), julgamento reflexivo,
raciocínio moral, classificação, conservação e muitas outras tarefas mostram esses
surtos e quedas marcando o início de capacidades para desenvolver habilidades
em cada um dos níveis.

140
TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

QUADRO 2 – NÍVEIS DE DESENVOLVIMENTO DURANTE OS ANOS ESCOLARES: IDEAL E FUN-


CIONAL (AS IDADES DOS NÍVEIS FUNCIONAIS VARIAM MUITO E SÃO APENAS ESTIMATIVAS)

Nível Ideal Funcional

Rp1 – Representações únicas (simples) 2 anos 2 a 5 anos

Rp2 – Mapeamentos representacionais 4 anos 4 a 8 anos

Rp3 – Sistemas representacionais 6 anos 7 a 12 anos

Rp4/Ab1 – Abstrações únicas (simples) 10 anos 12 a 20 anos

Ab2 – Mapeamentos abstratos 15 anos 17 a 30 anos

Ab3 – Sistemas abstratos 20 anos 23 a 40 anos (ou nunca


para muitos domínios)

Ab4/P – Princípios únicos 25 anos 30 a 45 anos (ou nunca


para muitos domínios)
FONTE: Adaptado de Dawson e Fischer (1994) e Kitchener et al. (1993)

Em um estudo de conceitos para operações aritméticas, os adolescentes


demonstraram surtos sob condições ideais para três níveis – abstrações simples,
mapeamentos abstratos e sistemas abstratos (FISCHER; KENNY; PIPP, 1990).
Alunos entre 9 e 20 anos de idade de diversas escolas e de uma universidade
em uma cidade do centro-oeste norte-americano resolveram um conjunto de
problemas aritméticos, como 7 + 7 + 7 = 21, 3 x 7 = 21, 5 + 9 = 14 e 14 - 9 = 5. Depois eles
responderam a perguntas que exigiam que explicassem as operações de adição,
subtração, multiplicação e divisão, e então as relações entre os pares de operações,
como adição e multiplicação ou adição e subtração. O que é multiplicação e como
os problemas calculados se encaixam na definição de multiplicação? Como a
multiplicação se relaciona com a adição e como os problemas envolvem essa
relação? Os alunos fizeram primeiro os cálculos e ofereceram as explicações
em condições de apoio baixas, respondendo simplesmente às perguntas por si
mesmas. Então, eles receberam respostas boas e prototípicas para as perguntas
sobre as operações (condições de apoio altas), e foram solicitados a explicar em
seus próprios termos. Ao final da sessão, disseram-lhes que retornariam em duas
semanas para resolver os problemas novamente e deveriam pensar nas perguntas.
Quando voltaram, eles novamente resolveram os problemas e responderam às
perguntas primeiro com condições de apoio baixas e depois com condições de
apoio altas.

Os alunos mostraram saltos dramáticos no desempenho em condições


ideais em idades específicas, como mostra a Figura 8 para mapeamentos que
relacionam pares de operações aritméticas. Os surtos foram especialmente
bruscos na segunda sessão, duas semanas após a primeira, quando os alunos
tinham não apenas condições apoio altas, mas também dias para praticar e
pensar sobre as questões. Os alunos foram solicitados a explicar as relações entre

141
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

adição e subtração, adição e multiplicação, multiplicação e divisão e subtração e


divisão (duas versões de cada pergunta para um total de oito tarefas). Quando
simplesmente foram solicitados, sem nenhum apoio ou prática (Sessão 1 sem
apoio), eles mostraram níveis muito baixos de desempenho – quase zero até os
16 anos e atingindo apenas 32% de correção aos 20 anos. No entanto, quando
receberam apoio (Sessão 1 com apoio), seu desempenho aumentou bastante entre
15 e 17 anos. A oportunidade de pensar nos problemas por duas semanas levou
a um surto ainda mais abrupto, de 6% aos 15 anos para 88% aos 16 anos (Sessão
2 com apoio). Esse estudo de Fischer, Kenny e Pipp (1990) foi o primeiro teste
de um surto previsto exclusivamente a partir da teoria dinâmica da habilidade,
sem nenhuma evidência prévia, e a Figura 8 mostra que a descoberta foi forte e
inequívoca.

FIGURA 8 – SURTOS PARA MAPEAMENTOS DE OPERAÇÕES ARITMÉTICAS

FONTE: Adaptada de Fischer, Kenny e Pipp (1990)

Além do surto para os mapeamentos, o gráfico também mostra outro


fenômeno de desenvolvimento com forte relevância educacional – consolidação em
nível posterior. Um novo tipo de habilidade, como relações de operações aritméticas
ou conceitos para determinar a verdade, surge em um nível; mas só é consolidado
para produzir desempenho consistente em um nível posterior, vários anos depois,
quando os vários componentes são coordenados e interconectados. No estudo
aritmético, as duas curvas que mostram surtos se estabilizaram por alguns anos
após os 16 anos e depois voltaram a ter um desempenho ainda melhor aos 20 anos.
Esse segundo surto ocorre geralmente no desenvolvimento cognitivo, refletindo o

142
TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

surgimento do próximo nível, que neste caso são sistemas abstratos. Quando um
novo nível surge, o desempenho salta acima de zero, mas normalmente salta para
bem menos do que o desempenho ideal. Por exemplo, com o julgamento reflexivo
(explicando as bases do conhecimento em dilemas complexos), o desempenho dos
alunos saltou para apenas cerca de 50% de acerto com a primeira emergência de
um nível (KITCHENER et al., 1993). Apenas cinco anos depois, com o surgimento
do próximo nível, o desempenho se aproximou de 100% de acerto.

A série de descontinuidades no desenvolvimento cognitivo define uma


escala de desenvolvimento em dez níveis – três níveis de ações sensório-motoras,
além dos sete níveis do Quadro 2. Além disso, um conjunto diferente de métodos
produziu evidências independentes da mesma escala de sete níveis no Quadro 2.
Theo L. Dawson-Tunik et al. (2005) foi pioneiro nesta pesquisa, usando a análise
de Rasch para escalonar a dificuldade dos itens em extensos conjuntos de dados
baseados em entrevistas, testes padronizados, ensaios e outros materiais escritos.
O escalonamento de Rasch detectou exatamente a mesma escala de sete níveis
nesses conjuntos de dados, demonstrando o aglomerado de itens por nível de
complexidade e lacunas na escala de complexidade entre os agrupamentos. O
agrupamento é válido até para adultos, onde a idade não é um fator na ordem dos
itens.

Os níveis sucessivos que se desenvolvem conforme mostrado no Quadro


2 indicam um tipo de ciclo de crescimento/desenvolvimento, um agrupamento
recorrente de surtos de desempenho com o surgimento de cada novo nível
cognitivo. Análogo ao ciclo de crescimento que produz camadas sucessivas de
córtex através do processo comum de geração e migração de neurônios, os níveis
cognitivos aumentam ao longo do tempo com base em um processo comum de
crescimento, produzindo uma nova estrutura qualitativa em cada nível.

Dentro desses níveis, aparece também um segundo tipo de ciclo de


crescimento – um padrão repetitivo de tipos de coordenação de componentes
que agrupa os níveis em camadas. Esse ciclo ficou evidente na pesquisa quando os
codificadores cometeram erros comuns que misturavam, por exemplo, as relações
simples de papéis concretos de uma criança de cinco anos com as relações mais
abstratas de adolescentes de 15 anos (FISCHER; ELMENDORF, 1986). As crianças
de cinco anos relacionam papéis de mãe com filho ou de médico com paciente,
como quando contam histórias com interações específicas padrão entre mãe e
filho. Os adolescentes de 15 anos de idade relacionam papéis amplos e abstratos
de mãe com filho ou médico com paciente. Eles descrevem os papéis de mãe e filho
na sociedade, por exemplo, em vez de se limitarem a uma interação prototípica
específica de mãe e filho. Essa combinação de semelhança e diferença reflete um
ciclo repetitivo de níveis de habilidade, uma camada.

Em geral, o desenvolvimento passa por pelo menos três ciclos repetitivos,


desde a primeira infância até a idade adulta. Em cada ciclo ou camada, uma
criança ou adulto controla primeiro uma única unidade de comportamento –
uma única ação, representação ou abstração para as camadas sensório-motora,
representacional e abstrata, respectivamente (FISCHER; BIDELL, 2006). Então a

143
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

pessoa relaciona pelo menos duas dessas unidades para formar um mapeamento
de ações, representações ou abstrações. Em seguida, a pessoa coordena pelo menos
dois mapeamentos para formar um sistema. Finalmente, com o quarto nível de
uma camada, a pessoa integra pelo menos dois sistemas para formar um sistema
de sistemas, o que gera um novo tipo de unidade. Os sistemas de ação geram
representações únicas. Os sistemas representacionais geram abstrações únicas.
Os sistemas abstratos geram princípios únicos. Não há evidências até o momento
de surgimento de novos níveis além dos princípios únicos. A Figura 9 ilustra esse
ciclo para as camadas representacionais e abstratas com a metáfora dos blocos de
construção, nos quais os blocos simples para representações acabam criando um
tipo de blocos de construção mais complexos para iniciar a capacidade de pensar
abstratamente. Podemos sugerir que ciclos de crescimento desse tipo encontram-
se difundidos no desenvolvimento cognitivo e cerebral, e a partir disso, podemos
propor vários ciclos para o desenvolvimento cerebral que, por hipótese, estão
relacionados a esses ciclos de desenvolvimento cognitivo.

FIGURA 9 – CICLOS DE DESENVOLVIMENTO PARA CAMADAS DE REPRESENTAÇÕES E ABSTRA-


ÇÕES.

FONTE: Adaptada de Fischer e Bidell (2006)

4 CICLOS DE DESENVOLVIMENTO CORTICAL


A maioria das pesquisas sobre a estrutura e o desenvolvimento do cérebro
se concentrou na anatomia e fisiologia microscópica local, como o funcionamento de
neurônios e sinapses isolados. Para se conectar à educação, o quadro geral de como
o cérebro funciona e muda com o desenvolvimento é obviamente mais relevante.
Embora a pesquisa sobre o sistema cerebral tenha sido relativamente escassa, ela
está crescendo rapidamente, e há descobertas suficientes para estabelecer alguns

144
TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

fatos importantes sobre o desenvolvimento do cérebro e construir modelos iniciais


de ciclos de crescimento cerebral (FISCHER; ROSE, 1994).

O primeiro fato estabelecido sobre o desenvolvimento do cérebro – do


qual muitos cientistas e educadores desconhecem – é que o cérebro e suas partes
geralmente crescem em surtos, assim como outros sistemas do corpo (LEYSER,
2018; DOMINGUES, 2007). As curvas de crescimento suave mostradas nos gráficos
pediátricos funcionam apenas para médias de muitas crianças. Crianças individuais
crescem de modo intermitente. Essas descontinuidades são evidentes em muitas
medidas diferentes da anatomia e atividade cerebral, incluindo espessura cortical,
densidade sináptica, atividade elétrica cortical e conectividade cortical. Uma das
características mais simples que mostra esse padrão de surtos e quedas é a energia
no eletroencefalograma (EEG), que é medida calculando a área sob as curvas
geradas pela atividade elétrica. Em um estudo clássico, Matousek e Petersén (1973)
mediram o EEG para pessoas entre um e 21 anos de idade na Suécia. A energia
relativa (energia em uma banda de frequência para uma região cortical dividida
pela energia em todas as bandas para essa região) mostrou curvas de crescimento
altamente sistemáticas, como mostra a Figura 10 para a banda alfa medida na
região parieto-occipital. O crescimento prossegue consistentemente para cima,
mas há surtos recorrentes (marcados pelos pontos pretos na Figura 10), platôs e
pequenas quedas, reminiscentes das curvas de crescimento para o desenvolvimento
de aritmética, julgamento reflexivo e outras habilidades cognitivas (Figuras 1, 2 e
4). Observe que, para algumas bandas de frequência (notavelmente Teta e Delta),
as curvas de crescimento descem consistentemente, movendo-se intermitências
semelhantes. Além disso, a forma das curvas de crescimento varia de acordo com
a região cortical; por exemplo, surtos durante a adolescência são muito mais fortes
na região pré-frontal do que na região occipital (LEYSER, 2018).

FIGURA 10 – DESENVOLVIMENTO DA ENERGIA RELATIVA NO ALFA EEG NA ÁREA PARIETO-OC-


CIPITAL

FONTE: Adaptada de Matousek e Petersén (1973)

145
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

Notavelmente, as idades dos surtos de energia no EEG correspondem


estreitamente às idades dos surtos cognitivos, como é evidente nas comparações
da Figura 10 e Quadro 2. A correspondência é tão próxima que sugere uma ligação
entre os dois processos dinâmicos de crescimento. Essa descoberta inspirou
primeiro a forma simples da hipótese do crescimento cerebral: que os surtos de
crescimento cortical refletem o surgimento de novos níveis de habilidade. No
entanto, a maioria dos estudos que mostram esses surtos no desenvolvimento
cerebral ou cognitivo mensuram apenas um destes – o cérebro ou a cognição
– e não ambos, o que significa que existem poucos dados para testar se os dois
se relacionam de fato no desenvolvimento de indivíduos. Felizmente, um
pequeno número de estudos mensura o desenvolvimento cerebral e cognitivo e
sustenta a hipótese do crescimento cerebral (BELL; FOX, 1994, 1996; STAUDER
et al., 1999), todavia claramente são necessárias mais pesquisas para testar essa
correspondência completamente.

Esses fenômenos sugerem um modelo simples de crescimento de surtos


sucessivos correlacionados em atividade cortical e capacidade cognitiva, mas
levantam questões sobre a natureza das reorganizações cerebrais com cada surto,
bem como a relação com as reorganizações cognitivas nos ciclos de crescimento
mostrados na Figura 9. É possível criar um modelo de crescimento de redes
corticais – a hipótese do crescimento de rede – com base em pesquisas existentes,
especialmente as descobertas de Hanlon, Thatcher e Cline (1999), Matousek e
Petersén (1973), Hudspeth e Pribram (1990, 1992) e Somsen et al. (1997). Além da
energia do EEG, as outras medidas mais importantes desses achados envolvem
a coerência do EEG, a correlação entre os padrões de ondas elétricas em duas
regiões. Os padrões não correlacionados de onda indicam uma conexão ativa
entre duas regiões. Os padrões de onda não correlacionados indicam nenhuma
conexão ativa.

A explicação do modelo de rede neural requer a descrição do layout geral


das áreas corticais avaliadas pelo EEG e outras técnicas de imagem cerebral.
A Figura 11 mostra o cérebro visto de cima, com o nariz marcando a frente da
cabeça e a área cinzenta indicando o córtex pré-frontal, que desempenha um
papel especialmente importante nas redes corticais. As regiões do córtex recebem
nomes padrão listados no diagrama: hemisfério esquerdo e direito e, em cada
hemisfério, são denominadas as áreas Pré-Frontal (F), Central (C), Temporal (T),
Parietal (P) e Occipital (O). As fibras neurais (axônios) conectam partes do córtex
mesmo a longas distâncias, como as conexões pré-frontal-occipitais marcadas
pelas setas longas. Conexões mais curtas também são importantes em redes
neurais, como as conexões pré-frontais-temporais marcadas pelas setas mais
curtas, bem como as conexões dentro de uma região cortical, como as conexões
pré-frontais (não mostradas). As evidências indicam que a grande maioria das
conexões de rede ativas ocorre dentro de um hemisfério, conforme indicado pelas
setas.

146
TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

FIGURA 11 – VISTA SUPERIOR DO CÓRTEX ILUSTRANDO ALGUMAS CONEXÕES DE REDE

FONTE: Adaptada de Hanlon, Thatcher e Cline (1999)

De acordo com a hipótese do crescimento de rede, as mudanças na energia


mostradas na Figura 10 surgem de mudanças no desenvolvimento de redes
neurais no cérebro, desenvolvimentos que ocorrem por meio de um processo
cíclico de religar e sintonizar novamente as redes. Esse processo de crescimento
se move sistematicamente pelo córtex de maneira semelhante à sugerida por
Hanlon, Thatcher e Cline (1999) e ilustrada na Figura 12 para os níveis cognitivos
Rp3 e Ab1 que emergem em cerca de 6 e 10 anos. O córtex pré-frontal mostra
o caminho, pois as evidências empíricas indicam que a grande maioria das
mudanças sistemáticas nas redes relativas à idade envolve conexões entre o
córtex pré-frontal e outras regiões. Os dados de Hanlon, Thatcher e Cline (1999)
sugerem que o crescimento domina em uma parte do córtex em um determinado
momento, mas sem dúvida ocorre menos saliente em outros lugares também. Além
disso, o diagrama representa o padrão normativo hipotético, mas é provável que
pessoas diferentes mostrem padrões diferentes no ciclo de crescimento. Pesquisas
mostram claramente, por exemplo, diferenças entre homens e mulheres.

147
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

FIGURA 12 – CICLO DE REDE CORTICAL PARA DOIS NÍVEIS COGNITIVOS SUCESSIVOS

Começa: conexões da
frente para trás em
ambos hemisférios

Hem. Esquerdo Hem. Direito

Inicia aprox. aos 10 F prefrontal


anos de idade C central
T temporal
P parietal
Inicia aprox. aos O pccipital
6 anos de idade

Nível Ab1: Abstrações Únicas

Nível Rp3: Sistemas Representacionais

FONTE: Adaptada de Hanlon, Thatcher e Cline (1999)

No topo do diagrama, as conexões da frente para trás (pré-frontal-


occipital) crescem mais fortemente do que outras conexões, à medida que o nível
dos sistemas representacionais Rp3 começa a se desenvolver. Gradualmente, ao
longo de vários anos, a vanguarda do crescimento das conexões se move pelo
córtex, começando pelo hemisfério direito, onde se torna mais local ao longo do
tempo, ajustando as conexões mais curtas. No meio do ciclo, na parte inferior do
diagrama, a vanguarda se move para o córtex pré-frontal, à medida que predomina
o crescimento das conexões locais. Em seguida, ela se move para o hemisfério
esquerdo, começando mais localmente e gradualmente se movendo em direção a
conexões mais longas até retornar à conexão mais longa, a fronto-occipital. Aqui,
ela inicia o processo novamente, à medida que o nível de abstrações únicas Ab1
começa a se desenvolver. Eventualmente, o ciclo se repete, reestruturando a rede
para a capacidade de abstrações únicas, até que finalmente seja concluída e o
próximo nível comece, mapeamentos abstratos Ab2.

De acordo com a hipótese citada anteriormente, o ciclo de rede


corresponde a períodos em que ocorrem determinados tipos de aprendizagem e
mudanças no desenvolvimento, como surtos em uma habilidade importante. Em
dois estudos, Martha Ann Bell mostrou exatamente essa relação – surtos e quedas
de coerência para regiões corticais específicas relacionadas ao crescimento de
grandes habilidades na infância (BELL, 1998). Em seu ambicioso estudo sobre o
início do engatinhar, os bebês que começavam a engatinhar exibiam alta coerência
conectando as regiões frontal, occipital e parietal, especialmente no hemisfério
direito. À medida que os bebês se tornaram engatinhadores qualificados, a
coerência caiu. Da mesma forma, em um estudo de caso, uma criança mostrou

148
TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

alta coerência fronto-temporal, especialmente no hemisfério esquerdo, pois se


concentrou em balbuciar para produzir muitos sons parecidos com sílabas. A
região temporal esquerda desempenha um papel importante na linguagem na
maioria das crianças e adultos mais velhos (BELL; FOX, 1994).

Para a minoria de pessoas que usam o hemisfério direito mais


proeminentemente para a linguagem, o padrão de crescimento para coerência é
diferente. Da mesma forma, em geral, as diferenças individuais nas habilidades
e nos padrões de aprendizagem com a idade devem corresponder às diferenças
do ciclo, com base na hipótese do crescimento de rede. Assim como os bebês que
engatinham tardiamente mostram um surto tardio na coerência fronto-occipital e
fronto-parietal, as crianças que desenvolvem o pensamento abstrato (Ab1 e além)
tardio ou aprendem a ler tardiamente ou que de repente começam a se esforçar
para aprender um esporte devem mostrar mudanças paralelas no crescimento da
coerência em determinadas regiões.

Para o desenvolvimento cognitivo, o ciclo que produz níveis cognitivos


é aninhado dentro do ciclo mais amplo para as camadas (Figura 9). Da mesma
forma, por hipótese, o ciclo do crescimento de redes mostrado na Figura 12 está
aninhado dentro de um ciclo maior de crescimento de energia, coerência e outras
características cerebrais relacionadas a camadas – a hipótese da rede aninhada. Por
exemplo, a energia pré-frontal parece aumentar quando surge uma nova camada,
de acordo com as análises da energia do EEG por Hudspeth e Pribram (1990, 1992).
Além disso, os maiores surtos de energia se movem sistematicamente pelo córtex,
de acordo com as evidências até o momento. Além disso, os padrões de oscilação
da coerência para conexões corticais específicas mudam em correspondência
com o movimento para um novo ciclo de rede cortical (THATCHER, 1994).
Presumivelmente, mudanças ainda não especificadas nas conexões de rede e
outras propriedades cerebrais coocorrem com as mudanças de pico.

De acordo com a hipótese da rede aninhada, a energia de pico em regiões


corticais específicas muda sistematicamente à medida que os ciclos da rede cortical
mudam através de uma camada de níveis, como mostra a Figura 13. Observe
que o ciclo de rede cortical está aninhado dentro do ciclo de pico de energia
no diagrama. O pico de energia começa no córtex pré-frontal e depois se move
gradualmente ao longo do córtex por longos períodos, à medida que novos níveis
crescem nas crianças. O modelo da Figura 13 se encaixa razoavelmente nos poucos
dados disponíveis: o crescimento do pico de energia move-se gradualmente de
pré-frontal para occipital, parietal, central, temporal e, em seguida, de volta para
central, parietal, occipital e pré-frontal. Uma hipótese razoável é que os primeiros
picos (lado direito do diagrama) estão concentrados no hemisfério direito e os
posteriores no hemisfério esquerdo; mas a maioria dos dados publicados não
contém as informações para testar esta especificação. Esse ciclo aninhado, como o
ciclo do crescimento de rede na Figura 12, presumivelmente também corresponde
a padrões comportamentais específicos, como o foco em algum domínio de
habilidade ou questão socioemocional.

149
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

FIGURA 13 – CICLO DE ENERGIA DE PICO PARA A CAMADA, COM CICLOS DE REDE ANINHADOS
Início da Camada

Nível 1/4
Nível 3

F prefrontal
C central
T temporal
P parietal
Nível 2 O pccipital

FONTE: Adaptada de Thatcher (1994)

5 CICLOS DE APRENDIZAGEM
A escala de habilidades e os padrões dinâmicos de crescimento que a acom-
panham criam vários caminhos para pesquisas sobre mente, cérebro e educação.
Não apenas possibilitam pesquisas relacionadas à mudança cognitiva com o de-
senvolvimento do cérebro, mas também fornecem uma escala para medir o apren-
dizado, o ensino, o currículo e outros desempenhos e produtos cognitivos – uma
escala que tem amplo uso na avaliação e prática educacional (SCHWARTZ; FIS-
CHER, 2005). Para ilustrar essa variedade de usos, vou me concentrar na análise da
aprendizagem em sala de aula como microdesenvolvimento – crescimento de ha-
bilidades em períodos relacionados à escola, como minutos, horas, dias e semanas
durante os quais os alunos devem aprender.

Quando analisados ​​em termos de níveis de habilidade construída, o desem-


penho dos alunos mostra mudanças dinâmicas, com muitos aumentos e quedas.
Esses padrões de mudança refletem um processo cíclico de construção de habilida-
des, no qual as características das tarefas interagem com o nível de especialização
do aluno no domínio, entre outras coisas. Os padrões também demonstram que a
construção de conhecimento geral (em oposição à aprendizagem de "fatos" especí-
ficos) é lenta e difícil. Muitas pesquisas mostram que os tipos de conhecimento en-
sinados em muitos cursos do ensino médio e superior – como questões da ditadura
militar no Brasil, o conceito de energia na física, analisar as evidências de evolução,
escrever um texto dissertativo convincente – levam muito mais tempo que um se-
mestre ou um ano para serem consolidados (FISCHER; YAN; STEWART, 2003).
150
TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

A escala de habilidades fornece um método para medir o desempenho e


o aprendizado em todas essas tarefas e em qualquer outro domínio e, portanto,
possibilita a avaliação de qualquer desempenho em uma única métrica, bem como a
comparação de desempenhos entre domínios e tarefas nessa métrica. Em pesquisas
sobre alunos aprendendo ao longo de vários meses (estudantes de ciências do
ensino médio aprendendo sobre magnetismo, estudantes de pós-graduação
aprendendo a usar um computador para análise estatística etc.), descobriu-se que
o aprendizado ocorre em ondas ou curvas recorrentes (GRANOTT; PARZIALE,
2002; SCHWARTZ; FISCHER, 2005; YAN; FISCHER, 2002). Por exemplo, um aluno
começa com um baixo nível de compreensão de uma tarefa ou desempenho, como
usar o computador para fazer uma análise estatística, e gradualmente desenvolve
a habilidade em uma situação, passando de ações para representações ou de
representações a abstrações, como mostra a Figura 14. O entendimento entra em
colapso por causa de uma mudança na situação ou por inúmeras outras razões. O
aluno então constrói o entendimento novamente e o sustenta brevemente, mas mais
uma vez ele entra em colapso, ocorre uma queda. Esse processo se repete muitas
vezes, à medida que o aluno aprende uma nova habilidade ou entendimento,
produzindo o que é chamado de padrão de curvas de aprendizagem.

FIGURA 14 – CONSTRUINDO UMA NOVA HABILIDADE ATRAVÉS DE RECONSTRUÇÕES REPETI-


DAS OU ONDAS (OS NÍVEIS 1 A 3 ENVOLVEM AÇÕES E 7 E ACIMA ENVOLVEM ABSTRAÇÕES)

FONTE: Adaptada de Schwartz e Fischer (2005)

Os colapsos (quedas) não indicam dificuldades. Em vez disso, são


normais e necessários, refletindo a necessidade de construir e reconstruir uma
habilidade com variações, para que a pessoa possa sustentá-la eventualmente
diante de mudanças no contexto e no estado. Geralmente, dominar uma tarefa
requer descer para níveis primitivos de representações ou até ações (semelhantes
às de crianças pequenas), como mostrado na Figura 14, para que a pessoa possa

151
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

descobrir as características de ação da tarefa ou situação. A capacidade humana de


descer para níveis tão elementares fornece enorme flexibilidade para adaptação
inteligente, porque as pessoas podem aprender novos padrões de ação sensório-
motora, necessários para o sucesso em um tipo diferente de tarefa. Mover-se para
um nível cognitivo baixo para uma nova tarefa compreende uma parte essencial
da inteligência.

O padrão de curvas ou de ondas, ocorre apenas em parte do tempo


em situações de aprendizagem. Ele reflete o ponto médio do processo de
aprendizagem, como mostra a Figura 15. Quando os alunos são iniciantes – não
estão familiarizados ou não se sentem confortáveis ​​com as tarefas que precisam
realizar –, seu desempenho é ainda mais variável do que o apresentado na Figura
10 (YAN; FISCHER, 2002). Em vez de desenvolver uma habilidade de nível
superior em várias atividades, qualquer habilidade relativamente complexa
que eles constroem rapidamente se desfaz. Seu desempenho oscila para cima e
para baixo caoticamente, como na curva de crescimento superior na Figura 15. À
medida que adquirem algum conhecimento da tarefa, eles se movem desse padrão
caótico para o padrão intermediário de curvas (a curva do meio na Figura 15 e
a curva na Figura 14), onde podem sustentar uma habilidade de nível mais alto
por mais tempo, mas são ainda sujeito a um colapso abrupto e periódico. Depois
de trabalhar na tarefa por algum tempo (normalmente meses ou até anos), eles
se tornam experts que podem sustentar um desempenho estável e de alto nível,
conforme mostrado na curva inferior da Figura 15. Os experts geralmente exigem
um período inicial de exploração da tarefa para entender suas propriedades antes
de atingir um nível estável, o que leva a um aumento gradual do nível, conforme
mostrado na curva.

FIGURA 15 – CURVAS DE CRESCIMENTO PARA APRENDER UMA TAREFA: INICIANTES, INTER-


MEDIÁRIOS E EXPERTS

Iniciante:
Caótico
Desenvolvimento

Nível de Habilidade

Intermediário:
Ondas

Expert:
Estável

Alterações

FONTE: Adaptada de Yan e Fischer (2002)

152
TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

Dessa forma, a aprendizagem não envolve crescimento monotônico para


níveis mais altos de entendimento, mas um processo cíclico estendido, no qual um
aluno constrói e reconstrói repetidamente uma performance. O aluno passa da
variação caótica no nível de habilidade para a reconstrução gradual e repetida de
uma habilidade (padrão de curva) e, eventualmente, para um nível de experiência
relativamente estável. Essa análise fornece um exemplo de como a escala de
complexidade de habilidades pode elucidar a aprendizagem e outras atividades
educacionais. Talvez também seja possível analisar a atividade cerebral à medida
que a aprendizagem progride, para perguntar como as mudanças na atividade
cerebral se relacionam com o grau de habilidade e conhecimento. É possível que
alguns dos ciclos de crescimento cerebral descritos anteriormente sejam evidentes
à medida que a aprendizagem progride no microdesenvolvimento.

6 DOS CICLOS DE DESENVOLVIMENTO ÀS IMPLICAÇÕES


EDUCACIONAIS
A pesquisa que relaciona ciclos de desenvolvimento cognitivo e escala à
avaliação educacional é apenas um dos muitos casos em que os resultados das
ciências cognitivas contribuem diretamente para a pesquisa e prática educacional.
As conexões entre os ciclos de desenvolvimento do cérebro e educação, no
entanto, estão mais longe de serem concretizadas. Eventualmente, as pesquisas
que conectam diretamente os ciclos de desenvolvimento cerebral com padrões
de aprendizagem elucidarão os processos de aprendizagem, especialmente as
diferenças entre indivíduos e contextos. Por exemplo, por hipótese, as diferenças
nos ciclos das redes corticais estão relacionadas às diferenças entre as crianças,
tanto na motivação para aprender quanto na eficácia da aprendizagem em
domínios específicos, como raciocínio espacial, matemática e alfabetização.

Atualmente, no entanto, os esforços para vincular a pesquisa do


desenvolvimento do cérebro à educação levantam sérias preocupações por causa
do descuido e do excesso de “aplicação” (FISCHER; IMMORDINO-YANG;
WABER, 2007). Jornalistas, educadores e até cientistas do cérebro fazem saltos
muito facilmente de uma pesquisa do cérebro para uma “implicação” para a
educação – o que normalmente não passa de uma especulação comum.

Um caso importante desse tipo de excesso e de seus perigos ocorreu nas


décadas de 1970 e 1980, quando alguns cientistas descobriram a primeira evidência
de surtos de crescimento cerebral (EPSTEIN, 1974) e depois surtos de crescimento
da atividade cerebral (FISCHER; ROSE, 1994). Dentro de alguns anos, alguns
cientistas e educadores chegaram a conclusões totalmente injustificadas pelos
dados, como a de que os estudantes não poderiam aprender nada de novo durante
os períodos de platô entre os surtos de crescimento cerebral. Eles recomendaram
a vários distritos escolares que os currículos fossem alterados para não introduzir
novos conceitos durante os períodos de idade normativa dos platôs de crescimento
cerebral, porque nenhum novo aprendizado ocorreria então (EPSTEIN, 1978;

153
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

FISCHER; LAZERSON, 1984). As evidências cognitivas, incluindo dados sobre o


desempenho e a aprendizagem da escola, nunca apoiaram essa especulação, mas
vários sistemas escolares levaram as recomendações a sério, porque os defensores
alegaram que eles eram provenientes da ciência do cérebro. Felizmente, muitos
neurocientistas e educadores lutaram contra essas alegações ilusórias.

Outro erro comum foi saltar da evidência de períodos críticos no


desenvolvimento do cérebro – uma janela de tempo limitada durante a qual uma
experiência específica molda a função cerebral – para implicações sobre quando
as pessoas podem e não podem aprender a falar, ler, fazer aritmética etc. (BAILEY
et al. 2001). Essas alegações também representam conclusões ilegítimas que não
são sustentadas por evidências cuidadosas de pesquisa.

Pesquisadores e educadores nas áreas da mente, cérebro e educação


precisam usar cautela científica para tirar conclusões para a prática educacional.
Isso inclui abster-se de saltar precipitadamente para implicações educacionais
partindo de pesquisas sobre o cérebro, até que exista evidência direta que
avalie a aprendizagem e o seu desempenho – evidência que liga o cérebro ao
comportamento, e o comportamento, por sua vez, à prática. Por exemplo, existe
uma grande promessa de que os ciclos de crescimento cerebral e cognitivo
elucidarão a aprendizagem e a prática educacional, fornecendo novas e poderosas
ferramentas para analisar os padrões e diferenças de aprendizagem dos alunos e
otimizar as intervenções educacionais.

A pesquisa sobre ciclos de crescimento cognitivo já está dando frutos


na avaliação e comparação de padrões de aprendizagem entre domínios e
indivíduos, além de relacioná-los com o ensino e o currículo. No entanto, o
estado atual do conhecimento não permite a extrapolação direta dos ciclos de
crescimento cerebral para a prática educacional. A construção de vínculos entre
mente, cérebro e educação exige a construção de relações recíprocas entre ciência
cognitiva, biologia e educação, com base nas interações de pesquisadores e
outros profissionais. À medida que esses vínculos crescem, perguntas e ideias da
prática educacional informarão e enriquecerão as ciências do cérebro e as ciências
cognitivas, assim como as descobertas científicas informarão e enriquecerão a
prática educacional.

154
TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

LEITURA COMPLEMENTAR

Papel das funções cognitivas, conativas e executivas na aprendizagem:


uma abordagem neuropsicopedagógica

Vitor da Fonseca

Observando o cérebro em situação de aprendizagem, a neuroimagiologia


confirma a ocorrência de macro e microtransformações neuronais, quer no
surgimento e fortalecimento de sinapses, quer na criação de circuitos, redes e
sistemas neurofuncionais, assim como no acréscimo de eficácia na velocidade de
transmissão e precisão conexiva. Em qualquer processo de aprendizagem, portanto,
inúmeros neurônios interagem sistemicamente e coíbem-se dinamicamente.

Saber como o cérebro evoluiu, evolui e funciona é determinante para o


sucesso não só na aprendizagem, como no ensino, o chamado processo ensino-
aprendizagem, que consubstancia a característica única da espécie humana
de transmitir a cultura intergeracionalmente, ou seja, entre seres maturos e
experientes e seres imaturos e inexperientes.

Apesar da capacidade de aprendizagem ser inerente a várias espécies,


principalmente às aves e aos mamíferos e, particularmente aos primatas, a espécie
humana é a única que ensina de forma intencional e sistemática. Conhecer,
portanto, quais são os fundamentos neuropsicopedagógicos da aprendizagem é
crucial para aperfeiçoar o ensino. É dentro desse paradigma central da educação
que iremos abordar o papel das funções cognitivas, conativas e executivas na
aprendizagem.

A neuropsicopedagogia revela-nos as habilidades do cérebro, quer


dos alunos quer dos professores. Nos alunos, quando se comportam de forma
socialmente positiva, e quando aprendem a usar os instrumentos cognitivos
(linguagem corporal, artística, falada, escrita e quantitativa) da cultura em que
estão inseridos. Nos professores, quando transmitem, mediatizam e ensinam
competências e conhecimentos, uma vez que está implícita no ato educativo uma
interação entre dois sujeitos, isto é, uma intersubjetividade.

Traduzir os dados de investigação das neurociências para a educação,


com o objetivo principal de melhorar a aprendizagem dos alunos e o ensino dos
professores, é um dos grandes desafios do século XXI, por essa razão, pensamos
que a neuropsicopedagogia (neurociência educacional) não pode continuar a ser
negligenciada pelas Ciências de Educação.

Em síntese, a neuropsicopedagogia procura reunir e integrar os estudos


do desenvolvimento, das estruturas, das funções e das disfunções do cérebro,
ao mesmo tempo que estuda os processos psicocognitivos responsáveis pela

155
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

aprendizagem e os processos psicopedagógicos responsáveis pelo ensino.

A neuropsicopedagogia pode ter um impacto positivo no desenvolvimento


profissional dos professores e no sucesso intra e interpessoal dos alunos, motivo
principal pelo qual escrevemos este texto. Como novo paradigma transdisciplinar,
ela abre caminho à noção dos estilos de ensino e de estilos aprendizagem, e na
base das suas investigações, rompe com os mistérios de como o cérebro humano
processa informação e aprende.

De acordo com as suas formulações conceituais, o ensino já não é mais


concebido como uma instrução, mas como uma transmissão cultural que combina
a ciência com a arte, para criar ecossistemas de aprendizagem mais produtivos e
onde todas as crianças aprendam, tendo em consideração a sua neurodiversidade.

Para ensinar com eficácia é necessário olhar para as conexões entre a


ciência e a pedagogia - ensinar sem ter consciência como o cérebro funciona é
como fabricar um carro sem motor. Não se vê o motor, mas sem ele o carro não
anda.

O cérebro, como órgão da Civilização, logo da cognição e da aprendizagem,


contém cerca de 100 bilhões de neurônios. Cada neurônio ou célula nervosa é
composto: de dendritos, prolongamentos pequenos que recebem informações
proximais; de corpo celular ou soma, que contém o núcleo com o seu código
genético e mitocôndrias que produzem energia; e de axônios, prolongamentos
maiores que emitem informações distais. Cada uma dessas células nervosas
pode ainda comportar 1.000 a 10.000 conexões com outros neurônios, tal é a
incomensurabilidade da sua comunicação química e elétrica por via das sinapses.
Sem essa impressionante comunicação, a evolução e a educação da nossa espécie
não seriam possíveis.

No seu todo, o órgão mais organizado do organismo e do universo possui


cerca 1.200 a 1.350 centímetros cúbicos de volume, pesa cerca de 1.450 gramas,
ou seja, cerca de 2% do peso do corpo, mas consome mais de 20% da sua energia
disponível. De fato, o cérebro é uma estrutura impressionante, que nos define
quem somos como indivíduos únicos, totais e evolutivos, é a ela que devemos a
nossa experiência de ensino e de aprendizagem do mundo envolvente.

As suas fibras nervosas, se esticadas, podem chegar a alcançar perto de


170 mil quilometros, perfazendo cerca de 4 voltas à Terra, algo transcendente e
extraordinário. A sua rede neuronal pode atingir 100 trilhões de sinapses e possuir
mais de uma dezena de centros hiperconectados ou módulos que facilitam o fluxo
de tráfego de informações e a sua rápida transmissão entre as diferentes zonas do
cérebro e do corpo, consubstanciando o organismo mais complexo do cosmos
que é conhecido.

Encolhido e enrugado no crânio, implantado evolucionariamente no topo


do corpo, o cérebro com as suas fibras e redes superintrincadas, em série e em

156
TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

paralelo, é a nossa pequena-grande intranet, para exprimir a cognição e para


aprender a aprender.

Efetivamente, em termos neuropsicopedagógicos, os neurônios podem


ser considerados as células da aprendizagem, pois são elas em si, mais a interação
que recriam com as células denominadas glias, que sustentam e consolidam,
somaticamente, qualquer tipo de aprendizagem, seja a mais simples de tipo
sensório-motor, práxica, não-simbólica ou não-verbal, seja a mais complexa do
tipo operacional, simbólica ou verbal, como são a leitura, a escrita e a matemática.

A cognição e a inteligência humana emergem dos neurônios que


constituem, principalmente, o neocórtex humano - o maior do reino animal -,
uma camada de seis camadas (molecular, granular externa, piramidal externa,
granular interna, piramidal interna e multiforme) com alguns milímetros de
espessura enrugada, circunvolucionada e sulcada, que recobre a quase totalidade
da superfície dos dois hemisférios cerebrais.

O hemisfério direito e o hemisfério esquerdo, grandes sistemas


complementares de tratamento de informação, hiperligados pelo corpo caloso,
mas curiosamente vocacionados para distintas formas do seu processamento
e armazenamento. O primeiro, mais centrado na novidade, na globalidade
e na criatividade, que assume a prioridade da aprendizagem, e o segundo,
mais enfocado na rotina, na análise e na complexidade, que consolida a sua
sequencialidade "perfeitológica".

A rede principal do neocórtex é composta, na sua maioria, por axônios


e interneurônios, que transmitem informação a outras células, quer a nível
proximal, quer distal, assim como, por células especiais em forma de castiçal, que
são capazes de ativar simultaneamente múltiplas zonas cerebrais, além de células
piramidais gigantes capazes de executar comandos até às extremidades do corpo
(pés, mãos e boca) com as quais o ser humano expressa a sua motricidade, a sua
sensibilidade e a sua cognitividade.

Por efeitos dessa imensa interconectividade e de uma mais eficaz e veloz


comunicação entre os neurônios, o cérebro humano expandiu-se ao longo da
evolução, de forma exponencial, nas zonas corticais, e de forma menos dilatada,
nas zonas subcorticais.

Expandiu-se essencialmente nos seus lobos sensoriais posteriores, ou


seja, no lobo occipital dedicado ao processamento visual, no lobo temporal
especializado no processamento auditivo e no lobo parietal devotado ao
processamento tátil-cinestésico, que no seu conjunto se pode considerar como o
córtex de reconhecimento, mas também se expandiu no seu lobo frontal anterior
e motor, particularmente no córtex pré-frontal de forma singular, fazendo dele
uma superestrutura supereficaz e uma espécie de chefe de orquestra de todas as
funções mentais, que no seu todo se pode considerar como o córtex estratégico.

157
UNIDADE 2 — DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, COGNIÇÃO E EDUCAÇÃO

Não é de surpreender, portanto, que qualquer processamento de


informação ou qualquer ato de cognição exija uma íntima conectividade entre
os sistemas corticais de reconhecimento e os sistemas corticais estratégicos.
Qualquer tipo de aprendizagem fluente e automatizada, comprovam-no em
termos de imagiologia funcional.

Por meio dessa impressionante conectividade com as demais áreas


cerebrais (gânglios da base, sistema límbico, tálamo, tronco cerebral e cerebelo),
de onde emergiram complexas redes neurofuncionais, um novo patamar de
capacidades superiores, ditas cognitivas, conativas e executivas, profundamente
interconectadas sistemicamente foi então possível de atingir na filogênese
humana.

Como no cérebro humano existem inúmeros neurônios interconectados


por sinapses mais potentes, a virtualidade e a velocidade da transmissão nervosa
tornou-se sequencialmente mais longa, permitindo uma performance não só mais
monitorizada, como mais planificada e regulada.

A cognição, a conação e a execução que fazem parte da plenitude das


faculdades mais subtis e superiores do ser humano, emanam, portanto, da
coatividade de milhões de neurônios, resulta, consequentemente, de mecanismos
biológicos e substratos neurológicos do cérebro, demonstrando a impossibilidade
de separar a função do sistema nervoso de qualquer forma de aprendizagem, seja
da mais natural, simples e não-verbal, seja a mais cultural, complexa e verbal.

Qualquer aprendizagem humana emerge, consequentemente, de múltiplas


funções, capacidades, faculdades ou habilidades cognitivas interligadas, quer
de recepção (componente sensorial - input), quer de integração (componentes
perceptiva, conativa, mnésica e representacional), quer de planificação
(componentes antecipatória e decisória), quer finalmente, de execução ou de
expressão de informação (componente motora - output).

A arquitetura do funcionamento do sistema cognitivo humano


ilustra, assim, a interação contígua, contínua e holística da informação entre o
envolvimento e o organismo materializada em redes neuronais que asseguram
a conexão das unidades de entrada, com as unidades de saída, ambas mediadas
por redes centrais que permitem a integração, a retenção, a recirculação, a
reciclagem, a auto-organização e a retroação da informação, isto é, tornam-a uma
rede neurofuncional especialmente apta para aprender (FIGURA 1).

158
TÓPICO 3 — CÍCLOS DINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, CEREBRAL E DA APRENDIZAGEM

Tratam-se de predisposições ou tendências da cognição humana, a que nos


dedicamos em outras obras, mas que não se esgotam na teoria de aprendizagem
do processamento de informação, porque o ser humano não se resume a um
mero computador, pois é dotado também de autopreservação e conação, isto é,
de sensibilidade, de personalidade e de sociabilidade.

Além de processar informação que espelha a sua consciência cognitiva,


o ser humano sente-a, registra-a, internaliza-a e tem tendências preferenciais,
emocionais, motivacionais e motoras por ela. É, portanto, possuidor de
uma consciência conativa (da noção de  conatus  de Espinoza brilhantemente
aprofundada por Damásio), e de uma consciência executiva, pois somos a única
espécie que tem consciência que tem consciência.

Eis aqui o paradigma da aprendizagem humana que queremos explorar,


razão pela qual desejamos evocar a estreita intrincação e interação das funções
cognitivas com as funções conativas e executivas. […]

FONTE: Adaptado de FONSECA, Vitor da. Papel das funções cognitivas, conativas e executivas na
aprendizagem: uma abordagem neuropsicopedagógica. Rev. psicopedag.,  São Paulo ,  v. 31, n.
96, p. 236-253,   2014 .   Disponível em <https://bit.ly/3ktLNJ6>. Acesso em:  9  nov.  2020.

159
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Modelos dinâmicos de crescimento elucidam as mudanças complexas e inter-


relacionadas que ocorrem durante o crescimento cerebral, o desenvolvimento
cognitivo e a aprendizagem.

• Uma série de descontinuidades no crescimento cognitivo ideal define


uma escala de desenvolvimento em dez níveis, com muitas implicações
educacionais em potencial.

• A teoria de sistemas dinâmicos fornece ferramentas para analisar padrões


complexos de mudança em pessoas individuais.

• Pesquisas mostram que indivíduos crescem em padrões complexos,


mostrando mudanças não lineares, mas ciclos de altos e baixos.

• Ciclos de crescimento análogos ao crescimento do córtex parecem ocorrer


no desenvolvimento cerebral e cognitivo ao longo do tempo, com base em
pesquisas ainda recentes sobre os padrões de crescimento da atividade
cerebral e nas evidências mais maduras sobre o desempenho cognitivo.

• Padrões de crescimento complexos combinados com métodos da teoria dos


sistemas dinâmicos fornecem ferramentas poderosas para uso em pesquisas
sobre desenvolvimento do cérebro e educação.

• O ciclo de crescimento da construção de habilidades aparece na rede como


aglomerados de descontinuidades.

• O desenvolvimento cognitivo passa por dez níveis entre os 4 meses de idade


e o início da idade adulta.

• A série de descontinuidades no desenvolvimento cognitivo define uma escala


de desenvolvimento em dez níveis.

• Os níveis sucessivos que se desenvolvem indicam um tipo de ciclo de


crescimento/desenvolvimento, um agrupamento recorrente de surtos de
desempenho com o surgimento de cada novo nível cognitivo.

• O desenvolvimento passa por pelo menos três ciclos repetitivos, desde a


primeira infância até a idade adulta.

160
• O cérebro e suas partes geralmente crescem em surtos, assim como outros
sistemas do corpo.

• De acordo com a hipótese do crescimento de rede, as mudanças na energia


surgem de mudanças no desenvolvimento de redes neurais no cérebro,
desenvolvimentos que ocorrem por meio de um processo cíclico de religar e
sintonizar novamente as redes.

• O ciclo de rede corresponde a períodos em que ocorrem determinados tipos


de aprendizagem e mudanças no desenvolvimento, como surtos em uma
habilidade importante.

• A escala de habilidades e os padrões dinâmicos de crescimento que a


acompanham criam vários caminhos para pesquisas sobre mente, cérebro e
educação.

• Quando analisados ​​em termos de níveis de habilidade construída, o


desempenho dos alunos mostra mudanças dinâmicas, com muitos aumentos
e quedas.

• A escala de habilidades fornece um método para medir o desempenho e o


aprendizado em todas essas tarefas e em qualquer outro domínio e, portanto,
possibilita a avaliação de qualquer desempenho em uma única métrica.

• O padrão de curvas ou de ondas, ocorre apenas em parte do tempo em situações


de aprendizagem, reflete o ponto médio do processo de aprendizagem.

• A aprendizagem não envolve crescimento monotônico para níveis mais altos


de entendimento, mas um processo cíclico estendido, no qual um aluno
constrói e reconstrói repetidamente uma performance.

• Pesquisadores e educadores nas áreas da mente, cérebro e educação precisam


usar cautela científica para tirar conclusões para a prática educacional.

CHAMADA

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161
AUTOATIVIDADE

1 Quais são os sete níveis de desenvolvimento cognitivo mais relevantes da


infância à idade adulta?

2 Nos ciclos de aprendizagem, o que significam os colapsos ou quedas no


aprendizado das habilidades?

3 A escala de habilidades e os padrões dinâmicos de crescimento que a


acompanham criam vários caminhos para pesquisas sobre mente, cérebro
e educação. Não apenas possibilitam pesquisas relacionadas à mudança
cognitiva com o desenvolvimento do cérebro, mas também fornecem uma
escala para medir o aprendizado, o ensino, o currículo e outros desempenhos
e produtos cognitivos – uma escala que tem amplo uso na avaliação e prática
educacional. Pesquisas com este foco têm apontado para o que chamamos
de “ciclos de aprendizagem”. Sobre os ciclos de aprendizagem, analise as
sentenças a seguir:

I- Quando analisados em termos de níveis de habilidade construída, o


desempenho dos alunos mostra mudanças dinâmicas, com muitos aumentos
e quedas.
II- Os padrões demonstram que a construção de conhecimento geral é lenta
e difícil, levam muito mais tempo que um semestre ou um ano para serem
consolidados.
III- O aprendizado ocorre em ondas ou curvas recorrentes, esse padrão de
curvas, ou de ondas, ocorre em todo o tempo das situações de aprendizagem.
IV- A aprendizagem envolve crescimento monotônico para níveis mais altos
de entendimento, dispensando o processo cíclico estendido.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.

4 Nas pesquisas sobre o desenvolvimento do córtex cerebral, evidências


empíricas indicam que a grande maioria das mudanças sistemáticas relativas
à idade envolve conexões entre o córtex pré-frontal e outras regiões. Há uma
hipótese sobre o desenvolvimento cortical de que as mudanças na energia
surgem de mudanças no desenvolvimento de redes neurais no cérebro. Sobre
esta hipótese, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Hipótese do Sono Restaurador.


b) ( ) Hipótese do Crescimento de Rede.
c) ( ) Hipótese da Consolidação da Memória.
d) ( ) Hipótese da Epigenética em Rede Neural.
162
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171
172
UNIDADE 3 —

NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO
E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO
SÉCULO XXI

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a relação do clima emocional e o ensino-aprendizagem


com base na neuropsicopedagogia;
• identificar a relevância do ambiente físico no processo educacional com
base nos estudos neurocientíficos;
• apresentar contribuições neuropsicopedagógicas para o ensino de con-
teúdos, habilidades e conceitos escolares;
• compreender a centralidade da criatividade, inovação e avaliação no
processo ensino-aprendizagem com base na neuropsicopedagogia.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – ESTABELECENDO O CLIMA EMOCIONAL PARA A


APRENDIZAGEM
TÓPICO 2 – CRIANDO O AMBIENTE FÍSICO E A EXPERIÊNCIA DA
APRENDIZAGEM
TÓPICO 3 – ENSINANDO A DOMINAR O CONTEÚDO, AS HABILIDADES
E OS CONCEITOS
TÓPICO 4 – CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-
APRENDIZAGEM

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

173
174
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —

ESTABELECENDO O CLIMA EMOCIONAL


PARA A APRENDIZAGEM

1 INTRODUÇÃO

Pedimos que você, caríssimo acadêmico, reserve alguns momentos para


refletir sobre suas próprias experiências escolares. Pense em um momento em que
você pode ter sido publicamente constrangido por uma observação insensível de
um professor ou colega de classe. Pense em como você se sentiu imediatamente
após o incidente. Você conseguiu se concentrar na tarefa de aprendizagem após
esse evento? Isso afetou o desempenho da classe desse professor nos dias ou meses
seguintes? Que elementos você mais se lembra da experiência?

Essas são perguntas que fiz a muitos participantes em oficinas, formações


continuadas de professores e aulas de graduação. As respostas são sempre
fascinantes. Aos 57 anos, uma professora chamada Maria, por exemplo, descreveu
uma lembrança vívida de um evento que experimentou aos seis anos de idade. Ela
compartilhou como sua alegria por aprender números foi abafada por sua professora
da primeira série, que criticou seus erros quando lhe pediram para contar de cinco
em cinco. Ela disse que se lembra claramente da professora dizendo: "Sente-se e
esteja mais bem preparada na próxima vez que tentar responder ... nem todos nós
entendemos matemática, assim como os outros". Maria expressou como, depois
dessa observação, ficou com medo de responder a qualquer pergunta feita pela
professora, especialmente em uma aula de matemática. Quando perguntei a ela
como isso afetou seu desempenho em matemática naquele ano escolar, sua resposta
não foi surpreendente. Ela declarou: “Esse incidente afetou meu desempenho em
matemática pelo resto da minha carreira escolar. Evitei o assunto e sempre lutei
com a confiança em qualquer trabalho de matemática no futuro”. A Maria não
foi a primeira a compartilhar uma história da qual se lembrava com tanta clareza
e a ver o incidente como tendo um impacto negativo em sua escolaridade. Um
professor chamado Guilherme compartilhou uma situação semelhante decorrente
de uma apresentação oral em uma aula de estudos sociais do sétimo ano escolar.
O feedback negativo e embaraçoso do professor na frente da turma o levou a se
recusar a falar publicamente pelo resto de sua experiência no Ensino Médio.

Fazer este tipo de pergunta em uma oficina ou aula de formação de


professores pode parecer bastante arriscado, pode parecer estranho para o
público; afinal, a maioria dos palestrantes deseja que o público esteja feliz durante
uma apresentação, e que não os provoque a ter pensamentos desconfortáveis.
Como muitos outros, Maria e Guilherme compartilharam abertamente suas
experiências para ajudar a ilustrar uma ideia crítica: cada uma dessas experiências
compartilhadas demonstra claramente o papel das emoções na aprendizagem.

175
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

Quando colocados em situações como as descritas aqui, a maioria de nós se


envolve em sentimentos negativos ou estressantes e nossa atenção se desvia dos
processos cognitivos superiores necessários para a aprendizagem. Compreender
como a atenção é desviada de seu foco sob estresse é crucial para prevenir que isso
aconteça, especialmente em um ambiente escolar, se é que queremos que algum
aprendizado significativo ocorra.

DICAS

Acadêmico, assista ao vídeo A ligação surpreendente entre estresse e me-


mória, elaborado por Elizabeth Cox, publicado pelo TED-Ed, ele trata o efeito do estresse
na memória na aprendizagem. Disponível em: https://bit.ly/3louIS3.

Os efeitos das emoções no processo de aprendizagem, incluindo como


o estresse impede o aprendizado, mas também como os sentimentos positivos
aprimoram a experiência de aprendizagem, são os primeiros pontos que
queremos explorar nesta terceira unidade. Conforme demonstrado pelo exemplo
descrito anteriormente e pelo presente tópico, definir o clima emocional para a
aprendizagem pode ser a tarefa mais importante que um professor faça todos os
dias. Os estudos da neuropsicopedagogia voltados para o ensino-aprendizagem,
elucidam que este é um dos primeiros pontos que os professores devem considerar,
ou seja, o clima emocional através de duas lentes. Primeiro, eles devem projetar o
clima geral da sala de aula – começando no primeiro dia de aula – para promover
um ambiente de aprendizagem alegre, produtivo e seguro. Segundo, planejar
propositalmente atividades em uma unidade de aprendizagem que proporcionará
aos alunos uma conexão emocional com o conteúdo, tornando o assunto mais
pessoal, relevante e significativo. Neste tópico, exploramos as descobertas das
neurociências e ciências cognitivas que lançam luz sobre a relação entre emoções
e aprendizagem, bem como o que essas descobertas advogam em termos de
estabelecimento de um clima emocional para a aprendizagem.

DICAS

Caro acadêmico, assista ao vídeo O que são habilidades socioemocionais?


publicado pelo canal Futura. O vídeo aborda a empatia, a solidariedade e a tolerância
como algumas das habilidades socioemocionais que temos que desenvolver para convi-
ver em sociedade. A escola é o principal local para fomentar a boa relação com os pró-
prios sentimentos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=muHFMUrkDu4.

176
TÓPICO 1 — ESTABELECENDO O CLIMA EMOCIONAL PARA A APRENDIZAGEM

2 SISTEMAS NEURAIS SUBJACENTES À EMOÇÃO


Para considerar como os professores podem abordar o clima emocional
na sala de aula, devemos entender como o cérebro processa as emoções – sejam
negativas ou positivas – e como esse funcionamento influencia a capacidade das
crianças de atender, perceber e lembrar informações. Embora os pesquisadores
agora reconheçam que várias áreas do cérebro estão envolvidas quando
processamos emoções, os estudos da resposta emocional do cérebro devem
começar com o sistema límbico, que foi amplamente reconhecido como o centro
emocional do cérebro (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). A amígdala,
localizada nos lobos temporais mediais do cérebro, faz parte do sistema límbico
e é uma estrutura importante para processar emoções (PHELPS, 2006; PHELPS;
LEDOUX, 2005). A amígdala está envolvida não apenas em reações emocionais
implícitas, como um evento de medo inesperado, mas também em aprendizagens
emocionais explícitas, como aprender sobre um perigo e lembrar as informações.

Além da amígdala, a aprendizagem emocional explícita envolve o


hipocampo, uma estrutura fundamental envolvida na memória. Podemos saber
intuitivamente que um evento emocionalmente carregado permanece em nossa
memória. Essa relação entre emoção e memória é sustentada por pesquisas
que demonstram que o engajamento da amígdala realmente fortalece as
memórias (FERRY; ROOZENDAAL; MCGAUGH, 1999). Em outras palavras, o
envolvimento da amígdala em memórias declarativas explica por que lembramos
de eventos emocionalmente carregados melhor do que as ocorrências comuns do
dia a dia.

2.1 COMO PERCEBEMOS O MEDO E A AMEAÇA


Um aspecto crítico do processamento emocional e, portanto, da
aprendizagem emocional é como nosso cérebro responde ao medo e à ameaça. Em
particular, nosso cérebro processa ameaça para que possamos pensar e responder
a ela. À medida que recebemos informações de nossos sentidos, o sinal sensorial
é projetado para o tálamo, que envia informações para vários sistemas cerebrais
para processamento, incluindo o córtex, o centro do pensamento. Ao mesmo
tempo, o tálamo envia o sinal para a amígdala para avaliar se o input sensorial
envolve perigo ou ameaça. O sinal, no entanto, viaja do tálamo para a amígdala
por um caminho mais rápido que o sinal enviado ao córtex. Joseph LeDoux
(2001, p. 163) chama isso de “estrada baixa” ou “rota de atalho”, uma rota rápida
que permite ao cérebro se preparar para uma resposta imediata a uma ameaça
potencial. Por outro lado, o sinal projetado no córtex, o “caminho principal” ou
“rota completa”, é mais lento, porém mais profundo em sua análise. Esse sinal da
rota completa, uma vez processado pelo córtex, é encaminhado para a amígdala
para uma resposta emocional mais completa.

Esse sistema duplo de percepção sensorial da ameaça tem seus propósitos.


A rota rápida (o atalho) para a amígdala nos permite agir em uma situação
177
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

potencialmente perigosa antes de conhecermos completamente a extensão da


ameaça ou mesmo se realmente existe um perigo. Em termos evolutivos, o sistema
de resposta rápido, mas incompleto, é necessário para a sobrevivência, pois permite
que um organismo se proteja dos perigos ambientais. No entanto, embora rápido
e eficiente, esse sistema não foi projetado para ser preciso em sua avaliação.
Consistente com essa imprecisão, LeDoux (2001) explica que, quando reagimos ao
medo, nossos sistemas cerebrais são de fato projetados para responder a informações
sensoriais que não foram totalmente analisadas no córtex. Dessa maneira, o sistema
de processamento emocional, principalmente na amígdala, "exerce uma influência
maior no córtex do que o córtex na amígdala, permitindo que a excitação emocional
domine e controle o pensamento" (LEDOUX, 2001, p. 303).

Nossas emoções e pensamentos não são as únicas funções afetadas quando


percebemos a ameaça e o medo. Uma vez que a amígdala sente ameaça, segue-
se uma cascata de respostas físicas. As informações processadas pela amígdala
acionam o hipotálamo, que ativa os hormônios do estresse para preparar o corpo
para a resposta de luta ou fuga e promove mudanças corporais, incluindo elevação
da pressão arterial, aumento da frequência cardíaca e contração dos músculos.
Esse sistema biológico – processamento emocional de ameaças que, por sua vez,
gera uma resposta física – evoluiu como resultado de eventos estressantes que
duravam pouco tempo. Ou éramos capazes de fugir do tigre dentes-de-sabre ou
éramos o almoço. Em nossas vidas hoje, no entanto, o estresse é frequentemente
um evento contínuo e os efeitos dos hormônios do estresse constantes podem não
ser benéficos (JOËLS et al., 2004; SAPOSLKY, 2008). Sabe-se que o estresse crônico
prejudica os sistemas corporais, como os sistemas cardiovascular, digestivo e
imunológico. Além disso, a pesquisa mostrou que o estresse constante pode causar
danos no hipocampo e no córtex frontal, afetando a memória e o processamento
de informações (MCEWEN; SAPOLSKY, 1995).

Nu subtópico a seguir, consideramos com mais detalhes como essas


consequências neurais e fisiológicas do estresse afetam a função cognitiva e a
aprendizagem.

DICAS

Sugerimos a leitura do livro Por que as zebras não têm úlceras? do biólogo
e neurologista Robert M. Sapolsky (2008). Ele apresenta cientificamente uma das mais
consistentes teorias para lidar com o estresse. Os seres humanos são programados
para se preocupar com os problemas antes que eles aconteçam, e continuam a sofrer
seus efeitos mesmo depois de terem acabado. Todo esse estresse gera úlceras, insônia,
depressão, diminuição da libido e inúmeros outros problemas. Este livro constitui um
estudo científicos sobre a qualidade de vida do ser humano.

178
TÓPICO 1 — ESTABELECENDO O CLIMA EMOCIONAL PARA A APRENDIZAGEM

2.2 EFEITOS DO ESTRESSE NA APRENDIZAGEM


Uma área de grande preocupação para as comunidades de pesquisa em
várias disciplinas são os efeitos do estresse na criança em desenvolvimento.
Em particular, um crescente corpo de pesquisa está examinando a relação
entre pobreza e estresse, bem como os efeitos desse estresse na cognição e na
aprendizagem. Bradley et al. (2001) demonstraram uma alta correlação do
estresse infantil associado à pobreza. Eles descobriram, por exemplo, que
crianças em grupos com Status Socioeconômico (SSE) mais baixo tinham menos
oportunidades de aprendizagem e menos assistência de apoio do que aquelas que
moravam em casas com maior SSE. As crianças que vivem na pobreza tendem a
ter menos sistemas de apoio dos pais e de cuidadores e menos oportunidades de
se envolver em experiências informais de aprendizagem. Além disso, o estresse
familiar impulsionado pela pobreza parece ter um efeito no desenvolvimento
cognitivo das crianças. Por exemplo, a pesquisa demonstra diferenças no
processamento neural de atenção seletiva da criança, incluindo a capacidade de
ignorar informações irrelevantes, com base no nível educacional e econômico
da mãe (STEVENS; LAUINGER; NEVILLE, 2009). Além disso, em um estudo
recente de crianças em idade escolar do ensino médio de famílias com baixo nível
socioeconômico, Farah et al. (2008) encontraram relações entre educação dos pais
e desenvolvimento da memória e entre estímulo ambiental e desenvolvimento da
linguagem. Além da memória, a parentalidade demonstrou prever a morfologia
cerebral no hipocampo, uma área associada à memória (RAO et al., 2010). Ou seja,
a parentalidade parece ter um papel importante não apenas no desenvolvimento
da função cognitiva, mas também na maturação do cérebro.

Esses achados são semelhantes aos estudos realizados na população em


geral. Esses estudos laboratoriais não apenas sustentam o efeito do estresse na
aprendizagem, mas também demonstram até que ponto o desempenho de uma
tarefa simples é afetado quando um participante do estudo está sob estresse. Por
exemplo, Schwabe e Wolf (2010) descobriram que, quando colocados em uma
situação estressante enquanto aprendem novas palavras, o desempenho dos
participantes diminuiu em pelo menos 30%. Embora o estresse leve em contextos
específicos possa melhorar o desempenho e a recuperação, o estresse prolongado
parece reduzir a capacidade de adquirir, reter e recuperar informações (JOËLS et
al., 2006).

2.3 ESTRESSE E AMBIENTES ESCOLARES


Dado que o estresse demonstrou afetar a capacidade de aprender,
é imperativo que entendamos os níveis de estresse dos alunos nas escolas.
Educadores e cuidadores esperam que toda criança veja a escola como uma
experiência de aprendizado alegre e convidativa, não como um ambiente de
indução de estresse. Infelizmente, as taxas de evasão e suspensões nas instituições
escolares, bem como histórias de bullying, sugerem o contrário. Mais importante,
os próprios alunos relatam uma história diferente. Estudos sobre o ambiente
179
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

escolar estão começando a lançar luz sobre o mundo emocional dos alunos na
escola. Pekrun et al. (2002), por exemplo, conduziram uma série de estudos para
determinar as emoções que os alunos dizem experimentar durante o dia escolar.
Embora tenha sido citada uma ampla gama de emoções, incluindo emoções
positivas associadas ao aprendizado, a emoção mais frequente identificada
foi a ansiedade, responsável por até 25% de todas as emoções relatadas. Além
disso, os pesquisadores testaram a reação fisiológica a episódios relacionados
ao estresse, testando os níveis de cortisol, um hormônio associado ao estresse.
Não surpreendentemente, eles descobriram que estudantes com alta ansiedade
tinham altos níveis de cortisol. Por outro lado, os estudantes que foram capazes de
empregar estratégias de enfrentamento para reduzir o estresse não produziram
altos níveis de cortisol, sugerindo a importância de incluir atividades intencionais
para reduzir o estresse no ambiente de aprendizagem.

Problemas comportamentais associados à ansiedade também têm sido


associados a níveis de cortisol. A pesquisa de Ruttle et al. (2011) demonstrou que,
quando começam os problemas comportamentais causados ​​pela ansiedade, os
indivíduos aumentam o estresse e os níveis de cortisol que se tornam anormalmente
elevados. Se os problemas comportamentais e, portanto, o estresse continuarem
por um longo período, os níveis de estresse e cortisol se tornam anormalmente
baixos, pois o corpo está tentando se proteger dos efeitos negativos associados
aos altos níveis de cortisol. Infelizmente, essa reação ao estresse contínuo pode
fazer com que os indivíduos não se preocupem ou não se interessem com o
desempenho na escola, o que, por sua vez, leva ao desempenho acadêmico baixo.
O trabalho de Ruttle et al. (2011) sugere que intervenções sejam implementadas
assim que problemas comportamentais forem observados.

À medida que a pesquisa continua demonstrando efeitos comportamentais


e biológicos do estresse na aprendizagem, parece que deve ser dada alta prioridade
à produção de um clima escolar que promova um ambiente de aprendizagem
positivo. Como primeiro passo, os professores podem fazer um "inventário
emocional" para determinar o que pode ser um fator estressante para as crianças.
Esse inventário também deve envolver a avaliação das percepções dos alunos
sobre as causas do estresse, pois essas percepções podem afetar os níveis reais de
estresse.

Em um estudo recente envolvendo crianças e adultos, até crianças pequenas


pareciam estar cientes dos tipos de situações estressantes que impediriam o
desempenho acadêmico. Os participantes foram apresentados a histórias nas
quais o personagem principal experimentou um evento positivo ou negativo
e, em seguida, o personagem teve que realizar uma tarefa cognitiva difícil. Os
participantes foram convidados a prever o desempenho do personagem na tarefa
cognitiva. Até crianças pequenas entendiam os efeitos prejudiciais que eventos
negativos, como uma discussão com colegas, um ambiente barulhento ou até
cabelos bagunçados, podem ter no desempenho (AMSTERLAW; LAGATTUTA;
MELTZOFF, 2009).

180
TÓPICO 1 — ESTABELECENDO O CLIMA EMOCIONAL PARA A APRENDIZAGEM

2.4 O IMPACTO DAS EMOÇÕES POSITIVAS


Vimos como a emoção, especialmente os efeitos negativos do estresse,
afeta a atenção, a aprendizagem e a memória. Como existem efeitos prejudiciais
da emoção negativa na aprendizagem, também existem efeitos benéficos da
emoção positiva na aprendizagem. Por exemplo, Fredrickson (1998) aponta que
emoções positivas influenciam amplas associações cognitivas e resultam em
melhor desempenho em medidas de pensamento criativo. Ela argumenta que
o afeto positivo também leva a um repertório maior de habilidades para criar,
explorar e integrar o conhecimento de conteúdo. Além disso, um estudo mais
recente de Fredrickson e Branigan (2005) constatou que, depois de assistir a filmes
que provocam emoções positivas, negativas ou neutras, as emoções positivas
aumentavam o escopo de atenção dos sujeitos, o pensamento global e as respostas
pensamento-ação (ou seja, descrevendo uma ação que o sujeito executaria dada
a emoção).

Ao estabelecer um clima emocional para a aprendizagem, outro fator


importante a considerar é a motivação para aprender, que pode variar de um
aluno para o outro. De fato, pesquisas recentes de Hart e Albarracín (2009)
demonstraram que indivíduos que normalmente são motivados por metas de
desempenho têm melhor desempenho quando uma tarefa é apresentada como
orientada para a realização (por exemplo, um quebra-cabeça desafiador) em
comparação com quando essa tarefa é apresentada como orientada para diversão
(por exemplo, um jogo divertido). O padrão inverso – melhor desempenho
quando uma tarefa é apresentada como orientada para diversão – é observado
em indivíduos que normalmente não são motivados por objetivos de realização.
Esses resultados destacam a importância do estado dos objetivos no ensino e
na aprendizagem: ambos os grupos de alunos podem ter um bom desempenho
com o tipo apropriado de motivação. Para crianças com baixo desempenho, as
atividades de aprendizagem nas quais os alunos sentem que estão se divertindo,
como em um jogo de aprendizagem ou atividade artística, podem ser importantes
para motivar a aprendizagem e promover conexões emocionais com o conteúdo.

2.5 EMOÇÕES E O ADOLESCENTE


Pergunte a qualquer pai ou mãe de um adolescente como o comportamento
muda nesses anos importantes e você obterá uma lista completa dos problemas
difíceis que acompanham esse importante momento da vida. Agora, os cientistas
estão demonstrando o que professores e cuidadores sabem há muito tempo: a
adolescência é um tempo de rápidas mudanças físicas e emocionais, combinadas
com mudanças sociais desafiadoras; juntos, esses fatores levam a variações de
comportamento. Mais notavelmente, o grupo de pares normalmente substitui o
adulto como fonte de aprovação, e a tendência para comportamentos de risco
e busca de emoção aumenta desde o início da puberdade até o início da idade
adulta (GIEDD, 2009; STEINBERG, 2008).

181
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

Além das mudanças físicas, sociais e emocionais, os padrões de sono


mudam durante a adolescência, como já vimo na Unidade 2 deste livro. De fato,
no início da adolescência, existem mudanças importantes nos sistemas neurais
do sono e nos ritmos circadianos (DAHL, 2004). Além disso, como a tecnologia
facilita o aumento de oportunidades sociais à noite com as mudanças fisiológicas
que levam ao início tardio da sonolência, os adolescentes correm o risco de
privação do sono. Compreender e prevenir essa privação de sono é fundamental,
pois evidências crescentes demonstram que a falta de sono pode criar problemas
de saúde tanto emocionais quanto cognitivos e físicos (STEINBERG, 2008).

Embora a adolescência traga vários efeitos potencialmente negativos sobre


as emoções (e, portanto, sobre a aprendizagem), ao mesmo tempo, os educadores
que gostam de trabalhar com adolescentes não podem deixar de notar os muitos
benefícios dos sentimentos de alta intensidade que fazem parte desse período de
desenvolvimento. O desafio e a recompensa são o processo de esculpir essa paixão
por meio de atividades de aprendizagem emocionantes, autoexpressão nas artes e
colaboração em campos esportivos, em clubes de interesse especial e em projetos
de serviços comunitários.

DICAS

Caro acadêmico, assista ao vídeo Habilidades socioemocionais: como cada


escola deve trabalhar com essa habilidade? publicado pelo canal Futura. O vídeo aborda
o fato de que desenvolver as habilidades socioemocionais é uma das competências pre-
vistas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nesta edição, busca-se responder:
como cada escola deve trabalhar para implementar o desenvolvimento dessas habilida-
des entre alunos e educadores? Disponível em: https://bit.ly/35opDUh

3ESTABELECENDOOCLIMAEMOCIONALDEAPRENDIZAGEM
Seja trabalhando com crianças pequenas, adolescentes ou adultos jovens,
os educadores devem estar cientes de seu poderoso papel no estabelecimento e
manutenção de um ambiente positivo e produtivo na escola e na sala de aula.
Como demonstram nossos exemplos no início deste tópico, mesmo os melhores
professores podem inadvertidamente se envolver em uma prática disciplinar ou
de ensino que induz estresse e inibe a aprendizagem. Se os professores estiverem
preparados com um entendimento básico dos efeitos do estresse na aprendizagem
(conforme apresentado neste tópico), eles serão mais capazes de evitar essas
práticas de indução do estresse.

182
TÓPICO 1 — ESTABELECENDO O CLIMA EMOCIONAL PARA A APRENDIZAGEM

A pesquisa de estudos biológicos e comportamentais informa claramente


os educadores sobre a importância de atividades intencionais para estabelecer
um clima emocional positivo na sala de aula. Quando começamos a projetar
unidades de aprendizagem utilizando o conhecimento proporcionado pela
neuropsicopedagogia, o nosso primeiro alvo deveria conter os seguintes
objetivos: (a) estabelecer e revisar práticas que promovam um ambiente positivo
e (b) projetar atividades que envolvam os alunos emocionalmente no conteúdo ou
habilidades da aula em questão. A seguir, abordaremos cada uma dessas metas e
apresentaremos as áreas a serem consideradas na criação do tipo de ambiente de
sala de aula que apoiará a aprendizagem e será lembrado por muito tempo pelos
alunos como um tempo e local de aprendizagem alegre.

3.1 ESTRATÉGIAS PARA PROMOVER UM AMBIENTE


POSITIVO DE APRENDIZAGEM
Como primeira estratégia, vamos falar da linguagem positiva. Elogiar
os alunos por comportamentos positivos geralmente vem naturalmente para os
professores. Todos os elogios têm efeito igual na aprendizagem e são sempre
produtivos? A pesquisa nos diz que elogios específicos de comportamento são
mais eficazes em reforçar e moldar comportamentos do que elogios generalizados
(MUELLER; DWECK, 1998). Por exemplo, é mais eficaz chamar atenção para
um comportamento específico como: "Cada um de vocês está assumindo
responsabilidades completas em seu grupo de aprendizagem cooperativa", em
vez de simplesmente dizer "Bom trabalho hoje turma".

A linguagem positiva através do elogio ao esforço (por exemplo, "você


parece ter se esforçado bastante nessa tarefa") também mostrou ser mais produtiva
do que o elogio à capacidade (por exemplo, "você foi muito inteligente nessa
tarefa"). Para avaliar os efeitos dessas duas abordagens ao elogio, Carol Dweck
(2008) conduziu vários estudos em uma variedade de contextos com estudantes
de quatro anos de idade até a adolescência. Os resultados indicaram que os alunos
que foram elogiados pela habilidade em uma tarefa tiveram menos sucesso nas
tarefas subsequentes do que os elogiados por seu esforço na tarefa. Por exemplo,
os alunos que foram informados de que eram bem-sucedidos em problemas de
matemática porque eram inteligentes eram menos confiantes e motivados para
resolver problemas mais difíceis do que aqueles que foram informados de que
seu sucesso era devido ao trabalho esforçado.

Assim, elogiar os alunos com base na inteligência parece reduzir a


confiança quando eles encontram uma tarefa difícil, enquanto elogiar os esforços
aumenta a perseverança e o envolvimento. Deveríamos, na comunicação com os
alunos, evitar o uso de “comandos velados” (DELPIT, 1988, p. 289) que disfarçam
a intenção da comunicação. Por exemplo, o professor pode pretender com a
seguinte pergunta: "É aí que a sua tesoura deveria estar?", que seja um comando

183
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

para guardar a tesoura em uma caixa. A criança pode interpretar a pergunta


literalmente como uma pergunta e não responder ao comando indireto. Delpit
(1988) ressalta que os antecedentes culturais podem influenciar se as crianças
compreendem o significado pretendido de um comando indireto ou velado.

Devemos trabalhar para desenvolver uma cultura em sala de aula na qual


a linguagem positiva entre o professor e os alunos, bem como entre os alunos, seja
a expectativa em todos os momentos.

A segunda estratégia eficaz para estabelecer um clima emocional de


aprendizagem é a previsibilidade. Estabelecer rotinas de sala de aula permite
que os alunos saibam o que se espera deles academicamente e socialmente no
contexto da sala de aula. Por exemplo, o uso de exercícios rápidos de revisão ou
redação de diário é uma atividade que muitos professores usam diariamente para
iniciar a aula enquanto estão envolvidos nas atividades de registro de presença
e distribuição de materiais. Muitos professores usam efetivamente estações
de aprendizagem para fornecer regularmente aos alunos as informações e os
materiais de que precisam, como um caderno de tarefas, trabalhos de recuperação
para ausentes, trabalho para crédito extra, formulários necessários para viagens a
campo ou outras tarefas administrativas.

Rituais rápidos e divertidos, como cantigas, sinais manuais, padrões de


palmas, músicas, movimentos ou exercícios de relaxamento, ajudam a motivar e
envolver os alunos e a criar um senso de identidade de grupo. Os rituais também
podem servir como mensagens sociais poderosas que se tornam o padrão para
interações sociais de pares e expectativas de trabalho. Além disso, celebrações pelo
sucesso acadêmico, por eventos culturais especiais ou pelo alcance de objetivos
acadêmicos ou sociais, geralmente contribuem bastante para dar às crianças uma
sensação de pertencimento e criar coesão em grupo.

Uma terceira estratégia seria o foco em eventos emocionais. A maioria dos


professores, enquanto se esforça para promover um ambiente positivo dentro da
sala de aula, experimenta vários fatores fora da sala de aula que estão além de seu
controle, incluindo a vida em casa, as interações entre colegas e os estressores da
sociedade e da comunidade. É necessário lidar e gerenciar esses fatores inevitáveis​​
para criar e manter um ambiente de sala de aula positivo.

Uma decisão que os professores geralmente enfrentam é como lidar


com um evento emocionalmente carregado que os alunos vivenciaram antes
de entrar na sala de aula. Um cenário comum envolve um aluno que entra na
sala de aula perturbado por causa de uma situação em casa, uma briga com um
colega ou uma infinidade de outras causas. O professor pode decidir permitir
que o aluno processe a emoção através do diálogo, pode redirecioná-lo através
do envolvimento em uma tarefa acadêmica ou o professor pode simplesmente
ignorar a emoção do aluno.

Pesquisas recentes podem fornecer algumas respostas na medida em

184
TÓPICO 1 — ESTABELECENDO O CLIMA EMOCIONAL PARA A APRENDIZAGEM

que decisão otimizará o aprendizado subsequente. Rice, Levine e Pizarro (2007)


avaliaram o desempenho dos alunos em uma tarefa acadêmica após um evento
emocional negativo. Depois de ver segmentos de um filme triste, os alunos foram
testados de uma das três maneiras a seguir: (a) foram feitas perguntas aos alunos
que os envolviam no processamento do sentimento de tristeza; (b) foi dito aos
alunos que não sentissem tristeza pela cena emocional e foram redirecionados
para a análise de informações neutras e (c) os alunos receberam informações
neutras para análise, sem nenhuma menção à cena emocional. Os resultados
mostraram que as crianças que foram instruídas a se desfazer tiveram um
desempenho melhor em tarefas educacionais do que aquelas que foram instruídas
a processar seus sentimentos ou aquelas que não receberam reconhecimento do
evento emocional.

Essas descobertas podem ajudar a informar as decisões rápidas e


importantes que os professores enfrentam frequentemente ao lidar com o estresse
emocional dos alunos. Embora certamente algumas situações exijam intervenções
imediatas do professor ou da equipe de apoio, parece que reconhecer a emoção e
redirecionar o aluno pode ser a abordagem mais eficaz.

Continuando com as estratégias, a quarta poderia ser testar a temperatura


emocional. As descobertas citadas anteriormente abordam como lidar com um
evento emocionalmente carregado que um aluno vivenciou. Para gerenciar essas
emoções, os professores devem primeiro discernir se cada criança passou ou não
por esse evento. Em um ambiente de sala de aula movimentada, os professores, e,
especialmente, aqueles que ensinam vários grupos de alunos por períodos curtos a
cada dia, podem achar difícil verificar a "temperatura emocional" de cada criança.
Professores criativos, no entanto, encontram uma maneira de avaliar como as
emoções dos alunos podem influenciar seu envolvimento nas atividades da sala
de aula. Uma dessas professoras, Mariana, que lecionava em uma escola da cidade
com níveis de pobreza elevados, resolveu esse problema com uma estratégia
simples. A cada dia seus alunos da primeira série apareciam na sala de aula
com várias questões que estavam afetando seu desempenho e, como resultado,
impedindo sua capacidade de ensinar à classe e manter a ordem. Para resolver
essa dificuldade, ela projetou um "formulário de temperatura emocional" simples,
com uma série de emoções e adjetivos correspondentes (por exemplo, bom, ruim).
Os alunos foram solicitados a circular como se sentiram naquele dia e a escrever
uma palavra ou frase ou desenhar uma imagem que expressasse sua emoção.
Essa atividade tornou-se uma rotina diária para as crianças que entravam na sala.
Eles pegavam o formulário, o preenchiam e o devolviam em uma cesta antes
de começar o trabalho. A professora relatou dois resultados significativos dessa
atividade. Primeiro, serviu para reconhecer as emoções que os alunos estavam
sentindo, consistentes com os resultados descritos da pesquisa, que permitiu que
eles desvinculassem sua atenção e a redirecionassem para uma tarefa acadêmica.
Segundo, ao revisar suas respostas, a professora teve uma melhor compreensão
do mundo de cada criança e, portanto, poderia tomar melhores decisões sobre
a necessidade de qualquer atividade de acompanhamento ou serviços de
intervenção.

185
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

Uma quinta estratégia seria a conexão na escola com um adulto


atencioso. Medir a temperatura emocional de um grupo de alunos permite que
um professor saiba quais crianças podem precisar de mais apoio de adultos na
escola e na comunidade. A pesquisa demonstra a importância de uma conexão
com um adulto atencioso para a aprendizagem e o desenvolvimento social. Em
uma extensa análise da literatura relacionada ao temperamento das crianças e
seus relacionamentos com adultos, Shonkoff e Phillips (2000, p. 237) enfatizam
a importância de “relacionamentos emocionais seguros com adultos atenciosos
na regulação e desenvolvimento emocional”. Por exemplo, Nachimas et al.
(1996) expuseram crianças a um palhaço que entrou em uma sala e convidou
as crianças a brincar. As crianças que demonstraram ter um relacionamento
seguro com um cuidador não tiveram aumento nos hormônios do estresse,
mesmo que demonstrassem ter medo do palhaço. Por outro lado, as crianças
com relacionamentos inseguros com os adultos apresentaram um aumento
significativo nos hormônios do estresse.

Também existem evidências de que o estilo de cuidado de adultos, como a


parentalidade, altera a fisiologia e a estrutura do cérebro. Em estudos com animais,
a frequente lambida e higiene de um filhote por sua mãe altera a plasticidade do
hipocampo e resulta em maior aprendizagem e memória, mesmo em ambientes
de estresse elevado (CHAMPAGNE et al., 2008). Em estudos humanos análogos,
os bebês que receberam cuidado dos pais na forma de massagem terapêutica
apresentaram níveis reduzidos de cortisol (FIELD et al., 2004). Além disso, as
massagens corporais estimulavam os hormônios de absorção de alimentos que
ajudavam os bebês a ganhar peso.

A importância de se conectar com um adulto atencioso vai muito além


da primeira infância. Em um estudo longitudinal sobre a saúde de adolescentes,
Resnick et al. (1997) pesquisaram mais de 12.000 alunos do sétimo ano ao último
ano escolar, e descobriram que aqueles que relataram um sentimento de conexão
através da presença de um adulto atencioso na escola eram menos propensos a
se envolver em todos os comportamentos de risco estudados, incluindo o uso de
drogas, tabagismo, sexo precoce, violência e pensamentos suicidas. No que diz
respeito à conexão e à educação, os alunos que relatam ter conexões pessoais com
adultos na escola têm um desempenho acadêmico mais forte (WILSON, 2004),
mais frequência (CRONINGER; LEE, 2001) e taxas mais elevadas de conclusão
dos anos letivos (FINN; ROCK, 1997). Eles também são menos propensos a se
envolver em comportamentos perturbadores e violência na escola (LONCZAK
et al., 2002). Finalmente, as interações aluno-professor positivas se correlacionam
com os relatos dos alunos sobre o gosto pela escola (VALESKI; STIPEK, 2001) e
predizem bons resultados sociais e acadêmicos (HAMRE; PIANTA, 2001).

Promover um ambiente acolhedor em que todos os alunos se sintam


conectados a um adulto atencioso deve ser uma prioridade em todas as salas de
aula de todas as escolas. Os professores podem promover a conexão das crianças
na escola ao:

186
TÓPICO 1 — ESTABELECENDO O CLIMA EMOCIONAL PARA A APRENDIZAGEM

• fornecer expectativas consistentes em sala de aula e estratégias justas e não


agressivas para gerenciar processos disciplinares;
• projetar atividades instrucionais rigorosas, envolventes, diferenciadas e
significativas;
• envolver todos os alunos nos cuidados da sala de aula;
• criar oportunidades para tutoria de pares e trabalho em grupo cooperativo;
• comunicar mensagens positivas para crianças e pais através de notas, prêmios
e telefonemas ou e-mails;
• criar metas de aprendizagem individualizadas para cada aluno;
• garantir que cada criança tenha a oportunidade de ser chamada durante a
aula e/ou participar de uma contribuição única, como projetar um quadro de
avisos ou decorar o espaço de trabalho;
• dramatizar a interpretação papéis (role-play) para resolver conflitos,
especialmente por meio de atividades baseadas em conteúdo, como aulas de
literatura ou estudos sociais;
• estabelecer oportunidades para interações entre idades, como aulas com base
em conteúdo, teatro e outros programas de artes e sessões de estudo e leitura
na biblioteca;
• modelar a cordialidade e bondade em sala de aula.

Trabalhar como os alunos a questão do controle e escolha, pode ser a


sexta estratégia. Foi demonstrado em pesquisas que oferecer aos alunos opções
relacionadas ao conteúdo e ao processo de aprendizagem fornece um senso de
agência ou controle sobre os resultados e está associado a níveis crescentes de
motivação e desempenho (WENTZEL; WIGFIELD, 1998). Com orientação e
estrutura apropriadas, os professores podem motivar o desempenho, permitindo
escolhas de conteúdo, métodos e avaliação. No Quadro 1, estão alguns exemplos
em cada área:

187
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

QUADRO 1 – INCENTIVANDO O CONTROLE E A ESCOLHA DOS ALUNOS EM SALA DE AULA

Escolhas dos Escolhas dos métodos Escolhas das avaliações


conteúdos
A demonstração da com-
Dada uma tarefa específi- preensão dos objetivos de
ca (por exemplo, respon- aprendizagem por méto-
der a uma história ou ler dos tradicionais pode ser
um documento histórico), necessária em muitas insti-
os alunos podem escolher tuições escolares por meio
Os alunos podem
uma das várias maneiras de de avaliações padroniza-
ter acesso a centros
demonstrar entendimento, das e avaliações regulares
de atividades que
como um resumo em que do currículo com base em
reforçam as habili-
destacam os principais pon- referências. No entanto, os
dades por meio de
tos da tarefa, uma análise na professores podem com-
várias opções de
qual comparam e contras- plementar essas avaliações,
conteúdo.
tam detalhes com outros permitindo que os alunos
gêneros semelhantes ou um escolham uma forma de
aplicativo em que eles criam arte ou tecnologia para de-
um plano de ação com base monstrar a compreensão
no conteúdo. do conteúdo, habilidades
ou conceitos.

Os alunos podem
escolher entre uma
Atividades de avaliação
seleção de material
que exijam que os alunos
de leitura ou gê-
Dada uma estratégia de res- ultrapassem a mera aqui-
neros de literatura
posta (por exemplo, resu- sição de conhecimento e
que abordam os ob-
mo), os alunos a associam apliquem conteúdo de ma-
jetivos do currículo.
a um modo de resposta neira autêntica permitirão
Nas disciplinas em
adicional, como um projeto um pensamento mais pro-
que o conteúdo é
usando uma forma de arte fundo e fornecerão opções
flexível, os grupos
como música, artes visuais, para que os alunos identifi-
de alunos podem
dramatização, poesia etc. quem um problema, anali-
escolher um tópico,
sem estratégias e planejem
elementos de pes-
planos de ação
quisa e apresentar
os resultados para a
turma.

FONTE: O autor

Como sétima estratégia, sugerimos a aprendizagem social e emocional.


A proliferação de programas formais de aprendizagem social e emocional nas
escolas demonstra a crescente aceitação de que as escolas não podem mais se
concentrar apenas no desempenho acadêmico dos alunos sem também atender as
suas necessidades emocionais e sociais (ZINS et al., 2004). Como destacado neste
tópico, as neurociências e as ciências cognitivas nos mostraram que cognição e
emoções não são sistemas separados, mas estão intrinsecamente conectados em
termos de estrutura e função do cérebro.
188
TÓPICO 1 — ESTABELECENDO O CLIMA EMOCIONAL PARA A APRENDIZAGEM

Pesquisas sugerem que a capacidade de uma criança de reconhecer


e interpretar sinais emocionais tem efeitos a longo prazo no comportamento
social e na competência acadêmica (IZARD et al., 2001). Nos últimos anos, os
programas de aprendizagem social e emocional foram projetados para ajudar
as crianças a reconhecer e gerenciar emoções no contexto do ambiente social
e de aprendizagem. Resultados de pesquisas recentes mostram que esses
programas melhoram o desempenho acadêmico e o desempenho geral da
escola. Em uma metanálise que envolveu mais de 200 estudos de programas de
aprendizagem socioemocional nas escolas, Payton et al. (2008) descobriram que
os alunos obtiveram mais de dez pontos a mais em desempenho acadêmico e
também tiveram melhor frequência escolar, melhores notas e mais interações
sociais dentro da sala de aula. Os programas de aprendizagem socioemocional
incluem promover a conscientização das emoções, regular as emoções por meio
do gerenciamento do estresse, desenvolver a compreensão e a empatia com os
outros, construir relacionamentos e tomar decisões responsáveis.

O treinamento para reflexão e atenção plena (mindfulness) pode ser


tomado como a oitava estratégia. Semelhante aos programas de aprendizagem
social e emocional, a crescente prática de treinamento em atenção plena,
conhecido como mindfulness, para ajudar os alunos a gerenciar o estresse e
melhorar a atenção está ganhando popularidade nas escolas e nas salas de aula.
As intervenções de mindfulness fornecem instruções explícitas nos exercícios de
relaxamento do tipo meditativo e em sessões silenciosas, enquanto observam
os pensamentos e sentimentos. Os resultados da pesquisa com crianças em
idade escolar apontam para melhora na regulação da atenção dos sujeitos, bem
como redução da ansiedade e da depressão após o treinamento em mindfulness
(RAHAL, 2018).

Em um estudo piloto randomizado e controlado sobre mindfulness escolar


e treinamento de ioga para jovens urbanos, Mendelson et al. (2010) sugerem que
esse treinamento reduz reações fisiológicas e cognitivas negativas ao estresse e
melhora a autorregulação. Especificamente, eles descobriram que as crianças
que receberam o treinamento de mindfulness relataram reduções significativas
na “ruminação mental” (pensamentos negativos ou obsessivos), pensamentos
intrusivos que desviam a atenção e excitação emocional negativa.

Um estudo recente do treinamento de mindfulness também mostrou


mudanças na estrutura do cérebro. Hölzel et al. (2011) conduziram um estudo
longitudinal de um programa projetado para ensinar estratégias de atenção
aos alunos. Eles descobriram que a participação na prática de mindfulness está
associada a aumentos na densidade das regiões do cérebro envolvidas com
processos cognitivos importantes para a aprendizagem, como a regulação da
memória e da emoção. Dada a crescente evidência da eficácia do mindfulness e
do treinamento de ioga, os professores podem considerar adicionar momentos
durante o dia escolar para permitir que os alunos tenham a oportunidade de
atenção calma, consciência e reflexão tranquila, como prestar atenção à respiração
ou ter bons pensamentos sobre experiências positivas ou entes queridos e amigos.

189
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

Essa abordagem ao desenvolvimento social e à regulação emocional parece ser


consistente com as recomendações para se concentrar em intervenções positivas,
em vez daquelas voltadas para sintomas comportamentais negativos específicos
(GUERRA; BRADSHAW, 2008).

DICAS

Caro acadêmico, assista ao vídeo Como a atenção plena muda a vida


emocional de nossos cérebros, do neurocientista Richard J. Davidson, em uma palestra
publicada pelo TEDTalk, na qual ele fala sobre suas pesquisas em Mindfulness (Atenção
Plena). Disponível em: https://www.ted.com/talks/richard_j_davidson_how_mindfulness_
changes_the_emotional_life_of_our_brains_jan_2019/up-next.

Todos nós gostamos de uma boa risada, mas o que isso tem a ver com a
aprendizagem? Aqui apresentamos a nona estratégia, o humor. Pesquisas mos-
tram que alunos obtêm pontuações significativamente maior em testes quando a
aula é apresentada com humor em comparação com quando o ensino não incluiu
comentários de humor (SCHMIDT, 1994). Além disso, Masten (1986) descobriu
que crianças que eram capazes de descrever desenhos animados humorísticos
tinham níveis mais altos de competência acadêmica e social. Strick et al. (2009)
também encontraram efeitos positivos do humor. Quando os participantes da
sua pesquisa receberam informações negativas ou neutras seguidas por material
humorístico, demonstrou-se que o humor reduziu significativamente as emoções
negativas dos participantes.

Para os professores que se preocupam por não poder contar piadas ou


não terem uma disposição humorística natural, existem maneiras alternativas
de inserir humor na sala de aula. Inúmeros livros sobre humor na sala de
aula (MORRISON, 2008) fornecem orientações sobre como o humor pode ser
incorporado nas aulas de diversas áreas e conteúdo. Os professores devem ser
cautelosos, no entanto, para evitar sarcasmo ou provocações que possam parecer
bem-humoradas, mas que podem ser prejudiciais e provocar provocações ou
intimidações dos colegas.

Para finalizar, a décima estratégia que você poderá utilizar para


promover um ambiente de aprendizagem positivo é o engajamento nas artes.
Um crescente corpo de pesquisa está apontando para os efeitos positivos das
artes nas experiências escolares dos alunos. Jovens problemáticos, por exemplo,
demonstraram comportamentos pró-sociais mais positivos após receberem
instruções nas artes visuais e performáticas (PSILOS, 2002). E simplesmente
ouvir música por pouco mais de 20 minutos reduz significativamente os níveis
dos hormônios do estresse, cortisol, nos níveis sanguíneos (FIELD et al., 1998). As

190
TÓPICO 1 — ESTABELECENDO O CLIMA EMOCIONAL PARA A APRENDIZAGEM

artes visuais e cênicas envolvem os alunos na comunidade escolar, mas também


parecem fornecer aos alunos habilidades que apoiam áreas acadêmicas como
persistência na tarefa, pensamento visual, colaboração e improvisação (DEASY,
2002).

191
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Além da amígdala, a aprendizagem emocional explícita envolve o hipocampo,


uma estrutura fundamental envolvida na memória.

• Um aspecto crítico do processamento emocional e, portanto, da aprendizagem


emocional é como nosso cérebro responde ao medo e à ameaça.

• O estresse constante pode causar danos no hipocampo e no córtex frontal,


afetando a memória e o processamento de informações.

• Embora o estresse leve em contextos específicos possa melhorar o desempenho


e a recuperação, o estresse prolongado parece reduzir a capacidade de
adquirir, reter e recuperar informações.

• À medida que a pesquisa continua demonstrando efeitos comportamentais


e biológicos do estresse na aprendizagem, parece que deve ser dada alta
prioridade à produção de um clima escolar que promova um ambiente de
aprendizagem positivo.

• Emoções positivas influenciam amplas associações cognitivas e resultam em


melhor desempenho em medidas de pensamento criativo.

• Ao estabelecer um clima emocional para a aprendizagem, outro fator


importante a considerar é a motivação para aprender, que pode variar de um
aluno para o outro.

• Compreender e prevenir a privação de sono é fundamental, pois evidências


crescentes demonstram que a falta de sono pode criar problemas de saúde
tanto emocionais quanto cognitivos e físicos.

• Elogios específicos de comportamento são mais eficazes em reforçar e moldar


comportamentos do que elogios generalizados.

• Elogiar os alunos com base na inteligência parece reduzir a confiança quando


eles encontram uma tarefa difícil, enquanto elogiar os esforços aumenta a
perseverança e o envolvimento.

• Estabelecer rotinas de sala de aula permite que os alunos saibam o que se


espera deles academicamente e socialmente no contexto da sala de aula.

• Reconhecer a emoção e redirecionar o aluno pode ser a abordagem mais eficaz


do que ficar na emoção ou agir com indiferença.

192
• Medir a temperatura emocional de um grupo de alunos permite que um
professor saiba quais crianças podem precisar de mais apoio de adultos na
escola e na comunidade.

• Há evidências de que o estilo de cuidado de adultos, como a parentalidade,


altera a fisiologia e a estrutura do cérebro.

• Promover um ambiente acolhedor em que todos os alunos se sintam


conectados a um adulto atencioso deve ser uma prioridade em todas as salas
de aula de todas as escolas.

• Oferecer aos alunos opções relacionadas ao conteúdo e ao processo de


aprendizagem fornece um senso de agência ou controle sobre os resultados e
está associado a níveis crescentes de motivação e desempenho.

• A capacidade de uma criança de reconhecer e interpretar sinais emocionais tem


efeitos a longo prazo no comportamento social e na competência acadêmica.

• A crescente prática de treinamento em atenção plena, conhecido como


mindfulness, para ajudar aos alunos a gerenciar o estresse e melhorar a atenção
está ganhando popularidade nas escolas e nas salas de aula.

• Alunos obtêm pontuações significativamente maior em testes quando a aula


é apresentada com humor em comparação com quando o ensino não incluiu
comentários de humor.

• As artes visuais e cênicas envolvem os alunos na comunidade escolar,


mas também parecem fornecer aos alunos habilidades que apoiam áreas
acadêmicas como persistência na tarefa, pensamento visual, colaboração e
improvisação.

193
AUTOATIVIDADE

1 As emoções ocupam hoje um papel fundamental nos estudos sobre


aprendizagem. Sabemos que as pesquisas evidenciam que o sistema límbico
está diretamente envolvido com as nossas respostas emocionais. Além disso,
sabemos que a amígdala é uma estrutura cerebral que desempenha um papel
central em nossas experiências emocionais. Sobre a amígdala, as emoções e a
aprendizagem, analise as sentenças a seguir:

I- O processamento da amígdala de memórias e emoções é umas das razões


pelas quais lembramos mais de eventos carregados emocionalmente.
II- O processamento de ameaça ou medo pela rota lenta (ou completa)
para a amígdala permite uma excitação emocional que domina e controla o
pensamento.
III- Amígdala e hipotálamo estão envolvidos com os hormônios do estresse, e
pesquisas indicam que não há relação entre níveis de estresse e aprendizagem.
IV- Estudantes capazes de empregar estratégias de enfrentamento para
reduzir o estresse não produzem altos níveis de cortisol, indicando menor
ansiedade.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.

2 Estabelecer um clima emocional positivo no processo de ensino-


aprendizagem é crucial tanto para professores quanto para alunos. As emoções
estão diretamente ligadas às experiências de aprendizagem, isso significa
que podem ser um obstáculo ou um potencializador para atingir as metas
da realização acadêmica. Sobre as estratégias para promover um ambiente
positivo de aprendizagem, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Ser menos previsível e não estabelecer rotinas de sala de aula.


b) ( ) O docente deve controlar e escolher todas as opções relacionadas ao
conteúdo e processo de aprendizagem.
c) ( ) Verificar a temperatura emocional de cada criança.
d) ( ) Evitar o uso do humor em sala de aula, pois pode causar confusão no
processo de aprendizagem.

3 O uso de estratégias de atenção plena (mindfulness) em psicoterapia e


outras intervenções de saúde já ocorrem há muitos anos. Na última década,
no entanto, o treinamento para atenção plena tem sido apoiado por diversas
pesquisas como uma estratégia eficaz para a aprendizagem. Explique quais
evidências atuais apoiam o uso de mindfulness em contextos de aprendizagem.

194
UNIDADE 3 TÓPICO 2 —

CRIANDO O AMBIENTE FÍSICO E A


EXPERIÊNCIA DA APRENDIZAGEM

1 INTRODUÇÃO
Caríssimo leitor, iniciaremos este tópico com uma breve narrativa de uma
cena. Ao ler este próximo parágrafo, tente imaginar a cena descrita.

Silvia não conseguia acreditar nos olhos quando o carro de sua mãe entrou
na zona de desembarque em frente a sua nova escola. Recentemente, transferida
de outra cidade, Silvia temeu a mudança. Ao olhar para a escola em que agora
se matricularia, sua atitude mudou rapidamente. A frente da escola estava
cheia de belos jardins, uma fantástica cerca esculpida, um playground cheio de
equipamentos convidativos e, ladeando a porta da frente, barris de flores em vasos
de cores vivas. Entrando no saguão da escola, ela viu um caleidoscópio de cores
de murais, obras de arte, esculturas e certificados de prêmios, além de pôsteres
anunciando uma peça teatral da escola e placas de boas-vindas aos visitantes. Ela
ouviu uma música suave vinda de uma sala de aula do jardim de infância e um
canto vindo do auditório. O ambiente físico da escola transmitiu uma mensagem
não dita, entretanto, muito forte para Silvia. Ela mal podia esperar que essa escola
se tornasse sua.

Então, acadêmico, como você pôde visualizar ao ler a cena narrada, o


ambiente físico de uma escola é realmente um mensageiro tácito, mas poderoso.
Do meio-fio à sala de aula, dos salões aos lavabos, dos escritórios à cafeteria,
o ambiente físico não apenas influencia o modo como as crianças se sentem
em relação à escola, mas também afeta seu aprendizado (LYONS, 2001). No
tópico anterior, você foi convidado a rever como o clima emocional molda
comportamentos sociais, cognição e aprendizagem. Com base nesses conceitos,
este tópico se concentra, em um primeiro momento, em como os vários elementos
no ambiente físico de aprendizagem influenciam a atenção e o envolvimento dos
alunos em atividades orientadas a tarefas. Posteriormente, na segunda parte deste
tópico, nos concentraremos na experiência de aprendizagem propriamente dita.

Nosso estudo sobre o ambiente físico de aprendizagem, no contexto


neuropsicopedagógico, começa com um olhar para a atenção, o portal para a
aprendizagem, e como o ambiente da sala de aula pode ser projetado para ajudar
a envolver e manter a atenção e o interesse dos alunos pelo aprendizado. Veremos
a novidade como uma ferramenta para atrair a atenção. Examinaremos também
como o ambiente da sala de aula pode melhorar a aprendizagem e envolver os
alunos através dos recursos físicos de iluminação, som e cheiro, bem como através
de movimento, ordem e beleza.

195
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

2 ATENÇÃO E NOVIDADE
A atenção é a seleção cognitiva de uma sensação, pensamento ou evento.
Entre uma infinidade de estímulos sensoriais, os sistemas de atenção escolhem
seletivamente quais estímulos são filtrados e que se tornam parte do sistema
de resposta consciente (POSNER; PATOINE, 2009). Posner e Rothbart (2007)
identificam três redes neurais ou sistemas de regiões cerebrais interconectadas
subjacentes a aspectos da atenção. A rede de alerta envolve as crianças na tarefa
em questão e é importante para captar sua atenção ao aprendizado; a rede de
orientação mantém a atenção sintonizada com eventos externos, e não com
pensamentos internos; e a rede de atenção executiva inibe pensamentos estranhos,
muda o sistema de atenção para se concentrar em estímulos e regula emoções.

A atenção seletiva ao pensamento consciente é um importante mecanis-


mo de filtragem, pois o cérebro descarta as informações que percebe como nem
relevantes nem úteis. É improvável que você esteja ciente, por exemplo, de suas
roupas tocando sua pele, o zumbido de luzes e eletrodomésticos ou a cadeira em
que você está sentado até que isso seja chamado a sua atenção. O sistema de aten-
ção do cérebro ignora essas informações físicas e sensoriais, a fim de sintonizar
o que considera mais significativo e atraente. Aspectos que o sistema atencional
provavelmente não ignora são novos objetos ou eventos. A novidade no ambiente
aciona os sistemas de alerta e orientação (POSNER; ROTHBART, 2007).

Os professores veem esse sistema atencional no trabalho todos os dias


quando observam como pequenas mudanças no ambiente da sala de aula geram
comentários ou perguntas dos alunos. Quanto tempo dura essa novidade de es-
tímulo? Lamentavelmente, embora a novidade chame a atenção, ela não ajuda a
sustentá-la, pois manter a atenção envolve um processamento de funções executi-
vas mais complexo (POSNER; ROTHBART; DIGIROLAMO, 1999). O novo pôster
que um professor coloca na parede, por exemplo, pode interessar aos alunos a
princípio, mas, se permanecer por um longo período, ele se parecerá com um pa-
pel de parede, misturando-se ao ambiente de fundo e até bagunçando o espaço,
em vez de melhorá-lo . Ambientes visuais imutáveis ​​criam habituação, um termo
usado para descrever como o mesmo estímulo apresentado por um longo perío-
do produz uma redução de interesse ou mesmo tédio (ARIGA; LLERAS, 2011).

Alguns estudos, no entanto, demonstram uma influência positiva da


novidade, não apenas na atenção às informações, mas também na retenção de
informações. Smith, Glenberg e Bjork (1978), por exemplo, descobriram que
alternar a sala onde uma pessoa estuda melhora a retenção. Eles conduziram
uma pesquisa na qual um grupo de estudantes estudou palavras de vocabulário
em uma sala e um segundo grupo estudou as palavras em duas salas diferentes.
Aqueles que estudaram em duas salas tiveram melhor desempenho em medidas
de memória para as palavras do que aqueles que estudaram no mesmo ambiente.
Este estudo e outros demonstram que, quando o ambiente externo é variado, as
informações são enriquecidas e a retenção de conteúdo é aprimorada. Além disso,
Sidney Zentall (1983) argumenta que as crianças expostas a ambientes agradáveis​​

196
TÓPICO 2 — CRIANDO O AMBIENTE FÍSICO E A EXPERIÊNCIA DA APRENDIZAGEM

e imutáveis ​​se tornam adaptadas a estímulos e parecem buscar sua própria


estimulação inovadora, geralmente levando a comportamentos não ideais. Em
pesquisas comparando ambientes imutáveis ​​com os que forneciam novidade, as
crianças nos ambientes imutáveis, com mais frequência não estavam envolvidas
na tarefa proposta e não estavam em seus lugares. Em particular, crianças com
transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) tornam-se aprendizes
menos eficientes nas salas de aula onde os ambientes e as técnicas de ensino eram
monótonos e previsíveis. Elas tendem a buscar sua própria estimulação através
de comportamentos fora da tarefa.

Mudanças regulares no ambiente de aprendizagem parecem ser uma


ferramenta eficaz para captar a atenção e fornecer estímulo visual. Isso pode ser
realizado de várias maneiras, como alterar a disposição dos assentos, girar as
exibições visuais e adicionar objetos que se conectam aos temas das instruções
de conteúdo. Com todas as tarefas da lista diária de tarefas de um professor, é
comum que alterações propositais no ambiente físico fiquem para o final da lista.
No entanto, se considerarmos a importância da novidade para captar a atenção
dos alunos, vale a pena reservar um tempo para fazer alterações simples que
ajudem a envolver os alunos.

Deve-se notar, no entanto, que, embora a novidade seja uma ferramenta


instrucional poderosa e importante, os professores devem encontrar um equilíbrio
entre a necessidade de um clima que demonstre rotinas previsíveis e forneça
novas experiências e mudanças ambientais. Os professores devem tomar essas
decisões com base no que for apropriado para seus alunos.

3 OS EFEITOS DOS ASPECTOS AMBIENTAIS NA ATENÇÃO E


APRENDIZAGEM
A seguir, caro acadêmico, você poderá compreender como
diferentes aspectos do ambiente físico influenciam na atenção e na aprendizagem.

Vamos apresentar questões sobre a iluminação na sala de aula, o som


no ambiente de aprendizagem, os aromas e suas influências nos ambientes de
ensino, os efeitos do movimento na atenção e a importância estética da beleza e
da ordem no processo de aprender.

3.1 ILUMINAÇÃO NA SALA DE AULA


Acender a paixão pela aprendizagem, às vezes, pode ser tão simples
quanto acender uma sala de aula com luz natural e fornecer perspectivas externas.
Ao visitar as escolas, é provável que você veja algumas salas de aula sem janelas,
janelas opacas parecidas com nuvens que fornecem apenas luz filtrada e sem
vista para o exterior ou cortinas de janelas abaixadas para eliminar toda a luz

197
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

natural e as paisagens externas. Talvez os professores acreditem que níveis


baixos de luz acalmem os alunos ou os tornem mais atentos ou pensamento seja
que a vista externa distrai as crianças. Infelizmente, não é incomum ver alunos
sentados em salas escuras com olhos caídos e cabeças apoiadas nas mesas. Tais
salas mal iluminadas influenciam a atividade da glândula pineal na síntese
de melatonina, que desempenha um papel na excitação e na produção de
serotonina, o neurotransmissor que regula o humor (OTT, 1973). Alexander et al.
(1977) postulam que baixos níveis de luz nas salas de aula também podem afetar
a capacidade dos alunos de regularem os ritmos circadianos, o ciclo natural de
sono e excitação do corpo, como já vimos na unidade anterior deste livro.

As janelas na sala de aula são importantes para mais do que apenas fornecer
luz natural. Tanner (2008) argumenta que os alunos cujas salas de aula permitem
visões externas através do olhar pela janela são mais capazes de redirecionar
a atenção para tarefas acadêmicas do que se sua atenção se voltar para outras
atividades, como rabiscar em um caderno. Ele descreve o olhar pela janela como
exigindo "atenção moderada", que é “cognitivamente menos consumidora do que
outros tipos de distração que podem capturar a atenção mais focada dos alunos”
(TANNER, 2008, p. 455).

A pesquisa agora “esclareceu” a importância da iluminação para a


aprendizagem em um ambiente de sala de aula. Em uma pesquisa com mais de
21.000 estudantes, Heschong (1999) estudou o efeito da luz natural no desempenho
dos alunos. Os resultados mostraram que os alunos que estudaram em salas
de aula com maior iluminação diurna apresentaram uma melhora de 20% em
pontuações na avaliação matemática e 26% nas avaliações de leitura. Da mesma
forma, Hathaway (1995) examinou o desempenho dos alunos sob condições
variadas de luz artificial. Ele descobriu que as crianças que estavam em salas de
aula com iluminação que imitavam mais a luz solar natural – luzes fluorescentes
de espectro total com suplementos ultravioletas – tinham saúde, frequência
escolar e desempenho significativamente melhores do que os indivíduos cujas
salas de aula tinham lâmpadas fluorescentes brancas ou de vapor de sódio.

Como um número crescente de estudos mostra os efeitos positivos da


iluminação ideal na aprendizagem (EDWARDS; TORCELLINI, 2002), aqueles
que tomam decisões sobre construção de escolas e práticas em sala de aula devem
levar estas questões em consideração. Os professores nem sempre têm condições
ideais em suas salas de aula quanto a iluminação e talvez precisem se envolver
em alguma solução criativa de problemas para tornar a iluminação da sala de
aula mais confortável e eficaz.

3.2 O SOM NO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM


Imagine dirigir em uma estrada fazendo uma longa viagem. Você está
relaxado e ouvindo sua música favorita no rádio. De repente, você se encontra na
pista errada e é forçado a sair para outra rodovia. Os carros agora estão acelerando

198
TÓPICO 2 — CRIANDO O AMBIENTE FÍSICO E A EXPERIÊNCIA DA APRENDIZAGEM

e passando por você dos dois lados, e seu cérebro agora está em alerta máximo,
tentando descobrir como você voltará ao rumo certo. Qual é a primeira coisa que
você faz?

Se você dissesse, abaixe o volume ou desligue o rádio, você estaria dando


a resposta que a maioria das pessoas faria. Espere, este é o sistema auditivo, o que
isso tem a ver com o seu rastreamento visual? Obviamente, a resposta é "muito"!
Sons de fundo, mesmo músicas relaxantes, podem se tornar uma distração quando
processos mentais superiores são necessários (HOWARD, 2000).

A maioria dos professores concorda que eles têm maior controle do am-
biente visual na sala de aula do que do acústico. As salas de aula são frequente-
mente bombardeadas com ruídos brancos, como o zumbido de luzes e zumbidos
de sistemas de aquecimento e refrigeração, equipamentos audiovisuais e computa-
dores. O ruído também pode vir de corredores, outras salas de aula e sons externos
de tráfego, sirenes e playgrounds. Por fim, às vezes, o uso público de instituições
escolares pode ser uma distração para o aprendizado, especialmente se for usado
de forma inadequada ou com muita frequência durante o tempo de instrução. Ao
contrário do motorista na estrada que pode desligar o rádio, essas distrações não
são tão facilmente extintas.

E, na realidade, a maioria das escolas tem níveis mais altos de ruído de fun-
do do que deveriam. Isso é lamentável, pois as crianças pequenas são especialmen-
te vulneráveis ​​a distrações criadas pelo ruído (NELSON; SOLI, 2000). Smyth (1979)
estudou os efeitos do ruído na capacidade das crianças de recuperar informações
comparando seu desempenho em salas de aula barulhentas com o desempenho
em salas de aula silenciosas. Ele descobriu que crianças em salas de aula baru-
lhentas tiveram desempenho significativamente inferior ao de crianças em salas de
aula tranquilas, com a maior disparidade ocorrendo com crianças mais novas. Da
mesma forma, Hygge (2003) constatou que os adolescentes apresentavam prejuízo
significativo nas tarefas de recuperação e reconhecimento de informações após a
exposição a níveis de ruído simulando sons ambientais típicos.

Os sons de fundo, no entanto, nem sempre são prejudiciais. Foi demons-


trado que a música tem efeitos relaxantes em adultos em estudos experimentais
(GILES, 1990). Consistente com essa pesquisa, os sons no ambiente podem ser
reconfortantes para os alunos e até mascarar o ruído ambiente na sala de aula.
Quando as crianças estão trabalhando em tarefas rotineiras, os sons podem adi-
cionar uma textura de paz e relaxamento ao ambiente da sala de aula. Algumas
ideias para elementos sonoros incluem o seguinte:

• Tocar música de fundo que relaxará os alunos; a música clássica é frequen-


temente usada dessa maneira, mas outros gêneros musicais podem servir ao
mesmo propósito.
• Pendurar sinos de vento em uma janela ou logo acima das saídas de ar, para
que eles tilintem quando os sistemas de ar são ligados.
• Tocar gravações de sons da natureza, como ondas, cachoeiras, gorjeios de
pássaros, gaivotas ou golfinhos.

199
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

• Adicionar fontes de cachoeira que proporcionam o som e a visão da queda


de água.
• Adicionar materiais que produzam sons suaves, como paus de chuva ou pe-
quenos sinos, para sensibilizar as crianças a diferentes sons.

Finalmente, embora todos gostemos dos sons deliciosos que emanam das
salas de aula em que as crianças estão envolvidas em tarefas ativas de aprendiza-
gem, os professores às vezes podem querer reservar alguns momentos durante o
dia escolar para uma reflexão silenciosa. Um bom exemplo dessa prática está em
uma sala de aula Montessori. Maria Montessori (1987) promoveu a prática regu-
lar do silêncio porque acreditava que isso ajudava as crianças a regular a atenção,
desenvolver o controle inibitório e tornar-se mais sensibilizada com os sons do
ambiente.

Os sons nas salas de aula podem e devem variar muito, desde as conver-
sas intencionais que resultam da aprendizagem cooperativa, tarefas de aprendi-
zagem baseadas em projetos até o silêncio necessário, enquanto os alunos estão
envolvidos no aprendizado de uma nova habilidade que requer concentração.
Varia também desde o relaxamento de sons de fundo durante as tarefas rotineiras
a períodos de silêncio que promovem controle intencional e práticas reflexivas.

3.3 AROMAS NA SALA DE AULA


De todas as percepções sensoriais, o olfato tem um papel único no desen-
volvimento humano. O tálamo classifica as informações sensoriais e retransmite
o sinal para as estruturas cerebrais para processamento. A exceção é o input ol-
fativo, que contorna o tálamo e segue um caminho direto para o sistema límbico
do cérebro para processamento por estruturas associadas à emoção e à memória
(GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). Isso pode explicar por que certos odores
produzem lembranças vívidas, como o cheiro da torta de maçã da avó ou a fragrân-
cia de um perfume usado por uma pessoa do seu passado.

Pesquisas sobre os efeitos dos aromas no comportamento humano sugerem


que os aromas desempenham um papel na emoção e na memória (HERZ et al.,
2004). Por exemplo, os resultados mostraram que certos aromas, como laranja e
lavanda, reduzem a ansiedade (LEHRNER et al., 2005). Da mesma forma, sujeitos
de pesquisas mostram melhora na execução de uma tarefa relacionada à atenção
em um ambiente com aromas como lírio do vale e hortelã-pimenta em comparação
com um ambiente sem aromas específicos (BARKER et al., 2003).

Estudos sobre os efeitos de aromas em ambientes de sala de aula demons-


tram resultados semelhantes. Gabriel (1999) relatou uma redução de 54% nos com-
portamentos fora da tarefa após adicionar óleo perfumado à sala de aula. Epple
e Herz (1999) descobriram que os odores podem condicionar experiências emo-
cionais que influenciam o desempenho subsequente. Eles introduziram um aroma
específico aos alunos enquanto realizavam uma tarefa frustrante, associando esse

200
TÓPICO 2 — CRIANDO O AMBIENTE FÍSICO E A EXPERIÊNCIA DA APRENDIZAGEM

aroma à frustração. Ao executar uma tarefa diferente, eles introduziram o mesmo


aroma. Os alunos tiveram um desempenho significativamente pior na segunda ta-
refa quando o aroma foi introduzido em comparação com a mesma tarefa nas con-
dições de nenhum aroma ou outro aroma diferente.

Esses estudos sugerem que os aromas influenciam a emoção e o desempenho


e podem fornecer um ativo ambiental adicional para melhorar a atenção e a memória
dos alunos. Ao perfumar as salas de aula, no entanto, deve-se tomar cuidado para
não introduzir produtos químicos artificiais que possam desencadear alergias.
Produtos naturais, como óleos, podem ser mais seguros para uso em ambientes
com crianças.

3.4 OS EFEITOS DO MOVIMENTO NA ATENÇÃO


Poucos argumentariam com mídia popular que cita o crescente problema
da obesidade e falta de movimento na vida das crianças. Com os avanços da tecno-
logia moderna, a atividade física deixou de se tornar parte natural da vida cotidia-
na. No entanto, como John Ratey (2008) aponta, o exercício está nas raízes de nossa
biologia e influencia fortemente a cognição; mover os músculos produz proteínas
no sangue que afetam a aprendizagem. Hillman et al. (2009) também observam
que o exercício melhora certos processos mentais que regulam o estado de alerta,
atenção e motivação.

Fazer com que os alunos se movimentem no ambiente escolar pode ser


cada vez mais difícil, pois as escolas continuam se engajando na prática infeliz de
reduzir os programas de educação física e recesso para permitir mais tempo de
instrução nas áreas avaliadas para indicativos educacionais. Ainda assim, os pro-
fessores podem oferecer aos alunos oportunidades de movimento dentro da sala
de aula e durante a instrução de conteúdo.

Um movimento propositivo pode ser criado dentro dos ambientes físicos


da sala de aula através do uso de estações de trabalho, espaço de pesquisa, recantos
especiais e cantinhos para leitura ou outras atividades de grupo ou individuais.
Além disso, o movimento durante a aprendizagem pode ocorrer através da inte-
gração das artes, como teatro, dança, ioga e outras formas de movimento criativo.
Discutiremos mais as estratégias de integração artística no decorrer desta Unidade.

3.5 ORDEM E BELEZA NA SALA DE AULA


As filosofias e práticas escolares como Montessori, com foco no ambiente
preparado, e Reggio Emilia, com seu ambiente educacional semelhante a um estúdio
de artes, podem fornecer modelos maravilhosos de uso proposital do ambiente
físico para promover o engajamento na aprendizagem. Nos dois modelos, ordem e
beleza são os principais componentes de uma sala de aula. Maria Montessori, por
exemplo, defendeu fortemente que a aprendizagem é otimizada quando as crianças

201
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

estão em ambientes livres de desordem e esteticamente agradáveis ​​(LILLARD,


2005). Reggio Emilia promove o ambiente como um componente crítico para
permitir que as crianças se desenvolvam e cresçam e para facilitar a comunicação,
interação, criatividade e descoberta (CAROLYNL, 1999).

Contudo, podemos argumentar que nem todos os professores entendem a


importância da ordem e da beleza. Embora pudéssemos localizar muitos exemplos
de ambientes encantadores de sala de aula, também podemos localizar salas de
aula nas quais os espaços verticais estão cheios de pôsteres que nunca mudam e
os espaços horizontais empilhados com pilhas de livros, papéis, projetos e uma
infinidade de outros objetos.

Em resumo, os recursos do ambiente físico de aprendizagem podem atrair


o interesse dos alunos pela aula, proporcionar-lhes uma sensação de conforto e
pertencimento e, finalmente, ajudar a influenciar a atenção e o envolvimento no
aprendizado. Como mais uma ferramenta para facilitar o processo de ensino-
aprendizagem, os professores devem planejar deliberadamente o ambiente físico
à medida que estabelecem as metas e os objetivos de cada nova unidade de
aprendizagem.

DICAS

Caro acadêmico, assista ao breve vídeo Como o espaço físico influencia a


aprendizagem? publicado pela Escola Concept, que traz propostas inovadoras de como
o ambiente físico pode auxiliar na aprendizagem. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=2kbQ4lPwuh4.

4 CRIANDO A EXPERIÊNCIA DE APRENDIZAGEM


No primeiro tópico desta unidade e no subtópico anterior deste tópico, des-
tacamos pesquisas e práticas focadas no estabelecimento de um ambiente de sala
de aula que aprimora um clima emocional positivo para a aprendizagem e cria
um ambiente físico de aprendizagem para promover a atenção e o envolvimento
do aluno nas atividades escolares. Progredindo nas contribuições das pesquisas
neuropsicopedagógicas, agora analisaremos o planejamento de unidades de apren-
dizagem, o roteiro para a instrução.

Neste próximo objetivo, os professores podem usar padrões de conteúdo


e guias curriculares para determinar metas, atividades e avaliações de aprendiza-
gem. Esses elementos-chave podem ser apresentados aos alunos em uma forma
de representação visual (por exemplo, mapas conceituais ou vários organizadores
gráficos), a fim de exibir uma visão geral de como o novo aprendizado se conecta
ao conhecimento anterior, como as atividades resultam na consecução dos objeti-

202
TÓPICO 2 — CRIANDO O AMBIENTE FÍSICO E A EXPERIÊNCIA DA APRENDIZAGEM

vos de aprendizagem e como as avaliações são projetadas para poder demonstrar a


compreensão dos alunos sobre conceitos, habilidades e conteúdo.

Imagine tentar montar um grande quebra-cabeça sem nunca ter visto a


imagem completa normalmente exibida na parte externa da caixa. Sem dúvida,
ter uma imagem de todo o quadro dá mais significado a cada peça individual do
quebra-cabeça. Da mesma forma, quando orientamos o aprendizado, fornecendo
aos alunos uma visão mais ampla ou um "panorama geral", promovemos um en-
tendimento das conexões entre o conhecimento anterior e o novo aprendizado e
demonstramos as relações entre os objetivos de aprendizagem. Isso é consistente
com a propensão do cérebro a procurar padrões e associações entre informações
na vanguarda do pensamento e informações armazenadas na memória (POSNER;
ROTHBART, 2007, p. 205).

Nas instruções organizadas tradicionalmente, os professores geralmente


seguem uma lista sequencial de habilidades, capítulos de um texto ou tópicos dos
contornos do currículo. Esse tipo de instrução costuma passar de um objetivo para
o próximo sem um contexto mais amplo. Embora essa abordagem instrucional pos-
sa promover a aprendizagem de partes específicas do conteúdo, é provável que os
alunos não compreendam os conceitos maiores ou o “quadro geral” essencial para
a compreensão e a memória profundas (Figura 1). Embora alguns alunos possam
fazer essas conexões por conta própria, muitas vezes estão apenas aprendendo fa-
tos isolados com pouca conexão com seu conhecimento anterior ou outro conteúdo.

FIGURA 1 – PROJETANDO A EXPERIÊNCIA DE APRENDIZAGEM

FONTE: O Autor

203
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

Em contraste com a prática típica, conhecemos, há algum tempo, a eficácia


de ensinar explicitamente conceitos globais através de representações visuais, como
mapas conceituais (AUSUBEL, 1960). Estudos demonstraram aumentos no entendi-
mento conceitual, na memória e no desempenho acadêmico ao usar o mapeamento
de conceitos para demonstrar conexões entre os objetivos e atividades de aprendiza-
gem (BOON et al., 2006).

A capacidade de entender como as ideias estão conectadas só será ampliada


se os alunos já tiverem algum conhecimento prévio ao qual novas informações pos-
sam ser relacionadas. Por exemplo, Chiesi, Spilich e Voss (1979) demonstraram que
os alunos que tinham mais conhecimento prévio sobre uma área de conteúdo eram
mais capazes de relacionar e lembrar de informações. Além disso, o conhecimento
prévio parece ser particularmente importante para os alunos com dificuldades de
leitura. Em um estudo, Recht e Leslie (1988) compararam a memória de conteúdo
em leitores fracos e leitores fortes, com ou sem alto conhecimento prévio na área de
conteúdo. Os resultados mostraram que, apesar de pouca capacidade de compreen-
são de leitura, leitores fracos com alto conhecimento prévio se lembram mais do que
leitores fortes sem conhecimento prévio. Juntos, esses estudos sugerem que, além
de apresentar uma imagem global da aprendizagem, os professores também devem
garantir que as unidades de aprendizagem se baseiem no que os alunos já sabem.

4.1 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E PENSAMENTO DE


QUADRO GERAL
Bransdsford, Brown e Cocking (2000) explicam que o conhecimento não é
uma lista de fatos e fórmulas; ao contrário, o conhecimento é organizado em torno
de conceitos centrais ou grandes ideias que moldam o pensamento. Essa visão da
aprendizagem é consistente com um tipo de estrutura cognitiva conhecida como
esquema ou "representação mental do que todas as instâncias de algo têm em co-
mum" (BYRNES, 2008, p. 26). De acordo com os defensores da teoria do esquema,
ter uma compreensão global de elementos comuns em diferentes informações nos
ajuda a categorizar o conteúdo, lembrar as informações com mais eficácia, com-
preender os conceitos mais profundamente e resolver os problemas com mais efi-
ciência. Além disso, o entendimento das conexões entre os elementos auxilia no
pensamento abstrato e no entendimento das relações entre diferentes partes da in-
formação (BYRNES, 2008).

Byrnes (2008) aponta que, diferentemente de outras teorias da aprendiza-


gem, como a teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget, a teoria do esque-
ma não leva em conta os estágios de desenvolvimento da aprendizagem. Ela não
aborda, por exemplo, como o aluno mais novo ou iniciante pode processar o en-
tendimento global de maneira diferente dos alunos mais velhos ou experts. Pes-
quisas recentes, no entanto, fornecem uma imagem mais completa dos estágios
de desenvolvimento em relação ao desenvolvimento do pensamento global. Poirel
et al. (2008) investigaram como o processamento visual evolui durante a infância,
comparando o processamento visual global (imagem geral) ao processamento local

204
TÓPICO 2 — CRIANDO O AMBIENTE FÍSICO E A EXPERIÊNCIA DA APRENDIZAGEM

(partes componentes). Os resultados mostraram que crianças com quatro anos de


idade tendem a se concentrar mais nas partes componentes de uma imagem – ou
no processamento local – do que na imagem geral. No entanto, os resultados tam-
bém mostraram que, além dos quatro anos de idade, as crianças demonstravam
progressivamente uma tendência a processar o quadro geral. Aos nove anos de
idade, os sujeitos tinham uma tendência tipo adulta de processamento global – eles
identificavam mais frequentemente uma imagem em seu quadro geral e ignora-
vam os componentes que compunham a imagem. Esses resultados sugerem que
a apresentação de informações visuais por meio de representações globais, como
organizadores gráficos, é mais eficaz para crianças que começam no ensino funda-
mental, após os anos da pré-escola.

4.2 PLANEJANDO O ENSINO DE UMA UNIDADE DE


APRENDIZAGEM
As pesquisas em neuropsicopedagogia incentivam os professores a pro-
jetar organizadores gráficos que incluam os temas, conteúdos, atividades e ava-
liações gerais que os alunos experimentarão durante a unidade de aprendizagem
(HARDIMAN, 2003). Esse tipo de planejamento global permite que os alunos ve-
jam conexões entre os tópicos, como as atividades se relacionam com os objetivos
de aprendizagem e como demonstrarão a compreensão dos objetivos da aula. Da
perspectiva do professor, neste contexto, o planejamento das unidades de aprendi-
zagem exige uma compreensão completa do conteúdo, além de promover o plane-
jamento interdisciplinar e atividades criativas de ensino. É consistente com a ideia
de “planejamento reverso” defendida por Tomlinson e McTighe (2006, p. 27), na
qual os professores são incentivados a identificar o conteúdo essencial que deve
resultar em aprendizado duradouro, determinar como os alunos demonstrarão
entendimento e planejar atividades instrucionais para cumprir as metas de ensino-
-aprendizagem.

A seguir, descreveremos brevemente várias áreas a serem consideradas no


desenvolvimento e no planejamento de uma unidade de aprendizagem nesta pers-
pectiva neuropsicopedagógica, incluindo a escolha das metas e objetivos de apren-
dizagem, planejamento de atividades, criação de avaliações e exibição de conceitos-
-chave por meio de organizadores gráficos.

4.2.1 Tomada de decisão instrucional: escolha de


conteúdo para metas e objetivos de aprendizagem
À medida que os professores começam a planejar as unidades de
aprendizagem, embasados nas contribuições da neuropsicopedagogia, a primeira
decisão é determinar os conceitos, o conteúdo e as habilidades essenciais que
os alunos precisam conhecer, não apenas para passar na prova avaliativa da
unidade, mas também para o aprendizado a longo prazo.

205
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

Essa tomada de decisão instrucional nem sempre é fácil. Muitos


professores lamentam que eles devam cobrir muito material em pouquíssimo
tempo. Infelizmente, essa abordagem ao currículo com a profundidade de um
pires e a largura de um oceano obriga alguns professores a percorrer rapidamente
o conteúdo e evitar atividades interativas e de solução de problemas que levariam
à retenção de conteúdo a longo prazo, além de tornar o aprendizado mais atraente
para os alunos.

Testes de alto nível em leitura e matemática, testes de padronizados


baseados em currículo, preparação para avaliações do ensino médio e testes
avançados certamente podem moldar as decisões curriculares para professores e
administradores da escola. Ainda assim, muitas vezes é deixado para os professores
fazer escolhas instrucionais quanto às metas e objetivos de aprendizagem, o que
pode exigir a seleção de padrões de conteúdo, guias curriculares e livros didáticos
para determinar o conhecimento e as habilidades que os alunos precisam para
obter sucesso no ambiente educacional e se tornar aprendizes ao longo da vida.

4.2.2 Atividades de aprendizagem


Depois que os professores determinarem as metas e objetivos de
aprendizagem das aulas, o próximo estágio do planejamento é determinar
atividades para envolver os alunos na aprendizagem que levarão à retenção de
conteúdo a longo prazo. As atividades de ensino assumem várias formas, desde
a instrução dirigida pelo professor até a aprendizagem investigativa baseada em
problemas.

Baseados na neuropsicopedagogia, os professores são incentivados a usar


uma variedade de práticas de ensino – formas mais tradicionais de ensino podem
funcionar para alguns objetivos, enquanto em outros casos os professores almejam
envolver os alunos em tarefas mais interativas, como a aprendizagem integrada
às artes ou solução criativa de problemas. A consideração mais importante no
planejamento de atividades de aprendizagem é garantir que sejam propositais e
se relacionem com as metas de aprendizagem. Como Tomlinson e McTighe (2006,
p. 28) apontam, os professores devem evitar atividades que são como “algodão
doce – agradável o suficiente no momento, mas sem substância a longo prazo”.

4.2.3 Avaliando o aprendizado


Nesta fase do processo de planejamento, os professores devem considerar
quais avaliações são necessárias nas aulas, como avaliações padronizadas com
base no currículo ou testes pontuais no final de cada conteúdo lecionado.

Além dessas formas tradicionais de testes, os professores devem considerar


como formas alternativas de avaliação, como as baseadas no desempenho, serão
incluídas na unidade de ensino-aprendizagem, incluindo conceitos sobre como as
206
TÓPICO 2 — CRIANDO O AMBIENTE FÍSICO E A EXPERIÊNCIA DA APRENDIZAGEM

várias atividades e atribuições serão classificadas. Veremos mais sobre a avaliação


no último tópico desta unidade, na qual consideraremos o papel da avaliação na
aprendizagem, bem como as diferentes formas de avaliação.

4.2.4 Uso e organizadores gráficos


O uso de organizadores gráficos no ensino não é algo novo. De fato, os
pesquisadores estabeleceram o importante papel dos organizadores gráficos para
a aprendizagem e para a memória desde a década de 1960 (AUSUBEL, 1960).
Consistente com essas descobertas, muitos professores incluem alguma forma
de representações gráficas de várias formas, incluindo diagramas de Venn,
gráficos de causa/efeito, sequências lineares ou cíclicas, diagramas de aranha ou
organizadores de padrões de conceitos.

O que pode ser diferente para alguns professores, ao se embasarem nas


contribuições da neuropsicopedagogia, é o uso de um organizador gráfico como
estrutura para uma unidade de estudo definida ou uma sequência de habilidades
que pode se estender para o ano letivo. Compartilhar esse organizador avançado
com os alunos também pode assumir várias formas. Às vezes, os professores dão aos
alunos um produto acabado; outras vezes, eles fornecem o início de um organizador
que os alunos completam à medida que a unidade avança. Hyerle (2011) descreveu
“Mapas Mentais” como uma ferramenta para apresentar uma “linguagem visual
comum para pensar e aprender em comunidades inteiras de aprendizagem e são
ensinados aos alunos para que eles aprimorem suas habilidades cognitivas únicas
e transfiram esses processos profundamente em campos acadêmicos” (HYERLE,
2011, p. 3).

207
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A atenção é a seleção cognitiva de uma sensação, pensamento ou evento.

• Posner e Rothbart (2007) identificam três redes neurais ou sistemas de regiões


cerebrais interconectadas subjacentes a aspectos da atenção: a rede de alerta,
a rede de orientação e a rede de atenção executiva.

• A atenção seletiva ao pensamento consciente é um importante mecanismo


de filtragem, pois o cérebro descarta as informações que percebe como nem
relevantes nem úteis.

• Mudanças regulares no ambiente de aprendizagem parecem ser uma


ferramenta eficaz para captar a atenção e fornecer estímulo visual.

• Baixos níveis de luz nas salas de aula também podem afetar a capacidade dos
alunos de regularem os ritmos circadianos, o ciclo natural de sono e excitação
do corpo.

• Os alunos cujas salas de aula permitem visões externas através do olhar pela
janela são mais capazes de redirecionar a atenção para tarefas acadêmicas do
que se sua atenção se voltar para outras atividades.

• Sons de fundo, mesmo músicas relaxantes, podem se tornar uma distração


quando processos mentais superiores são necessários.

• Crianças em salas de aula barulhentas têm desempenho significativamente


inferior ao de crianças em salas de aula tranquilas, com a maior disparidade
ocorrendo com crianças mais novas.

• Os sons no ambiente podem ser reconfortantes para os alunos e até mascarar


o ruído ambiente na sala de aula.

• A prática regular do silêncio ajuda as crianças a regular a atenção, desenvolver


o controle inibitório e tornar-se mais sensibilizada com os sons do ambiente.

• Os aromas desempenham um papel na emoção e na memória.

• Aromas, como laranja e lavanda reduzem a ansiedade; aromas como lírio do


vale e hortelã-pimenta melhora a execução de tarefas relacionadas à atenção.

208
• O exercício está nas raízes de nossa biologia e influencia fortemente a
cognição, produz proteínas no sangue que afetam a aprendizagem, melhora
certos processos mentais que regulam o estado de alerta, atenção e motivação.

• A aprendizagem é otimizada quando as crianças estão em ambientes livres de


desordem e esteticamente agradáveis.

• Estudos demonstraram aumentos no entendimento conceitual, na memória


e no desempenho acadêmico ao usar o mapeamento de conceitos para
demonstrar conexões entre os objetivos e atividades de aprendizagem.

• Alunos que têm mais conhecimento prévio sobre uma área de conteúdo são
mais capazes de relacionar e lembrar de informações.

• A apresentação de informações visuais por meio de representações globais,


como organizadores gráficos, é mais eficaz para crianças que começam no
ensino fundamental, após os anos da pré-escola.

• A consideração mais importante no planejamento de atividades de


aprendizagem é garantir que sejam propositais e se relacionem com as metas
de aprendizagem.

209
AUTOATIVIDADE

1 A atenção é a seleção cognitiva de uma sensação, pensamento ou evento.


Posner e Rothbart (2007) identificam três redes neurais ou sistemas de regiões
cerebrais interconectadas subjacentes a aspectos da atenção. Sobre estas três
redes neurais, analise as sentenças a seguir:

I- A rede de orientação inibe pensamentos estranhos, muda o sistema de


atenção para se concentrar em estímulos e regula emoções.
II- A rede de atenção executiva mantém a atenção sintonizada com eventos
externos e não com pensamentos internos.
III- A rede de alerta envolve as crianças na tarefa em questão e é importante
para captar sua atenção ao aprendizado.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

2 As pesquisas atuais indicam que diferentes aspectos do ambiente físico


influenciam na atenção e na aprendizagem. A iluminação na sala de aula
tem sido um dos focos das pesquisas, trazendo diversas contribuições para
as ciências e práticas educacionais. Sobre a iluminação na sala de aula e sua
implicação para a aprendizagem, analise as sentenças a seguir:

I- Alunos que estudam em salas de aula com pouca ou nenhuma iluminação


diurna apresentam uma melhora de 20% em pontuações na avaliação
matemática e 26% nas avaliações de leitura.
II- Salas mal iluminadas influenciam a atividade da glândula pineal na síntese
de melatonina, que desempenha um papel na excitação e na produção de
serotonina, o neurotransmissor que regula o humor.
III- Baixos níveis de luz nas salas de aula podem afetar a capacidade dos
alunos de regularem os ritmos circadianos, o ciclo natural de sono e excitação
do corpo.
IV- Alunos cujas salas de aula permitem visões externas através do olhar pela
janela são mais capazes de redirecionar a atenção para tarefas acadêmicas.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.

3 As pesquisas atuais indicam que diferentes aspectos do ambiente físico


influenciam na atenção e na aprendizagem. O som no ambiente tem sido
210
um dos focos das pesquisas, trazendo diversas contribuições para as ciências
e práticas educacionais. Sobre o som no ambiente e sua implicação para a
aprendizagem, analise as sentenças a seguir:

I- Crianças em salas de aula barulhentas têm desempenho significativamente


inferior ao de crianças em salas de aula tranquilas.
II- Adolescentes apresentam prejuízo significativo nas tarefas de recuperação e
reconhecimento de informações após a exposição a níveis de ruído simulando
sons ambientais típicos.
III- Os sons no ambiente não são reconfortantes para os alunos pois não
conseguem mascarar o ruído ambiente na sala de aula.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

4 As pesquisas atuais indicam que diferentes aspectos do ambiente físico


influenciam na aprendizagem. Os aromas na sala de aula têm sido um dos
focos das pesquisas, trazendo diversas contribuições para as ciências e práticas
educacionais. Quais são as implicações dos aromas para a aprendizagem na
sala de aula?

211
212
UNIDADE 3
TÓPICO 3 —

ENSINANDO A DOMINAR O CONTEÚDO, AS


HABILIDADES E OS CONCEITOS

1 INTRODUÇÃO
A educação formal baseia-se no pressuposto de que os alunos aprendem
conteúdos, habilidades e conceitos que os ajudarão ao longo da vida. Embora
os debates continuem na arena educacional sobre a importância de adquirir
conhecimento ou de "aprender a pensar", o um modelo de ensino-aprendizagem
baseado na neuropsicopedagogia é construído com base no pressuposto de que
o último (aprender a pensar) é, em muitos aspectos, dependente do primeiro.
Em outras palavras, para serem pensadores eficazes, as crianças devem possuir
o conhecimento necessário para serem alfabetizadas e letradas na sociedade de
hoje e realizar tarefas diárias em alto nível.

Além disso, elas também devem se esforçar para se tornar aprendizes ao


longo da vida – solucionadores criativos de problemas que podem se envolver
em investigações e descobertas. Portanto, neste tópico, você aprenderá maneiras
pelas quais os professores podem promover o domínio das metas e objetivos de
aprendizagem e ajudar os alunos a aprender a aplicar o conhecimento de maneiras
criativas nas tarefas de solução de problemas do mundo real.

Na discussão do último tópico, focamos no "o quê" do ensinar – os


principais objetivos sobre os quais as unidades de aprendizagem, baseadas nas
contribuições da neuropsicopedagogia, são construídas. Sugerimos que você
mostre esses objetivos e as atividades que ajudam os alunos a apreendê-las em
representações visuais para promover um pensar de quadro-geral – tanto em
benefício do professor, que planeja a instrução, quanto em benefício do aluno,
que aprende com a instrução. À medida que continuamos nossa jornada pelas
contribuições da neuropsicopedagogia para o ensino e aprendizagem nas escolas
do século XXI, começamos agora a nos concentrar no "como" do ensinar; isto
é, nas estratégias que os professores podem usar para conduzir os alunos ao
domínio em uma determinada área.

Neste tópico, primeiro consideramos como a aprendizagem depende


fundamentalmente dos processos de memória. Analisaremos os sistemas
de memória humana e discutiremos como as memórias são codificadas e
recuperadas. Em seguida, examinamos as pesquisas das neurociências e das
ciências cognitivas sobre fatores que melhoram a memória de longo prazo no
processo de aprendizagem. Por fim, discutiremos como esses fatores podem ser
aproveitados pelo uso de certas estratégias de ensino, em particular a integração
das artes visuais e performáticas nas atividades da sala de aula.

213
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

2 APRENDIZAGEM E MEMÓRIA
Como estrelas gêmeas, aprendizagem e memória estão intrinsecamente
conectadas. Aprender é a aquisição de novas informações, a memória permite
que essas informações sejam armazenadas e recuperadas conforme necessário
posteriormente. Memórias duradouras para algumas informações são criadas
após apenas uma única exposição, enquanto outras vezes, as memórias se
formam somente após várias repetições. Em 1890, o trabalho seminal de William
James (1950), Os Princípios da Psicologia, descreveu a memória como a lembrança
de "estados da mente" que ocorreram no passado. Influenciada por esse trabalho
inicial, a Teoria do Processamento da Informação surgiu em meados do século
XX como uma maneira de entender como as informações são recebidas e
processadas através dos sentidos, mantidas em sistemas de memória temporária e
potencialmente armazenadas na memória de longo prazo para serem recuperadas
posteriormente para uso no pensamento ou na ação (STERNBERG, 2010). O
modelo prototípico de processamento de informações é mostrado na Figura 2.

FIGURA 2 – O MODELO DA TEORIA DO PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO

ESQUECIMENTO
NÃO EXPRESSADO

INCONSOLIDADO

INUTILIZADO

Armazenamento de
Informação Curto Prazo Armazenamento de
Memória Atenção Consolidado Longo Prazo
Sensorial Sensorial

Loop Esboço
Articulado Visuespacial

Executivo Recuperado
Central

MEMÓRIA DE TRABALHO

FONTE: Adaptada de Sternberg (2010, p. 159)

2.1 TIPOS E PROCESSOS DE MEMÓRIA


Em vez de ser um "recipiente" de informações, a memória é entendida
como uma coleção de sistemas e processos que servem a uma variedade de
funções. Certos "tipos" de memória geralmente se sobrepõem, e as classificações
empregadas pelos cientistas são dirigidas de várias maneiras pelas distinções
entre os vários tipos de informações que as pessoas podem se lembrar. Os
214
TÓPICO 3 — ENSINANDO A DOMINAR O CONTEÚDO, AS HABILIDADES E OS CONCEITOS

cientistas desenvolveram modelos teóricos para sistemas de memória que lidam


com tudo, desde informações sensoriais despercebidas até informações gravadas
em nossas mentes por toda a vida. Embora existam diferenças entre os teóricos
em relação aos detalhes desses modelos, eles geralmente abordam três tipos
diferentes de fenômenos: (a) memória rapidamente fugaz para obter informações
sensoriais; (b) memória de curto prazo e de trabalho (formas de armazenamento
temporário); e (c) memória de longo prazo (o armazenamento relativamente
permanente de informações).

2.1.1 Memória sensorial


A memória sensorial, que dura de milissegundos a segundos, refere-
se ao armazenamento muito breve de grandes quantidades de informações
visuais, auditivas, olfativas ou hápticas do ambiente. A grande maioria dessas
informações nunca chega a outros sistemas de memória; nossos cérebros filtram
cerca de 99% das informações sensoriais porque são irrelevantes (GAZZANIGA,
1998). No entanto, como foi mostrado pela primeira vez para informações
visuais por Sperling (1960), somos capazes de recuperar dados sensoriais por um
curto período após o recebimento, mesmo se não estivermos prestando atenção
conscientemente a eles. Por exemplo, mesmo quando não estivermos ouvindo
ativamente, poderemos repetir a última palavra que ouvimos de um comercial
de televisão, porque as informações auditivas persistem brevemente em nossa
memória sensorial como uma espécie de "eco" que podemos reproduzir. No
entanto, esse tipo de memória é passageiro e as informações sensoriais não são
processadas mais por outros sistemas de memória, a menos que algum tipo de
significado seja atribuído ao estímulo (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006).

2.1.2 Memória de curto prazo e de trabalho


A “Memória de Curto Prazo” e a “Memória de Trabalho” são frequente-
mente usadas de forma intercambiável na literatura sobre memória para descre-
ver o armazenamento temporário de informações. Embora essas formas de me-
mória provavelmente compartilhem alguns dos mesmos mecanismos neurais ou
cognitivos (UNSWORTH; ENGLE, 2007), os modelos de memória de curto prazo
e de trabalho são conceitualmente distintos e explicam fenômenos um pouco di-
ferentes (NADEL; HARDT, 2011). Fundamentalmente, a memória de curto prazo
refere-se ao armazenamento temporário de informações que foram recebidas por
até 20 segundos (embora esse intervalo possa ser aumentado se as informações
forem ativamente ensaiadas mentalmente). A memória de trabalho, por outro
lado, refere-se a um sistema cognitivo mais complexo, no qual as informações são
mantidas na consciência de uma pessoa para realizar cálculos ou manipular essas
informações de alguma maneira.

A primeira teoria aprofundada da memória de trabalho (e a mais conhe-


cida) foi oferecida por Baddeley e Hitch em 1974. Eles criaram um modelo para

215
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

descrever os processos básicos pelos quais as informações são recebidas, manti-


das e recuperadas. As informações mantidas na memória de trabalho geralmente
vêm do ambiente – por exemplo, preços que são lembrados para fazer aritmética
mental e descobrir quanto é economizado com um desconto (BADDELEY; AN-
DERSON; EYSENCK, 2011). No entanto, a memória de trabalho também é usada
para recuperar e manipular informações já armazenadas na memória de longo
prazo. Por exemplo, a memória de trabalho é o que permite lembrar os compro-
missos agendados anteriormente para descobrir quando agendar um novo.

Na proposta de Baddeley e Hitch (1974 apud BADDELEY; ANDERSON;


EYSENCK, 2011), a memória de trabalho possui três componentes: (a) um execu-
tivo central que recebe informações dos sentidos ou da memória de longo prazo,
que ativa; (b) o “loop fonológico” (para informações verbais); ou (c) o “esboço
visuoespacial” (para informações visuais/espaciais). Esses dois últimos compo-
nentes da memória de trabalho servem para manter as informações dentro da
percepção consciente, para que as informações possam ser usadas. O ensaio de
repetição de novas informações no loop fonológico ou no esboço visuoespacial
pode contribuir para a formação de memórias de longo prazo, assim como o pro-
cessamento mais profundo associado à realização de operações mentais sobre in-
formações. Normalmente, no entanto, uma vez que as informações do ambiente
externo são tratadas, elas não são mais necessárias e são perdidas da memória.

É importante abordar aqui a crença popular de que a memória de curto


prazo e/ou de trabalho tem capacidade para aproximadamente sete itens. Essa
crença foi gerada pelo artigo de Miller, publicado em 1956, sobre "o número má-
gico sete", no qual ele observou que a capacidade das pessoas de processar infor-
mações parece, em uma variedade de casos diferentes, limitada a sete (mais ou
menos dois) "itens", cujos itens incluem itens como dígitos ou palavras (BADDE-
LEY; ANDERSON; EYSENCK, 2011). Após o trabalho de Miller (1956), muitas
pessoas subsequentemente chegaram à conclusão de que a capacidade de memó-
ria de curto prazo ou de trabalho em geral é limitada a sete itens ou "pedaços de
informações". Essa conclusão é uma interpretação exagerada do artigo de Miller
e, desde a sua publicação, vários contraexemplos e fatores atenuantes (por exem-
plo, experiência em um determinado domínio, prática etc.) foram reconhecidos
(SHIFFRIN; NOSOFSKY, 1994).

Fundamentalmente, Miller (1956) pretendia apenas destacar a capacida-


de limitada das pessoas para processamento de informações (BADDELEY; AN-
DERSON; EYSENCK, 2011). No entanto, a ideia de que a capacidade da memória
de trabalho é estritamente limitada a sete itens ainda persiste como mito – apesar
das evidências mais recentes, como a oferecida por Cowan (2001), de que, se for
razoável atribuir à memória de trabalho um limite geral desse tipo, esse limite
provavelmente está mais próximo de cerca de quatro pedaços de informação.

Tornando mais complexo ainda, essa conclusão é baseada na suposição


de que as informações podem ser prontamente divididas em partes óbvias. Em
muitas situações práticas, não há uma maneira óbvia de agrupar informações e,
portanto, pouca ou nenhuma justificativa para transformar o conteúdo instru-

216
TÓPICO 3 — ENSINANDO A DOMINAR O CONTEÚDO, AS HABILIDADES E OS CONCEITOS

cional em um número pré-determinado de blocos ou pedações de informação.


Em vez disso, os professores devem simplesmente confiar em suas intuições e
procurar maneiras relativamente naturais de agrupar informações. Para qualquer
tarefa, o importante é apenas que os professores pensem sobre a quantidade de
informações que um aluno possa precisar manter dentro de sua consciência de
uma só vez, procurem maneiras úteis de agrupar essas informações e evitem so-
brecarregar cognitivamente os alunos com muitas partes isoladas de informação.

2.1.3 Memória de longo prazo


A memória de longo prazo refere-se à retenção de informações (sem en-
saio ativo) por uma quantidade significativa de tempo, seja anos ou a vida toda.
Embora as informações que não são recuperadas de vez em quando tendem a ser
esquecidas ao longo do tempo, o volume total de informações que podem ser ar-
mazenadas na memória de longo prazo é ilimitado para todos os efeitos práticos.
Uma distinção abrangente importante na memória de longo prazo é a diferença
entre memória explícita e implícita. Distinções adicionais entre diferentes formas
de memória podem ser consideradas dentro de cada um desses títulos amplos.

Toda a memória explícita também pode ser descrita como memória de-
clarativa. Essa forma de memória lida com o conhecimento de que estamos cons-
cientes, como eventos que ocorrem em nossas vidas ou informações que adqui-
rimos conscientemente. Quando lembramos de eventos do passado, como atuar
em uma peça de teatro ou ganhar uma partida de futebol, isso é chamado de
memória episódica. A memória episódica não funciona armazenando e recupe-
rando todas as informações associadas a um evento. Como Squire e Kandel (2003)
explicam, ao contrário de uma câmera de vídeo, não somos capazes de simples-
mente registrar mentalmente os eventos exatamente como eles ocorrem. Sem-
pre que lembramos de um evento, usamos as principais informações lembradas
para reconstruir a experiência. Isso às vezes resulta em alterações nos detalhes ou
imprecisões ou embelezamentos mais significativos. A memória episódica geral-
mente é contrastada com a memória semântica, que se refere à nossa capacida-
de de lembrar fatos ou conceitos – proposições sobre o mundo, significados de
símbolos e palavras, regras gramaticais, usos para objetos, ideias matemáticas e
assim por diante. Ambos os tipos de memória declarativa, episódica e semântica,
são críticos para permitir-nos acessar e usar nosso conhecimento para que possa-
mos conduzir nossa vida cotidiana.

Fundamentalmente, a memória implícita refere-se a experiências que


lembramos sem consciência de que a aprendizagem está ocorrendo. Embora
existam vários tipos de memória implícita, a mais importante a distinguir é a
memória procedural ou processual. A memória procedural é frequentemente
contrastada com a memória declarativa e suporta nossa capacidade de "saber"
fazer algo sem pensar nisso. A memória procedural explica por que podemos
aprender a executar determinadas tarefas sem poder dizer com precisão como
as estamos realizando. Por exemplo, quando aprendemos a andar de bicicleta,

217
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

há algumas coisas relativamente vagas que outras pessoas podem nos pedir para
fazer (por exemplo, "empurrar os pedais", "manobrar" etc.), mas, na maioria das
vezes, aprendemos a andar de bicicleta através da prática, tentativa e erro. À
medida que tentamos e tentamos novamente andar de bicicleta, uma grande va-
riedade de processos motores está ocorrendo, e movimentos e ações que levam ao
sucesso são armazenadas em nossos sistemas de memória sem nossa consciência.
A memória procedural é muito importante no ambiente escolar, mas nem sempre
é fácil reconhecer as maneiras pelas quais as crianças dependem dessa memória.
Por exemplo, ao aprender a ler, os alunos adquirem habilidades de decodifica-
ção por meio de exposição e prática repetidas – isto é, por meio de um processo
amplamente oculto de aprendizagem procedural implícita (GAZZANIGA; IVRY;
MANGUN, 2006).

2.1.4 Sistemas de memória na vida diária


Em resumo, embora nossos sistemas de memória sensorial, de curto prazo,
de trabalho e de longo prazo sejam distintos um do outro, eles estão inter-relacio-
nados de maneiras importantes. Além disso, a memória é influenciada por muitos
fatores, incluindo nossas experiências, nossos sentidos, a importância que atribuí-
mos às informações e o que fazemos com as informações depois de recebê-las.

Para considerar como os sistemas de memória funcionam juntos, imagine


o seguinte cenário: em sua escola, é anunciado um pedido para que os profes-
sores participem de uma reunião especial. A reunião será realizada na sala 128
e, enquanto você caminha pelo corredor, passa pelo ginásio iluminado antes de
chegar ao seu destino. Na reunião, o diretor anuncia que a escola receberá uma
verba para 60 novos computadores da Fundação Amigos da Escola. O que você
pode se lembrar dessa experiência e por quanto tempo? Que tipos de memória
serão utilizados?

Primeiro, após o anúncio, você deve ensaiar inicialmente o número da


sala para mantê-lo na memória de trabalho; no entanto, quando a reunião termi-
nar e essas informações não forem mais necessárias, provavelmente serão esque-
cidas em breve. Enquanto você se dirige para a reunião, as instruções para a sala
designada devem ser recuperadas e mantidas na memória de trabalho por tempo
suficiente para que você chegue ao local certo. Ao passar pelo ginásio, a luz de
dentro alcançaria seu sistema visual, mas, a menos que isso tenha alguma impor-
tância ou significado que o levaria a prestar atenção especial, essas informações
sensoriais provavelmente não seriam retidas nem na memória de curto prazo,
e com certeza nem na memória de longo prazo. A Fundação Amigos da Escola
pode ser conhecida por você ou pode não ter nenhum significado; nesse caso, o
nome pode ser retido apenas brevemente na memória de curto prazo. Quando
você souber que a escola receberá 60 computadores, possivelmente manterá es-
sas informações na memória de trabalho para descobrir que, como existem seis
professores, você receberá dez computadores para sua sala de aula. O número
total de computadores que a escola recebeu pode ser esquecido, mas talvez possa

218
TÓPICO 3 — ENSINANDO A DOMINAR O CONTEÚDO, AS HABILIDADES E OS CONCEITOS

ser reconstruído com base no que você sabe. As memórias da reunião em si que
provavelmente permaneceriam na memória de longo prazo seriam aquelas rela-
cionadas aos computadores que você agora vê seus alunos usando diariamente
na sala de aula.

3 NEUROBIOLOGIA DA APRENDIZAGEM E MEMÓRIA


Conforme você já deve saber, o neurônio típico compartilha informações
"disparando" um impulso elétrico em seu axônio, esse impulso causa a liberação
de vários produtos químicos de neurotransmissores em pequenas junções entre
os neurônios chamados sinapses. Do outro lado de cada sinapse, um dendrito
ligado a outro neurônio pega esses neurotransmissores. Se o input excitatório
agregado de outros neurônios atingir um certo limiar, o neurônio que recebe esses
sinais dispara, transferindo o sinal para seus vizinhos. Através desse processo, os
sinais viajam de um neurônio para o próximo por vias neurais complexas que
tecem seu caminho através do cérebro, produzindo todos os nossos pensamentos
e comportamentos. Na década de 1940, Donald Hebb propôs que as conexões
neurais são fortalecidas quando grupos de neurônios estão ativamente gerando
sinais (ou seja, disparando) ao mesmo tempo (FLOR; CARVALHO, 2012). Essa
ideia é a origem da frase frequentemente ouvida “neurônios que disparam juntos,
conectam-se”.

Quanto mais frequentemente os grupos de neurônios disparam


simultaneamente, mais forte e eficientemente os sinais são transmitidos entre
eles, um processo conhecido como potenciação de longo prazo. A ativação
repetida dos circuitos neurais os une em padrões de conectividade subjacentes à
criação de traços ou engramas de memória. Quanto mais frequentemente essas
conexões neurais são usadas, mais fortes elas se tornam, tornando as memórias
mais duradouras e mais fáceis de recuperar.

Através de estudos de pacientes que sofreram danos cerebrais, os cientistas


aprenderam mais sobre a base biológica de sistemas de memória complexos. Os
cientistas descobriram que os danos ao hipocampo, por exemplo, interrompem
a capacidade de formar novas memórias de longo prazo. Eric Kandel (2006),
vencedor do Prêmio Nobel, explica que a memória é uma função mental distinta
da percepção, atividade motora ou capacidade cognitiva, e que sistemas de
memória temporários e de longo prazo desempenham funções separadas e
envolvem diferentes regiões do cérebro. Embora danos no hipocampo possam
afetar a formação de memórias de longo prazo, isso não significa que a memória
de longo prazo esteja localizada no hipocampo. Como é o caso de muitas funções
cerebrais, a história é consideravelmente mais complexa. Embora o hipocampo
tenha se mostrado crucial para a formação da memória, os padrões de atividade
relacionados ao armazenamento e recuperação de informações a longo prazo se
espalham por várias áreas do córtex cerebral.

219
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

A questão de como e por que algumas informações são lembradas a


longo prazo e outras são esquecidas continua sendo objeto de pesquisa em
várias disciplinas. No entanto, alguns entendimentos importantes foram agora
firmemente estabelecidos pela neurociência. Por exemplo, agora sabemos que
o cérebro precisa de tempo para solidificar memórias em armazenamento de
longo prazo, um processo chamado consolidação. Outra descoberta significativa
é que, para a memória temporária, as sinapses usam proteínas existentes dentro
da célula, enquanto a conversão da memória temporária para a de longo prazo
envolve a síntese de novas proteínas reguladoras (KANDEL, 2006).

Em resumo, o aprendizado ao longo da vida requer que novas


informações sejam especificamente consolidadas na memória de longo prazo
para produzir armazenamento permanente. Como educadores, é importante
entender que adquirir conhecimentos que possam ser recuperados e aplicados
posteriormente não é algo que simplesmente acontece. A aprendizagem é um
fenômeno neurofisiológico que ocorre através de processos bioquímicos no
cérebro e no crescimento e reorganização das conexões neurais. Na próxima
seção, examinaremos práticas de ensino que podem facilitar a aprendizagem e
ajudar na criação de memórias de longo prazo, ajudando os alunos a dominar o
conteúdo, as habilidades e os conceitos cruciais para o sucesso acadêmico.

4 INTEGRAÇÃO DE ARTES PARA O DOMÍNIO DE CONTEÚDO,


HABILIDADES E CONCEITOS
Embora a aprendizagem mecânica (memorização técnica baseada na
repetição) certamente tenha sido enfatizada demais no passado, o fato de os
alunos precisarem se lembrar de informações básicas relacionadas ao que estão
aprendendo não pode ser ignorado. Não há como evitar que os alunos tenham a
sua disposição conhecimento de conteúdo (saber que) e habilidades processuais
(saber como). Embora a compreensão conceitual seja um dos principais objetivos
pela qual os professores se esforçam, fatos e habilidades são frequentemente pré-
requisitos para essa compreensão profunda. É impossível entender a subtração,
por exemplo, se você não sabe contar.

Como observado anteriormente, para que as informações sejam retidas,


elas devem passar da memória de curto prazo para a memória de longo prazo.
Em uma revisão de pesquisa sobre fatores conhecidos por melhorar a memória
de longo prazo da informação, Rinne et al. (2011) argumentam que a integração
das artes, o uso das artes como método pedagógico para aprimorar e reforçar os
objetivos de aprendizagem, representa uma estratégia poderosa para ajudar a
garantir que as informações permaneçam nas memórias das crianças. O argumento
é baseado na noção de que muitas formas de prática artística naturalmente
incorporam atividades que foram mostradas em pesquisas das neurociências e
ciências cognitivas para ajudar na retenção de informações. Aqui, consideramos
esses resultados da pesquisa com mais detalhes, pois a integração das artes está no
centro de um processo ensino-aprendizagem baseado na neuropsicopedagogia.

220
TÓPICO 3 — ENSINANDO A DOMINAR O CONTEÚDO, AS HABILIDADES E OS CONCEITOS

Antes de uma análise mais aprofundada da pesquisa, é importante


primeiro distinguir entre educação artística e integração artística. A educação
artística, incluindo o ensino de música instrumental, música vocal, artes visuais,
teatro, dança e escrita criativa deve ser reconhecida como uma importante área
de estudo para estudantes de todas as idades. Embora os defensores das artes
(inclusive eu) concordem que o envolvimento nas artes "por si só" é importante
para todas as crianças, um crescente corpo de pesquisa também está demonstrando
que as artes estão relacionadas positivamente ao desempenho acadêmico e
promovem o desenvolvimento de habilidades cognitivas e capacidades que se
transferem para as principais disciplinas acadêmicas (POSNER; PATOINE, 2009).
Até mesmo aqueles que acreditam que a transferência do tipo mencionado acima
é rara (HETLAND et al., 2007) argumentam que o envolvimento com a atividade
artística ainda serve para cultivar "hábitos mentais" importantes para o sucesso
acadêmico. Isso inclui disposições como persistência no trabalho em tarefas por
um período prolongado, expressão da voz pessoal e autoavaliação reflexiva do
trabalho. Embora essas disposições não estejam associadas a nenhuma área de
conteúdo específica, elas certamente levam a uma aprendizagem mais eficaz.

Todos os três argumentos apresentados anteriormente a favor da instrução


artística – as artes "por si só", como um meio de aprimorar as habilidades
acadêmicas e cognitivas e como uma maneira de promover disposições úteis
– são bons. No entanto, é preciso reconhecer que existe ainda outro benefício
potencial das artes que até hoje foi esquecido; isto é, integrar atividades artísticas
na instrução provavelmente aumentará a memória de longo prazo do conteúdo.

Então, como as artes podem levar a uma memória melhor? A seguir, uma
variedade de efeitos de memória que foram objeto de estudo considerável nos
últimos 30 anos. Embora a instrução convencional também possa ser adaptada
para tirar proveito desses efeitos, defendemos que a instrução integrada às artes
faz o trabalho naturalmente, orientando o planejamento e a implementação
da instrução pelos professores com base em rigorosa pesquisa científica. Os
professores que sentem que não são "artísticos" ou não são altamente treinados
em várias formas de arte não precisam se preocupar; o processo de usar as
artes na instrução não exige que alguém seja um artista habilidoso. Em vez
disso, a integração artística é aumentar o aprendizado através da promoção do
pensamento artístico e dos hábitos de trabalho.

4.1 ENSAIO DE REPETIÇÃO


Uma das estratégias mais importantes para estabelecer a retenção a longo
prazo é o ensaio, o processo de repetir as informações para si ou para os outros,
em um esforço para comprometê-las na memória. Assim como os músculos
são construídos através do uso repetido, as memórias podem ser construídas
através de ensaios de repetição. Há muito tempo se sabe que ensaios de repetição
melhoram a recuperação de informações, especialmente quando os ensaios são

221
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

espaçados ao longo do tempo (RUNDUS, 1971). Estratégias eficazes de ensaio


ajudam a formar traços de memória mais elaborados que unem informações ou
as conectam a outros conteúdos ou conceitos (CRAIK; WATKINS, 1973).

Promover o ensaio durante as instruções parece bastante intuitivo.


Os professores regularmente oferecem aos alunos várias oportunidades para
ensaiar informações em sala de aula e tarefas independentes. Ainda assim, os
professores costumam achar desafiador fornecer uma variedade suficiente de
atividades em um ciclo de aprendizagem compactado, ou seja, promover ensaios
de repetição de informações sem recorrer constantemente aos mesmos métodos e
modalidades (às vezes tediosos). As atividades em várias formas de arte motivam
os alunos a ensaiar informações de maneiras novas e criativas a cada iteração.
Isso permite que os professores mantenham os alunos interessados, reforçando
a aprendizagem em várias ocasiões, com espaço apropriado entre as repetições.
Além disso, o ensino com e através das artes ajuda a motivar a aprendizagem
dos alunos (SMITHRIM; UPITIS, 2005) e promove a atenção sustentada às tarefas
(POSNER; PATOINE, 2009).

4.2 ENSAIO DE ELABORAÇÃO


Como observado anteriormente, ensaios de repetição podem criar traços
de memória mais elaborados e aumentar a retenção. Pesquisas também mostraram
que o ato ou ensaio de elaboração por si só é uma maneira eficaz de tornar as
informações mais memoráveis. Isso é particularmente verdadeiro quando as
pessoas relacionam as informações consigo mesmas de alguma maneira (KLEIN;
LOFTUS, 1988). As artes oferecem aos alunos inúmeras maneiras de elaborar
sobre o assunto e relacioná-lo com suas próprias vidas. Por exemplo, os alunos
podem elaborar o que aprendem em qualquer área de conteúdo através das artes
visuais (por exemplo, desenhando uma cena da história ou da literatura na qual
os alunos se colocam), das artes cênicas (por exemplo, escrevendo e encenando
uma peça que retrata um conceito que se aplica a eles), escrita criativa (por
exemplo, poesia ou paródia que demonstra compreensão e inclui fatos e detalhes
importantes) ou quadro (por exemplo, assumindo uma postura corporal para
representar uma cena de uma história ou evento histórico).

4.3 GERAÇÃO
Com frequência, nos programas instrucionais tradicionais, os alunos são
receptores passivos de informações e ideias – ouvem palestras, leem textos e
reproduzem as informações que já receberam, preenchendo planilhas, redigindo
respostas curtas ou escolhendo respostas de perguntas de múltipla escolha.
Existem fortes evidências, no entanto, de que quando as pessoas não apenas
fornecem informações por escrito ou por forma oral, mas geram essas informações
em resposta, sua lembrança dessas informações é significativamente melhorada
(SLAMECKA; GRAF, 1978).

222
TÓPICO 3 — ENSINANDO A DOMINAR O CONTEÚDO, AS HABILIDADES E OS CONCEITOS

Embora a robustez do efeito de geração esteja bem estabelecida, sua causa


continua sendo motivo de algum debate. Alguns argumentaram que o efeito
de geração surge de um processamento mais profundo da informação (KANE;
ANDERSON, 1978) ou de um maior esforço cognitivo em relação ao simples
recebimento de informações (TYLER et al., 1979). Outra possibilidade é que, no
contexto das informações normalmente encontradas na vida cotidiana – a grande
maioria das quais é simplesmente recebida – as informações que são geradas são
incomuns e são mais processadas e mais lembradas como resultado (MCDANIEL;
BUGG, 2008).

Em geral, se os professores identificarem o conteúdo que é importante e


procurarem maneiras de fazer com que os alunos gerem informações relevantes,
isso fará com que o conteúdo fique mais bem armazenado. Embora possa parecer
assustador tentar encontrar maneiras de convencer os alunos a gerar informações,
as artes podem ser uma ferramenta muito útil para fazer exatamente isso. Por
exemplo, se for solicitado aos alunos que representem ideias visualmente, eles
naturalmente gerarão detalhes que, de outra forma, poderiam ser contados a
eles, e esses detalhes serão retidos melhor. A geração de informações através da
arte também envolve os alunos em várias formas de pensamento divergente –
pensamento que leva a uma variedade de possíveis resultados ou soluções. A
questão do pensamento divergente será abordada com mais profundidade
quando considerarmos a solução criativa de problemas no próximo tópico desta
unidade.

4.4 ENAÇÃO
A enação envolve representar fisicamente informações ou ideias e é
naturalmente parte de atividades como encenação ou improvisação teatral.
Estudos demonstraram que a retenção de informações é aprimorada quando os
participantes executam ativamente uma frase de ação em vez de simplesmente ler
a mesma informação (MOHR; ENGELKAMP; ZIMMER, 1989). Atuar geralmente
envolve algum tipo de atividade motora, e Mohr, Engelkamp e Zimmer (1989)
argumentam que isso ajuda na memória. No entanto, também é possível que por
serem “incomuns” as informações em enação – como as informações geradas –
seja o que faz com que fiquem retidas na memória (MCDANIEL; BUGG, 2008).
Além de melhorar a memória para obter informações, a enação também tem o
benefício, como a geração, de envolver os alunos em pensamentos divergentes.

223
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

NOTA

Enação é um estrangeirismo para enact, em inglês, que é utilizado como


atuação, no sentido teatral. De acordo com a teoria enativa – e em congruência com
a teoria autopoiética –, cada ser vivo é considerado como um sistema autônomo, por
possuir um fechamento operacional – é, então, auto-organizado. A autoprodução do
sistema vivo só é possível por ele estar imerso em um mundo, que não se separa dele,
apenas define sua autonomia. Na enação o conceito de autopoiese é deixado em segun-
do plano, focando a autonomia. A autonomia é um fechamento com base no qual um
sistema seleciona ou enage um domínio de significância. [...] Na enação, o que fazemos
se constitui no momento presente mantendo sempre relação sensório-motora com o
mundo, a partir do fato de estarmos sempre imersos nele, estruturas cognitivas emergem
dos tipos de padrão sensório-motor recorrente que permitem à ação ser perceptualmen-
te guiada.
A ênfase sensório-motora é um dos fatores que contribui para um melhor detalhamento
do processo em relação à teoria autopoiética. Toda cognição, neste sentido, tem anco-
ragem sensório-motora, mesmo as mais abstratas. O saber-sobre (know-what) é também
um saber-fazer (know-how), visto que toda experiência tem sempre um caráter de ação
e de atualização dos modos anteriores de operar. O novo (o que se aprende) é cons-
truído com base em uma problematização do que já se sabe, na ação e parte de uma
modificação das coordenações sensório-motoras (GAVILLON, 2019, p. 36-37).

O uso da enação dramática como uma ferramenta de ensino – da encenação


simples à encenação de produções teatrais completas – demonstrou ter efeitos
positivos na aprendizagem (DEASY, 2002). Catterall (2009) esboça um compêndio
de estudos que demonstram como a enação dramática em contextos acadêmicos
tem uma influência positiva no desempenho escolar (por exemplo, compreensão
de histórias, análise de personagens, proficiência em escrita) e habilidades sociais
(por exemplo, interações entre pares, habilidades de resolução de conflitos,
autoconceito). Os processos físicos e mentais envolvidos na interpretação do
material, em vez de simplesmente lê-lo ou ouvi-lo, têm o poder de consolidar o
conteúdo direcionado na memória de longo prazo. E não se deve esquecer que a
enação dramática é simplesmente divertida, e as atividades que os alunos acham
divertidas são recursos óbvios para os professores.

4.5 PRODUÇÃO
O efeito de produção descreve melhorias na memória que surgem quando
as palavras são produzidas em voz alta e não em silêncio (MACLEOD et al., 2010).
Em um contexto em que o material circundante é lido, a produção oral de palavras-
chave ou frases os torna distintos, Ozbuko e MacLeod (2010) argumentam que é
isso que faz com que sejam mais bem retidos.

224
TÓPICO 3 — ENSINANDO A DOMINAR O CONTEÚDO, AS HABILIDADES E OS CONCEITOS

Os professores que enfatizam a aprendizagem multissensorial, seja através


de materiais baseados em múltiplas inteligências, programas formais para alunos
com dislexia ou simplesmente por puro instinto, há muito reconhecem o valor
do uso de várias modalidades para tarefas expressivas da linguagem. As artes
cênicas fornecem um caminho natural para os alunos produzirem oralmente o
conteúdo principal de maneira criativa e elaborada. Formas de arte como música,
poesia e esquetes fornecem veículos igualmente poderosos para a produção oral
de conteúdo que os professores desejam que os alunos lembrem a longo prazo.

4.6 ESFORÇO POR SENTIDO


O conceito de "esforço por sentido" foi descrito pela primeira vez por um
dos pioneiros da psicologia moderna, Frederic Bartlett, em 1932 (MIDDLETON;
BROWN, 2016). Esforço por sentido refere-se ao pensamento em que alguém
se envolve para dar sentido aos estímulos no ambiente – por exemplo, frases,
imagens e eventos. Esforço por sentido é um fator importante para a memória;
pesquisas mostraram que, quando as pessoas precisam refletir um pouco sobre
um estímulo para entendê-lo, acabam se lembrando desse estímulo melhor
do que fariam se seu significado fosse mais óbvio (AUBLE; FRANKS, 1978).
Por exemplo, Auble e Franks (1978) apresentaram aos participantes do estudo
sentenças ambíguas, como "o homem estava com fome porque a vara quebrou".
Os participantes se esforçaram naturalmente por um curto período para entender
essa frase. Se tivessem sido informados imediatamente de que "o homem era
pescador", eles não teriam que se esforçar tanto para entender o texto e, portanto,
teriam tido uma retenção mais lenta da sentença a longo prazo. Zaromb e Roediger
(2009) argumentam que o ato de exercer um esforço especial para entender as
informações é uma ocorrência relativamente incomum e, como na geração e
enação, isso leva a um maior processamento e melhor memória para o conteúdo.

O uso do esforço por sentido é algo que ocorre naturalmente quando as


pessoas interpretam a arte. Para entender uma pintura ou um poema, por exemplo,
os alunos geralmente precisam se deparar com ideias antes de poderem entender
o significado do que está diante deles. Se os professores incorporarem o conteúdo
que ensinam em uma obra de arte, os alunos precisarão fazer um esforço para
alcançar a ideia subjacente, e isso provavelmente levará a uma melhor memória
dessa ideia.

Existem amplas oportunidades para colocar conteúdo educacional em


contextos artísticos. Por exemplo, a arte visual é cheia de geometria, e muitos
poemas e músicas fazem referência a figuras e eventos históricos. Quando esse
tipo de informação é apresentado aos alunos através da arte, e não isoladamente,
em um livro ou em uma planilha, os alunos naturalmente precisam fazer um
esforço para entender o material que encontram. E esse esforço não precisa ser
árduo. Com a arte, muitos estudantes farão esse esforço com alegria, porque
acham a arte interessante e estimulante.

225
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

4.7 REPRESENTAÇÃO PICTÓRICA


O ditado de que "uma imagem vale mais que mil palavras" não é mero
folclore. Estudos demonstraram que as pessoas costumam se lembrar melhor das
informações quando apresentadas sob a forma de figuras, em vez de palavras,
mesmo quando a memória é avaliada por meio de medidas verbais (SHEPARD,
1967). Esse "efeito de superioridade da imagem" pode ocorrer pelo menos em
parte porque as imagens são codificadas através de processos mentais visuais
e verbais, enquanto a codificação de palavras requer apenas processamento
verbal (PAIVIO, 1971). Além disso, as imagens podem exigir um nível maior de
processamento conceitual do que as palavras, potencialmente levando a uma
melhor retenção de representações pictóricas (MCBRIDE; DOSHER, 2002).

Programas educacionais que usam imagens visuais como obras de arte
para incentivar os alunos a desenvolver processos e disposições de pensamento
– como curiosidade, observação, comparação e conexão de ideias – são
importantes para a aprendizagem. Por exemplo, os alunos podem visualizar
uma pintura e fazer observações sobre detalhes técnicos da pintura, sua relação
com outros gêneros do período histórico ou o objetivo do pintor em produzir
a obra. O uso de representações pictóricas ajuda a tornar visível o pensamento
dos alunos e promove um processamento conceitual mais profundo por meio
de questionamentos criteriosos, consideração do assunto sob pontos de vista
históricos e sociais e exploração de novos pontos de vista.

Ao contrário das intuições, pesquisas recentes sugerem que crianças


menores de oito anos não exibem melhor memória para figuras do que para
palavras e que o efeito de superioridade da imagem se desenvolve ao longo
do tempo, possivelmente à medida que as crianças ganham uma capacidade
de lembrança autodirigida (DEFEYTER; RUSSO; MCPARTLIN, 2009). No
entanto, isso não significa que crianças mais novas não possam se beneficiar de
representações visuais. Elas certamente podem, especialmente quando expressões
verbais alternativas seriam mais complexas.

4.8 EMOÇÃO E MEMÓRIA


Muitos de nós lembramos detalhes vívidos quando lembramos de
eventos catastróficos. Podemos ter uma lembrança aguçada de imagens visuais
de noticiários e lembrar onde estávamos, com quem estávamos, a hora exata do
dia em que ouvíamos as notícias e até o clima. Para eventos catastróficos ou até
agradáveis, como nascimento ou casamento, nossos cérebros são capazes de criar
"memórias flash" que duram praticamente a vida inteira.

Eventos que produzem memórias e ideias que carregam significado


emocional podem ter efeitos duradouros na aprendizagem. Pesquisas sugerem
que a excitação emocional influencia no que prestamos atenção (TALMI et al.,
2008), e isso pode afetar a memória imediata e a longo prazo. Além disso, as
226
TÓPICO 3 — ENSINANDO A DOMINAR O CONTEÚDO, AS HABILIDADES E OS CONCEITOS

informações que causam excitação emocional positiva ou negativa são lembradas


melhor a longo prazo do que as emocionalmente neutras (CAHILL; MCGAUGH,
1995). Conforme descrito no Tópico 1 desta unidade, também há evidências de
que emoções positivas influenciam a compreensão global e promovem melhor
desempenho nas tarefas de cognição e pensamento criativo (FREDRICKSON;
BRANIGAN, 2005).

As atividades artísticas fornecem a maneira perfeita para os alunos


explorarem o que estão aprendendo através da expressão emocional. Qualquer
forma de atividade artística tem o potencial de criar conexões emocionais com
conteúdos mais ricos e gratificantes do que aqueles alcançados com estratégias de
ensino convencionais. As artes incentivam perguntas provocativas, observações
cuidadosas, exploração de vários pontos de vista e novos modos de interpretação.

5 ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA FORMAR MEMÓRIAS


FORTES
Muitos de nós confiamos na mnemônica ao longo de nossas vidas para
lembrar informações como as várias siglas que representam termos mais extensos.
Para informações que devem ser diretamente comprometidas com a memória, os
mnemônicos funcionam claramente. Os mnemônicos podem assumir a forma de
frases acrosticas. Acrósticos “são sentenças em que as primeiras letras soletram
algo que precisa ser recordado” (FELDMAN, 2015, p. 43). Acrônimos também
são mnemônicos úteis. Acrônimos “são palavras ou frases formadas pelas letras
iniciais de uma série de palavras” (FELDMAN, 2015, p. 43). Os mnemônicos
também podem assumir a forma de rimas e frases. Os mnemônicos podem
permanecer conosco por toda a vida, permanecendo nosso principal meio de
recuperar informações.

NOTA

Mnmônica são sistemas que nos permitem lembrar coisas com mais facilidade.
Às vezes, o termo é usado para descrever qualquer coisa que melhore a memória, inclusive
auxílios externos de memória, porém, o termo mnemônica se refere com mais frequência
a estratégias internas conscientemente aprendidas e que requerem esforço considerável
para colocá-las em prática (WILSON, 2011, p. 94).

Uma meta-análise de pesquisa sobre o uso de estratégias mnemônicas


foi conduzida por Scruggs e Mastropieri (2000). Eles coletaram estudos sobre o
uso de estratégias com letras, estudos sobre o uso de palavras-chave e estudos
sobre o fornecimento de “palavras-cabides” (são palavras que referem objetos
227
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

associáveis a algarismos, podendo depois servir para associar os algarismos a


novo material) nas quais as informações podem ser “penduradas”. Os resultados
da metanálise mostraram que as estratégias mnemônicas são altamente eficazes
para auxiliar a recordação entre grupos etários e para estudantes com e sem
necessidades especiais. Portanto, fica claro que os professores devem fornecer aos
alunos dispositivos mnemônicos para ajudá-los a se lembrar do material. Além
disso, fazer com que os alunos criem dispositivos mnemônicos para si mesmos
– enquanto incentivam a arte e a criatividade – certamente seria uma atividade
divertida e eficaz em classe.

Os professores gastam muito tempo e esforço para facilitar o aprendizado


dos alunos. Em muitos casos, esse é um instinto bom e útil – se os alunos não
conseguirem entender ou digerir o material que está sendo ensinado, certamente
não aprenderão isso com maestria. No entanto, como foi visto na seção anterior,
sobre como as artes envolvem os alunos em "esforço por sentido", às vezes
tornando as coisas um pouco mais difíceis pode realmente levar a um aprendizado
melhor. Isso certamente não é verdade em todos (ou mesmo na maioria) dos
casos, e qualquer esforço para introduzir dificuldades deve, é claro, ser realizado
com cautela. No entanto, é importante considerar pesquisas recentes indicando
que dificuldades crescentes às vezes podem ajudar a memória. Por exemplo,
Diemand-Yauman, Oppenheimer e Vaughan (2011) mostraram que tornar os
materiais escritos um pouco mais "disfluentes" – isto é, tornar um pouco mais
difícil para nossos sistemas de percepção lidar com o que lemos – pode levar
a uma maior profundidade no processamento e, portanto, melhor retenção de
material.

Todo mundo provavelmente já teve a experiência de ler um livro ou


artigo apenas “olhar por cima” de um parágrafo sem realmente processar o que
está nele. Quando você chega ao final do parágrafo, inevitavelmente se pergunta:
"O que eu acabei de ler?" Parece que isso ocorre porque talvez se esteja lendo
um pouco fluente demais. Ou seja, um bom leitor provavelmente é capaz de ler
distraidamente o texto sem realmente processar ou entender o que esse texto
está dizendo. Diemand-Yauman, Oppenheimer e Vaughan (2011) mostraram –
em um ambiente de ensino médio da vida real – que simplesmente mudar os
materiais impressos para uma fonte um pouco mais difícil de ler levou a ganhos
substanciais no desempenho do curso, provavelmente devido a um aumento
no processamento de informações (é importante observar que esse aumento na
dificuldade não foi grande o suficiente para ser percebido pelos alunos).

A lição aqui não é que os professores devam dificultar o máximo possível


as tarefas de aprendizagem. Em vez disso, como os professores certamente
sabem, às vezes o nível de atenção e foco dos alunos pode escorregar e, portanto,
apresentar informações em formatos que exijam que os alunos processem
informações mais minuciosamente pode ser uma boa ideia. Obviamente, ninguém
gostaria de dificultar uma tarefa para um aluno que já está com dificuldades.
Pesquisas mostram, no entanto, que os professores talvez pensem de tempos em
tempos sobre como dificultar as tarefas de certas maneiras, especialmente se a

228
TÓPICO 3 — ENSINANDO A DOMINAR O CONTEÚDO, AS HABILIDADES E OS CONCEITOS

diferença não for perceptível para os alunos, pode potencialmente levar a ganhos
de aprendizagem. Muitas vezes, a incorporação de informações nas artes pode
fazer exatamente isso.

A fragmentação ou a separação em blocos também ajuda a memória ao


agrupar itens de maneira organizada, para que possam ser recuperados mais
facilmente do que itens em uma lista não estruturada. Os números de telefone
e do CPF, por exemplo, são mais fáceis de lembrar, criando grupos menores
de números separados por hifens. Um dos estudos mais conhecidos sobre o
uso de fragmentação ou blocos foi realizado por Chase e Ericsson (1981) com
um estudante de graduação que treinou por um período de cerca de dois anos
para memorizar longas sequências de dígitos. A princípio, o estudante tinha um
intervalo de dígitos de cerca de sete, o que é comparável ao da pessoa média. Nos
dois anos seguintes, no entanto, o estudante conseguiu aumentar o intervalo de
dígitos para cerca de 80 dígitos.

Então, como ele conseguiu esse feito? Acontece que o estudante


em questão era um corredor ávido de longa distância e começou a digitar
pequenas sequências de dígitos de forma que correspondessem aos tempos de
execução para várias distâncias. Com o tempo, o estudante desenvolveu mais
interpretações que poderiam ser dadas a sequências de números, como idades
ou anos, e, eventualmente, ele poderia fragmentar sequências extremamente
longas em blocos que pudessem receber significados distintos e se comprometer
a memorizar a ordem destes blocos.

Agrupar informações para os alunos e ensiná-los a agrupar as informações


por conta própria é algo que todos os professores devem fazer quando apresentam
muitos itens individuais que precisam ser comprometidos com a memória. Como
discutido anteriormente, não há receita única para o tamanho e o número de
blocos. O importante é simplesmente que cada bloco seja gerenciável o suficiente
para que os alunos mantenham alguns deles em mente a qualquer momento.
Como visto no exemplo do estudante anteriormente, dar aos blocos significados
ou interpretações pode ser uma grande ajuda. Os alunos podem dividir as
informações em categorias para ajudar a organizar o que aprendem. Por exemplo,
os alunos podem usar um diagrama de Venn para categorizar itens com base
em propriedades compartilhadas e não compartilhadas. Código de cores em
displays visuais também pode auxiliar na informação de fragmentação. Os alunos
podem usar canetas coloridas diferentes para agrupar itens semelhantes ou criar
colagens que demonstrem visualmente como as informações estão relacionadas.
Se os alunos se lembrarem de que há um “bloco azul”, um “bloco vermelho” e um
“bloco verde” e depois se lembrarem da composição de cada bloco, isso facilitará
muito a lembrança de todo o conjunto de informação.

A intercalação também é uma grande ajuda para a memorização. Ela se


refere ao processo de ordenar intencionalmente tarefas de aprendizagem para
que a mesma tarefa não seja executada várias vezes seguidas. Ao contrário das
estruturas em conjuntos (aaa, bbb, ccc), as estruturas intercaladas misturam tarefas

229
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

(abc, bca, cab). Demonstrou-se que intercalar sessões práticas ou apresentações


de material aumenta o desempenho e a retenção das tarefas em relação ao que é
alcançado usando um formato em conjunto. Por exemplo, Kornell e Bjork (2008)
descobriram que os sujeitos podiam identificar melhor os artistas de determinadas
pinturas quando elas eram apresentadas em uma ordem intercalada ou aleatória,
em vez de serem apresentadas em conjunto por artista.

Rohrer e Taylor (2007) encontraram resultados semelhantes para a


aprendizagem de conteúdo matemático. Rohrer e Pashler (2010) postulam que
a intercalação ajuda na aprendizagem, ajudando o aluno a discriminar melhor
as diferenças de conteúdo. Eles ressaltam que a maioria dos livros didáticos de
matemática depende muito de grupos de problemas práticos em conjunto, apesar
do fato de que isso pode não ser tão produtivo quanto a realização de conjuntos
mistos de problemas que exigem a aplicação de uma variedade de habilidades
diferentes, como é comum em revisões cumulativas.

A intercalação não é uma estratégia difícil de implementar na sala de aula,


pois requer pouco mais do que um pouco de premeditação. Os professores podem
facilmente transformar diferentes tipos de tarefas em uma aula se planejarem, por
exemplo, cobrir três tópicos ao longo de três dias, em vez de um tópico por dia.
Como alternativa, os professores poderiam simplesmente criar o hábito diário de
revisar o material selecionado das aulas anteriores. O tempo em um tópico não
precisa ser perdido – ele precisa ser "espalhado" um pouco mais.

Embora possa ser simples e fácil apenas cobrir uma seção do livro todos
os dias, há evidências claras de que essa não é a melhor maneira de fornecer
instruções. Em vez disso, é melhor intercalar diferentes formas de material e
prática em cada aula. Aqui também, a integração das artes pode ser um trunfo.
Os alunos podem ser solicitados a criar produtos artísticos incorporando uma
variedade de ideias que foram consideradas em conjunto com um determinado
tópico. A natureza aberta e generativa da atividade artística permite tantas
combinações de conteúdo novas e criativas quanto os alunos possam imaginar.
Assim, as artes visuais e performáticas oferecem uma ampla oportunidade para
os alunos revisitarem e pensarem sobre o material de uma maneira intercalada.

Como este tópico ilustra, o domínio de conteúdo, habilidades e conceitos


exige que as informações sejam consolidadas na memória de longo prazo, e isso
acontece quando os alunos produzem ou fazem algo ativamente com o que estão
sendo ensinados. Embora muitos educadores falem sobre "aprendizagem ativa",
isso significa pouco, a menos que se possa dizer como é na prática e sugerir
métodos pedagógicos para envolver os alunos nesse tipo de aprendizagem.

Como foi mostrado neste tópico, as artes representam uma maneira


natural de envolver os alunos em atividades que levarão a retenção a longo prazo
e promoverão o tipo de engajamento necessário para a aprendizagem conceitual
profunda (HARDIMAN, 2010).

230
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A memória é entendida como uma coleção de sistemas e processos que servem


a uma variedade de funções.

• A memória sensorial, que dura de milissegundos a segundos, refere-se ao


armazenamento muito breve de grandes quantidades de informações visuais,
auditivas, olfativas ou hápticas do ambiente.

• A memória de curto prazo refere-se ao armazenamento temporário de


informações que foram recebidas por até 20 segundos.

• A memória de trabalho refere-se a um sistema cognitivo complexo, no qual


as informações são mantidas na consciência de uma pessoa para realizar
cálculos ou manipular essas informações de alguma maneira.

• A memória de trabalho possui três componentes: (a) um executivo central que


recebe informações dos sentidos ou da memória de longo prazo, que ativa; (b)
o “loop fonológico”; ou (c) o “esboço visuoespacial”.

• A memória de longo prazo refere-se à retenção de informações (sem ensaio


ativo) por uma quantidade significativa de tempo, seja anos ou a vida toda.

• Embora nossos sistemas de memória sensorial, de curto prazo, de trabalho e


de longo prazo sejam distintos um do outro, eles estão inter-relacionados de
maneiras importantes.

• Quanto mais frequentemente os grupos de neurônios disparam


simultaneamente, mais forte e eficientemente os sinais são transmitidos entre
eles, um processo conhecido como potenciação de longo prazo.

• O cérebro precisa de tempo para solidificar memórias em armazenamento de


longo prazo, um processo chamado consolidação.

• A integração das artes, o uso das artes como método pedagógico para aprimorar
e reforçar os objetivos de aprendizagem, representa uma estratégia poderosa
para ajudar a garantir que as informações permaneçam nas memórias das
crianças.

• Uma das estratégias mais importantes para estabelecer a retenção a longo


prazo é o ensaio, o processo de repetir as informações para si ou para os
outros, em um esforço para comprometê-las na memória.

231
• Quando as pessoas não apenas fornecem informações por escrito ou por
forma oral, mas geram essas informações em resposta, sua lembrança dessas
informações é significativamente melhorada.

• Estudos demonstraram que a retenção de informações é aprimorada


quando os participantes executam ativamente uma frase de ação em vez de
simplesmente ler a mesma informação.

• Esforço por sentido é um fator importante para a memória; pesquisas


mostraram que, quando as pessoas precisam refletir um pouco sobre um
estímulo para entendê-lo, acabam se lembrando desse estímulo melhor.

• Estudos demonstraram que as pessoas costumam se lembrar melhor das


informações quando apresentadas sob a forma de figuras, em vez de palavras,
mesmo quando a memória é avaliada por meio de medidas verbais.

• Eventos que produzem memórias e ideias que carregam significado emocional


podem ter efeitos duradouros na aprendizagem.

232
AUTOATIVIDADE

1 Em vez de ser um "recipiente" de informações, a memória é entendida como


uma coleção de sistemas e processos que servem a uma variedade de funções.
Certos "tipos" de memória geralmente se sobrepõem, e as classificações em-
pregadas pelos cientistas são dirigidas de várias maneiras pelas distinções
entre os vários tipos de informações que as pessoas podem se lembrar. Quan-
to ao tipo de memória que dura de milissegundos a segundos e refere-se ao
armazenamento muito breve de grandes quantidades de informações visuais,
auditivas, olfativas ou hápticas do ambiente, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Memória de curto prazo.


b) ( ) Memória sensorial.
c) ( ) Memória de trabalho.
d) ( ) Memória explícita.

2 A primeira teoria aprofundada da memória de trabalho (e a mais conhecida)


foi oferecida por Baddeley e Hitch, em 1974. Eles criaram um modelo para
descrever os processos básicos pelos quais as informações são recebidas, man-
tidas e recuperadas. Sobre a proposta da memória de trabalho de Baddeley e
Hitch, analise as sentenças a seguir:

I- A memória de trabalho não é usada para recuperar e manipular informações


já armazenadas na memória de longo prazo.
II- A memória de trabalho possui um loop fonológico para informações
verbais.
III- A memória de trabalho possui um esboço visuoespacial para informações
visuais/espaciais.
IV- A memória de trabalho possui um executivo central que recebe informações
dos sentidos ou da memória de longo prazo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.

3 A memória de longo prazo refere-se à retenção de informações (sem ensaio


ativo) por uma quantidade significativa de tempo, seja anos ou a vida toda.
Embora as informações que não são recuperadas de vez em quando tendem a
ser esquecidas ao longo do tempo, o volume total de informações que podem
ser armazenadas na memória de longo prazo é ilimitado para todos os efeitos
práticos. Sobre os tipos de memória de longo prazo, analise as sentenças a
seguir:

233
I- A memória explícita refere-se a experiências que lembramos sem consciência
de que a aprendizagem está ocorrendo.
II- A memória semântica se refere à nossa capacidade de lembrar fatos ou
conceitos.
III- A memória procedural explica por que podemos aprender a executar
determinadas tarefas sem poder dizer com precisão como as estamos
realizando.
IV- A memória implícita lida com o conhecimento de que estamos conscientes,
como eventos que ocorrem em nossas vidas ou informações que adquirimos
conscientemente.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças II e IV estão corretas.

4 Pesquisas sobre fatores conhecidos por melhorar a memória de longo prazo


da informação argumentam que a integração das artes, o uso das artes como
método pedagógico para aprimorar e reforçar os objetivos de aprendizagem,
representa uma estratégia poderosa para ajudar a garantir que as informações
permaneçam nas memórias das crianças. Uma dessas estratégias de integração
é a enação. Disserte sobre os benefícios para a aprendizagem com o uso da
enação?

234
UNIDADE 3 TÓPICO 4 —

CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E
A AVALIAÇÃO NO ENSINO-
APRENDIZAGEM
1 INTRODUÇÃO
Começamos nosso último tópico desta unidade com as palavras de
Cláudio, um aluno do oitavo ano escolar de uma escola pública do estado de
Santa Catarina. Ele afirma: A escola é chata para mim e eu, principalmente, acho
que é uma perda de tempo. Geralmente, é a mesma coisa o dia inteiro, como professores
conversando conosco e nos dando muitas coisas para ler em nossos livros e apostilas, e
depois encontrando respostas para perguntas e escrevendo-as em folhas de caderno. A
única vez que acho que realmente aprendo é quando faço algo real. Como na semana
passada, fizemos algo muito legal. Fizemos uma pesquisa para descobrir como as pessoas
do bairro se sentiam sobre segurança e serviços comunitários. Em seguida, entrevistamos
vizinhos em lojas e pontos de ônibus. Pegamos todas as respostas e criamos tabelas e
gráficos. Em seguida, escrevemos cartas para as autoridades da cidade para explicar
melhorias que poderiam melhorar o bairro. Eu aprendi muito e gostaria que a escola fosse
sempre muito divertida.

O desinteresse frequente de Cláudio na escola é comum hoje a muitos


estudantes em nossas escolas. Desafiados por questões como tamanho da turma,
falta de recursos, gerenciamento de sala de aula, uma variedade densa de tópicos
a serem abordados, documentação administrativa, requisitos de preparação de
testes e falta de tempo para um planejamento de aulas colaborativo e inovador, os
professores são obrigados a confiar em métodos de ensino que não apenas deixam
de motivar os alunos a aprender, mas também fazem pouca tentativa de promover
o pensamento criativo. Com uma dieta constante desse tipo de instrução, Cláudio
pode ser mais um número na estatística de alunos que abandonam o Ensino
Médio todos os dias e um entre tantos que abandonam todos os anos as escolas
de nosso país.

Felizmente, embora os muitos desafios que os professores enfrentam


pareçam intransponíveis, ensinar as crianças a serem pensadoras criativas não
é. O ensino embasado nas contribuições da neuropsicopedagogia oferece uma
estrutura para o estabelecimento de estratégias criativas para todas as crianças.
Lembre-se de que em tópicos anteriores nos concentramos em ensinar os objetivos
de aprendizagem selecionados para o domínio, a maestria – uma noção que
pressupõe que os alunos retêm informações na memória de longo prazo. Muitos
professores especialistas demonstram diariamente como projetar atividades
integradas às artes para oferecer aos alunos várias maneiras inovadoras e
criativas de aprimorar a retenção de conteúdo. Nos métodos de ensino mais
tradicionais, quando os alunos dominam os objetivos da aula, os professores

235
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

geralmente testam os alunos usando uma avaliação no final da unidade e depois


passam para o próximo capítulo do livro ou unidade de estudo. Em um ensino
que parte dos conhecimentos da neuropsicopedagogia aplicadas à educação
escolar, no entanto, depois que os alunos adquirem conhecimento, um próximo
passo importante deve ocorrer para promover o entendimento profundo e o
aprendizado verdadeiro.

O objetivo deste tópico concentra-se, primeiramente, no próximo passo:


expandir a instrução para que os alunos tenham a oportunidade de pensar
criativamente aplicando habilidades e conteúdo na resolução de problemas
significativos, ativos e reais tarefas. Como Cláudio descreveu anteriormente, esse
tipo de instrução permite que os alunos vejam como os objetivos instrucionais
se relacionam com suas próprias vidas na solução de problemas no mundo real;
essa conexão ajuda a tornar a experiência de aprendizagem mais significativa
e divertida. A pesquisa apresentada neste tópico explora como o pensamento
criativo toma forma na mente e no cérebro e como pode ser diferente do
pensamento convencional. Além disso, a discussão considera como noções
teóricas e descobertas empíricas das ciências do cérebro podem informar o projeto
de práticas de ensino, a fim de promover o pensamento criativo em sala de aula.

Em um segundo momento, neste tópico, vamos nos concentrar na


avaliação da aprendizagem dos alunos, que é o elemento final desta Unidade.
No entanto, é importante ter em mente que todos os tópicos trabalhados nesta
Unidade se aplicam a todas as etapas do processo de ensino e aprendizagem e
que a avaliação não ocorre apenas na conclusão de uma unidade. Em vez disso,
a avaliação de várias formas deve ocorrer durante todas as fases do processo
de ensino-aprendizagem, a fim de fornecer orientações tanto para professores
quanto para alunos, com o intuito de ajudar a avaliar o progresso e melhorar
continuamente a instrução.

Além de oferecer feedback formativo para documentar a consecução


dos objetivos de aprendizagem, o impacto da avaliação na memória é
igualmente importante para o processo de ensino-aprendizagem baseado na
neuropsicopedagogia. Neste tópico, portanto, consideramos pesquisas que
demonstram como o feedback pode ser uma ferramenta poderosa para aprimorar
a aprendizagem e a memória. Em seguida, examinamos como os tipos tradicionais
de avaliação, como testes, revisões no meio do capítulo e avaliações padronizadas,
podem ser complementadas ou suplantadas por alternativas como atividades
integradas às artes, avaliações de portfólio e avaliações de desempenho. A
avaliação ideal colhe benefícios para retenção e compreensão, além de envolver
os alunos no pensamento crítico e criativo.

236
TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

2 HABILIDADES DO SÉCULO XXI

Os objetivos deste tópico estão alinhados com os objetivos do movimento


de habilidades do século XXI. Como Daniel Pink (2006) argumenta, habilidades
que requerem modos de pensamento sequenciais, literais, textuais e analíticos
são necessárias para os alunos, mas não são suficientes. Em vez disso, para
que os alunos recebam instruções consistentes com os objetivos do movimento
de habilidades do século XXI, eles devem ter amplas oportunidades para
serem inventivos e aplicar conhecimentos de maneiras que contribuam para
o desenvolvimento e a promoção da mente criativa. Além disso, a capacidade
de pensar criticamente e a capacidade de resolver problemas criativamente são
habilidades vitais que se estendem muito além da sala de aula, pois podem
conduzir a grandes descobertas e importantes mudanças na indústria, assistência
médica, tecnologia, práticas ambientais e políticas públicas.

DICAS

Caro acadêmico, assista ao vídeo O enigma da motivação de Daniel Pink,


publicado pela TEDTalk em 2009. Nesta breve palestra, o pesquisador Daniel Pink defen-
de um novo olhar sobre a motivação, como base para as novas habilidades do século
XXI. Disponível em: https://www.ted.com/talks/dan_pink_the_puzzle_of_motivation/
up-next?language=pt

Infelizmente, como descrito anteriormente, os professores se deparam


com vários fatores que os impedem de proporcionar aos alunos oportunidades
suficientes para desenvolver essas habilidades. Com algumas exceções, o ensino
que promove o pensamento criativo como fundamento da instrução costuma ter
tanto a probabilidade de ser ruim quanto de ser bom, por não ser bem planejado
ou organizado e raramente ser institucionalizado em práticas curriculares ou
instrucionais nos sistemas escolares (ROTHERHAM; WILLINGHAM, 2009).

Nesse sentido, Rotherham e Willingham (2009, p. 16) alertam que “não


podemos permitir um sistema no qual receber uma educação de alta qualidade
seja semelhante a um jogo de bingo”. Portanto, à medida que este tópico se
desenrola, consideramos maneiras pelas quais todos os alunos, em qualquer
idade, podem receber instruções rigorosas e significativas para envolver a mente
criativa e promover as habilidades de pensamento preconizadas pelo movimento
de habilidades do século XXI.

237
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

2.1 CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO NA SALA DE AULA


O ensino-aprendizagem embasado na neuropsicopedagogia endossa a
extensão e a aplicação do conhecimento por meio da promoção da criatividade
e do pensamento inovador (HARDIMAN, 2010). Promover a criatividade e ha-
bilidades similares pressupõe que a criatividade é de fato uma qualidade não
fixa e impressionável. Felizmente, muitos educadores e cientistas, bem como um
crescente corpo de pesquisa, apoiam essa suposição (EAGLEMAN; BRANDT,
2020; DEHAAN, 2009; DUGOSH et al., 2000). Por exemplo, Dugosh et al. (2000)
descobriram que a capacidade de um indivíduo de debater ideias foi afetada
positivamente pela exposição a outras ideias, consistente com o argumento de
que o processamento da criatividade pode ser influenciado. Outras descobertas
demonstram que os indivíduos solicitados a encontrar soluções para um pro-
blema podem pensar em mais ideias e ideias mais criativas quando consideram
as implicações das mesmas, bem como um plano para implementá-las (BYRNE;
SHIPMAN; MUMFORD, 2010).

Apesar das evidências, um equívoco comum em nossa cultura é que cria-


tividade, pensamento inovador e habilidades para resolver problemas são ca-
racterísticas concedidas apenas a indivíduos talentosos que demonstram gran-
de inteligência ou talentos incomuns. Além disso, as práticas instrucionais e até
os sistemas educacionais são mais amplamente restringidos por essa noção. Um
exemplo impressionante de como esse equívoco toma forma são as diferenças
acentuadas que frequentemente encontramos nas aulas para alunos talentosos
em comparação às aulas corretivas. Ou seja, a maioria dos currículos e instru-
ções fornecidas em qualquer programa para alunos superdotados ou com altas
habilidades inclui atividades que envolvem a solução criativa de problemas,
como projetos científicos complexos ou tarefas de pesquisa interdisciplinares.
Essas atividades de promoção da criatividade podem ser raras em salas de aula
mais convencionais, especialmente em programas instrucionais oferecidos para
alunos com diferenças de aprendizagem ou projetados para preparar os alunos
para testes padronizados. Nessas salas de aula mais convencionais, geralmente
é oferecido aos alunos um menu limitado de estratégias instrucionais destinadas
a promover as habilidades e o conteúdo necessários para ter sucesso nos testes.

Essa instrução se baseia no pensamento convergente, que incentiva os alu-


nos a encontrar a solução única e certa para um problema. A maioria dos edu-
cadores concorda que as tarefas de pensamento convergente dominam a prática
educacional e são a marca registrada das medidas adotadas (RUNCO, 2004). Por
outro lado, uma atividade que promove o pensamento divergente leva os alu-
nos a gerar soluções e abordagens múltiplas e variadas para encontrar soluções,
aprimorando a resolução criativa de problemas. O tipo de ensino endossado pela
neuropsicopedagogia apoia tanto o pensamento convergente quanto o divergen-
te para estudantes de todos os níveis de habilidade.

Antes de aprofundar nos referenciais teóricos e nas pesquisas que envol-


vem criatividade, é importante deixar claro de que maneira – se houver – a criati-
vidade está relacionada à inteligência. Um alto nível de capacidade criativa pro-
238
TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

vavelmente requer uma forte base de conhecimento em uma determinada área.


Esse estoque de conhecimento, geralmente chamado de conhecimento adapta-
tivo, vai além de uma mera lista de fatos e incorpora a capacidade de processar
e entender padrões de informação e de poder aplicar a informação de maneira
flexível em situações novas (HATANO; OURO, 2003).

Crawford e Brophy (2006, p. 4) descrevem a experiência adaptativa como


“processos de raciocínio e solução de problemas que permitem que os especialis-
tas continuem aprendendo e se adaptando a novas situações”. Embora seja pos-
sível (e até provável) que o nível de especialização adaptativa esteja relacionado
de alguma forma ao nível de inteligência de alguém, muitos senão a maioria dos
educadores e cientistas concorda que a criatividade abrange mais do que apenas
inteligência (MACKINNON, 1966) e que criatividade e inteligência são entida-
des separadas (RUNCO, 2004). Por exemplo, o trabalho de Runco e Albert (1986)
demonstrou que algumas medidas de criatividade requerem apenas um nível
mínimo de inteligência para o desempenho criativo.

Além disso, em um estudo usando modelagem de equações estruturais,


Plucker (1999) examinou a relação entre a realização criativa de adultos e as pon-
tuações em tarefas de pensamento divergentes e testes de inteligência. Embora a
pontuação dos dois tipos de testes tenha contribuído para a conquista criativa, a
pontuação do teste de pensamento divergente contribuiu três vezes mais que a
pontuação do teste de inteligência. Essas descobertas, entre outras, ajudaram a
mudar o foco da pesquisa sobre criatividade, de separar criatividade e inteligên-
cia para entender “os correlatos, benefícios e condições da criatividade” (RUN-
CO, 2004, p. 679). Além disso, as evidências apoiam a ideia de que o fomento à
criatividade não deve ser associado apenas à educação de alunos superdotados
ou com altas habilidades e, porque a criatividade não é essencialmente inata,
pode e deve ser ensinada em nossas escolas. Como veremos no próximo subtó-
pico, o engajamento em atividades criativas pode levar a mudanças mensuráveis​​
no volume, estrutura e função do cérebro, além de maior desempenho nos testes
cognitivos (ANDREASEN, 2005).

3 AS CIÊNCIAS DO CÉREBRO, O PENSAMENTO E A


CRIATIVIDADE
Como a aplicação de informações de maneiras inovadoras, originais e úteis
depende do pensamento criativo, consideramos aqui se a capacidade de pensar
criativamente pode ser refletida nos processos neurais e se o treinamento ou o ensi-
no de certos métodos leva a mudanças observáveis ​​na atividade neural. As regiões
do cérebro envolvidas no pensamento criativo – e, em particular, o pensamento di-
vergente – incluem amplamente as regiões pré-frontais do córtex cerebral (DIETRI-
CH; KANSO, 2010) que são frequentemente associadas a processos cognitivos ou
de funções executivas de ordem superior. Esses processos são caracterizados pela
capacidade de usar a memória de trabalho para planejar e organizar atividades e
se envolver na solução de problemas e no pensamento abstrato (DENCKLA, 1996).

239
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

Uma extensa pesquisa sobre plasticidade cerebral durante as duas


últimas décadas demonstra que mudanças significativas ocorrem no cérebro
como resultado de repetidas experiências sensoriais (FU; ZUO, 2011). Por
exemplo, estudos mostraram que o cérebro fortalece as redes existentes
quando um indivíduo está envolvido em múltiplas exposições a estímulos
sensoriais (KARMARKAR; DAN, 2006). Outro exemplo bem documentado de
plasticidade cerebral é demonstrado em um estudo com motoristas de táxi de
Londres. Escolhidos como sujeitos do estudo devido ao treinamento extensivo
em habilidades de navegação e à necessidade de se lembrar de vários locais nas
ruas, Maguire et al. (2000) descobriram que os motoristas de táxi mostraram
um aumento significativo no tamanho do hipocampo, uma estrutura cerebral
associada à memória, em relação a um grupo de controle e que, dentro do grupo
de taxistas, o volume do hipocampo estava correlacionado com o número de
anos de experiência que o indivíduo possuía na condução do táxi. Esses achados
sugerem que as atividades diárias que exigem a recordação de milhares de locais
resultaram em aumento do volume cerebral nessa região cerebral específica.

Alterações na estrutura cerebral também foram encontradas em indivíduos


que participam de atividades, como tocar um instrumento musical, que requerem
pensamento criativo. Ou seja, um crescente corpo de pesquisa mostra diferenças
no volume e estrutura do cérebro em músicos que passaram anos treinando e se
apresentando em relação a não músicos (SCHLAUG et al., 1995).

Hyde et al. (2009) deram um passo adiante nesta pesquisa e procuraram


determinar se aqueles com treinamento musical tiveram alterações anatômicas
como resultado desse treinamento ou se foram atraídos para o estudo da música
porque já possuíam estruturas cerebrais preexistentes que os tornariam mais
prováveis continuar a praticar música. Os pesquisadores examinaram o efeito
do treinamento musical em crianças de 6 anos sem treinamento musical prévio.
Um grupo de crianças, o grupo “instrumental”, recebeu uma média de 15 meses
de treinamento musical instrumental na forma de aulas semanais de teclado e o
restante das crianças, o grupo “controle”, recebeu 15 meses de aulas semanais de
música em grupo em que eles cantaram e tocaram bateria e sinos. Os resultados
demonstraram que, em comparação com o grupo controle, o grupo instrumental
exibiu aumento do tamanho do cérebro em várias áreas do cérebro, incluindo o
lobo frontal que controla o pensamento de ordem superior. As crianças do grupo
instrumental também apresentaram habilidades aumentadas de controle motor e
processamento auditivo. Esses resultados sugerem que ensinar às crianças tarefas
criativas resulta em mudanças não apenas nas funções cognitivas, mas também
na estrutura do cérebro.

Além de considerar como o treinamento ou a experiência mudam o


cérebro, a pesquisa explorou as diferenças em vários modos de pensamento – por
exemplo, pensamento criativo versus pensamento mais convencional. Em termos
de processamento cognitivo, o pensamento altamente criativo é frequentemente
diferenciado do pensamento mais convencional porque se baseia em parte em
pensamentos divergentes que, oferecido os mesmos dados ou conteúdo, geram

240
TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

várias soluções aceitáveis. O professor David Perkins (2001) de Harvard afirma


que a criatividade é o tipo de pensamento inovador ou “fora da caixa” que
envolve padrões de pensamento diferentes da solução comum de problemas. E
um crescente corpo de pesquisa está demonstrando que nossos cérebros parecem
funcionar de maneira diferente quando estamos envolvidos em tarefas que
exigem esse tipo de pensamento.

Por exemplo, Fink et al. (2007) usaram o Eletroencefalograma (EEG)


para registrar a atividade cerebral durante tarefas que exigiam que os sujeitos
gerassem respostas consideradas altamente criativas, medidas pela fluência (ou
seja, número de ideias) e originalidade das ideias. Eles descobriram um aumento
mais forte na atividade do EEG quando os indivíduos exibiram mais ideias
originais em comparação com as menos originais, sugerindo que o pensamento
criativo pode se refletir nos padrões de ativação cerebral.

Em outro estudo, Chávez-Eakle et al. (2007) examinaram os padrões


cognitivos, bem como a atividade neural de indivíduos considerados altamente
criativos em relação aos sujeitos de controle. Usando os Testes Torrance de
Pensamento Criativo (TTCT), um conhecido teste de desempenho criativo, os
pesquisadores avaliaram a capacidade dos sujeitos de produzir ideias múltiplas,
originais e flexíveis. Quando os participantes concluíram os itens de teste, os
pesquisadores mediram as diferenças no fluxo sanguíneo cerebral no cérebro,
tanto nos indivíduos que foram identificados como altamente criativos quanto
nos indivíduos de controle médios. Os indivíduos que pontuaram na faixa
altamente criativa no TTCT mostraram atividade significativamente maior em
áreas do cérebro que se pensa estarem envolvidas em emoção, memória de
trabalho e resposta à novidade.

Bowden e Jung-Beeman (2007) propõem que, como os hemisférios


esquerdo e direito estão associados, em certa medida, a diferentes processos
cognitivos, o pensamento criativo pode ser medido através do estudo das
diferenças hemisféricas durante a produção de um tipo específico de pensamento
criativo. Usando a tecnologia de EEG e ressonância magnética funcional (fMRI),
Bowden e Jung-Beeman (2007) estudaram os componentes neurais do insight,
que eles definem como uma compreensão profunda e repentina de uma situação
complexa e que é frequentemente descrita como o momento "AHA!". Momentos
de insight estão associados à libertação de suposições convencionais e associações
comuns entre informações para descobrir novas soluções para os problemas. Os
resultados do estudo de Bowden e Jung-Beeman (2007) revelaram maior ativação
hemisférica direita quando os indivíduos relatam a solução de problemas através
do insight. Os autores sugerem que descobertas como estas que nos dizem sobre
quando e como o cérebro se envolve na solução de problemas podem "melhorar
os métodos de educação, permitindo que os professores planejem lições para que
os alunos tenham mais chances de ter ideias" (BOWDEN; JUNG-BEEMAN, 2007,
p. 98).

241
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

DICAS

Caríssimo acadêmico, assista ao breve vídeo Criatividade, seu cérebro e o


momento AHA! do pesquisador Eric Kandel. Neste vídeo, Kandel traz as novas pesquisas
nas ciências do cérebro que fundamentam a criatividade. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=TorOagdUm3I.

O pesquisador da Universidade Johns Hopkins, Charles Limb, também


contribuiu para nossa compreensão do processamento neural diferenciado
durante um ato criativo (LIMB; BRAUN, 2008). Usando a técnica de imageamento
por ressonância magnética funcional (fMRI), Limb e Allen Braun (2008), seu colega
do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, observaram a atividade
cerebral de pianistas profissionais de jazz durante a reprodução espontânea de
jazz improvisado. Eles compararam essa condição de tocar espontaneamente
com aquela em que os músicos tocavam uma partitura de jazz memorizada
anteriormente. Os resultados indicaram diferenças significativas na atividade
cerebral entre as duas condições. Durante a improvisação, os imageamentos
funcionais do cérebro indicaram uma desativação generalizada do córtex pré-
frontal dorsolateral, tipicamente associado à autorregulação, automonitoramento,
atenção concentrada e inibição. Desligar essa área do cérebro pode estar associado
a um tipo de "atenção flutuante e desfocada que permite associações espontâneas
não planejadas e insights ou realizações repentinas" (LIMB; BRAUN, 2008, p.
1679). Os pesquisadores também descobriram um aumento da atividade no
córtex pré-frontal medial, uma região do cérebro que tem sido associada a ações
de autoexpressão e individualidade.

Estudos como Limb e Braun (2008) exploram os processos cerebrais


subjacentes à criatividade, considerando o caso particular de improvisação. A
relação entre improvisação e criatividade também foi observada por outros,
incluindo Keith Sawyer (2006), que defende fortemente o uso da improvisação
para promover a inovação e a solução criativa de problemas. Enquanto estudava
grupos de jazz e teatro, Sawyer observou que a natureza colaborativa e
improvisada do trabalho em grupo inspira a produção bem-sucedida de novos
produtos. Em relação ao campo da educação, Sawyer (2006) argumenta que nossa
economia está se tornando construída com base na inovação e na criação de
conhecimento e, para que os alunos tenham sucesso no futuro, a educação precisa
seguir a prática de outras áreas. Ou seja, como a inovação ou a solução criativa
de problemas ocorre em ambientes colaborativos, como conversas improvisadas
ou apresentações musicais, os métodos instrucionais em nossas escolas precisam
oferecer aos alunos oportunidades de participar dessas atividades colaborativas
com seus professores e colegas.

É importante observar que o trabalho em grupo nem sempre leva a mais


e melhores ideias em comparação com quando as pessoas trabalham como
242
TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

indivíduos (MULLEN; JOHNSON; SALAS, 1991). Brophy (2006) descobriu que


os grupos conceituavam mais soluções e soluções mais originais para tarefas
com várias partes e indivíduos eram mais bem-sucedidos para tarefas com parte
única. Esses resultados destacam a necessidade de reconhecer o tipo de problema
antes que um professor peça aos alunos que trabalhem em grupos.

4 CONTEÚDO VERSUS PROCESSO NO MOVIMENTO DE


HABILIDADES DO SÉCULO XXI
A maioria dos cientistas concorda que o pensamento criativo não ocor-
re sem primeiro dominar um corpo de conhecimento de conteúdo (HEILMAN;
NADEAU; BEVERSDORF, 2003); essa noção é consistente com a ideia de conheci-
mento adaptativo discutida anteriormente neste tópico. Como Ulrich Kraft (2007,
p. 17) afirma, “novas soluções resultam da desmontagem e remontagem dos com-
ponentes de uma maneira infinita. Isso significa que o solucionador de problemas
deve entender completamente as partes”. Em outras palavras, depois de dominar
um corpo de conhecimento, os indivíduos são capazes de encontrar soluções para
novos problemas, associando informações aprendidas de diferentes maneiras.
Essa solução criativa de problemas eleva o conhecimento adquirido a um nível
muito além do domínio básico.

Atualmente, educadores e formuladores de políticas educacionais deba-


tem se os currículos devem se concentrar em fatos e conteúdos ou no ensino de
habilidades de pensamento crítico. Dadas as perspectivas descritas acima, essa
dicotomia simplifica demais o processo de ensino e aprendizagem, porque os
professores devem abordar ambas as partes. Nessa linha, Rotherham e Willin-
gham (2009) argumentam que o conhecimento e as habilidades de pensamento
devem estar entrelaçados no currículo escolar em todas as áreas de conteúdo.
Sem um corpo forte de conteúdo e habilidades, os alunos não terão conhecimen-
to para aplicar criativamente em situações do mundo real e, sem habilidades de
pensamento criativo, os alunos não poderão levar os conceitos aprendidos a no-
vos níveis não ensinados. Além disso, os alunos precisam ter conhecimento de
conteúdo e habilidades de raciocínio aplicáveis ​​em várias áreas da disciplina,
para que possam gerar soluções para problemas que abrangem disciplinas.

Um dos debates mais marcantes sobre ensino de conteúdo versus proces-


so está na área de matemática. Embora a maioria dos testes padronizados nacio-
nais se concentre no conteúdo de matemática que pode ser medido em testes de
múltipla escolha, muitos grupos de especialistas defendem que os alunos não de-
vem apenas dominar habilidades matemáticas, mas também devem poder aplicar
esse conhecimento em contextos do mundo real. Por exemplo, Yong Zhao (2009)
argumenta que, para permanecer competitivo em uma economia global, nossos
alunos precisarão exibir competência global, que inclui não apenas conhecimen-
to, mas também a capacidade de integrar informações em domínios disciplinares
por meio da solução criativa e inovadora de problemas.

243
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

Na maioria das salas de aula de hoje, as instruções são focadas diretamente


no pensamento convergente e pelo menos alguns cientistas acreditam que esse
tipo de instrução está diminuindo a criatividade das crianças. Kraft (2007), por
exemplo, argumenta que, ao reforçarmos os caminhos neurais por meio da
repetição contínua do mesmo tipo de atividades de pensamento convergente,
podemos estar diminuindo os caminhos que promovem a mente criativa. Para
desenvolver a mente criativa, como afirma o especialista em criatividade Sir
Ken Robinson (2001), a criatividade pode e deve ser explicitamente ensinada
em nossas escolas. A esperança é que a incorporação de instruções explícitas
específicas na sala de aula possa criar modos de pensar que as crianças empregarão
implicitamente não apenas na escola, mas também na vida.

Promover o pensamento criativo e ensinar de maneira mais geral as


habilidades do século XXI exigirá que os professores não apenas transmitam
conteúdo, mas também forneçam aos alunos oportunidades frequentes de
se envolverem em atividades que possibilitem e incentivem o pensamento
divergente, permitindo assim novos e distintos pensamentos de fluxo livre. É
provável que os educadores tenham o hábito de investigar os alunos em busca
de uma solução para um problema; o desafio para os educadores, portanto, é
mudar a dependência excessiva em potencial de buscar a “resposta certa” para as
perguntas nas aulas, nas planilhas e nas avaliações curriculares. Embora isso possa
ocorrer naturalmente para alguns professores, outros se sentirão desconfortáveis​​
se afastando do uso primário dos métodos de ensino convencionais. E as práticas
dos professores, bem como suas atitudes em relação às práticas, são críticas: foi
mostrado que as teorias e os conceitos dos professores sobre como os alunos
devem se apresentar em sala de aula diminuem ou aumentam a criatividade na
sala de aula (BEGHETTO, 2006) e poucos professores sentem que são totalmente
treinados para projetar atividades criativas de ensino (KAMPYLIS; BERKI;
SAARILUOMA, 2009).

A revisão dos métodos instrucionais tradicionais fica mais difícil devido


ao que os alunos chegaram a conhecer e esperar. Ou seja, desde o momento em
que os alunos entram na escola, eles são recompensados ​​por pensar logicamente e
por fornecer as respostas certas em uma infinidade de testes padronizados, desde
testes rotineiros a exames de admissão no Ensino Superior. Como resultado,
os professores não apenas precisam ajustar suas práticas, mas também devem
ensinar os alunos a aprender de novas maneiras, pois acabarão enfrentando um
mundo em que existe mais de uma única solução.

Ao refletirmos sobre a história de Cláudio no início deste tópico, não


há dúvida de que nossos alunos merecem algo melhor do que a maioria recebe
em nossas salas de aula hoje. Políticas públicas, treinamento de professores e
práticas escolares devem apoiar os professores na concepção e implementação
de instruções que promovam a aprendizagem criativa e envolvente. E programas
de formação de professores devem mostrar explicitamente aos professores como
facilitar o comportamento criativo de seus alunos.

244
TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

Conforme explicado no tópico anterior, adquirir um corpo de


conhecimento e demonstrar domínio de maneiras tradicionais e não tradicionais
são componentes importantes da educação. Um professor deve se concentrar
no ensino de conteúdo e habilidades para possibilitar o domínio de seus alunos
através de múltiplas exposições a conteúdos-chave, e as artes se tornam um veículo
particularmente útil para fornecer atividades de aprendizagem envolventes para
alcançar esse domínio. Aqui, você pode entender que os professores também
devem incentivar os alunos a ampliar o aprendizado e ir além do conteúdo por
meio de atividades que exigem pensamento criativo e crítico.

Se você se pergunta, “Ok, mas como poderia fazer isso efetivamente como
professor?”. A seguir, alguns exemplos dos tipos de atividades associadas ao que
estamos explanando neste tópico:

• realização de investigações e pesquisas;


• engajar-se na aprendizagem baseada em problemas, projetando uma tarefa
que requer reflexão através da disciplina;
• gerar várias soluções para um problema;
• projeto de experimentos para testar hipóteses em modelos de aprendizagem
baseados em projetos;
• analisar a perspectiva de figuras históricas ou personagens literários;
• construir projetos que explorem vários domínios de tarefas artísticas;
• fazer novas perguntas com várias respostas;
• conectar elementos incomuns de uma pergunta para produzir uma resposta
inovadora;
• criar metáforas e analogias para explicar um conceito;
• discutir perguntas abertas para investigar suposições, esclarecimentos e
consequências;
• permitir tempo regular para refletir as próprias metas de aprendizagem dos
alunos;
• restaurar um problema de várias maneiras;
• diagramar uma solução em representações visuais;
• criar histórias e narrativas para explicar conceitos;
• colaborar em atividades de aprendizagem em grupo dentro da sala de aula e
dentro de um ambiente de aprendizagem mais amplo.

O ensino em sala de aula de alta qualidade exige que os alunos sejam


pensadores inovadores e criativos. A pesquisa em neuropsicopedagogia
demonstra que esse tipo de pensamento envolve processos neurais distintos
daqueles que apoiam outros tipos de pensamento; estudos de plasticidade nos
dizem que experiências repetidas esculpem o cérebro. Assim, desenvolver as
habilidades cognitivas e acadêmicas dos alunos e prepará-los para o trabalho e
a vida no século XXI exige que o ensino em sala de aula inclua atividades que
incentivem e apoiem o pensamento criativo e inovador. Agora vamos ao nosso
último tema desta unidade, a questão da avaliação da aprendizagem.

245
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

5 AVALIANDO A APRENDIZAGEM
Nos últimos anos, um corpo relativamente grande de pesquisas em
educação, psicologia e ciências cognitivas mostrou que testes e outras avaliações
fazem muito mais do que simplesmente dizer ao professor quanto aprendizado
ocorreu. As avaliações fornecem feedback que informa e motiva os alunos
enquanto aprimora sua memória para o material de maneiras específicas.
Primeiro, as avaliações fornecem aos alunos um feedback útil que aumenta o
aprendizado (PASHLER et al. 2005). Segundo, as avaliações fazem com que os
alunos recuperem informações ativamente, o que por si só demonstrou melhorar
a retenção (KARPICKE; ROEDIGER, 2008). Terceiro, "espaçar" intencionalmente
várias avaliações do mesmo material em intervalos de tempo especificados pode
levar os alunos a se envolver em padrões de estudo e recuperação ativa que
aumentam ainda mais a retenção (KORNELL et al., 2010).

5.1 FEEDBACK FREQUENTE E OPORTUNO


Em uma metanálise da pesquisa educacional que analisa as estratégias
mais eficazes para melhorar o desempenho dos alunos, Marzano, Pickering
e Pollock (2001) identificaram o feedback corretivo oportuno como uma das
melhores maneiras de melhorar o desempenho do aluno. Especificamente, sua
análise descobriu que simplesmente dar feedback sobre se uma resposta estava
certa ou errada teve um efeito negativo, enquanto fornecer a resposta correta
após respostas incorretas teve um efeito positivo. Os efeitos do feedback corretivo
parecem ser mais fortes quando os professores explicam por que as respostas são
precisas ou imprecisas e/ou pedem aos alunos que continuem trabalhando nas
tarefas até alcançarem o sucesso.

Consistente com os achados da metanálise citada acima, Pashler et al.


(2005) descobriram em um estudo de memória para pares de palavras em idiomas
nativos/estrangeiros que dar aos participantes apenas feedback certo/errado
produziu os mesmos resultados em testes subsequentes em que não forneceram
nenhum feedback. Por outro lado, os participantes que receberam a resposta
correta após terem produzido uma resposta incorreta exibiram a maior melhoria
na avaliação final de recuperação livre – a retenção do material aumentou 494%.

Fazio et al. (2010) também descobriram que, quando as respostas estão


incorretas, fornecer apenas feedback certo/errado transmite pouca informação
útil ao aluno. Eles descobriram, no entanto, que o feedback certo/errado
melhorou a memória para respostas corretas se os participantes tivessem baixos
níveis de confiança nessas respostas. Fazio et al. (2010) argumentam que, se
os participantes pensavam que sua resposta provavelmente seria incorreta,
a surpresa de saber que ela estava realmente correta fez com que prestassem
mais atenção a sua resposta, levando a uma melhor retenção do material. Além
disso, Finn e Metcalfe (2010) mostraram que o feedback pode ser efetivamente
"estruturado", fornecendo sugestões de forma incremental, em vez de apenas dar

246
TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

aos alunos a resposta correta. Dessa forma, os alunos recebem feedback útil, mas
chegam eles próprios às respostas corretas. No estudo de Finn e Metcalfe (2010), o
feedback com apoio produziu melhor retenção a longo prazo do que outros tipos
de feedback (feedback corretivo tradicional, feedback mínimo).

O feedback efetivo depende não apenas do tipo de feedback, mas também


de seu timing – e da conscientização dos alunos sobre o timing – que pode ser
particularmente importante para a motivação dos alunos. Quando os alunos sabem
que não receberão feedback por um tempo, eles (talvez inconscientemente) fazem
menos esforço para ter um bom desempenho. Kettle e Häubl (2010) conduziram um
experimento para investigar os efeitos do tempo no feedback de desempenho em
um ambiente acadêmico. Os alunos sabiam antecipadamente quando receberiam
notas em uma apresentação que estavam fazendo. A proximidade do feedback
variou entre zero (no mesmo dia) e 17 dias após a apresentação. Os resultados
do estudo revelaram que o desempenho aumentou linearmente em relação
direta à proximidade do feedback. Em outras palavras, os alunos que sabiam que
receberiam feedback mais cedo tendiam a ter um desempenho melhor do que os
alunos que sabiam que receberiam notas após um atraso maior. Os pesquisadores
concluíram que a antecipação de feedback oportuno provavelmente motivou o
desempenho dos participantes.

As descobertas anteriores têm implicações importantes para o professor


ocupado, que pode ser tentado a simplesmente marcar respostas incorretas em
um teste ou questionário sem fornecer feedback imediato aos alunos. No que diz
respeito ao primeiro, o tipo de feedback, os alunos provavelmente deixarão de se
beneficiar de testes práticos ou avaliações padronizadas que informam apenas
a porcentagem de respostas que eles acertaram. Além de chamar a atenção para
respostas incorretas, devemos ter certeza de que os alunos aprendem as respostas
corretas quando estão errados e prestam atenção ao que acertaram.

Uma boa maneira de fazer com que os alunos atendam às respostas corretas
é fazê-los corrigir seu próprio trabalho usando uma chave de resposta (sabendo
que a pontuação será verificada pelo professor). Essa estratégia também permite
que os alunos obtenham feedback imediato logo após concluir uma avaliação,
aproveitando o vínculo entre o momento do feedback e a motivação do aluno.
Para resumir, estratégias de avaliação úteis e importantes para os professores
incluem:

• garantir que os alunos recebam feedback em tempo hábil;


• comunicar previamente aos alunos que eles receberão tal feedback;
• feedback com apoio, fornecendo, de maneira incremental, dicas que permitem
que os alunos obtenham respostas corretas;
• permitir que os alunos continuem a trabalhar nas tarefas de aprendizagem
até que demonstrem total compreensão do material.

Embora o feedback direto do professor seja poderoso, essa não é a única


abordagem. Existe uma infinidade de programas assistidos por computador para
fornecer aos alunos feedback imediato e aprendizagem com apoio com base no

247
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

tipo e na frequência dos erros. Outra estratégia simples para obter feedback dos
alunos rapidamente é a revisão por pares. Isso pode ser feito atribuindo alunos
a parceiros com os quais eles desenvolveram um relacionamento de confiança
e apoio, instituindo programas mais formais de tutoria para colegas em toda a
classe ou implementando análises de desempenho dos alunos guiadas em equipe.

5.2 RECUPERAÇÃO ATIVA DE INFORMAÇÕES


Pesquisas anteriores demonstraram que a recuperação ativa de informações
da memória parece beneficiar muito mais a retenção a longo prazo do que
simplesmente estudar. Karpicke e Roediger (2008), por exemplo, compararam o
efeito de testes repetidos com os de estudos repetidos para retenção a longo prazo
do vocabulário de línguas estrangeiras. Eles descobriram que o teste repetido de
pares de palavras nativas/língua estrangeira produzia retenção significativamente
maior do que os estudos repetidos. Isso costuma ser chamado de "efeito do teste",
embora, em teoria, qualquer atividade que faça com que os alunos recuperem
informações (não apenas testes) produza o efeito.

Quando os alunos precisam recuperar informações ativamente, como


ocorre quando são testados, isso parece desempenhar um papel no reforço da
memória para essas informações. O estudo padrão baseia-se no recebimento mais
passivo de informações e não parece ter o mesmo efeito. Embora estudar seja
certamente melhor que nada, ele não recruta sistemas de memória da mesma
maneira que a recuperação de informações. Como o tempo para o trabalho
escolar é sempre limitado, os alunos geralmente são mais bem atendidos pela
prática de recuperação (por exemplo, autoperguntas) do que estudando sozinhos
(por exemplo, releitura). É importante modelar a prática de recuperação para os
alunos, para que eles entendam o que isso significa (por exemplo, "sem olhar para
as respostas") e incentivar os alunos a se envolverem na prática de recuperação
como uma estratégia para enviar informações à memória. Os alunos tendem a
acreditar (incorretamente) que estudar é mais eficaz que a prática de recuperação
(KORNELL; SON, 2009). A antiga prática padrão dos cartões de memória
pode ajudar os alunos a entender o que a recuperação implica (e os efeitos da
recuperação ativa explicam por que os cartões de memória são tão eficazes).

Karpicke e Blunt (2011) argumentam que os educadores intuitivamente


fornecem aos alunos atividades que se concentram demais na aquisição e no
estudo de informações e não o suficiente para fazê-los praticar a recuperação
de informações para reconstruir o que sabem. Como a prática de recuperação
se compara a uma forma mais elaborada de estudar, como o mapeamento de
conceitos? Em um par de experimentos, Karpicke e Blunt (2011) investigaram os
benefícios relativos da prática de recuperação versus o estudo elaborado (criação
de mapas conceituais) para a aprendizagem do conteúdo científico. O aprendizado
foi medido tanto pela recordação literal de conceitos quanto pela capacidade
dos alunos de extrair inferências envolvendo vários conceitos – uma medida
de entendimento "mais profundo". Os resultados indicaram que a recuperação

248
TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

ativa de informações consolida o aprendizado de maneira mais poderosa do que


as formas elaboradas de estudo. Karpicke e Blunt (2011) postulam que, como
o próprio ato de recuperação fortalece as memórias de uma maneira única e
específica, a prática de recuperação deve ser reconhecida como crítica ao processo
de aprendizagem.

Os educadores seriam negligentes se considerassem o teste apenas


como uma maneira de medir o aprendizado; como mostra a pesquisa discutida
anteriormente, o teste também tem o poder de causar aprendizado. É importante
observar que o teste conforme aqui entendido não deve ser equiparado ao tipo
de teste padronizado comumente utilizado. Em vez disso, a ideia é que os alunos
testem frequentemente seus conhecimentos por conta própria ou em resposta
às solicitações dos professores, com o objetivo de consolidar o aprendizado.
Como será visto mais adiante neste Tópico, o conhecimento pode ser testado de
maneiras criativas por meio de atividades integradas às artes que eliminam todas
as conotações negativas que acompanham a palavra "teste".

5.3 EFEITOS DE ESPAÇAMENTO


Discutimos em tópicos anteriores a crescente prática em nossas escolas
de tentar ensinar muita matéria em muito pouco tempo para cobrir todo o
material necessário. Essa prática leva a uma abordagem de "ensinar, testar
e seguir em frente" que não é passível de interações mais profundas e mais
prolongadas com o conteúdo. Também desencoraja a revisão e a nova testagem
de material previamente dominado em momentos posteriores. Os pesquisadores
há muito reconhecem a eficácia de introduzir espaçamentos entre os eventos
de aprendizagem; isso é comumente chamado de "efeito do espaçamento"
(KORNELL et al., 2010). Pesquisas recentes descobriram o mecanismo neurológico
que explica por que o efeito do espaçamento é importante para a consolidação da
memória. Em estudos com animais, Okamoto et al. (2011) observaram a síntese
proteica específica ocorrendo no cerebelo quando a aprendizagem era espaçada,
mas não quando era concentrada (quando a aprendizagem ocorre de uma só vez).
Os pesquisadores sugerem que este estudo adiciona uma explicação biológica às
vantagens conhecidas do espaçamento das exposições ao longo do tempo para o
aprendizado de tarefas específicas.

A pesquisa comportamental que demonstra os benefícios do espaçamento


da aprendizagem considerou os efeitos particulares dos intervalos de espaçamento
que duram minutos ou horas (CEPEDA et al., 2006). No entanto, em um estudo
mais recente, Cepeda et al. (2008) examinaram os efeitos do espaçamento na revisão
do material aprendido anteriormente (estudo/reteste) em intervalos que variaram
de curto (por exemplo, um dia) a muito longo (por exemplo, aproximadamente
um ano). O resultado foi um conjunto de recomendações de espaçamento que
diferem dependendo de quanto tempo as informações precisam ser mantidas.
Em um extremo, Cepeda et al. (2008) descobriram que quando o teste final ocorre
cerca de uma semana após a aprendizagem inicial, o espaçamento ideal antes da

249
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

revisão do material é de cerca de um ou dois dias. No outro extremo, para testes


realizados em um ano ou mais, o espaçamento ideal é de um a dois meses.

O que isso significa para o ensino em sala de aula? Se o objetivo é que os


alunos se lembrem das informações para um próximo teste de unidade, quatro
a seis semanas após o conteúdo ser ensinado inicialmente, o conteúdo deve ser
revisado com uma sessão de estudo/teste de acompanhamento após cerca de uma
semana. Por outro lado, se os professores precisarem que os alunos mantenham
informações por mais tempo (por exemplo, até um ano letivo completo para
exames finais ou testes padronizados), o conteúdo deverá ser revisado somente
após um mês ou mais. Embora Cepeda et al. (2008) não investiguem intervalos
por mais de um ano, se o objetivo for a retenção por muitos anos ou uma vida
inteira, é provável que o conteúdo precise ser revisado várias vezes ao longo de
vários anos com grandes lacunas no meio. É muito importante observar, como
Cepeda et al. (2008), que a desvantagem de ter uma lacuna muito curta entre
os eventos de aprendizagem é muito pior do que a desvantagem de ultrapassar
o ideal. A retenção aumenta acentuadamente à medida que o espaço entre os
eventos de aprendizagem se aproxima da otimização, mas a retenção diminui
apenas muito lentamente à medida que se excede o espaçamento ideal. A maior
lição desta pesquisa para professores é o seguinte: priorize revisar o conteúdo
previamente ensinado após um espaçamento significativo e peça aos alunos que
estudem/testem seus conhecimentos.

A pesquisa sobre os efeitos do feedback, a recuperação ativa de informações


e o espaçamento dos eventos de aprendizagem têm fortes implicações para muitos
aspectos da educação. Esta pesquisa pode informar o trabalho de indivíduos que
tomam decisões educacionais importantes, desde formuladores de políticas,
que estabelecem padrões e políticas de teste, a editores de livros didáticos, que
sequenciam revisões de conteúdo e currículo, a professores de sala de aula, que
devem finalmente tomar as decisões do dia a dia sobre o que seus alunos farão
em sala de aula.

6 MÚLTIPLOS TIPOS DE AVALIAÇÕES


Como discutido nos tópicos anteriores, o ensino de qualidade envolve
a interação de uma variedade de métodos pedagógicos, desde a instrução
direta convencional até a instrução altamente centrada no aluno que promove
o pensamento criativo e divergente através de produtos gerados pelo aluno. Da
mesma forma, o desafio de uma avaliação eficaz é equilibrar o uso de avaliações
que exigem a seleção da resposta correta com aquelas que exigem que os alunos
construam respostas abertas, resolvam problemas e apliquem conhecimento.

Poucos educadores negariam que o teste conduz o ensino – isto é, a maneira


como testamos e o que testamos afeta amplamente a maneira como ensinamos e o
que ensinamos. A partir do nosso conhecimento atual das práticas de professores
em sala de aula neste e em vários países, podemos afirmar que as restrições das

250
TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

medidas de testes padronizados influenciam a maneira como os professores


elaboram suas aulas e medem os resultados. Várias pesquisas indicam que a
maioria dos testes aplicados em sala de aula são compostos principalmente por
questões de múltipla escolha (ASHBY, 2009). Não é de admirar que os professores
se queixem de que esse tipo de avaliação restrita os obriga a ensinar de maneiras
que não acreditam maximizar a aprendizagem dos alunos.

Os professores se veem obrigados a combinar as técnicas de ensino e


as avaliações dos alunos com o formato atual dos testes de desempenho, para
que os alunos estejam preparados para serem avaliados neste formato. Se os
professores nunca fizerem os alunos praticarem e se prepararem para fazer testes
padronizados, eles estariam prestando um grande desserviço; para o futuro
próximo, pelo menos, pois os alunos não podem evitar esse tipo de avaliação.
Felizmente, porém, vários especialistas e formuladores de políticas educacionais
e o público em geral pedem avaliações que forneçam medidas mais amplas de
aproveitamento educacional (incluindo melhores testes de múltipla escolha),
abordando áreas como habilidades de raciocínio e resolução de problemas e
outras habilidades (SCHLEICHER, 2018).

Como procuramos educar os alunos a pensar de forma criativa, nosso


ensino e nossos testes devem refletir esse desafio. Vários países adotaram
medidas de desempenho no passado, embora as experiências desses países
indiquem que tais avaliações são mais difíceis de administrar e classificar do que
os testes padronizados, Toch (2011) sugere que países que usam alternativas como
avaliações de portfólio ou desempenho – como Finlândia, Cingapura, Austrália e
Inglaterra – aumentaram suas pontuações no teste do Programa para Avaliação
Internacional de Estudantes (PISA) que, apesar de ser principalmente um teste
de múltipla escolha, explora a capacidade dos alunos de pensar criticamente e
resolver problemas.

Em contraste com os atuais testes padronizados de desempenho, que


medem com frequência a recordação de baixo nível de informações factuais, em
vez de pensamentos de ordem superior (BROOKHART, 2010), descreveremos
algumas formas de avaliação alternativa. Essas avaliações possibilitam avaliar
importantes habilidades de pensamento crítico: investigação, síntese de ideias
díspares, exploração de múltiplos pontos de vista, resolução de problemas,
metacognição e demonstração da compreensão global por meio do pensamento
metafórico.

6.1 AVALIAÇÕES DE PORTFÓLIO


As avaliações de portfólio são coleções de trabalhos dos alunos que
acompanham o progresso ao longo do tempo. Os portfólios geralmente combinam
trabalhos selecionados por alunos e selecionados por professores e incluem não
apenas avaliações tradicionais (fichas de trabalhos, questionários e testes), mas
também amostras de trabalhos audiovisuais, exibições de pôsteres e projetos

251
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

de conteúdo integrado a artes. Para alguns alunos, uma coleção desse tipo de
trabalho pode apresentar uma imagem mais completa e precisa do progresso e
da compreensão do que os testes que se concentram quase exclusivamente em
informações memorizadas. Os portfólios são uma ferramenta poderosa para
demonstrar o progresso na consecução dos objetivos de aprendizagem, e esse
progresso visível pode ser um forte motivador para alunos e professores.

A avaliação do portfólio também pode incentivar a metacognição


(conscientização dos próprios processos de pensamento) que permite que os
alunos definam suas próprias metas de aprendizagem e depois acompanhem seu
progresso. Mesmo para formas tradicionais de avaliação, como questionários e
testes, os alunos podem usar o processo de construção de um portfólio para obter
um entendimento mais profundo à medida que revisam e escrevem sobre quais
perguntas erraram em um teste, por que tiveram a resposta errada, como eles
corrigiram a resposta e como poderiam se preparar de maneira diferente para a
próxima avaliação.

6.2 DIÁRIOS DE ESTUDOS


Os diários de estudos são outra ferramenta poderosa para avaliar e
aprimorar a aprendizagem dos alunos. Embora a redação do diário possa
assumir várias formas diferentes, duas parecem particularmente úteis em
ambientes educacionais: diários reflexivos e registros de aprendizagem. Quando
os alunos criam registros reflexivos no diário, seu objetivo é contemplar o que
aprenderam e explorar de maneira relativamente livre possíveis conexões com
outras ideias e aplicações para suas próprias vidas ou as de outras pessoas ao
seu redor. Foi demonstrado que a redação reflexiva de um diário encoraja mais
metacognição e o uso de estratégias cognitivas mais sofisticadas durante as
tarefas de aprendizagem (MCCRINDLE; CHRISTENSEN, 1995). Como Dyment
e O’Connell (2010) apontam, no entanto, é importante que a redação reflexiva
do diário envolva os alunos em pensamentos críticos e não os leve a oferecer
meros relatos descritivos de eventos. Sem orientação suficiente, os alunos
tendem a adotar essa forma puramente descritiva de escrever, cujos benefícios
para a aprendizagem são provavelmente mínimos. Assim, os professores devem
certificar-se de modelar para os alunos a prática da reflexão crítica por meio da
redação de diários, a fim de maximizar os benefícios para os alunos.

Os registros de aprendizagem representam um tipo de tarefa de escrita


um pouco mais restrita e objetiva (CARR, 2002). Quando os alunos criam registros
de aprendizagem, trabalham para recontar explicitamente as ideias importantes
que vieram a entender como resultado das instruções. Por exemplo, os alunos
podem ser solicitados a responder a perguntas como "Quais são as três ideias
importantes que aprendi hoje" ou "Existem outras que gostaria de entender
melhor". Esse estilo mais restrito de redação de diário pode ser mais eficiente
e fácil de envolver para muitos alunos (especialmente os mais jovens), pois os
alunos recebem um foco mais específico e um ponto de partida claro. Os registros

252
TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

de aprendizagem também podem ser especialmente úteis para os professores que


estão tentando acompanhar o progresso de cada um dos alunos da turma. Muitas
vezes, os alunos estão mais dispostos a descrever abertamente o que entendem e o
que não entendem se puderem evitar fazer isso na frente da classe. Os professores
devem considerar os benefícios dos diários de registros de aprendizagem e
diários reflexivos para seus alunos e utilizar qualquer combinação que parecer
mais apropriada para a população específica de alunos a quem eles lecionam.

6.3 AVALIAÇÕES DE DESEMPENHO


A avaliação de desempenho mede a capacidade do aluno de aplicar o
conhecimento por meio de atividades como experimentar, analisar evidências,
avaliar fontes, projetar um plano de ação para resolver um problema do mundo
real, desenvolver vários pontos de vista e demonstrar por expressão artística um
entendimento e interpretação do conteúdo.

As avaliações de desempenho geralmente são classificadas pelo uso de


rubricas de avaliação, o que torna possível avaliar o desempenho em vários
critérios diferentes. Uma rubrica de avaliação deve ser dada aos alunos no início
de um projeto ou (melhor ainda) no início da unidade de aprendizagem, para
dar aos alunos uma “visão geral” do que eles devem fazer para demonstrar
compreensão. As rubricas de avaliação podem ser holísticas (veja um exemplo
no Quadro 2), fornecendo aos alunos uma pontuação geral derivada de uma
combinação subjetiva de vários critérios ou podem ser analíticas, especificando
com precisão como os pontos devem ser atribuídos para cada critério e como os
diferentes critérios são ponderados.

NOTA

Uma rubrica de avaliação é um guia de classificação que torna explícito os


critérios para julgar o trabalho dos alunos em discussão, um artigo, desempenho, pro-
duto, problema de demonstração, portfólio, apresentação, questão dissertativa – qual-
quer trabalho do aluno que você deseja avaliar. As rubricas informam os alunos sobre
as expectativas enquanto estão aprendendo. Essas ferramentas também permitem que
os professores avaliem com eficiência, avaliem o trabalho dos alunos em relação a um
padrão e se comuniquem prontamente com cada aluno.

253
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

QUADRO 2 – RUBRICA DE AVALIAÇÃO HOLÍSTICA

EXEMPLO DE RUBRICA DE AVALIAÇÃO: ATIVIDADE DE AVALIAÇÃO


DE DESEMPENHO
Entender como as características geográficas no ambiente in-
Objetivo de
fluenciam as crenças culturais, governos, religião e educação
Aprendizagem
de uma civilização.
Serão apresentadas características principais da geografia e
cultura das civilizações antigas. Usando a Mesopotâmia como
exemplo, serão apresentados aos alunos como características
Conteúdo
particulares podem moldar uma cultura – o conhecimento,
crenças, comportamentos – assim como o governo, a religião, e
a educação da cultura Mesopotâmica.
Os estudantes serão dirigidos a aplicar o conhecimento que
aprenderam sobre os feitos de uma civilização para criar sua
própria cultura primitiva. Eles irão identificar a geografia da
região na qual a civilização se encontra e as várias caracterís-
Atividade
ticas daquela civilização: os sistemas culturais ou de crenças,
governo, religião e educação. Eles então deverão descrever a
razão pela qual a geografia sustenta cada uma das caracterís-
ticas particulares que descreveram.
CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO DADO AOS ESTUDANTES (RUBRICA
HOLÍSTICA)
Reconhecer e especificar todas as partes principais de uma
civilização.
Conteúdo
Você identificou uma geografia assim como as quatro carac-
terísticas (governo, religião, educação, cultura)?
Explicações plausíveis para a razão das geografias sustenta-
rem cada característica.
Pensamento As suas explicações são compreensíveis e coerentes logicamen-
Crítico te? Ou seja, cada característica identificada é possível devido a
geografia que você descreveu? Por exemplo, uma comunidade
nômade provavelmente não teria uma deusa da agricultura.

Como a sua geografia e características identificadas comparam-


-se ao exemplo oferecido pelo professor e aos outros grupos.
Originalidade
Quão diferente é o seu conjunto de características em relação
àqueles nos exemplos oferecidos pelo professor?
Você está incluindo novas informações além daquelas apre-
sentadas pelo professor?

Extensão A sua civilização reflete experiências ou conhecimentos adi-


cionais que não foram ensinados nessa aula, mas que você te-
nha apreendido, através da sua cultura ou através de outras
experiências?

FONTE: O autor

254
TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

Avaliar o pensamento criativo e a solução de problemas através de


rubricas de avaliação representa uma maneira útil para os professores avaliarem
a aprendizagem dos alunos usando dimensões que não são acessíveis a medidas
mais tradicionais. Os debates continuam, no entanto, sobre como (ou se é possível)
classificar a criatividade. Além disso, Brookhart (2010) destaca que é comum
na prática educacional os professores reduzirem as avaliações da criatividade
no trabalho dos alunos a meros julgamentos de apelo estético ou artístico (por
exemplo, um design elegante desenhado na capa de um relatório). A avaliação
eficaz do pensamento criativo deve envolver uma compreensão mais profunda
do processo criativo. As rubricas de avaliação destinadas a orientar professores
e alunos no que diz respeito ao pensamento criativo devem avaliar a capacidade
do aluno de combinar elementos díspares de conteúdo aprendido para formular
ideias únicas e originais.

Como analisamos neste tópico, ensino eficaz e avaliação eficaz são dois
lados da mesma moeda. A avaliação da aprendizagem é um processo contínuo
que começa assim que alguém começa a ensinar e continua indefinidamente
para sustentar o que foi aprendido. A avaliação e o feedback são essenciais para
tornar a aprendizagem eficiente, e as avaliações – na medida em que estimulam
os alunos a testar seus conhecimentos – podem ser um poderoso catalisador para
a retenção ao longo da vida.

255
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

LEITURA COMPLEMENTAR

COMO ESTIMULAR O CÉREBRO

David A. Sousa

Estabelecendo links com a vida real: o que ensinamos

Quantas vezes um aluno nos perguntou: "Por que temos que aprender
isso?". O aluno em questão, geralmente, não está sendo ousado nem deve ser puni-
do. Se o propósito do cérebro é saber como sobreviver no mundo, quando o aluno
não vê qual é a conexão entre a lição que está sendo dada e sua vida, surge a per-
gunta. A resposta é simples. Mostre a ele a conexão entre o que você está ensinan-
do e o mundo dele. Por exemplo, se estivéssemos ensinando a alunos do ensino
fundamental o conceito de ideia principal e ideias secundárias, poderíamos usar o
símile da mesa e as pernas da mesa. A aula pode começar com o seguinte "gancho":

Meninos e meninas, deem uma olhada em suas mesas. As mesas são apoia-
das em quatro pernas. A ideia principal de uma história também deve ser apoia-
da, ou sustentada, pelas ideias secundárias da história. Vamos desenhar uma mesa
com quatro pernas. Quando descobrirmos a ideia principal, vamos escrevê-la na
mesa que desenhamos. Então, quando encontrarmos quatro ideias secundárias que
apoiem ​​aquela ideia principal, iremos escrever cada uma delas em cada uma das
pernas de nossa mesa.

Se for uma classe do ensino médio ou fundamental que também gira em


torno da distinção entre a ideia principal e as ideias secundárias de um texto, pode-
mos introduzi-la com o seguinte "gancho":

Gente, quantos de vocês mandaram mensagens de texto para um amigo


com seu celular? Bem, hoje vamos discutir porque temos que saber como reconhe-
cer e apresentar uma ideia principal. Quando escrevemos uma mensagem a um
amigo, o que fazemos, na verdade, é dar a ele a ideia principal ou o ponto crucial
de nossa mensagem. Não podemos dar-lhe todas as ideias secundárias, porque
seria muito longo e caro. Hoje vamos ler vários parágrafos e depois histórias em
que uma ideia principal ou uma "mensagem de texto" é declarada ou que devemos
encontrar. Então, isso nos dará bem o conceito de que seremos capazes de formular
nossas próprias ideias principais. Em seguida, escreveremos nossas ideias princi-
pais como mensagens de texto e as enviaremos uns aos outros.

Com esta introdução à classe, somos capazes de atrair a atenção da maioria,


senão de todos os alunos, e reduzir as interrupções. Desta forma, o gerenciamento
da sala de aula melhora.

Tate (2003) expõe várias estratégias que funcionam com o cérebro porque
representam as próprias formas do ser humano de adquirir e reter informações.

256
TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

Diversas estratégias estão diretamente relacionadas à aprendizagem relevante.


São como os que se seguem, excursões, objetos manipulativos, experimentos,
laboratórios e modelos, trabalhos de projeto e didáticas baseadas na resolução de
problemas, uso de tecnologia e sessões de estudo. Vamos examinar a importância
de cada uma dessas estratégias.

Ao fazer viagens de campo, os alunos viajam para lugares reais que


são relevantes para o conteúdo que está sendo estudado. Alguns dos melhores
professores do mundo, como Sócrates e Aristóteles, usaram a viagem de campo
como uma importante ferramenta educacional (KREPEL E DUVALL, 1981).
Faça a viagem de campo durante o período de início da unidade de estudo para
que possa estabelecer vínculos com o mundo real e tornar o aprendizado mais
compreensível e memorável. Atualmente, os professores também têm outra
opção: fazer excursões virtuais graças à tecnologia.

Quando os alunos usam objetos manipulativos, constroem modelos,


conduzem experimentos ou trabalham em laboratórios, eles estão usando as
mãos para se conectar com o mundo. É por isso que muitas vezes contam nos
dedos antes de contar no abstrato. Um estudante de química que tem dificuldade
para passar em um exame objetivo em papel pode, em vez disso, ser capaz de
realizar os exercícios de laboratório exigidos na matéria. Esses exercícios de
laboratório ajudarão o aluno a experimentar o que a química realmente é. Não
surpreendentemente, em muitas salas de aula, o trabalho de laboratório conta
apenas 20% ou menos da nota geral, quando os verdadeiros químicos passam
muito mais tempo no laboratório do que qualquer outra coisa.

A realização de projetos baseados no mundo real e a resolução de problemas


da vida real favorecem a aprendizagem ativa e enfraquecem a passividade do
aluno (SILVER, STRONG & PERINI, 2000). Na verdade, com certeza podemos
nos lembrar de um projeto do qual participamos quando íamos para a escola.
Ainda me lembro de pegar um pouco de água no riacho no final da minha rua,
levar para a escola em uma jarra e colocar uma gota no microscópio para que
pudéssemos procurar os paramécios. Quando os alunos resolvem problemas,
eles percebem o currículo como importante.

O relatório da Secretaria de Comissão de Aquisição de Habilidades


Necessárias (SCANS, 1991) dos Estados Unidos cita a capacidade de usar a
tecnologia como uma competência que os alunos do ensino médio devem
possuir a fim de estarem preparados para o mundo do trabalho. Embora o uso da
tecnologia seja um veículo viável para o ensino eficaz, usá-la como um fim em si
é problemático.

O relatório do SCANS também cita as habilidades pessoais como


habilidades essenciais. É difícil para os alunos desenvolverem as habilidades
sociais básicas que são necessárias no local de trabalho se não tiverem oportunidade
de fazê-lo antes da aula. Outro motivo que sustenta a utilização de estratégias de
maior participação encontra-se na constatação de que à medida que os alunos se

257
UNIDADE 3 — NEUROPSICOPEDAGOGIA, ENSINO E APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DO SÉCULO XXI

sentam em frente ao computador, videogame e televisão, desenvolvem um estilo


de vida mais sedentário.

Práticas de trabalho e convênios desse tipo são ferramentas viáveis ​​para


estimular a participação ativa dos alunos em um currículo significativo e relevante,
reduzindo, assim, o número e a frequência de problemas de comportamento.
Mesmo em escolas alternativas nos Estados Unidos, onde a população estudantil
é composta por alunos que foram expulsos de escolas tradicionais devido a graves
infrações disciplinares, as práticas parecem estar em ordem.

Quando ensino nesses tipos de centros, geralmente observo como os


alunos estão envolvidos no plantio e no cuidado de jardins ou na preparação e
distribuição de comida. Quando os acadêmicos estão inseridos no importante
mundo do trabalho, todos os alunos se beneficiam disso.

Referencial teórico: por que ensinamos

Para que os alunos se motivem, eles devem perceber que os conteúdos


ministrados na escola, como leitura, matemática, história e ciências, são necessários
ou desejáveis (SPRENGER,
​​ 2005).

Quando os alunos estão ativamente envolvidos em projetos de arte ou


ciências, atividades de resolução de problemas e dramatizações, ou simulações,
eles fortalecem as habilidades de pensamento de seu cérebro (FEINSTEIN, 2004).
A possibilidade de que a nova informação adquirida possa ser lembrada aumenta
dependendo da relevância dessa informação e vice-versa (Tileston, 2004). Levar
em consideração os interesses dos alunos ajuda a garantir que eles possam aplicar
o conteúdo padronizado que estão aprendendo na vida real (FEINSTEIN, 2004).

Os sistemas internos [autossistemas] dos alunos (suas atitudes, crenças e


emoções) são diretamente influenciados pela crença de que o conhecimento que
eles vão aprender ou as tarefas que vão realizar são relevantes ou não relevantes
para eles e que são algo que você tem que saber ou ser capaz de fazer (TILESTON,
2004).

Quando transmitimos informações aos nossos alunos, seu cérebro tenta


vincular as novas informações a uma série de esquemas previamente armazenados.
Quando tais ligações não existem, novas informações podem ser perdidas
(SPRENGER, 2005). É importante que os alunos estabeleçam metas pessoais
para sua aprendizagem e frequentemente se perguntem como estão alcançando
essas metas (TILESTON, 2004). Relevância, interesse, escolha e autenticidade são
critérios cruciais para motivar os adolescentes (BEAMON, 2001).

Iniciativas de orientação de carreira em escolas secundárias permitem


que os alunos façam uma transição bem-sucedida para o mundo do trabalho,
incentivando as experiências acadêmicas a serem percebidas como relevantes
(THIERS, 1995).
258
TÓPICO 4 — CRIATIVIDADE, INOVAÇÃO E A AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

A aplicação na sala de aula: como ensinamos

Comece a aula discutindo com os alunos o que vai ser ensinado e por
que eles deveriam saber. Se você relacionar o conteúdo com a vida pessoal
dos alunos, eles terão um motivo para prestar atenção à lição. Sempre que a
oportunidade surgir, use exemplos da vida real para ilustrar o conteúdo que você
está ensinando. Vincular o conteúdo do curso a exemplos da vida real motiva os
alunos e aumenta seu interesse.

Incentivar a participação dos alunos em projetos da vida real não apenas


garante que eles se lembrem do conteúdo, mas também permite que você consolide
e ensine um grande número de objetivos simultaneamente. Por exemplo, peça
aos alunos que criem um projeto de jornal em torno de uma determinada área.
Trabalhe com os alunos para criar uma lista de categorias que podem ser usadas
para avaliar o jornal. Cada jornal pode incluir um título, um subtítulo, um índice,
um artigo principal com uma foto, um editorial, um anúncio e uma denúncia
de crime. Não só ajudará os alunos a mostrar que entenderam o assunto, mas
também aprenderão a função das partes de um jornal.

Faça uma viagem de campo com os alunos a um local que conecte o


conteúdo ensinado ao mundo real. Os professores costumam fazer viagens de
campo tarde demais. Fazê-los mais cedo tornará o aprendizado mais relevante e
dará aos alunos uma conexão concreta com o conteúdo.

O estudo orientado para o trabalho não apenas reduz o mau


comportamento, mas também torna o conteúdo extremamente relevante para
todos os tipos de cérebro. Por exemplo, quando os alunos estão em escolas não
padronizadas, devido à sua incapacidade de obter sucesso em um ambiente
escolar padronizado, eles frequentemente se envolvem em um tipo de estudo
voltado para o trabalho ou a formação profissional. As academias de comércio e
centros de treinamento vocacional também contam com os alunos que aprendem
como fazer um trabalho no próprio local de trabalho. Estágios de trabalho,
aprendizagens ou instrução direta são maneiras viáveis ​​e eficazes de ajudar os
alunos a compreender e reter conhecimentos e habilidades. Convide especialistas
de diferentes áreas de interesse para que façam uma palestra para os alunos e
os orientem em sua futura profissão. Uma conversa motivacional muitas vezes
aumenta o conhecimento dos alunos em um determinado campo de estudo e
pode até mesmo incentivá-los em sua futura profissão.

FONTE: Adaptado de SOUSA, D. A. (Ed.). Neurociência educativa: mente, cere-


bro y educación. Madrid: Narcea, 2014. p. 159-163.

259
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• O ensino embasado nas contribuições da neuropsicopedagogia oferece uma


estrutura para o estabelecimento de estratégias criativas para todas as crianças.

• A capacidade de pensar criticamente e a capacidade de resolver problemas


criativamente são habilidades vitais que se estendem muito além da sala de
aula.

• O ensino-aprendizagem embasado na neuropsicopedagogia endossa a


extensão e a aplicação do conhecimento por meio da promoção da criatividade
e do pensamento inovador.

• A maioria dos educadores concorda que as tarefas de pensamento convergente


dominam a prática educacional e são a marca registrada das medidas adotada.

• Uma atividade que promove o pensamento divergente leva os alunos a


gerar soluções e abordagens múltiplas e variadas para encontrar soluções,
aprimorando a resolução criativa de problemas.

• A criatividade abrange mais do que apenas inteligência, a criatividade e


inteligência são entidades separadas.

• O fomento à criatividade não deve ser associado apenas à educação de


alunos superdotados ou com altas habilidades, porque a criatividade não é
essencialmente inata, pode e deve ser ensinada em nossas escolas.

• As regiões do cérebro envolvidas no pensamento criativo – e, em particular,


o pensamento divergente – incluem amplamente as regiões pré-frontais do
córtex cerebral.

• Ensinar às crianças tarefas criativas resulta em mudanças não apenas nas


funções cognitivas, mas também na estrutura do cérebro.

• Em termos de processamento cognitivo, o pensamento altamente criativo


é frequentemente diferenciado do pensamento mais convencional porque
se baseia em parte em pensamentos divergentes, que, oferecido os mesmos
dados ou conteúdo, geram várias soluções aceitáveis.

• Como a inovação ou a solução criativa de problemas ocorre em ambientes


colaborativos, como conversas improvisadas ou apresentações musicais, os
métodos instrucionais em nossas escolas precisam oferecer aos alunos opor-
tunidades de participar dessas atividades colaborativas com seus professores
e colegas.

260
• Depois de dominar um corpo de conhecimento, os indivíduos são capazes de
encontrar soluções para novos problemas, associando informações aprendidas
de diferentes maneiras.

• Os alunos precisarão exibir competência global, que inclui não apenas


conhecimento, mas também a capacidade de integrar informações em
domínios disciplinares por meio da solução criativa e inovadora de problemas.

• A criatividade pode e deve ser explicitamente ensinada em nossas escolas.

• Os professores não apenas precisam ajustar suas práticas, mas também devem
ensinar os alunos a aprender de novas maneiras, pois acabarão enfrentando
um mundo em que existe mais de uma única solução.

• As avaliações fornecem feedback que informa e motiva os alunos enquanto


aprimora sua memória para o material de maneiras específicas.

• As avaliações fazem com que os alunos recuperem informações ativamente, o


que por si só demonstra melhorar a retenção.

• Espaçar intencionalmente várias avaliações do mesmo material em intervalos


de tempo especificados pode levar os alunos a se envolver em padrões de
estudo e recuperação ativa que aumentam ainda mais a retenção.

• Os efeitos do feedback corretivo parecem ser mais fortes quando os professores


explicam por que as respostas são precisas ou imprecisas e/ou pedem aos
alunos que continuem trabalhando nas tarefas até alcançarem.

• O feedback com apoio produz melhor retenção a longo prazo do que outros
tipos de feedback.

• O feedback efetivo depende não apenas do tipo de feedback, mas também de


seu timing.

• Os alunos geralmente são mais bem atendidos pela prática de recuperação


(por exemplo, autoperguntas) do que estudando sozinhos (por exemplo,
releitura).

• A recuperação ativa de informações consolida o aprendizado de maneira


mais poderosa do que as formas elaboradas de estudo.

• Se o objetivo é que os alunos se lembrem das informações para um próximo


teste de unidade quatro a seis semanas após o conteúdo ser ensinado
inicialmente, o conteúdo deve ser revisado com uma sessão de estudo/teste
de acompanhamento após cerca de uma semana.

261
• Se os professores precisarem que os alunos mantenham informações por mais
tempo (por exemplo, até um ano letivo completo para exames finais ou testes
padronizados), o conteúdo deverá ser revisado somente após um mês ou
mais.

• O desafio de uma avaliação eficaz é equilibrar o uso de avaliações que exigem


a seleção da resposta correta com aquelas que exigem que os alunos construam
respostas abertas, resolvam problemas e apliquem conhecimento.

• A avaliação do portfólio pode incentivar a metacognição (conscientização dos


próprios processos de pensamento) que permite que os alunos definam suas
próprias metas de aprendizagem e depois acompanhem seu progresso.

• As avaliações de desempenho geralmente são classificadas pelo uso de


rubricas de avaliação, o que torna possível avaliar o desempenho em vários
critérios diferentes.

CHAMADA

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262
AUTOATIVIDADE

1 As regiões do cérebro envolvidas no pensamento criativo – e, em particular,


o pensamento divergente – incluem amplamente as regiões pré-frontais do
córtex cerebral. Essas regiões são frequentemente associadas a processos
cognitivos ou de funções executivas de ordem superior. Sobre as pesquisas
em neurociências e sua relação com o pensamento e a criatividade, analise as
sentenças a seguir:

I- Estudos mostraram que o cérebro fortalece as redes existentes quando um


indivíduo está envolvido em múltiplas exposições a estímulos sensoriais.
II- Há um aumento mais forte na atividade do EEG quando os indivíduos
exibem mais ideias originais em comparação com as menos originais,
sugerindo que o pensamento criativo pode se refletir nos padrões de ativação
cerebral.
III- Há uma diminuição da atividade no córtex pré-frontal medial, uma região
do cérebro que tem sido associada a ações de autoexpressão e individualidade,
no processamento neural durante um ato criativo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

2 Atualmente, educadores e formuladores de políticas educacionais debatem


se os currículos devem se concentrar em fatos e conteúdos ou no ensino
de habilidades de pensamento crítico. Diante desse debate, partindo das
pesquisas atuais sobre aprendizagem, pensamento criativo e habilidades do
século XXI, qual seria uma possível solução?

3 Nos últimos anos, um corpo relativamente grande de pesquisas em educação,


psicologia e ciências cognitivas mostrou que testes e outras avaliações fazem
muito mais do que simplesmente dizer ao professor quanto aprendizado
ocorreu. As avaliações fornecem feedback que informa e motiva os alunos
enquanto aprimora sua memória para o material de maneiras específicas.
Sobre os feedbacks avaliativos, analise as sentenças a seguir:

I- Os efeitos do feedback corretivo parecem ser mais fortes quando os


professores explicam por que as respostas são precisas ou imprecisas.
II- Quando as respostas estão incorretas, fornecer apenas feedback certo/
errado transmite pouca informação útil ao aluno.
III- Quando os alunos sabem que não receberão feedback por um tempo, eles
fazem mais esforço para ter um bom desempenho.

263
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

4 Há uma prática crescente em nossas escolas de tentar ensinar muita matéria


em muito pouco tempo para cobrir todo o material necessário. Essa prática
leva a uma abordagem de "ensinar, testar e seguir em frente" que não é passível
de interações mais profundas e mais prolongadas com o conteúdo. Uma
estratégia, fundamenta amplamente em pesquisas, é o uso dos espaçamentos
no processo de aprendizagem. Sobre os efeitos de espaçamento, analise as
sentenças a seguir:

I- Quando o teste final ocorre cerca de uma semana após a aprendizagem


inicial, o espaçamento ideal antes da revisão do material é de cerca de um ou
dois dias.
II- Para testes realizados em um ano ou mais, o espaçamento ideal é de um a
dois meses.
III- Se o objetivo for a retenção por muitos anos ou uma vida inteira, é provável
que o conteúdo precise ser revisado várias vezes ao longo de vários anos com
grandes lacunas no meio.
IV- A desvantagem de ultrapassar o ideal é muito pior do que a desvantagem
ter uma lacuna muito curta entre os eventos de aprendizagem.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença I está correta.
c) ( ) Somente a sentença II está correta.
d) ( ) Somente a III está correta.

264
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