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Falar de sexo

Aula 3

Na aula passada, vimos como o advento das perversõ es enquanto categoria


clínica estava profundamente vinculado a dois processos de natureza política.
Nã o se tratava de reduzir a consolidaçã o das perversõ es a tais processos, mas de
traze-los enquanto elementos importantes que devem ser levados em conta se
quisermos ter uma visã o articulada do que está em jogo quando categorias
clínicas sã o constituídas e, através delas, novos sujeitos sã o produzidos. Eu
insistira na aula passada em certa natureza performativa das categorias clínicas.
De onde se seguiu a sugestã o de usarmos perspectivas como o “nominalismo
dinâ mico” de Ian Hacking para dar conta da especificidade dos modos de
categorizaçã o nas clínicas do sofrimento psíquico. Ou seja, essa fala de sexo que
nasce no começo do século XIX, uma fala clínica, tinha natureza profundamente
performativa. Através da classificaçã o, ela nã o simplesmente descrevia objetos,
ela os criava. Nesse sentido, a pergunta da qual partimos na aula passada poderia
ser retomada da seguinte forma: “Por que, em dado momento histó rico, o
ocidente começou a criar “fetichistas”, “exibicionistas”, “sá dicos”,
“homossexuais”, “masoquistas”, entre tantos outros?”, “Por que tais sujeitos
apareceram?”
Como uma questã o de método, eu havia sugerido submeter reflexõ es de
cunho genealó gico a consideraçõ es de ordem, digamos, agonística. Isso significa
que a reflexã o sobre o desenvolvimento histó rico das tecnologias pró prias a um
certo discurso de aspiraçã o científica (no nosso caso as clínicas do sofrimento
psíquico) deve partir de questõ es do tipo “contra quem”, ou seja, questõ es que
procuram revelar o solo de conflitos sociais nos quais tais desenvolvimentos
tecnoló gicos se inserem. Contra quem as perversõ es sã o erigidas, uma clínica dos
desvios da sexualidade erigida? Uma perspectiva genealó gica deve, sobretudo,
dar conta de quais conflitos sociais concretos movem os deslocamentos de
saberes. Se vocês me permitem, esse parece-me o ponto cego do projeto de
Michel Foucault, do qual partimos na primeira aula. Ao procurar fazer uma
histó ria da sexualidade a partir, sobretudo, do advento do discurso clínico, faltou
a Foucault definir a cartografia das insubmissõ es, efetivas e potenciais, contra as
quais tal discurso se constitui. Essa clínica da sexualidade tinha uma dimensã o
contra-insurrecional. Seria necessá rio falar mais dela. Nesse sentido, a título
introdutó rio, eu sugeri levarmos em conta dois eixos principais de conflitos.
Primeiro, devíamos estar atentos à maneira com que a consolidaçã o das
perversõ es desdobrava-se no interior de uma concepçã o de doença mental como
degenerescência. Isso significava que a doença mental era compreendida
necessariamente como regressã o, como fixaçã o a estados arcaicos de
desenvolvimento e de maturaçã o. Por outro lado, a aceitaçã o, extensiva no
discurso médico de entã o, do princípio positivista do paralelismo entre
filogênese e ontogênese criava um campo possível de acoplagem entre uma
teoria do progresso histó rico das formas sociais e uma teoria da maturaçã o
subjetiva. Nesse sentido, a perversã o será , sobretudo, expressã o de
comportamentos arcaicos, da fixaçã o naquilo que deveria ter sido ultrapassado
pelo processo civilizató rio. Ou seja, o comportamento perverso seria um
“arcaísmo” que ressoaria comportamentos pró prios de sociedades ainda em
está gio primitivo. Nã o será por outra razã o que encontraremos, de forma tã o
abundante, termos como “sodomia”, “inversã o”, “lascívia”, “corrupçã o”, prá ticas
depois descritas como travestimos utilizados durante séculos para a descriçã o da
“bestialidade” do comportamento sexual dos ameríndios, assim como de outros
povos nã o-ocidentais. Antes de passar ao campo clínico, a estigmatizaçã o dessas
prá ticas estavam em operaçã o nas dinâ micas coloniais. Maneira de lembrar que
a implantaçã o clínica das perversõ es tem articulaçõ es profundas com
dispositivos coloniais do sujeiçã o, aplicados agora no territó rio das pró prias
metró poles. E, como havia dito, nã o é mero acaso que tal consolidaçã o
tecnoló gica da administraçã o dos corpos ocorra exatamente no momento que
uma nova vaga de colonizaçã o se desenvolve na Á frica e na Á sia, aumentando
exponencialmente o contato entre europeus e outros povos.
Mas havia ainda um segundo elemento a ser acrescido nesse quadro.
Como insisti na aula passada, há de se lembrar como sã o da mesma época as
justificaçõ es científicas da superioridade racial do ocidente, a consolidaçã o das
perversõ es e, principalmente, o risco de degenerescência da estrutura social do
ocidente devido ao século XIX ser um século de revoluçõ es sociais. Ou seja, a
regressã o viria de fora e de dentro de nossas sociedades. Ela descreveria tanto o
está gio no qual sociedades nã o-ocidentais ainda se encontrariam quanto o
princípio de degradaçã o imanente à s nossas sociedades, princípio esse que
deveria ser combatido com todas as forças. Em momentos de forte convulsã o
social, com a emergência das massas no espaço político, era necessá rio que a
capacidade de intervençã o e administraçã o social se internalizasse cada vez
mais, tornando-se administraçã o dos corpos, regulaçã o médica dos desejos,
controle que se internaliza em uma mistura irresistível entre medicina e moral.
Quando a sombra do desgoverno avança, há de se governar melhor os corpos,
levar à classe proletá ria a figura do médico que entra na casa para controlar a
masturbaçã o das crianças, tirar os filhos do leito dos pais, lutar contra a
pedofilia, regular a estrutura indissolú vel da família, colocar o desejo feminino
no seu pretenso lugar natural.
1830, 1848, 1871 sã o apenas algumas datas que nos lembram como a
Europa foi tomada por corpos que ocupavam as ruas, bloqueavam a circulaçã o,
exigiam uma nova ordem e saiam, de forma violenta, de seus “lugares naturais”.
Corpos em contato, em contá gio e em fusã o. Contra essa insubmissã o dos corpos
nas ruas nada melhor do que ensinar a submissã o à norma sexual e a
desconfiança perpétua em relaçã o à polimorfia confusa de nossos desejos. Nada
melhor do que instaurar um policial no interior de cada sujeito, nem que ele
esteja vestido com as roupas do médico. Como se nosso desejo fosse a força
insubmissa que pode, a todo momento, destruir tudo, causar as piores
desordens. “Amor desenfreado é um vulcã o que queima e arrasa tudo a sua volta;
é um abismo que tudo devora – honra, substâ ncia, saú de”1. Assim, investir
sexualmente na ordem institucional, nas estruturas mais claramente vinculadas
aos processos de reproduçã o material do capitalismo em expansã o, de
fortalecimento de uma concepçã o unitá ria e identitá ria de corpo social que
reforça o lugar diretivo da autoridade médica, moral e política aparece como
uma forma privilegiada de luta política de preservaçã o e restauraçã o. Fazer as

1
KRAFFT-EBING, idem, p. 1
pessoas temerem a insubmissã o nas ruas através do temor que se instaura
contra a insubmissã o do seu pró prio desejo.
É tendo esse contexto em vista que gostaria de abordar o caso mais
complexo dessa consolidaçã o clínica das formas de falar de sexo. Trata-se da
psicaná lise. Prá tica que se desenvolve mais ou menos à mesma época que a
emergência do discurso clínico sobre o sexual e que será uma de suas mais fortes
expressõ es. Eu havia dito a vocês na primeira aula que a influência da psicaná lise
em nossa forma de falar de sexo é extensa. Defendendo ou nã o a prá tica clínica
psicanalítica, é certo que estratos fundamentais de nossa cultura sã o
psicanalíticos. Nossa forma de falar sobre a família, sobre a infâ ncia, sobre os
conflitos de transmissã o e filiaçã o, sobre nossos sonhos e sobre nossas formas de
sofrer foi profundamente marcado pela cultura psicanalítica.
Mas além dessa questã o de influência, há ainda outra razã o para dar a
psicaná lise tal prevalência. Falar da psicaná lise e de sua forma de falar de sexo é
falar, necessariamente, de um campo fraturado. Há uma contradiçã o em seu seio,
como ela fosse atravessada por uma espécie de luta de classe que lhe divide em
dois. No que nos diz respeito, podemos dizer que ela será tanto a prá tica capaz
de vincular o discurso clínico ao horizonte de lutas sociais que se desenhavam a
época quanto a prá tica que fornecerá à ciência da sexualidade alguns de seus
dispositivos disciplinares mais resilientes. Da psicaná lise virá o impulso à s
temá ticas de uma revoluçã o sexual, da crítica implacá vel à melancolia
pressuposta em toda construçã o de identidades de gênero, da relaçã o entre
violência e colapso da ordem patriarcal. Ela virá também a reduçã o do circuito
do desejo a seu nú cleo familiar, a temá tica do cará ter necessariamente deceptivo
do processo civilizató rio, entre tantos outros.
Por isso, eu gostaria de utilizar duas aulas para falar de Freud e a primeira
aula gostaria de dedica-la à descriçã o de um fracasso. Na verdade, trata-se de um
fracasso conhecido como “o caso Dora”. Contrariamente à quilo que é a norma no
saber médico, Freud faz de um fracasso clínico um caso onde é questã o dos
limites da técnica analítica e seus desafios. Essa é uma maneira privilegiada de
procurarmos entender como a psicaná lise lida com essa dupla inscriçã o, como
ela será a cena na qual certa forma de falar de sexo encontrará seus impasses.

O direito do ginecologista.

Nesta histó ria da doença (...) discute-se francamente as relaçõ es sexuais,


os ó rgã os e funçõ es sexuais sã o chamadas por seu nome correto. Com isto,
o leitor poderá se convencer, apó s minha exposiçã o, que nã o recuei da
discussã o de tais assuntos em tal linguagem com uma garota. Devo entã o
também me justificar desta acusaçã o? Eu reivindico simplesmente os
direitos do ginecologista ou ainda direitos muito mais modestos. Seria
índice de estranha e perversa lubricidade supor que conversas parecidas
seriam um bom meio de excitaçã o sexual2.

Essa afirmaçã o está no início do texto dedicado ao caso Dora. Tais colocaçõ es sã o
mais importantes do que parecem. Elas expõ em todo um regime de fala do sexual
2
FREUD, Sigumnd; “Brichstuck einer Hysterie-Analyse” In: Gesammelte Werke Vol. V, Frankfurt:
Fischer, 1999, p. 186
que entã o se constituía. Demoremo-nos um pouco nessa singular inveja dos
“direitos do ginecologista”. Tal como o ginecologista, a fala de Freud nã o poderia
ser vista como fala que porta lubricidade, interesse. Freud dirá que ela deve ser
“seca e direta”, dando aos ó rgã os sexuais seus nomes técnicos e comunicando
seus nomes quando estes sã o desconhecidos pela paciente. Uma fala que
descreveria as perversõ es “sem indignaçã o”. Ou seja, como já disse Foucault, esta
fala é uma vontade de saber baseada na submissã o da sexualidade ao modo de
descriçã o de uma scientia sexualis. Através desta submissã o, a psicaná lise teria
produzido um imperativo de transformar o desejo em discurso clínico.
É desta transformaçã o que é questã o no caso Dora. Ao falar francamente
sobre sexo com uma garota, Freud nã o apenas escuta. Ele a ensina como falar, em
que condiçõ es seu desejo pode ser colocado em discurso, qual histó ria ele deve
contar, qual conflito ele deve assumir. Falar nã o é apenas liberar. Falar é também
internalizar uma gramá tica do desejo. Assim, podemos ler o caso freudiano
também como a histó ria de um conflito. O conflito que ocorre quando as relaçõ es
sexuais, seus ó rgã os e funçõ es sã o postos em um determinado regime de “falar
clínico”, sã o levados a assumir certas histó rias e dinâ micas. Se assumirmos tal
perspectiva, o caso Dora talvez aparecerá como um interessante relato de certa
forma de resistência que nã o é apenas uma reaçã o terapêutica negativa, mas a
insistência da dificuldade em constituir uma fala sobre a sexualidade que seja
capaz de dar voz aos arranjos contingentes que a sexualidade produz. A posiçã o
de Freud é aquela de quem fornece uma norma geral de fala. A posiçã o de Dora é
aquele de quem nã o a aceita completamente. É esta incompletude em relaçã o à
norma de fala fornecida por Freud que produzirá a ruptura do tratamento.
Para começar a compreender a natureza dessa norma geral de fala,
perguntemo-nos como Dora foi classificada. A categoria clínica que lhe
determinaria seria o que a época entendíamos por “histeria”. É do estudo sobre
as histerias que Freud parte
Sabemos como, desde os gregos a histeria era uma “questã o de mulheres,
ou melhor, de parteiras”3. De onde se segue sua etimologia deriva de hystera
(ú tero). Hipó crates falava dos sintomas provocados pela “sufocaçã o da matriz” e
pela mobilidade do ú tero que, ao tocar outros ó rgã os como o fígado, provocaria
reaçõ es como a perda de voz e a lividez. Para manter o ú tero em seu lugar, o
médico grego prescrevia a relaçã o sexual e a gravidez. Algo nã o muito diferente
encontra-se em Platã o que, no Timeu, compara o ú tero a um ser vivo possuído
pelo desejo de procriar e que se irrita quando permanece estéril durante muito
tempo, “causando toda variedade de doença” 4. Ou seja, a articulaçã o entre
histeria e sexualidade mostra-se como uma das correlaçõ es mais antigas da
histó ria da medicina. Neste sentido, mais do que um instaurador, Freud aparece
como um peculiar restaurador, isto ao insistir na etiologia sexual da histeria e na
necessidade da conduçã o da paciente à assunçã o do lugar que poderia
determinar sua sexualidade.
No entanto, como é pró prio das estratégias de Freud, mais do que
descrever desvios em relaçã o a uma sexualidade normal, ele tende a generalizar
a histeria como quadro geral de socializaçã o através da identificaçã o com o
g6enero feminino. Isso significa que, para Freud, nã o há identificaçã o de gênero
sem a produçã o de sofrimento, sem a produçã o de sintomas. Em suma, nã o há
3
TRILLAT, Etienne; História da histeria, São Paulo: Escuta, 1986, p.17
4
PLATAO, Timée, Paris: Pleiade, 1990, 91c
gênero sem sintoma. No caso da posiçã o feminina, esses sintomas sã o pensados
de forma preferencial através da histeria. É certo que Freud tem um horizonte de
cura e tratamento a lhe guiar. Tal horizonte se refere, sobretudo, a certas
disposiçõ es normativas vindas do complexo de É dipo e de sua maneira de
compreender os conflitos afetivos a partir da repetiçã o modular de conflitos
familiares. Mas o verdadeiro interesse do caso Dora está em outro lugar. Na
verdade, Freud acaba por mostrar, a contrapelo, os limites desse dispositivo
clínico fundado na mobilizaçã o edípica como matriz para uma leitura do sexual.
Vejamos como isso se dá .

Gozo e destruição

Lembremos de alguns traços maiores do caso, tal como descrito por


Freud. Dora tinha dezoito anos quando levada a Freud por seu pai devido a uma
intençã o de suicídio, enunciada em uma carta, seguida de um acesso de desmaio.
Ela apresentava sintomas de depressã o, transtornos de cará ter e alguns sintomas
somá ticos, como tosse nervosa, dispneia e afonia. Dora já apresentava
transtornos neuró ticos desde a idade de oito anos (problemas respirató rios). Aos
dozes, aparecem dores de cabeça, tosses nervosas e pigarreamento. As dores de
cabeça desaparecem à idade de dezesseis anos, o resto persiste.
Com este quadro de sintomas, Freud procurará confirmar a presença de
um conjunto de condiçõ es, enunciadas desde o Estudos sobre a histeria, para o
aparecimento da histeria, como o trauma psíquico (que se organiza como um
“corpo estranho” no interior do sistema de representaçõ es do sujeito), o conflito
de afetos e a intervençã o da esfera sexual.
A aná lise de Dora, que só dura três meses, se coloca inicialmente sob o
signo da reivindicaçã o dirigida ao pai. Dora reclama que o amor de seu pai lhe
fora roubado pela ligaçã o deste com uma amante, Guiseppina Zellenka, chamada
no caso de “Sra. K”. Como em uma espécie de troca, ele a ofereceu à s
assiduidades do marido da amante, o Sr. K. Como vimos, Dora escrevera uma
carta na qual relatava sua intençã o de suicídio. Tal carta fora escrita apó s um
incidente envolvendo seu pai e o Sr. K. Dora afirmava ter sido assediada pelo Sr.
K, a beira de um lago, e exigia que seu pai tirasse satisfaçõ es com o referido. O Sr
K. nã o apenas negou a intençã o como acusou a jovem de se deixar influenciar por
literatura de cunho sexual, como o entã o conhecido Fisiologia do amor, de Paolo
Mantegazza..Vendo que o pai preferia acreditar no Sr. K, Dora ameaçou suicidar-
se.
Freud afirma que tal incidente com o Sr. K fornecia a ocasiã o do
traumatismo psíquico. Mas Freud recua à idade de 14 anos para encontrar outra
cena, também envolvendo o Sr. K. Na ocasiã o, ele convidara Dora a ir à sua loja
para ver, apó s, uma solenidade religiosa. Enquanto Dora esperava que o Sr. K
fechasse a loja, ele a agarrou e a beijou na boca. Tomada de profundo desgosto,
Dora desvencilhou-se dele e fugiu por uma porta aberta. No entanto, ela nada diz
sobre o incidente. Silêncio que indica ausência possível de reaçã o. Um sintoma
somá tico (uma alucinaçã o sensorial) aparece: a pressã o na altura do tó rax. Freud
deduz que tal pressã o era a marca do sentimento da ereçã o do pênis do Sr. K
quando este a apertou contra seu corpo. Freud afirma que a excitaçã o sexual que
deveria aparecer nesta cena foi vivenciada por Dora como desgosto. De onde se
segue a afirmaçã o: “Entendo por histérica toda pessoa para quem uma ocasiã o de
excitaçã o sexual provoca sobretudo ou exclusivamente desgostos, que esta
pessoa apresente ou nã o sintomas somá ticos”. Uma garota normal teria se
excitado, diz Freud.
A princípio, a posiçã o de Freud parece insustentá vel. Afinal, tudo se passa
como se ele recebesse em seu consultó rio uma garota que sofrera assédio sexual,
nã o tendo ideia melhor do que tentar convencê-la de que, afinal de contas, ela
está apaixonada por seu agressor. Note-se, no entanto, que a verdadeira idéia de
Freud consiste em dizer que Dora nã o reage nem como uma excitaçã o clara nem
com um simples desgosto. A simples repulsa violenta ao assédio indicaria que ela
nada quer do Sr. K. Mas isto nã o explicaria os sintomas somá ticos como a pressã o
no tó rax, nem a perpetuaçã o da relaçã o. Tais sintomas sã o, ao menos para Freud,
a marca de uma reaçã o contraditó ria onde desgosto e excitaçã o parecem investir
o mesmo processo. Desta forma, o problema da natureza traumá tica da situaçã o
vem do fato de haver algo de profundamente contraditó rio que impede a açã o.
Essa contradiçã o se expressa, por sua vez, em uma dimensã o estrutural
do sistema da relaçõ es no interior do qual o desejo de Dora está enredado. É
pensando nisso que Freud se pergunta o nível de cumplicidade que Dora teria em
relaçã o a esta situaçã o. Nã o teria algo da implicaçã o de seu desejo nesta maneira
de perpetuar, durante anos, uma situaçã o que, segundo Dora, era insuportá vel?
Como dirá Freud:

Ela tinha razã o : seu pai nã o queria levar em conta o comportamento do
Sr. K em relaçã o à sua filha, isto a fim de nã o ser incomodado na sua
relaçã o com a Sra. K. Mas ela havia feito exatamente a mesma coisa. Ela
havia sido cú mplice desta relaçã o e tinha descartado todos os índices que
testemunhavam sua verdadeira natureza5.

Sendo assim, a relaçã o nã o era exatamente insuportá vel, mas tinha uma funçã o
importante para o direcionamento do desejo de Dora. Freud lembra, por
exemplo, como ela estava a par, desde há muito, de toda situaçã o envolvendo seu
pai, isto graças à intervençã o de uma governanta. Ela também se ocupava dos
filhos da Sra. K, como se procurasse facilitar os encontros de seu pai. Sua relaçã o
com a Sra. K chega a ponto das duas dormirem juntas na mesma cama, à ocasiã o
em que Dora se hospedava na casa dos K, à beira do famoso lago.
Freud insiste que deve existir aqui a reatualizaçã o de um processo de
identificaçõ es que nã o ocorrera, de maneira satisfató ria, no interior do universo
familiar nuclear. Ele acredita que tal identificaçã o concernia a relaçã o entre Dora
e a Sra. K. No entanto, a partir de sua interpretaçã o, esta seria uma maneira de
ocupar o lugar da Sra. K diante de seu marido. Ele insiste vá rias vezes com Dora
que ela está apaixonada pelo Sr. K. Como se um dos fundamentos da histeria
fosse encontrado no fato de Dora ser incapaz de admitir e agir a partir da certeza
de uma paixã o que pareceria evidente a todos.
Poderíamos imaginar que o problema ligado ao reconhecimento de seu
amor pelo Sr. K fosse de ordem moral (apaixonar-se por um homem casado). No
entanto, ele é de outra ordem. Para Freud, há algo vinculado a uma certa
maturaçã o libidinal que nã o consegue se realizar. Primeiro, ele acredita haver
algo no comportamento de Dora que parece impedir a realizaçã o do curso
necessá rio das escolhas de objeto. Freud chega a afirmar que um dos traços
5
FREUD, idem, p. 210
característicos da neurose é a incapacidade de satisfazer as “exigências reais do
amor”. No caso de Dora, isto equivale dizer que a posiçã o de ser objeto de desejo
de alguém a quem ela amasse lhe aparecia como uma experiência insuportá vel.
Como se o desejo da histérica devesse permanecer, necessariamente, em posição de
insatisfação.
No entanto, há de se notar como Freud nã o teme aqui colocar-se na
posiçã o daquele que enuncia para a paciente qual o objeto de seu desejo. Ele
fornece, de maneira absolutamente expeditiva, a norma na qual o desejo da
paciente deve se reconhecer. Nã o sã o poucas as vezes em que Freud corta
qualquer possibilidade de elaboraçã o, por Dora, de sua pró pria experiência
afetiva, isto ao nomear, em seu lugar, o objeto de seu desejo. Há algo de muito
diferente entre a paciente elaborar, através de sua experiência, a nomeaçã o do
objeto de seu desejo e o analista nomeá -lo de forma absolutamente normativa.
Neste caso, a reaçã o do paciente nã o pode ser vista como alguma forma de
denegaçã o, mas como a compreensã o de que um objeto só advém necessá rio ao
desejo quando se enuncia no interior da série de contingências que
determinaram seu encontro. Neste sentido, o objeto nã o é o mais importante,
mas a rede de relaçõ es que construíram seu lugar.
A interpretaçã o de Freud produz um curto-circuito na constituiçã o de tal
rede, ele bloqueia seu aparecimento e a elaboraçã o singular de sua constituiçã o
(que poderia estar “naturalmente” em vias de se produzir). Se assumisse seu
amor pelo Sr. K, Dora o amaria à maneira de Freud, a maneira do médico que diz
ao paciente para onde seu desejo deve ir, qual é seu objeto (mesmo que esse
objeto nã o seja exatamente socialmente reconhecível, no caso, um homem
casado) e nunca à sua maneira. Como o amor é a elaboração singular de um
encontro contingente, nã o seria incorreto dizer que Freud fez com que toda a
paixã o pelo Sr. K perdesse o sentido para Dora. Freud precisa fazer isto para
fornecer à Dora o que seria a histó ria de seu desejo, uma histó ria de conflitos
edípicos nã o resolvidos. Mas talvez a histó ria de Dora fosse outra e sua forma de
ir embora depois de três meses fosse simplesmente a exposiçã o de tal erro.

Morrer queimada junto ao pai

Lembremos, por exemplo, dos dois sonhos de Dora interpretados por Freud. O
primeiro:

Há um incêndio na casa. Meu pai está levantado diante de meu leito e me


acorda. Visto-me com pressa. Minha mã e procura salvar sua caixa de joias
mas papai diz: “Nã o quero que meus dois filhos sejam carbonizados por
causa de sua caixa de joias”. Descemos com pressa e, assim que estou do
lado de fora, acordo.

Trata-se de um sonho que Dora teve vá rias vezes. Freud procura localizar
a primeira incidência do sonho. De fato, ele ocorre logo apó s o assédio que Dora
sofreu do Sr. K à beira do lago. O que leva Freud a acreditar que se trata de um
sonho relacionado ao incidente. Ao relatar tal intepretaçã o, Dora produz uma
associaçã o. Um dia apó s a cena do lago, ela estava dormindo em seu quarto
quando acordou bruscamente e viu diante dela o Sr. K. Os dois discutiram e ele
afirmou haver entrado no quarto para pegar algumas coisas. Dora procura uma
chave para trancar o quarto, mas a chave acaba por desaparecer, o que a leva a
acreditar que o Sr., K a pegou. Com medo de que ele aparecesse bruscamente,
Dora sempre veste-se rapidamente.
Por outro lado, a caixa de joias remeteria a duas associaçõ es. Primeiro, a
uma situaçã o na qual Dora viu uma briga entre seu pai e sua mã e a propó sito de
uma joia. A mã e havia pedido brincos de pérola em forma de gotas, mas recebeu
um bracelete. Furiosa, ela afirma que, se é para dar presentes que ela nã o quer,
melhor dar para outra mulher. Freud afirma que Dora se viu como esta outra
mulher. No entanto, Dora nã o assente à interpretaçã o.
A segunda associaçã o remete ao Sr. K. Ele havia presenteado Dora com
uma caixa cara de joias. Freud lembra que “caixa de joias” é também uma
expressã o para vagina. Dora afirma entã o que sabia que ele, Freud, diria isto.
Segue-se a interpretaçã o freudiana: quem recebe um presente deve dar algo em
troca. Dora saberia que, no fundo, o Sr. K espera conquistá -la e transar com ela.
Ela estaria disposta a dar aquilo que sua mã e nã o deu para seu pai, a saber, a
gratidã o. No entanto, no momento em que ela poderia realizar seu desejo, eis que
o antigo amor de Dora por seu pai é chamado de novo para defende-la do amor
atual pelo Sr. K.
Dora nã o aceita a interpretaçã o freudiana. Note-se que a associaçã o da
caixa de joias com o ó rgã o sexual feminino nã o é uma produçã o associativa de
Dora, mas uma sugestã o de Freud, da mesma forma que a rivalidade entre Dora e
sua mã e e respeito da destinaçã o das joias. Tais interpretaçõ es deixam muito
claro o desejo freudiano de conduzir a situaçã o de Dora aos conflitos matriciais
do Complexo de É dipo.
Freud parece mais bem sucedido quando explora outra via do sonho, esta
que se refere ao incêndio. Dora lembra que seu pai e sua mã e brigaram porque a
mã e tinha o há bito de trancar a sala de jantar. Como o quarto do irmã o só tinha
acesso através da sala de jantar, ele ficava necessariamente trancado. O pai
protesta dizendo que o filho poderia precisar sair à noite. Como houve uma
tempestade violenta e o pai afirmou ter medo de incêndio, já que a casa nã o tinha
para-raio, Dora produziu a associaçã o.
Freud tenta associar o incêndio a situaçõ es infantis. Ele lembra que
normalmente proíbe-se crianças de brincar com fogo por medo delas urinarem
na cama, isto devido a uma oposiçã o á gua-fogo. “Nã o poder sair à noite” deve
também ser compreendido como “nã o poder ir ao banheiro”. Freud conclui que
tanto ela quanto seu irmã o deviam ter incontinência uriná ria até uma idade
avançada. De fato, o irmã o teve até o sétimo ano e Dora entre o sétimo e oitavo
ano. Um médico foi chamado, que diagnosticou fraqueza nervosa e recomendou
fortificantes. Freud coloca a incontinência na conta da descoberta da
masturbaçã o, isto devido a uma ideia da época que colocava os dois fatos em
relaçã o. Dora nega veementemente tal associaçã o.
No entanto, no decorrer da interpretaçã o de Freud, Dora demonstra ter
consciência da natureza da doença de seu pai. Ele era sifilítico e tudo indicava
que pegara a doença antes do casamento. Sua mã e parecia ter sintomas ligados à
transmissã o da doença, como dores no ventre e leucorreia. Na dimensã o
fantasmá tica, Dora também se colocava como portadora deste vínculo ao pai, daí
sua maneira patoló gica de vivenciar a sexualidade, em especial a sexualidade
genital. Sua histeria poderia assim ser interpretada como a sua maneira de
participar da doença do pai: “Meu pai estragou a experiência da sexualidade”,
pensa Dora. “Ele produziu um vínculo indissociá vel entre sexo e doença. Minha
maneira de ser a filha de meu pai, de assumir certa filiaçã o, é perpetuando tal
vínculo através da histeria”. A impotência produzida pela sífilis mostra, para
Dora, como a força do desejo pode acabar por destruir a própria possibilidade de
realização do desejo.
Note-se como, ao menos se seguirmos Dora, o problema da histeria está
ligado à incapacidade da figura paterna dissociar sexo e destruiçã o. O pai nã o
apenas destró i a mã e, mas adoece devido a seu desejo. A experiência do desejo
sexual transmitida pela figura paterna nã o é tranquilizadora, mas é encarnaçã o
de um índice de perigo e, sobretudo, de impotência. Por isto, Dora nã o pode
chegar perto demais da assunçã o de sua pró pria sexualidade. Dora paga com seu
corpo o colapso da ilusã o de que a ordem patriarcal poderia fornecer lugares
estabilizados ao desejo.

Madona na estação ferroviária

Freud ainda interpretará um segundo sonho de Dora antes do final de aná lise. A
seu ver, o sonho confirmaria algumas hipó teses maiores de sua interpretaçã o.
Ele é apresentado da seguinte forma:

Ando em uma vila que nã o conheço. Entro na casa que moro, vou a meu
quarto e encontro uma carta de minha mã e. Ela escreve nã o ter querido
informar que papai estava doente. “Agora que ele está morto, você pode
vir se quiser (?)”. Tento ir à estaçã o ferroviá ria. Pergunto talvez cem vezes
onde ela se encontra e sempre recebo a mesma resposta: - Cinco minutos.
Encontro-me em uma floresta espessa onde um homem me afirma: -
Ainda duas horas e meia. Ele propõ e me acompanhar, mas recuso. Vejo a
estaçã o diante de mim, mas nã o consigo alcançá -la. Depois, encontro-me
em casa. A empregada abre e responde: - Sua mã e e os outros já estã o no
cemitério. Apó s esta resposta, vou a meu quarto e leio, sem tristeza e
calmamente, um grande livro que estava lá .

A vila no sonho remete a um balneá rio alemã o cuja imagem encontrava-se


em um á lbum presenteado por um jovem engenheiro interessado em Dora (com
o qual ela se casará mais tarde). A caminhada na vila, por sua vez, aparece em
uma associaçã o com sua primeira visita a Dresden, onde ela foi sozinha à
Gelmä ldegalerie Alte Meister a fim de contemplar, durante duas horas, a Madona
sistina, de Rafael. Freud associa a galeria à estaçã o ferroviá ria, assim como Dora
ao jovem engenheiro que queria conquistá -la e a Madona à Sra. K. O sonho
parece entã o encaminhar-se para a figuraçã o de um encontro amoroso que
nunca se realiza.
A pergunta insistente sobre o lugar da estaçã o é associada por Dora a uma
disputa com sua mã e. Na noite do sonho, o pai pede a Dora um copo de cognac,
pois sem beber ele nã o consegue dormir. Ela pergunta à mã e onde está a chave
do armá rio no qual se encontra a garrafa. No entanto, a mã e nã o escuta, o que faz
Dora gritar: “Faz cem vezes que lhe peço a chave”. Freud associa a chave à caixa
de joias, ou seja, à possibilidade de abrir-se para a sexualidade. Da mesma forma,
a estaçã o ferroviá ria será associada à vagina.
A figura da Madona parece esclarecer a natureza do conflito figurado no
sonho. Enquanto mã e virgem, Maria fornece a imagem de um feminino sem sexo,
profundamente idealizado e ancorado na maternidade. Note-se ainda que, no
quadro de Rafael, Maria está ao lado de Sã o Sixto e Santa Barbara. Freud nã o
explora esta via, mas Barbara foi decapitada por seu pró prio pai por abjurar a fé
cristã . Para isolá -la do contato do mundo, o pai a trancara em uma torre. Mesmo
sendo bela, ela recusava todos os pretendentes. Ao perceber a força de sua fé
cristã , o pai a entregou ao prefeito, que mandou torturá -la, extirpando seus seios.
Como nem isto abalou a fé de Barbara, seu pai a decapitou. Ou seja, o quadro nã o
deixa de se referir à destruiçã o da filha pelo pai e à impossibilidade do pai
permitir à filha operar suas pró prias escolhas.
No entanto, a carta no sonho é associada por Dora a uma carta que a Sra. K
lhe escrevera convidando-a a ir à casa do lago. Por sua vez, tal carta se vincula à
cena do assédio à beira do lago. Freud pede a Dora que conte novamente a cena
e, desta vez, uma precisã o importante aparece. Ao abrir seu amor por Dora, o Sr.
K havia dito: - Você sabe, nã o tenho nada com minha mulher (- Sie wissen, ich
habe nichts an meiner Frau). Depois disto, Dora lhe dá um tapa na cara e resolve
voltar a pé para a vila. No caminho, ela encontra um homem e lhe pergunta
quanto tempo para chegar na vila. – Duas horas e meia, é a resposta.
Freud poderia ter seguido por mais tempo a associaçã o entre a carta e a
Sra. K. Se é a Sra. K quem escreve a carta, entã o nã o é difícil concluir que a frase:
“Agora que seu pai está morto, você pode vir se quiser” indica o desejo de se
confrontar com algo que se realiza na relaçã o com a amante, para além do
vínculo ao pai. A “morte do pai” permitiria a Dora vir ao encontro de sua atraçã o
pela Sra. K, que no sonho é idealizada sob a forma da Madona. O desejo de saber,
indicado através da leitura calma do livro apó s o enterro do pai, demonstra, por
sua vez, o desejo de compreensã o de sua sexualidade que só poderá se dar neste
lugar onde Dora quer vir, aceitando o convite da Sra. K.
Lembremos como, quando tratada por Felix Deutsche vinte quatro anos
depois6, Dora falará compulsivamente sobre sua frigidez e infelicidade conjugal
ininterrupta (ela casara-se com Ernst Adler, o jovem engenheiro, anos depois de
ter sido analisada por Freud). Ela reclamará do egoísmo dos homens e dirá nã o
poder ter um segundo filho devido ao aspecto traumá tico das dores de parto que
sentiu à ocasiã o do nascimento de seu primeiro filho. Os sintomas somá ticos
continuaram, acrescidos de outros ligados à audiçã o e à constipaçã o.
Esta miséria afetiva ligada à assunçã o da heterossexualidade (frigidez,
desgosto dos homens, experiência traumá tica do parto) deixa aberta questõ es
que nã o temos respostas. Pois poderíamos nos perguntar se a homossexualidade
nã o seria uma possível vida afetiva melhor para Dora. Pode-se sempre dizer que
a maneira dessexualizada com que a Sra. K aparece nas fantasias de Dora (a
associaçã o com a Madona, de Rafael, assim como o pró prio desgosto sexual da
Sra. K) lembra como um eixo maior de sua questã o encontra-se na dificuldade em
aproximar vida afetiva e experiência de gozo sexual, qualquer que seja este gozo.
Mas isso nã o é seguro. É claro como o relato do caso Dora demonstra uma
participaçã o do discurso clínico em disposiçõ es normativas muito tipificadas e
produtoras de sofrimento. Dora a todo momento se defende das interpretaçõ es
de Freud, que tem a honestidade intelectual de descrever tais recusas. Sua
compreensã o edípica de que a histeria está vinculada a uma identificaçã o ao pai
6
DEUTSCH, Felix; Apostila ao “Fragmento de análise de um caso de histeria”, de Freud. (mimeo)
sempre desperta quando uma nova escolha afetiva se apresenta, impede Freud
de trabalhar como novas escolhas nã o podem se realizar porque elas implicam
perda de formas de gozo que o deslocamento em relaçã o à norma social permitiu
preservar. De certa forma, Dora goza como o pai (a insistência na importâ ncia
das sensaçõ es orais fala a esse respeito), mas isso significa que essa foi sua forma
de preservar a disparidade de seu gozo em relaçã o ao lugar que esperem que ela
ocupe. Nã o por outra razã o, a aná lise só poderia terminar em um fracasso .
Mas tudo se complica porque haverá , em Freud, algo mais que poderemos
encontrar em sua teoria da sexualidade. Esse “algo mais” do que o uso
terapêutico dos quadros normativos de socializaçã o do desejo nos exigirá um
passo para trá s. Um passo em direçã o aos Três ensaios sobre a teoria sexual.

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