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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO

EGRÉRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

“O projeto de lei cria um Código Penal


Municipal, com regras próprias, e ressuscita a
criminalização da mendicância (revogada em
2009), bem como a prisão por averiguação,
extinta do processo penal brasileiro desde 1988.
Isso porque, aquele que for flagrado realizando
essas atividades, que se repete nã o sã o criminosas,
poderão ser conduzidos coercitivamente pela
Guarda Municipal, caso não queiram se
identificar.(...) Repete-se Washington Luís, ex-
presidente da Repú blica, que disse, nos anos 1920,
que “a questã o social é caso de polícia”. O projeto
12.469 é uma política higienista, como há muito
não se via, colocando a cidade na vanguarda do
atraso. Pobreza não é caso de polícia e a rua é
um espaço público de todos”

http://www.jj.com.br/opiniao/fabio-sorge-
criminalizacao-da-pobreza/

Competência do Egrégio Ó rgã o Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Sã o


Paulo – Inteligência do art. 74, da Constituição Estadual do Estado de São
Paulo e do art. 13, do art. 247 e do art. 248, todos do Regimento Interno deste
Tribunal de Justiça.

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por intermédio


dos Defensores e Defensoras Pú blicas do Estado abaixo assinados, dando
cumprimento à sua funçã o institucional de zelar pela ampla defesa dos
necessitados, nos termos dos artigos. 1º, 3º, 5º, inciso LXXIV, e 134 da Constituiçã o
da Repú blica e artigos 103 e 104 da Constituiçã o do Estado de Sã o Paulo, assim
como com fulcro nos artigos 3º-A e 4º, incisos V, IX, X, XVII, 106, pará grafo ú nico, da

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Lei Complementar Federal nº 80/94 e, ainda, nos artigos 2º, 3º e 5º, incisos III, VI,
alínea b, VII e IX, da Lei Complementar estadual nº 988/06, vem, com o devido
respeito e a reverência de praxe, perante Vossa Excelência, fundamentada no art.
5º, inciso LXVIII, da Constituiçã o Federal e artigos 647 e seguintes do Có digo de
Processo Penal, impetrar a presente ordem de

HABEAS CORPUS COLETIVO PREVENTIVO com pedido de ordem


liminar

Em favor de pessoas em situaçã o de rua; artistas de rua que realizam


apresentaçõ es artísticas, circenses, musicais, culturais e outras formas de
expressã o, por meio da mú sica, pintura, escultura, literatura, atividade circense e
outras similares e afins; vendedores de artesanatos e outros bens decorrente de
trabalho manual; prestadores de serviços que executam trabalho manual mediante
o recebimento em dinheiro como limpeza de veículos e atividades similares e todas
as pessoas que realizam as atividades descritas e previstas no artigo 2º e 3º da Lei
Municipal (em anexo) CONTRA ato do PREFEITO MUNICIPAL DE JUNDIAÍ, ora
apontado como autoridade coatora.

DO CONTEXTO FÁTICO ENVOLVENDO A PRESENTE IMPETRAÇÃO.

De autoria e iniciativa do Prefeito Municipal de JUNDIAÍ (LUIZ


FERNANDO MACHADO), a Lei Municipal nº. 8.917 de 07/03/2018 sancionada pelo
Prefeito Municipal 1que a executará , pretende condicionar apresentaçõ es artísticas

1
publicada na Imprensa Oficial do Município de Jundiaí no dia 16/03/2018 -
file:///C:/Users/vitinhoprielthon/Downloads/1c071890-f430-4a55-ad95-cc1a1c89d540_EDI%C3%87%C3%83O-4378-16-
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e culturais em espaço pú blico e na via pú blica, conforme transcriçã o da referida lei
abaixo, in verbis:

“Art. 1º. Ficam permitidas as apresentações artísticas, culturais e afins, no


Município, sendo proibidas as atividades que constituam perigo ou
obstáculo ao trânsito e prejudiquem a ordem e a organização urbana, nos
termos desta Lei, desde que observados os seguintes requisitos:

I - não utilizem palco ou qualquer outra estrutura sem a prévia


comunicação ou autorização junto ao órgão competente do Poder
Executivo;

II – obedeçam aos parâmetros de incomodidade e aos níveis superiores ao


máximo de ruídos estabelecidos, conforme a norma NBR 10.151/2000, da
Associação Brasileira de Normas Técnicas-ABNT, ou qualquer outra
normativa que venha a ser editada em sua substituição, bem como aos das
Lei n.º 4.718, de 12 de fevereiro de 1996, e demais leis e normas
regulamentadoras correlatas;

III – tenham início após as 08h00 e conclusão até as 22h00;

IV – no horário das 22h00 às 08h00, desde que a emissão de ruídos não


ultrapasse o nível de critério de avaliação NCA para ambientes externos,
em dB(A), estabelecido na norma NBR 10.151/2000;

V – sejam gratuitas para os espectadores;

VI – permitam a livre fluência do trânsito;

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VII – não impeçam a passagem e circulação de pedestres, bem como o
acesso a instalações públicas ou privadas;

VIII – utilizem fonte de energia para alimentação de som com potência


máxima de 30 (trinta) kVAs (quilovoltamperes), com o recolhimento de
tarifa ao órgão responsável;

IX – não tenham patrocínio privado que as caracterize como um evento de


“marketing”, salvo projetos apoiados pelo Poder Público em razão de lei
municipal, estadual ou federal de incentivo à cultura;

X – não estabeleçam ponto fixo, com data e horário permanente, nem


venda de produtos alimentícios sem prévia autorização dos órgãos
municipais competentes;

XI – inscrição do responsável pela apresentação, pessoa física ou jurídica,


no Cadastro Fiscal Mobiliário, para as atividades artísticas e culturais.

Art. 2º. Para os fins desta Lei, a proibição contida no artigo 1º se


refere as atividades realizadas na via pública, como pistas de
rolamento, semáforos e faixas de pedestres, áreas destinadas ao
estacionamento público e afins, e que envolvam:

I - apresentações artísticas, culturais e afins, com ou sem utilização


de equipamentos;

II - comercialização de qualquer mercadoria ou produto, sem prévia


licença mediante processo administrativo junto ao município;

III - realização de qualquer prestação de serviços;

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IV - realização de outra atividade que venha a prejudicar a segurança no
trânsito, em especial a panfletagem e pedidos de auxílio financeiro de
qualquer natureza

Art. 3º. Considera-se, nos termos desta Lei:

I - apresentações artísticas, culturais e afins: qualquer forma de


expressão, podendo ser feita por meio da música, pintura, escultura,
literatura, atividade circense e outras similares;

II - equipamento: material utilizado para a realização de apresentações


artísticas, tais como cartas, claves de fogo, claves simples, bastões, facas,
bolas, pratos, monociclos e outros similares;

III - mercadoria: objeto decorrente de um processo industrial de


fabricação e colocado à venda, tais como bebidas, alimentos, utensílios
para veículos, celulares e outros similares;

IV - produto: objeto advindo de produção própria, tais como artesanato,


pães caseiros, doces, salgados e similares;

V - prestação de serviços: executar trabalho manual, mediante


recebimento de quantia em dinheiro, tal como a limpeza de veículos
e outras atividades similares.

Art. 4º. A pessoa flagrada executando qualquer uma das atividades


descritas no artigo 2º desta Lei, terá seu equipamento, mercadoria ou
produto apreendidos pela autoridade competente, a qual lavrará o
auto de infração.

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Parágrafo único. Havendo reincidência a autoridade competente aplicará
multa equivalente a 05 (cinco) UFM’s, por ocorrência.

Art. 5º. Se houver a resistência em apresentar os documentos


pessoais de identificação e em entregar os objetos mencionados no
"caput" do artigo 4º desta Lei, a pessoa flagrada poderá ser
conduzida coercitivamente, com o auxílio da Guarda Municipal, para
o Distrito Policial mais próximo da ocorrência.

Parágrafo único. A condução coercitiva prevista no "caput" deste


artigo será utilizada para fins de se obter a identificação civil,
conforme previsto no artigo 68 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de
outubro de 1941, "Lei das Contravenções Penais".

Art. 6º. Os equipamentos, as mercadorias ou os produtos apreendidos


serão recolhidos ao Depósito Municipal. § 1º. O interessado deverá
providenciar a retirada dos objetos apreendidos no prazo de até 30
(trinta) dias após a apreensão, condicionada ao pagamento de taxa diária
a ser definida por Decreto e mediante requerimento e apresentação de
nota fiscal. § 2º. Após o prazo previsto no § 1º, o Município poderá, a seu
critério, doar ou descartar os equipamentos, as mercadorias e os produtos
apreendidos.

Art. 7º. Serão encaminhadas ao serviço social da Unidade de Gestão de


Assistência e Desenvolvimento Social as pessoas flagradas em situação de
rua e que estiverem pedindo esmolas ou auxílio de qualquer natureza, sob
pretexto de pobreza ou necessidade.

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Art. 8º. Ficam revogadas as Leis nº 8.471, de 15 de julho de 2015, nº 8.527,
de 13 de novembro de 2015, nº 8.710, de 31 de agosto de 2016, e nº 8.860,
de 7 de novembro de 2017.

Art. 9º. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação”. (Grifos
Atuais)."

Referidas ordens inconstitucionais, ilegais e abusivas estã o sendo


emanadas do Prefeito Municipal de Jundiaí aos seus subordinados (fiscais da
prefeitura e guardas municipais)2 que, apesar de estar supostamente respaldado
por lei municipal, está violando ampla gama de princípios, mandamentos
constitucionais, tratados internacionais e regras infraconstitucionais.

Conforme se depreende da aná lise da Lei Municipal proíbe-se e


condiciona-se de forma ilegal e inconstitucional:

1) As apresentaçõ es artísticas, culturais e afins: qualquer forma de


expressã o, podendo ser feita por meio da mú sica, pintura, escultura, literatura,
atividade circense e outras similares.

2) A prestaçã o de serviços: executar trabalho manual, mediante


recebimento de quantia em dinheiro, tal como a limpeza de veículos e outras
atividades similares.

3) A venda de produtos lícitos e outras atividades.

2
https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/noticia/camara-aprova-proibicao-de-venda-arte-e-doacao-de-
esmola-nas-ruas-de-jundiai.ghtml

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Isto porque foram proibidas as apresentaçõ es artísticas, culturais e
afins, no Município e demais atividades (artigo 1º, da citada Lei), QUE:

1) Nã o tenham patrocínio privado que as caracterize como um evento


de “marketing”, salvo projetos apoiados pelo Poder Pú blico em razã o de lei
municipal, estadual ou federal de incentivo à cultura– o que representa violação
ao direito à livre manifestação artística, independentemente de censura ou
licença, previsto no art. 5º, IX, CF/88.

2) Estabeleçam e permaneçam em ponto fixo, com data e horá rio


permanente, nem venda de produtos alimentícios sem prévia autorização dos
órgãos municipais competentes - em violação à liberdade de ir, vir e
permanecer em vias públicas, previsto no art. 5º, XV, CF/88.

3) Nã o tenham prévia inscriçã o do responsá vel pela apresentaçã o,


pessoa física ou jurídica, no Cadastro Fiscal Mobiliá rio, para as atividades artísticas
e culturais - em violação ao direito à livre manifestação artística,
independentemente de censura ou licença, previsto no art. 5º, IX, CF/88.

4) Solicitem por mera liberalidade doaçã o ou “esmola” a critério do


espectador (V – sejam gratuitas para os espectadores) – ao impedir a
mendicância, cuja proibição foi revogada pela Lei 11.983/2009, ou mera
retribuição por apresentação artística ou serviço prestado.

Além disso, foram previstos na referida Lei outros critérios


genéricos que tem como ú nica e exclusiva intençã o proibir a livre manifestação
artística e cultural na cidade por artistas de rua e outros profissionais
liberais que usam da arte e de trabalhos manuais para sustento próprio e de
suas famílias.

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Por sua vez, como consequência pelo não cumprimento, o Prefeito
ordena que se houver qualquer resistência a pessoa flagrada poderá ser
conduzida coercitivamente, com o auxílio da Guarda Municipal, para o
Distrito Policial mais próximo da ocorrência, para fins de se obter a
identificação civil.

Em outros termos, quem descumprir e nã o obedecer à referida ordem,


claramente inconstitucional e violadora das normas infraconstitucionais federais,
poderá ser PRESO para AVERIGUAÇÃ O e conduzido coercitivamente para o Distrito
Policial mais pró ximo para fins de identificaçã o civil.

Se isso tudo nã o bastasse, as pessoas flagradas executando qualquer


uma das atividades descritas na referida lei terã o seus objetos pessoais
apreendidos por meio de busca pessoal, fora das hipó teses previstas no §2º do
artigo 240 do Có digo de Processo Penal.

Em resumo, ficará proibido em via pú blica: 1) apresentaçõ es artísticas,


culturais e afins; 2) comercializaçã o de qualquer mercadoria e produto, sem
autorizaçã o da prefeitura, inclusive artesanato; 3) realizaçã o de qualquer prestaçã o
de serviço: limpeza de vidros de veículos, e 4) realizaçã o de outras atividades como
panfletagem e esmolas.

E quem resistir contra a proibição inconstitucional de venda


(inclusive artesanato), arte e esmola nas ruas de Jundiaí, poderá ter seus
objetos pessoais revistados e apreendidos (busca pessoal) e poderá ser
conduzido coercitivamente ao Distrito Policial para averiguação e
identificação civil ainda que não esteja cometendo qualquer infração penal e

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mesmo que não haja fundada suspeita, nos termos do Código de Processo
Penal.

Assim, totalmente abusiva a possibilidade de constriçã o à liberdade de


locomoçã o dos pacientes ao serem realizadas buscas pessoais e apreensã o destes
objetos em virtude de apresentaçõ es artísticas, culturais e afins por meio da
mú sica, pintura, escultura, literatura, atividade circense e outras similares e o
exercício de exercícios lícitas em vias pú blicas, bem como a prisã o para averiguaçã o
dos pacientes para realizaçã o de identificaçã o criminal no caso de recusa de
identificaçã o civil ainda que nã o haja o cometimento de infraçã o penal.

A lei cria um Código Penal Municipal, com regras próprias, e


ressuscita a criminalização da mendicância (revogada em 2009), bem como a
prisão por averiguação, extinta do processo penal brasileiro desde 1988.

Isso porque, conforme já explicado aquele que for flagrado realizando


essas atividades, que se repete nã o sã o criminosas, poderão ser conduzidos
coercitivamente pela Guarda Municipal, caso não queiram se identificar.

Repete-se Washington Luís, ex-presidente da Repú blica, que disse, nos


anos 1920, que “a questã o social é caso de polícia”.

Pobreza nã o é caso de polícia e a rua é um espaço pú blico de todos.

Além da inconstitucionalidade material por violaçã o a direitos e


garantias individuais, verifica-se também a inconstitucionalidade formal, seja
porque somente a Uniã o Federal pode tratar sobre matéria penal, bem como
regulamentar sobre trâ nsito.

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Sã o estes, portanto, os constrangimentos ilegais que se pretende ver
evitados pelo manejo da presente açã o constitucional, a fim de que qualquer busca
pessoal dos objetos dos pacientes acima referidos ocorra tã o somente nos limites
do §2º, do artigo 240 do Có digo de Processo Penal; que nã o haja prisã o para
averiguaçã o em virtude de simples recusa de identificaçã o civil dos pacientes e que
seja respeitado o direito de permanecer em vias pú blicas para exercício de
atividades lícitas que se pretende coibir pela citada lei abusiva e inconstitucional.

DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS COLETIVO PREVENTIVO

DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS PREVENTIVO

Dispõ e o artigo 5º, inciso LXVIII da Constituiçã o Federal que “conceder-


se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoçã o, por ilegalidade ou abuso de
poder” (g.n.).

A pró pria redaçã o do dispositivo deixa clara a ampla abrangência do


remédio constitucional, passível de ajuizamento sempre que houver qualquer
ameaça ao direito fundamental e imanente a todo ser humano de ir, vir e ficar.

Consoante assevera José Afonso da Silva, a liberdade de locomoçã o,


garantida no artigo 5º, XV, da Constituiçã o Federal, “constitui o cerne da liberdade
da pessoa física no sistema jurídico” (Curso de direito constitucional positivo, 32ª
Ed., Sã o Paulo: Malheiros, 2008, p. 237).

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O direito à circulaçã o, corolá rio da liberdade de locomoçã o, inclui, nos
dizeres do mesmo autor, o direito de ir, vir, ficar, parar, estacionar (idem, p. 239).

No caso dos pacientes, estes terã o seus objetos pessoais revistados e


apreendidos em busca pessoal e serã o encaminhados ao Distrito Policial sem que
estejam cometendo qualquer infraçã o penal, simplesmente por pedir esmolas e por
apresentaçõ es circenses e artísticas, por prestaçã o de serviços manuais (limpeza de
vidros) e venda de artesanatos e outros bens em via pú blica.

Além disso, esta conduta ilegal de realizaçã o de abordagens sem


fundado motivo - porquanto inexistente qualquer hipó tese prevista no Có digo de
Processo Penal, que regulamenta referido aspecto - somente pelo fato dos
pacientes permanecerem na via pú blica em ponto fixo (termo utilizado pela lei
municipal) para realizaçã o das atividades lícitas nela mencionadas evidenciam a
violaçã o à liberdade de ir, vir e permanecer.

Daí a extrema necessidade de concessã o da ordem preventiva para que


os pacientes nã o tenha seu direito de ir e vir e permanecer cerceado ilegalmente.

A ordem, portanto, busca evitar essas violaçõ es aos direitos do


pacientes.

Sobre o cabimento do Habeas Corpus preventivo quando alguém for


ameaçado em seu direito de ir, vir e ficar, manifesta-se Aury Lopes Jú nior:

“Como explica CALAMANDREI, na tutela jurisdicional


preventiva, o interesse não surge do dano, senão dal
pericolo di um danno giuridico. A tutela nã o atua a
posteriori do dano, como produto da lesã o ao direito, senã o
que se opera a priori, para evitar o dano que possa derivar da
lesã o a um direito, quando existe uma ameaça ainda nã o

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realizada. Existe, portanto, interesse juridicamente tutelá vel
antes da lesã o ao direito, pelo simples fato de que a lesã o seja
previsível, pró xima e prová vel. Para isso está o habeas corpus
preventivo” (Direito processual penal e sua conformidade
constitucional, vol. 2, 6ª Ed., Rio de Janeiro: Lumen, 2011, p.
645).

Assim, havendo demonstraçã o clara e inequívoca de que os pacientes se


encontram na iminência ou em risco de sofrer coaçã o em sua liberdade de
locomoçã o, é dever do Poder Judiciá rio antecipar-se à lesã o, cumprindo o
mandamento constitucional que dispõ e explicitamente que, pela relevâ ncia do
direito atingido, não é facultado ao julgador esperar que a lesão ocorra para
que, apenas entã o, faça cumprir a lei.

Nesse sentido:

“A iminência do constrangimento ilegal deve ser valorada em


grau de probabilidade, um juízo de verossimilhança, não se
podendo exigir ‘certeza’, pois esta somente será possível
com a consumação do ato que se pretende evitar” (idem,
ibidem, g.n.).

Aliá s, ao tratar de habeas corpus preventivo, o Colendo Supremo


Tribunal Federal já decidiu que, quando a ameaça à liberdade de locomoçã o for
notó ria, veiculada pela mídia, dispensa-se qualquer comprovaçã o processual de
que o indivíduo sofre acosso à sua liberdade de ir, vir e ficar.

Em precedente célebre, o C. STF concedeu habeas corpus para garantir o


direito de prostitutas de ficarem na via pú blica, conquanto nã o houvesse nenhuma
norma ou ordem judicial que as impedisse de ali estar e exercer seu ofício:

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“Habeas Corpus preventivo. “Trottoir”. Prostitutas ameaçadas de prisã o
pela polícia paulista. Fato notório. Recurso provido” (STF – HC 58.974 –
Sã o Paulo – Rel. Soares Muñ oz – j. 29.09.1981, g.n.)

Nesse sentido, também o colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu


pela concessã o da ordem de habeas corpus (HC 207720), considerando ilegal o
“toque de recolher” estipulado por municípios paulistas, reconhecendo que
crianças e adolescentes tinham o direito de permanecer nas ruas em qualquer
horá rio do dia ou da noite. Julgou-se, ainda, que, por ser o fato notó rio, a
constataçã o da ameaça de lesã o ao direito de locomoçã o nã o necessitava de
qualquer aprofundamento probató rio.

DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS COLETIVO

As açõ es constitucionais, enquanto espécie de garantia constitucional 3,


visam a conceder proteçã o e eficá cia plena aos direitos fundamentais, guardando
verdadeira relaçã o de interdependência com tais direitos.

Assim é, porque, enquanto os direitos declaram a situaçã o subjetiva


particular de seu titular, as garantias, em especial as açõ es constitucionais, criam
mecanismos para assegurar que o referido titular usufrua da situaçã o subjetiva
declarada.

3
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sua obra Direitos Humanos Fundamentais, 2ª ed., Saraiva, pp.
32/33, fala em três espécies de garantias constitucionais: garantias-limites, garantias-institucionais e
garantias-instrumentais, sendo essas últimas correspondentes às ações constitucionais.

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Nesse passo, como afirma Geisa de Assis Rodrigues 4 , “é cediço que as
ações constitucionais garantem a existência dos direitos e das liberdades
fundamentais e por isso demandam o mesmo regime constitucional”.

Destarte, o conteú do e a amplitude do “direito-garantia” 5


consubstanciado em cada uma das açõ es constitucionais deve ser compreendido de
acordo com os métodos de interpretaçã o/aplicaçã o pró prios dos direitos humanos
fundamentais. Aplicam-se, pois, à s açõ es constitucionais, dentre outros, os
princípios da unidade, da má xima efetividade e da concordâ ncia prá tica das
normas constitucionais.

Com efeito, de há muito a jurisprudência, visando garantir efetividade


má xima ao direito de livre locomoçã o, vem interpretando o conteú do da garantia
constitucional do habeas corpus de modo a, harmonizando-o com os direitos
constitucionais à tutela jurídica efetiva e célere (CF, art. 5º, incisos XXXVI e
LXXVIII), permitir a utilizaçã o do chamado habeas corpus coletivo, o qual objetiva
resguardar a liberdade de locomoçã o de uma coletividade de pessoas que esteja
ameaçada ou vilipendiada de forma homogênea, por ato ilegal ou abusivo, mediante
o manejo de uma ú nica açã o constitucional.

Nesse passo, adéqua-se a garantia constitucional/processual do habeas


corpus ao que Mauro Cappelletti e Bryant Garth chamaram de “segunda onda de
acesso à justiça”6 , pela qual se propõ e justamente a utilizaçã o de instrumentos
processuais voltados à tutela de direitos e interesses difusos como meio de romper
as barreiras ao amplo acesso à justiça.

4
Rodrigues, Geisa de Assis. Reflexões Em Homenagem Ao Professor Pinto Ferreira: As Ações
Constitucionais No Ordenamento Jurídico Brasileiro
5
JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional, 4ª ed, Editora Jus Podivm, pp. 617.
6
Obra “Acesso à Justiça”. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002, p. 31.

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Nã o é por outra razã o que a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal
concedeu HC coletivo a gestantes e mã es de filhos com até doze anos presas
preventivamente, reconhecendo a necessidade da utilizaçã o do instrumento como
forma de: “disponibilizar-se um remédio expedito e efetivo para a proteçã o dos
segmentos por elas atingidos, usualmente desprovidos de mecanismos de defesa
céleres e adequados”. (HABEAS CORPUS 143.641 SÃ O PAULO, STF, relatoria MIN.
RICARDO LEWANDOWSKI, j. 20/02/2018):

Segue trecho do voto do Ministro relator:

“Com maior razã o, penso eu, deve-se autorizar o emprego do


presente writ coletivo, dado o fato de que se trata de um
instrumento que se presta a salvaguardar um dos bens mais
preciosos do homem, que é a liberdade. Com isso, ademais,
estar-se-á honrando a venerá vel tradiçã o jurídica pá tria,
consubstanciada na doutrina brasileira do habeas corpus, a
qual confere a maior amplitude possível ao remédio heroico,
e que encontrou em Ruy Barbosa quiçá o seu maior defensor.
Segundo essa doutrina, se existe um direito fundamental
violado, há de existir no ordenamento jurídico um
remédio processual à altura da lesão.

À toda a evidência, quando o bem jurídico ofendido é o


direto de ir e vir, quer pessoal, quer de um grupo pessoas
determinado, o instrumento processual para resgatá -lo é o
habeas corpus individual ou coletivo.

É que, na sociedade contemporânea, burocratizada e


massificada, as lesões a direitos, cada vez mais, assumem
um caráter coletivo, sendo conveniente, inclusive por
razões de política judiciária, disponibilizar-se um
remédio expedito e efetivo para a proteção dos
segmentos por elas atingidos, usualmente desprovidos
de mecanismos de defesa céleres e adequados.

Como o processo de formaçã o das demandas é complexo, já


que composto por diversas fases - nomear, culpar e pleitear,
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na ilustrativa liçã o da doutrina norte-americana (Cf.
FELSTINER, W. L. F.; ABEL, R. L.; SARAT, A. The Emergence
and Transformation of Disputes: Naming, Blaming, Claiming.
Law & Society Review, v. 15, n. 3/4, 1980), é razoá vel supor
que muitos direitos deixarã o de ser pleiteados porque os
grupos mais vulnerá veis - dentre os quais estã o os das
pessoas presas - nã o saberã o reconhecê-las nem tampouco
vocalizá -los.

(...)

A impetração coletiva vem sendo conhecida e provida


em outras instâncias do Poder Judiciário, tal como
ocorreu no Habeas Corpus 1080118354-9, do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, e nos Habeas Corpus
207.720/SP e 142.513/ES, ambos do Superior Tribunal
de Justiça. Neste ú ltimo, a extensã o da ordem a todos os que
estavam na mesma situaçã o do paciente transformou o
habeas corpus individual em legítimo instrumento
processual coletivo, por meio do qual se determinou a
substituiçã o da prisã o em contêiner pela domiciliar.” (Grifos
atuais).

Portanto, a presente açã o constitucional tem por escopo proteger,


dentre outros, a liberdade de locomoçã o de grupos sociais vulnerá veis, como
aquele das pessoas em situaçã o de rua e artistas de rua, que, caso nã o pudessem se
valer do presente instrumento coletivo, nã o saberiam reconhecê-los nem tampouco
vocalizá -los.

DA LEGITIMIDADE DO PREFEITO MUNICIPAL DE JUNDIAÍ PARA FIGURAR


COMO AUTORIDADE COATORA e COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DO ESTADO DE SÃO PAULO

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Conforme já mencionado, as referidas ordens inconstitucionais, ilegais e
abusivas estã o sendo emanadas do Prefeito Municipal de Jundiaí aos seus
subordinados (fiscais da prefeitura e guardas municipais), já expostas inclusive na
imprensa local 7.

Ora, no caso dos autos, os guardas municipais e funcioná rios da


Prefeitura de Jundiaí vã o realizar as prisõ es e buscas pessoais sem ser
identificados, de modo que seria inviá vel a impetraçã o contra um funcioná rio
pú blico ou guarda municipal, desconhecidos pelos pacientes do ato coator.

Portanto, pelos poderes hierá rquicos de que goza, a opçã o por omitir-se
em zelar pela regularidade do modo de proceder de seus subordinados o converte
em autoridade coatora sem qualquer dú vida.

Nesse sentido, vale mencionar que este E. Tribunal vem adotando a


teoria da encampaçã o, no sentido de que a autoridade hierarquicamente superior
deve, sim, figurar como autoridade coatora em sede de remédio constitucional:

“Nítido o vínculo hierárquico entre o Chefe do Executivo e os


Secretários Municiais que praticaram os atos impugnados,
manifesta a legitimidade processual do Prefeito que assumiu a
defesa de seus subordinados” Apelação nº 0007598-
75.2010.8.26.0318, da Comarca de Leme, 8ª C. de Direito
Público, 28.08.2012).

No mesmo sentido é a orientaçã o dos Tribunais Superiores:

“Processual civil. Constitucional. Mandado de segurança. Ato


impugnado. Descontos em proventos de aposentadoria a título

7
https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/noticia/camara-aprova-proibicao-de-venda-arte-e-doacao-de-
esmola-nas-ruas-de-jundiai.ghtml

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de contribuição previdenciária (FUNPREV). Autoridades
apontadas como coatoras. Governador do Estado e Secretário
de Administração Estadual. Teoria da encampação.
Legitimidade passiva ad causam. (...). 4. Deveras, a teoria da
encampação e a condescendência com a aparência de correta
propositura (error comunis facit ius) adotadas pela
jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça denotam a
necessária flexibilização da aferição dessa condição da ação,
no afã de enfrentar e conjurar o ato abusivo da autoridade.
'(...). 4. A errônea indicação da autoridade coatora não implica
ilegitimidade ad causam passiva se aquela pertence à mesma
pessoa jurídica de direito público; porquanto, nesse caso não
se altera a polarização processual, o que preserva a condição
da ação. 5. Deveras, a estrutura complexa dos órgãos
administrativos, como sói ocorrer com os fazendários, pode
gerar dificuldade, por parte do administrado, na identificação
da autoridade coatora, revelando, a priori, aparência de
propositura correta”. (REsp n° 745.451/BA, rel. Min. Luiz Fux,
j. em 14.11.2006).

Assim, ainda que de fato a autoridade impetrada nã o fosse a correta, a


mera aparência de correçã o e a manifestaçã o do Prefeito Municipal já seria o
quanto basta para que o r. Juízo enfrentasse o mérito da impetraçã o.

De mais a mais, se as prisõ es por averiguaçã o irã o acontecer, o que é


inegá vel, evidencia-se ao menos que a autoridade coatora indicada é a quem cabe o
dever de fazer cessar as ilegalidades eventualmente cometidas por seus
subordinados.

O Prefeito é o Chefe da Guarda Municipal de Jundiaí e demais


fiscais da Prefeitura que irão e executar a Lei.

Nesse sentido, a Lei Orgânica do Município de Jundiai estabelece


que:

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Art. 72. Ao Prefeito compete, privativamente: XXVI - solicitar
o auxílio da Polícia do Estado para garantia de cumprimento
de seus atos, bem como fazer uso da Guarda Municipal no
que couber (grifei).8

Esse, inclusive, é o entendimento do pró prio Egrégio Tribunal de Justiça


de Sã o Paulo, externado no julgado histó rico sobre o caso “cracolâ ndia” em que se
concedeu salvo-conduto a morador de rua ameaçado por Policiais Militares em seu
direito fundamental de circular nas ruas do centro de Sã o Paulo:

“Destaque-se, ainda, que, diante desse quadro, embora não se


possa atribuir ao Ilustríssimo Comandante Geral da Polícia
Militar do Estado de São Paulo qualquer ação específica, sua
omissão consistente na inércia em fazer cessar a ação
irregular dos agentes que lhe são subordinados é suficiente
para atribuir-lhe a condição de autoridade coatora .” (TJ-SP,
HC Nº 0039710-13.2012.8.26.0000, 1ª Câ mara de Direito
Criminal, Rel. Des. Marcio Bartoli, julgado em 23 de abril de
2013).

Quanto a autoridade coatora é o Prefeito Municipal eis que se trata de


autoridade com prerrogativa de foro por inteligência do artigo 74 da Constituiçã o
Estadual do Estado de Sã o Paulo e do artigos 13, do artigo 247 e do artigo 248,
todos do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça, á competência é do Ó rgã o
Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Sã o Paulo para apreciar e julgar o
Habeas Corpus.

Além disso, reza o artigo 74 da Constituiçã o Estadual:

8
http://www.jundiai.sp.leg.br/legislacao/lei-
organica/LeiOrgnicadeJundiacompiladaatELOJ742018.pdf

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“compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuiçõ es
previstas nesta Constituiçã o, processar e julgar
originariamente: I nas infraçõ es penais comuns, o Vice
Governador, os Secretá rios de Estado, os Deputados
Estaduais, o Procurador-Geral de Justiça, o Procurador Geral
do Estado, o Defensor Pú blico Geral e os Prefeitos
Municipais (...) IV os “habeas corpus”, nos processos cujos
recursos forem de sua competência ou quando o coator ou
paciente for autoridade diretamente sujeita a sua jurisdiçã o”
(Grifos Atuais).

Ainda, o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Sã o Paulo


estabelece que:

Art. 13. Compete ao Ó rgã o Especial: I processar e julgar,


originariamente: a) as autoridades e matérias cometidas ao
Tribunal de Justiça pelas Constituiçõ es Federal, do Estado de
Sã o Paulo e legislaçã o aplicá vel (...) grifei

Nesse sentido, inclusive, já decidiu este Egrégio Tribunal de Justiça em


relaçã o a Secretá rio Estadual do Estado que está no mesmo rol do Prefeito
Municipal no citado artigo 74 da Constituiçã o Estadual.

Impetraçã o contra ato do Secretá rio de Segurança Pú blica do


Estado de Sã o Paulo. Esta Colenda 3ª Câ mara de Direito
Criminal nã o tem competência para processar e julgar um
"writ", quando a autoridade coatora é Secretário de
Estado (Secretário de Segurança Pública do Estado de
São Paulo), eis que se trata de autoridade com
prerrogativa de foro. Inteligência do art. 74, da
Constituição Estadual do Estado de São Paulo e do art.
13, do art. 247 e do art. 248, todos do Regimento Interno
deste Tribunal de Justiça. Precedentes do TJSP (HC n.
0037603-88.2015 – 10 Câ mara de Direito Criminal - Rel. Des.
Francisco Bruno - j. 11/06/2015; HC n. 2231486-97.2014 -
3ª Câ mara de Direito Criminal - Rel. Des. Luiz Antô nio
Cardoso - j. 24/03/2015 e HC n. 0180917-05.2009 - 16ª
Câ mara de Direito Criminal - Rel. Des. Leonel Costa - j.
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11/08/2009). 2. Reconhecimento da incompetência desta 3ª
Câ mara de Direito Criminal para a apreciaçã o do feito e
determinaçã o da remessa dos autos ao Colendo Ó rgã o
Especial deste Tribunal de Justiça9

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS PREVENTIVO. Impetraçã o em face do


Secretá rio de Segurança Pú blica do Estado de Sã o Paulo.
Competência do órgão especial do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo – Ordem nã o conhecida, com
determinaçã o. (TJSP;  Habeas Corpus 0041626-
09.2017.8.26.0000; Relator (a): Carlos Monnerat; Ó rgã o
Julgador: 9ª Câ mara de Direito Criminal; Foro de Sã o José do
Rio Preto - 5ª Vara Criminal; Data do Julgamento:
14/09/2017; Data de Registro: 20/09/2017)

Neste ponto, estabelece o Regimento Interno do Egrégio Tribunal de


Justiça de Sã o Paulo: “compete ao Ó rgã o Especial: I processar e julgar,
originariamente: a) as autoridades e matérias cometidas ao Tribunal de Justiça
pelas Constituiçõ es Federal, do Estado de Sã o Paulo e legislaçã o aplicá vel” art. 13.

Além disso, conforme artigo 29, inciso X, da Constituiçã o Federal, em


matéria penal há o julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça e figurando
o Prefeito como autoridade coatora, pela mesma razã o acima exposta, a
competência do Habeas Corpus deve ser o Tribunal de Justiça do Estado de Sã o
Paulo.

9
TJ-SP - HC: 00467977820168260000 SP 0046797-78.2016.8.26.0000, Relator: Airton Vieira, Data de Julgamento:
25/10/2016, 3ª Câ mara de Direito Criminal, Data de Publicaçã o: 26/10/2016

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A possibilidade, neste caso concreto, de concessã o da ordem coletiva
preventiva contra o Prefeito Municipal de Jundiaí em favor dos pacientes acima
mencionados, portanto, é jurídica e legítima.

DO MÉRITO: ILEGALIDADE E ARBITRARIEDADE DE BUSCAS PESSOAIS e


INEXISTÊNCIA EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO DA PRISÃO PARA
AVERIGUAÇÃO

A abordagem e revista pessoal, em razã o de sua invasividade à


intimidade pessoal, está disciplinada no Có digo de Processo Penal.

Vale a transcriçã o do dispositivo legal:

Art. 240.  A busca será domiciliar ou pessoal.


§ 1o  Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas
razões a autorizarem, para:
a) prender criminosos;
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e
objetos falsificados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na
prática de crime ou destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à
defesa do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou
em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do
seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
g) apreender pessoas vítimas de crimes;
h) colher qualquer elemento de convicção.
§ 2o  Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada
suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou
objetos mencionados nas letras b a f e letra h do
parágrafo anterior. (grifos atuais).

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Vejam, Excelências, que o dispositivo legal federal, permite a busca
pessoal somente quando houver fundada suspeita de que o indivíduo oculte arma
ou objetos relacionados a crimes.

Nã o é lícito, portanto, abordar todos os indivíduos em via pú blica que:

1) Estã o pedindo esmolas porquanto estã o em situaçã o de rua e


situaçã o de pobreza e extrema miséria.

2) Sã o artistas de rua porque realizam apresentaçõ es artísticas,


musicais, circenses e culturais e outras formas de expressã o.

3) Sã o vendedores de artesanatos e outros bens decorrente de trabalho


manual;

4) Sã o prestadores de serviços que executam trabalho manual


mediante o recebimento em dinheiro como limpeza de veículos e
atividades similares.

Sem que haja uma fundada suspeita de que estejam portando arma ou
algum objeto ilícito ou criminosos. É necessá rio, pois, que haja FUNDADA
SUSPEITA de que o cidadã o esteja portando algum destes objetos, sob pena de clara
ilegalidade.

A propó sito, este Eg. Tribunal já definiu a fundada suspeita em termos


estritos, em acó rdã o magistral da lavra do Des. Dr. Marcio Bartoli, conforme
excertos que seguem:

(…) em nosso sistema legal, a abordagem e a busca pessoal só


podem ser realizadas quando houver fundada suspeita de
que o indivíduo traga consigo arma proibida objetos ou

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papéis que constituam corpo de delito ou qualquer outro
elemento de convicçã o (art. 240, §2o, e art. 44 do Có digo de
Processo Penal). No caso dos autos, porém, verifica-se que as
diligências policiais nã o seguem qualquer tipo de critério,
sendo aleató rias e discriminató rias, o que contraria
frontalmente as informaçõ es de fls. 174/84. Nã o se pode crer
que estã o presentes os requisitos legais acima elencados
quando há notícias de abordagem de pessoas pelo simples
fato de estarem dormindo na rua, ou quando há dispersã o
de pessoas, com uso de spray de pimenta quando elas estã o
simplesmente transitando pela via pú blica (fls. 161/2). Se a
liberdade de ir e vir nã o é absoluta, devendo ceder espaço à
necessidade da preservaçã o da segurança pú blica, como bem
ressaltado pela autoridade coatora, da mesma forma, sob a
escusa de garantir a segurança da populaçã o, nã o se pode
justificar a atuaçã o desrespeitosa, sem preparo e arbitrá ria
de policiais que estã o sob o comando dessa mesma
autoridade. (TJ-SP, Habeas Corpus no 0039710-
13.2012.8.26.0000, 1a. Câ mara Criminal, julgado em
23/04/2012).

Os pacientes passarã o por este constrangimento e vem pedir a


concessã o da ordem preventiva para que somente seja procedida busca pessoal
neles caso os guardas municipais indiquem a fundada suspeita.

O segundo ponto é ainda mais grave.

Os pacientes em caso de resistência em nã o cumprir a ordem ilegal, ou


seja, nã o deixarem as vias pú blicas, AINDA QUE NÃ O TENHAM COMETIDO
QUALQUER INFRAÇÃ O PENAL, poderã o ser encaminhados ao Distrito Policial.

Ora, estamos diante da velha e arbitrá ria prisã o para averiguaçã o,


completamente vedada pelo nosso ordenamento jurídico.

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A Constituiçã o Federal é clara no sentido de que uma pessoa somente
pode ser presa se estiver em flagrante delito ou houver ordem escrita e
fundamentada de autoridade judicial. In verbis:

Art. 5º LXI - ninguém será preso senã o em flagrante delito


ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressã o
militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

O Có digo de Processo Penal, como nã o poderia ser diferente, traz


dispositivo neste mesmo sentido:

Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senã o em flagrante


delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciá ria competente, em decorrência de sentença
condenató ria transitada em julgado ou, no curso da
investigaçã o ou do processo, em virtude de prisã o
temporá ria ou prisã o preventiva.

Ou seja, nã o há exceçã o para prisã o de civil. Somente poderá ser detido


se estiver em flagrante ou houver decisã o judicial determinando a custó dia.

Muito se discute acerca da possibilidade de conduzir coercitivamente


alguém à Delegacia para prestar depoimento quando sã o investigados por fato
criminoso.

Contudo, nã o se pode permitir a conduçã o coercitiva para identificaçã o


civil acerca de desobediência civil, ou seja, quando nã o se cometeu qualquer
infraçã o penal e nã o se é investigado por nenhum fato.

Ou seja, nã o havendo investigaçã o alguma, jamais o paciente pode ser


detido e levado para delegacia para tomada de depoimento quando nã o há nada

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contra o cidadã o, de modo que a decisã o de detê-lo e levá -lo para Delegacia
consubstancia a odiosa figura da prisã o por averiguaçã o.

Uma das prá ticas abjetas que caracterizou a ditadura brasileira foi
justamente a chamada prisão para averiguação.

A prisã o para averiguaçã o é a privaçã o momentâ nea da liberdade, fora


das hipó teses de flagrante e sem ordem descrita do juiz competente, para
investigaçã o ou averiguaçã o em ambiente policial.

Com o advento do período de democratizaçã o da sociedade brasileira,


essa prá tica (prisão para averiguação), por ser incompatível com o Estado
Democrá tico de Direito, foi proscrita de forma expressa no art. 5º, LXI, da
Constituiçã o da Repú blica.

Além disso, Tratados Internacionais de Direitos Humanos dos quais o


Brasil é signatá rio impõ em garantias contra a prisã o arbitrá ria. Nesse sentido,
destacamos o disposto na Convençã o Americana de Direito Humanos que impede
expressamente a prisã o para averiguaçã o ao dispor sobre a detençã o arbitrá ria:

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal


1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança
pessoais.
2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo
pelas causas e nas condiçõ es previamente fixadas pelas
Constituiçõ es políticas dos Estados-partes ou pelas leis de
acordo com elas promulgadas.
3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou
encarceramento arbitrários.

Assim, sem sombra de dú vidas, a ordem constitucional brasileira


impede a odiosa prá tica da prisã o por averiguaçã o acima narrada.

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Nesse sentido, Guilherme Nucci deixa claro, como se vê nas palavras
abaixo:

“Nã o mais tem cabimento admitir-se que a polícia civil ou


militar detenha pessoas na via pú blica, para ‘averiguá -las’,
levando-as presas ao distrito policial, onde, como regra,
verifica-se se sã o procuradas ou nã o. Trata-se de
instrumento de arbítrio, que, uma vez fosse admitido,
ampliaria os poderes da polícia em demasia, a ponto de
cidadã o algum ter garantia de evitar a humilhaçã o do
recolhimento ao cá rcere.”10

Se nem a polícia civil ou militar podem fazê-lo, muito menos, os guardas


municipais, porquanto conforme o §8º, do artigo 144, da Constituiçã o Federal
referidos agentes pú blicos sã o destinados à proteçã o de bens, serviços e instalaçõ es
do Município.

Para além de sua inconstitucionalidade, a prá tica da prisã o para


averiguaçã o constitui crime de abuso de autoridade, conforme tipificaçã o no art. 3º
da Lei 4.898/95: “Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: à liberdade de
locomoção; à incolumidade física do indivíduo”.

A concessã o da ordem preventiva, portanto, é de rigor, sob pena dos


pacientes serem presos para averiguaçã o, quando deveriam sê-lo os executores da
constriçã o, por cometerem crime de abuso de autoridade.

E nã o se diga que a custó dia determinada dos pacientes, e de tantos


outros, para encaminhamento compulsó rio à Delegacia nã o seria prisã o e, por isso,

10
NUCCI, Guilherme de Sousa. Có digo de processo penal. 9. ed. Sã o Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. p. 585.
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nã o haveria desrespeito ao artigo 5º inciso LXI da Constituiçã o Federal e art. 283
do Có digo de Processo Penal.

Aliá s, o vocá bulo “preso” é assim definido no dicioná rio Michaelis11:

preso
pre.so
adj (part irreg de prender) 1 Amarrado, atado, ligado. 2 Fixo,
pregado, seguro, atarraxado. 3 Recluso em prisã o;
encarcerado. 4 Que foi agarrado ou aprisionado; prisioneiro.
5 Recolhido a prisã o; encarcerado. 6 Sem liberdade de
ação. 7 Moralmente peado. 8 Impelido, tolhido. 9 Manietado.
10 pop Casado. Antôn (acepçõ es 1 a 6): livre, solto. sm 1
Aquele que está recolhido a prisã o; encarcerado, prisioneiro.
2 Indivíduo detido ou capturado por agentes da
autoridade. Col: leva (em trâ nsito). Preso pelo beiço, gír:
enamorado, encantado. Preso por mil, preso por dois mil: a ter
de ser preso, que o seja logo por uma falta grande e nã o por
uma pequena.

Ora, preso significa “sem liberdade de açã o”, “indivíduo detido ou


capturado por agentes da autoridade, tal como ocorrerá no caso em apreço.

Nã o se discute, portanto, que o cerceamento da liberdade dos pacientes


pode caracterizar uma prisã o e, como nã o haverá flagrante, nem ordem escrita
judicial, tratar-se-á de prisã o por averiguaçã o, vedada em nosso país.

Acerca da ilegalidade da prisã o por averiguaçã o, a gerar inclusive


responsabilidade civil ao Estado pelos danos morais e materiais causados ao
cidadã o, este E. Tribunal de Justiça, como nã o poderia deixar de ser, já se pacificou:

“O nexo de causalidade entre o ato e o dano se mostra


evidente. No caso era questão, a retenção do autor para
11
Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?
lingua=portugues-portugues&palavra=preso>
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averiguação se mostrou precipitada. O conjunto probatório
demonstra que não havia necessidade alguma de retenção do
apelado para averiguação. Ao apelado não foi creditado
nenhum crime em especifico, pois conforme se vê pelos
depoimentos constantes dos autos, a testemunha Sorayde
Lima Gibertoni (fls. 93) que foi quem deu causa a ação dos
policiais, não imputou crime algum ao apelado, se limitando a
dizer que ele era semelhante a uma pessoa que havia visto em
um ônibus e que lhe fez algumas perguntas sobre onde ela
trabalhava. (...)Desta forma, não havendo sido imputado
nenhum fato delituoso ao apelado, sua retenção e
encaminhamento à Delegacia de Polícia, algemado, lhe
causou dano que merece ser indenizado. (Apelação
990.10.118605-5. TJ-SP. Rel LINEU PEINADO. Julg em
18/05/2010).

“Ainda que não tenha ficado comprovado qualquer ofensa


direta ao autor, por parte dos policiais militares, o certo é que
a conduta de conduzi-lo à repartição policial, sem qualquer
elemento indicativo da prática de ilícito penal, revestiu-se de
manifesta ilegalidade. Não se há falar, em absoluto, no
cumprimento do dever legal, mas sim de abuso de autoridade
por parte dos policiais militares. A prisão somente se permite
em caso de flagrante delito ou mandado judicial. Não era o
caso, evidentemente. A chamada "prisão para
averiguações" viola o direito constitucional de ir e vir dos
cidadãos. Nosso sistema legal somente admite a prisão por
ordem judicial ou quando o agente é surpreendido em
flagrante delito. (Apelação 0036279-07.2007.8.26.0562.
TJ-SP. Rel. MARCIO FRANKLIN NOGUEIRA. Julg em
10/05/2011).

Por fim, é cediço que o civilmente identificado nã o será submetido a


identificaçã o criminal, salvo nas hipó teses previstas em lei.

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Em outros termos, é possível a identificaçã o criminal, quando nã o for
possível ou apresentada a identificaçã o civil ou nas hipó teses da Lei 12037/09.

Contudo, para que isso ocorra, faz-se necessá rio ao menos que os
pacientes estejam ou sejam suspeitos ou indiciados pela prá tica de infraçã o penal
(artigo 6º, inciso VIII, do Có digo de Processo Penal), nunca por desobediência civil
por ato ilegal e abusivo. Isto sem mencionar a possibilidade dos investigados (que
nã o sã o os pacientes) de recusar a identificaçã o criminal.

Diante do exposto, impõ e-se a concessã o da ordem de Habeas Corpus


coletiva preventiva aos pacientes.

DO DIREITO À LIVRE MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA/ DA LIBERDADE


PROFISSIONAL (PROTEÇÃO DO TRABALHO MANUAL)/DIREITO DE PEDIR
ESMOLA – ABOLITIO CRIMINIS DA MENDICÂNCIA - LEI Nº 11.983, DE 16 DE
JULHO DE 2009./PENALIZAÇÃO DA POBREZA / INCONSTITUCIONALIDADE DO
ARTIGO 68 DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS – NEMO TENUTUR SE
DETEGERE/ INCOMPETÊNCIA DE LEI MUNICIPAL PARA TRATAR DA MATÉRIA
EM DISCUSSÃO

A Constituiçã o Federal é clara ao afirmar que é livre a expressã o da


atividade intelectual, artística, científica e de comunicaçã o, independentemente de
censura ou licença (art. 5º, IX, da CF/88), devendo ser permitida por essa razã o a
confecçã o e exposiçã o de peças e objetos artísticos em via pú blica.

As apresentaçõ es artísticas, circenses, culturais e afins na rua buscam


recursos para permitir a sua continuidade e prover a subsistência do artista de rua

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e de sua família e a apresentaçã o em via pú blica de seus trabalhos proporciona
condiçõ es de sustento material e a sua realizaçã o pessoal.

Nesse sentido:

“Os espaços públicos são para uso público, de qualquer


pessoa do povo, sem que isso se converta em
apropriação privada do espaço de todos. De outro lado, a
regulamentaçã o da utilizaçã o dos espaços pú blicos nã o pode
se converter em apropriaçã o deles pela Administraçã o
Pú blica, de modo a sujeitar a sua fruiçã o, por quem quer que
seja, a um alvará , cuja exigência nã o está autorizada pela
Constituiçã o Federal. Afinal, a vocação dos espaços
públicos, de uso comum do povo, já tem sua definição
intrínseca, constituindo as praças locais de encontro e
convivência social, apropriadas às manifestações
artísticas espontâneas. (Ap Cível/Reex Necessá rio
1.0024.05.870488-3/001, Rel. Des.(a) Maurício Barros, 6ª
CÂ MARA CÍVEL, julgamento em 06/03/2007, publicaçã o da
sú mula em 23/03/2007) Grifos Atuais).

Igualmente vá rios julgados permitem a apresentaçã o da arte em via


pú blica:

"ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA -


MANIFESTAÇÃ O ARTÍSTICA CONHECIDA COMO ""ESTÁ TUA
VIVA"" - APRESENTAÇÃ O EM LOGRADOUROS PÚ BLICOS -
EXIGÊ NCIA DE LICENÇA ADMINISTRATIVA -
INADMISSIBILIDADE - VIOLAÇÃ O DO DIREITO À LIBERDADE
DE EXPRESSÃ O ARTÍSTICA - ART. 5º, IX, DA CONSTITUIÇÃ O
FEDERAL - CONCESSÃ O DA SEGURANÇA QUE SE
CONFIRMA.1- A expressã o pú blica da arte denominada
""está tua viva"" constitui exercício do direito à liberdade de
expressã o artística, instituído pelo art. 5º, IX, da Constituiçã o
Federal de 1988. 2- A exigência de licença administrativa
constitui norma restritiva da liberdade, de modo que sua
sustentaçã o somente se faria validamente, no caso concreto,
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pela confrontaçã o legítima do exercício da liberdade do
impetrante com outros direitos, em que restasse evidenciada
a necessidade de tutela destes, em detrimento daquele. 3- Os
espaços pú blicos sã o para uso pú blico, de qualquer pessoa do
povo, sem que isso se converta em apropriaçã o privada do
espaço de todos. De outro lado, a regulamentaçã o da
utilizaçã o dos espaços pú blicos nã o pode se converter em
apropriaçã o deles pela Administraçã o Pú blica, de modo a
sujeitar a sua fruiçã o, por quem quer que seja, a um alvará ,
cuja exigência nã o está autorizada pela Constituiçã o Federal.
Afinal, a vocaçã o dos espaços pú blicos, de uso comum do
povo, já tem sua definiçã o intrínseca, constituindo as praças
locais de encontro e convivência social, apropriadas à s
manifestaçõ es artísticas espontâ neas. 4- A exigência de
licença administrativa extrapola em muito a competência de
ordenaçã o do espaço urbano e perde de vista a pró pria
funçã o da cidade, razã o da outorga da competência
constitucional, que é possibilitar o bem-estar de seus
habitantes, pelas funçõ es de habitaçã o, trabalho, circulaçã o e
recreaçã o, que tem como primeira manifestaçã o a expressã o
pú blica da arte popular espontâ nea. 6- Configurada a
violaçã o do direito líquido e certo do impetrante, por ato
ilegal da autoridade municipal, confirma-se a sentença que
concedeu a segurança. (Ap Cível/Reex Necessá rio
1.0024.05.870488-3/001, Rel. Des.(a) Maurício Barros, 6ª
CÂ MARA CÍVEL, julgamento em 06/03/2007, publicaçã o da
sú mula em 23/03/2007)

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR.


REJEIÇÃ O. AÇÃ O CIVIL PÚ BLICA. ARTESÃ OS DE RUA E
HIPPIES. CONFECÇÃ O E EXPOSIÇÃ O DE PEÇAS E OBJETOS
ARTÍSTICOS EM VIA PÚ BLICA. POSSIBILIDADE.
INTELIGÊ NCIA DO ART. 5º, IX, DA CF/88. TUTELA
ANTECIPADA. REQUISITOS. DEMONSTRAÇÃ O. RECURSO
NÃ O PROVIDO. 
I - Conforme dispõ e o art. 273 do CPC, para a concessã o de
tutela antecipada, necessá ria a existência de prova
inequívoca para o convencimento da verossimilhança da

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alegaçã o e que haja fundado receio de dano irrepará vel ou de
difícil reparaçã o. 
II - As atividades desenvolvidas pelos camelô s e toreros nã o
se confundem com as exercidas pelos artesã os e hippies,
porquanto estas possuem cará ter nitidamente transitó rio,
sendo livre a expressã o da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicaçã o, independentemente de censura
ou licença (art. 5º, IX, da CF/88), razã o pela qual deve ser
mantida a decisã o que permitiu a confecçã o e exposiçã o de
peças e objetos artísticos em via pú blica.  (TJMG -  Agravo de
Instrumento-Cv  1.0024.12.128973-0/001, Relator(a): Des.
(a) Washington Ferreira , 7ª CÂ MARA CÍVEL, julgamento em
30/04/2013, publicaçã o da sú mula em 06/05/2013).

Ademais, a Constituiçã o Federal em seu artigo 5º, inciso XIII, preconiza


que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissã o, atendidas as
qualificaçõ es profissionais que a lei estabelecer.

A proibiçã o de realizaçã o de trabalhos manuais e a venda de artesanatos


e outros bens em via pú blica viola esse direito, impedindo o livre exercício da
profissã o, que inclusive protege o trabalho manual.

Além disso, com a abolitio criminis da contravençã o penal da mendicâ ncia


outrora prevista no artigo 60 do Decreto Lei nº. 3688, que além de inconstitucional,
foi revogada expressamente pela 11.983/2009, sendo direito dos pacientes em
situaçã o de rua em pedir esmola em via pú blica, sob pena de penalizaçã o da
pobreza.

Também em relaçã o à contravençã o penal do artigo 68 da Lei de


Contravençõ es Penais, temos que nã o foi recepcionada pela Constituiçã o Federal de
1988 porquanto a mera recusa em fornecer dados sobre a pró pria identidade ou
qualificaçã o, com o fim de esquivar-se do cerceamento de sua liberdade, por abuso

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da autoridade pú blica, se insere no direito da autodefesa, em proteçã o ao princípio
que assegura o seu direito de permanecer em silêncio e nã o ser compelido a
produzir provas contra si mesmo.

Ademais, se os atos e atividades referidas que se pretende proibir sã o


legais, exigir a identificaçã o civil, somente para que se criminalize certas condutas
que a pró pria Constituiçã o diz que sã o livres, a recusa em fornecer identificaçã o
civil nesses casos deve abranger o direito de autodefesa e desobediência civil.

Portanto, criminalizar condutas lícitas e utilizar meios abusivos para


conter essas atividades, consistem em violaçã o ao direito de liberdade de
permanecer em vias pú blicas.

Por fim, de plano constata-se a incompetência da Lei Municipal para


tratar dos assuntos nela mencionados, já que extrapola o interesse local, pois:

1º: Compete privativamente à Uniã o legislar sobre direito penal e direito


processual penal e do trabalho– artigo 22, inciso I, da Constituiçã o Federal – Nã o
podendo a Lei Municipal criar condiçõ es para o exercício de atividades
profissionais manuais, artísticas, circenses e outras e utilizar meios processuais
penais para outros fins.

2º: Compete privativamente à Uniã o legislar sobre trâ nsito e transporte –


artigo 22, inciso XI, da Constituiçã o Federal – nã o podendo por Lei Municipal
proibir-se atividades lícitas e prestaçã o de serviços no trâ nsito.

Diante do exposto, impõ e-se a concessã o da ordem de Habeas Corpus


preventiva, a fim de que os pacientes nã o sejam tolhidos de seus direitos
constitucionais, concedendo-lhes salvo-conduto para que: i) nã o seja procedida

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busca pessoal em seus pertences pessoais no caso de nã o haver fundado receio de
porte de arma ou de objetos criminosos ou ilícitos; ii) nã o sejam os pacientes
impedidos de permanecerem em local pú blico em que se encontram em virtude do
simples fato de estarem pedido “esmola” ou contraprestaçã o por apresentaçã o
artística ou circense ou afim; por estarem realizando a venda do produto do seu
trabalho manual (artesanatos ou bens afins) ou por estarem prestando serviços
manuais de limpeza de vidro de veículos ou serviços afins; iii) nã o sejam presos
simplesmente para serem encaminhados ao distrito policial para realizaçã o de
identificaçã o civil (prisã o para averiguaçã o) por desobediência civil e direito de
autodefesa, mas tã o somente no caso de haver flagrante delito ou ordem judicial,
caso em que deverá lhe ser imediatamente informada qual é a conduta criminosa
específica e individualizada que lhe é imputada.

DA NECESSIDADE DE CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR

É imprescindível a concessã o liminar da ordem, com a imediata expediçã o


de salvo-conduto aos pacientes, garantindo que: i) nã o seja procedida busca
pessoal em seus pertences pessoais no caso de nã o haver fundado receio de porte
de arma ou de objetos criminosos ou ilícitos; ii) nã o sejam os pacientes impedidos
de permanecerem em local pú blico em que se encontram em virtude do simples
fato de estarem pedido “esmola” ou contraprestaçã o por apresentaçã o artística ou
circense ou afim; por estarem realizando a venda do produto do seu trabalho
manual (artesanatos ou bens afins) ou por estarem prestando serviços manuais de
limpeza de vidro de veículos ou serviços afins; iii) nã o sejam presos simplesmente
para serem encaminhados ao distrito policial para realizaçã o de identificaçã o civil
(prisã o para averiguaçã o) por desobediência civil e direito de autodefesa, mas tã o

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somente no caso de haver flagrante delito ou ordem judicial, caso em que deverá
lhe ser imediatamente informada qual é a conduta criminosa específica e
individualizada que lhe é imputada.

No presente caso, presente está o fumus boni iuris, diante de todo o


relatado nesta inicial, bem como nos documentos anexos, a evidenciar ato ilegal e
abusivo do Prefeito de Jundiaí.

Por outro lado, o periculum in mora é ainda mais indiscutível, diante da


iminência de violaçã o à liberdade de locomoçã o dos pacientes.

Sendo assim, para que nã o ocorram violaçõ es aos direitos


constitucionais dos pacientes, nã o há outra soluçã o que nã o a concessã o da ordem
liminarmente, sob pena de incontorná vel restriçã o à liberdade dos pacientes.

Presentes seus dois pressupostos, impõ e-se a concessã o da liminar.

PEDIDO

Por todo o exposto, requer a Defensoria Pú blica, em favor dos pacientes a


concessã o da ordem de habeas corpus liminarmente, eis que presentes seus
pressupostos, a fim de que: i) nã o seja procedida busca pessoal em seus pertences
pessoais no caso de nã o haver fundado receio de porte de arma ou de objetos
criminosos ou ilícitos; ii) nã o sejam os pacientes impedidos de permanecerem em
local pú blico em que se encontram em virtude do simples fato de estarem pedido
“esmola” ou contraprestaçã o por apresentaçã o artística ou circense ou afim; por
estarem realizando a venda do produto do seu trabalho manual (artesanatos ou
bens afins) ou por estarem prestando serviços manuais de limpeza de vidro de

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veículos ou serviços afins; iii) nã o sejam presos simplesmente para serem
encaminhados ao distrito policial para realizaçã o de identificaçã o civil (prisã o para
averiguaçã o) por desobediência civil e direito de autodefesa, mas tã o somente no
caso de haver flagrante delito ou ordem judicial, caso em que deverá lhe ser
imediatamente informada qual é a conduta criminosa específica e individualizada
que lhe é imputada.

No mérito, requer a concessã o da ordem, confirmando-se a liminar, nos


termos acima expostos.

Por fim, requer-se a intimaçã o pessoal da Defensoria Pú blica, em


respeito à prerrogativa estampada no artigo 128, inciso I da Lei Complementar
80/94.

ELTHON SIECOLA KERSUL

DEFENSOR PÚBLICO

3ª DEFENSORIA PÚBLICA DE JUNDIAÍ

FÁBIO JACYNTHO SORGE

DEFENSOR PÚBLICO

DEFENSORIA PÚBLICA DE JUNDIAÍ

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PEDRO CAVENAGHI NETO

Defensor Público

2ª Defensoria Pública de Jundiaí

RODRIGO CESAR JERONYMO

DEFENSOR PÚBLICO

DEFENSORIA PÚBLICA DE JUNDIAÍ

ROSELY GALVÃO MOTA CHAVES

Defensora Pública

1ª Defensora Pública de Jundiaí

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