Você está na página 1de 18

Causos e coisas de Lourival

Ê Lourival?

Quem não gosta desse homem

Que vai por ai a prosear

Contando estória absurda

Você deve acreditar

São coisas tão verdadeiras

da sua imaginação

Eu digo com muito orgulho:

Ele é o nosso "pantaleão"

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Louro, Louro, Louro meu tio

Você parece mais um menino vadio.

Ê Lourival

Montado em seu cavalo

foi correr dentro do mato

seu olho esquerdo enganchou

num cipó unha de gato

sentiu falta do seu olho

pois era grande a fadiga

voltou e foi procurá-lo

encontrou enganchado
cheio de formiga

lavou com todo carinho

aquele olho travesso

colocou na sua órbita

olhou tudo do avesso

aquela situação lhe causou constrangimento

um olho olhava pra fora

o outro olhava pra dentro

viu assim seu intestino em pleno funcionamento

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Um dia zangou sua mãe

que correu pra lhe bater

se jogou dentro do rio

mergulhou pra se esconder

os vizinhos apavorados

fizeram grande alarido

Marcelina já chorava:

- Morreu meu filho querido!

quatro horas se passaram

de aflição e desconforto

todos já tinham certeza

Lourival está morto

de repente surgiu entre as águas

e disse: venci o desafio

perguntavam: menino onde estavas?

dormi no fundo do rio.


- É mentira Neusa?

- Verdade.

Dormindo ele sonhou

com uma cobra em sua rede

acordou apavorado

suando e com muita sede

querendo chamar sua mãe

mas com medo de falar

achava que a cobra

dormia em sua cintura

com o barulho podia acordar

pensou: vou sair correndo

pra da cobra me livrar

deu um pulo, abriu a porta

saiu correndo a gritar

e a cobra em sua cintura

batia pra lá, batia pra cá

correu tanto e desmaiou

olhem a confusão

quando tudo acalmou

viu que não era cobra

mas o seu cinturão

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Menino do interior

veio conhecer a cidade

matuto se encantou
vendo tanta novidade

foi passear lá na praça

onde viu muitas pessoas

se benzeu, se ajoelhou

pediu a benção e rezou

aos pés de João Lisboa

depois quis voltar pro barco

que ancorou no portinho

aperreado e chorando

se perdeu pelo caminho

os barqueiros preocupados:

- Onde foi esse rapazinho?

procurando o encontraram

e disseram: Rapaz fale a verdade

você estava perdido?

Não. Pensam que sou aruá?

- Tava passeando na cidade.

- É mentira Neusa

- Verdade.

ouviu todo mundo falar

do telefone e ai

ficou curioso e disse

vou sair pra descobrir

eu vou ligar lá pra Morros

e dar noticias daqui

foi na estação de trem

entrou logo no banheiro


ficou admirado

olhando aquele aparelho

pôs o ouvido no assento

e disse: alô, alô

ficou tão desconcertado

a descarga escangalhou

- Oh! meu Deus o que é isto?

todo molhado a reclamar

eu não quero tomar banho

quero é com mamãe falar

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Quando ainda era criança

conta isso com saudade

já brincava de patins

pelos morros da cidade

junto com Maria Izabel

sua irmã de estimação

depois iam para a praça

vender bolinhas de sabão

que faziam dissolvendo o sabão de andiroba

e soprando no caule da folha de mamão

ouviu falar de asa delta

logo, logo pensou assim

vou usar os meus poderes

como faz o Aladim

subiu lá na siribeira
meu Deus que felicidade!

na palha da juçareira

pelos poderes de Louro

sobrevoou a cidade

e se encantou quando viu:

Morros, um paraíso de verdade

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Vica, sua querida madrinha

lhe presenteou um belo alazão

que logo desapareceu

causando choro, desolação

passou o tempo, muito tempo

foi pra roça capinar

observou no roçado uma planta

entre as outras caminhar

veio em sua direção

pensou: que diabo isto será?

chegou bem perto pra ver

parece um jarro de flor

não é que era o cavalo

na costa do animal

numa ferida profunda

uma maniva brotou

- É mentira Neusa?

- Verdade.
Olhou uma capivara

que mergulhou no rio Munim

Pensou: Vou te pegar é agora

da rampa então se jogou e ai

no fundo do rio seu rastro encontrou

ela andava tão ligeiro

que ao chegar na cachoeira

fez um giro e voltou

ele seguindo seu rastro

rio abaixo lhe alcançou

sempre a lhe perseguir

respirava e mergulhava

já pensando em desistir

passaram em Morros, Axixá

e chegaram em Icatu

viu a capivara cansada do rio sair

pegou a pobre coitada

e numa longa caminhada

com ela nos ombros, pra Morros voltou

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Foi visitar um parente

e por lá pernoitou

percebeu algo diferente

na hora de dormir alguém com ele deitou

custou levantar pro café

sua prima então foi lhe chamar


ele fez um gesto de silêncio

e apontou pra braguilha

ela desapontada

pra sua mãe foi reclamar

quando ela no quarto entrou

pra braguilha de novo ele apontou

se sentindo desrespeitada

foi pro marido contar

ele pegou o facão

furioso foi resolver a questão

quando chegou olhou e disse:

acorda Mariquinha e explicou:

Ah! É minha jiboia, minha cobra queridinha

Meu bichicho de estimação

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Esse cavalo coitado

comia tudo que via

prato, panela, colher e bacia

sua fome era tão grande

que no jirau dos vizinhos

não ficava uma vasilha

ai vinha a cobrança

queriam que Louro pagasse

ele então lhes respondia:

- Não posso pagar porque

se eu não tenho dinheiro


para lhe dar de comer

como vou pagar os delitos

que ele possa cometer?

um dia de tanta fome

comeu também o funil de tia Balbina

que desceu e se encaixou bem no final da turbina

nunca mais ele cagou

ficou todo inchado, quase explodiu

abriram-lhe a barriga

pra vê o que estava acontecendo

ele já estava quase morrendo

o funil tava enganchado no orifício culina

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Sua mãe tão pobrezinha

quatro filhos pra criar

criava também galinhas e patos

e um porquinho

que nem conseguia engordar

vivia solto o bichinho

comendo tudo o que achava

nas sintinas da cidade

mesmo assim não engordava

quando faltava comida

tiravam do porco vivinho

um bom pedaço ou um courinho

comiam assado com farinha


e sem nenhum embaraço

cuidavam daquela ferida

até conseguir sarar

e quando a fome braba batia

outro pedaço saia

do indefeso animalzinho

que nem criava toucinho

para se poder fritar

- É mentira Neusa?

- Verdade.

De barco a navegar

bem no estreito dos mosquitos

viu um bicho horripilante

mais parecia um gigante

com o olhão a gritar

vinha muito furioso

querendo se aproximar

se escondeu lá no porão

chorou, tremeu de pavor

disparou seu coração

mais quando tudo acalmou

perguntou espantado aos tripulantes

- Cadê o bicho já passou?

se benzeu e disse amém

Todos rindo lhe explicaram

Zé Mané isso não é bicho

isso é um trem
- É mentira Neusa?

- Verdade.

Se mudou pra São Luís

se hospedou com um parente

descobriu que na cidade

tudo era diferente

curioso com o que via

queria saber então

quem as luzes acendia?

não lhe deram explicação

escreveram um bilhete

e puseram em sua mão

para entregar ao guarda

quando passasse

para as lâmpadas acender

e todo dia esperava o tal homem

que não conseguia ver

vários dias se passaram

e sempre a mesma surpresa

quando ele se espantava

as luzes estavam acesas

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Completou maioridade

foi então se alistar

muito cedo se entregou

ao regime militar
no quartel era chamado

Frei Crepúsculo porque

colocava o batalhão

pra rezar ao entardecer

Pai nosso, Ave Maria

Glória ao Pai e ladainha

um dia ele cochilou

e rezou a Salve Rainha

fez toda ronda sonhando

visitou os sentinelas

se apresentou ao comando

os soldados curiosos

ficaram observando

foi aquela gozação

todos estavam sorrindo

quando alguém gritou bem alto

essa besta ta é dormindo

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Levantou cedo para caçar

e quando passou na lagoa

viu patos do mato a banhar

esfregou as mãos e disse: oh coisa boa!

- O que posso fazer pra esses patos pescar?

Tenho um rolo de punho

e um pedaço de toucinho

preparou então a isca


e jogou para os bichinhos

um pato logo comeu

e depois logo cagou

foi tudo tão ligeirinho

outro logo se apressou e comeu

tudo se repetindo vejam o que deu:

todos visgados no punho

ele tirou o chapéu de joelhos a Deus agradeceu

salgou e secou esses patos

que por muito tempo comeu

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Um dia foi acampar

lá na terra dos vinhais

descobriu naquele sitio

juçareiras divinais

grandes cachos tão cinzentos

pôs de molho pra amassar

mais se viu aperreado

na hora de peneirar

tirou então a cirola

que vestiu há alguns dias

coou nela a juçara

feliz, cheio de alegria

serviu os seus companheiros

que agradeceram com prosa

obrigado meu tenente


pela juçara gostosa

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Era tão pobre esse jovem

que nem tinha cinturão

segurava suas calças

com uma embira ou cordão

um dia ele acordou

com uma cobra na cintura

era grande a agonia

chamou sua mãe baixinho

que ao seu lado dormia

ela então perguntou

- O que é Lourival?

- uma cobra

Ela então pegou a faca

cortou o punho da rede

ele saiu correndo

correu muito até cansar

apavorado gritou:

- cobra tu quer morder, morde

pode morder

mas fique sabendo

que está mordendo um homem

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Um dia eu fui pescar


com ele no rio Munim

joguei o gué e ai

lá se vem um surubim

levou a nossa canoa

rio acima, rio abaixo

eu então lhe perguntei:

- Tio será que é mesmo um peixe

ou o que será esse diacho?

eu segurando o anzol

e Lourival lá na proa

não conseguimos pegá-lo

e trazer para a canoa

Louro pulou no rio

e ao peixe se atracou

trouxemos para a beirada

100 quilos ele pesou

- É mentira Neusa?

- Verdade.

Seus sobrinhos e amigos

pediam com educação

tio conte a história da cobra

era aquela gozação

cobra1, cobra2, cobra 3

logo outra história surgia

para distrair tanta gente

e lhe dar tanta alegria

depois ele emudeceu


e nada mais nos contou

mais um grande legado

como presente nos deixou

Seus olhos falavam de paz

seu silencio cantava justiça e amor

seu sofrer regava esperança e fé

valores, valores, valores

foi tudo, tudo que nos restou

exemplo de vida

herança que o eternizou

nos corações que os amava

uma grande saudade ficou

será mesmo que morrestes

ou estais brincando com a gente?

morrestes sim para o mundo

nascestes para o eternamente

partilhando nossa dor

e a saudade que choramos

ouve Lourival Muniz

nós todos muito te amamos

agora que estás no céu

nos braços do Pai amor

junto com a mãe Maria

já és nosso intercessor

consola nossa saudade

escuta nossa canção

ouve a nossa voz


que clama em oração

Lourival rogai por nós

e nos dá sua benção.

Você também pode gostar