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229
Volume 69
março 2021
Edição especial ISSN (IMPRESSA) 0101-6040
Acesso gratuito ao conteúdo em www.revistadae.com.br ISSN (ONLINE) 2675-4959
EDIÇÃO ESPECIAL
REENGENHARIA DE LAGOAS
DE ESTABILIZAÇÃO
A Revista DAE é classificada pelo QUALI/CAPES e está
adicionada/indexada nas seguintes bases:
editorial
Prezados Leitores, A grande vantagem da aplicação do reator UASB
É com grande satisfação que apresentamos nesta é que a remoção de material orgânico é mais
edição especial da Revista DAE um sistema ino- eficiente do que aquela na lagoa anaeróbia e na
vador de tratamento de esgoto para transfor- lagoa facultativa do sistema convencional. Ao
mação de lagoas de estabilização. Este sistema mesmo tempo, o reator UASB remove grande
é feito por meio da reengenharia de um sistema parte dos coloides do esgoto, facilitando a fotos-
obsoleto de tratamento de esgoto pela aplicação síntese na lagoa de polimento. A predominân-
de um sistema de reator UASB em combinação cia da fotossíntese sobre a oxidação de material
com lagoas de polimento. orgânico resulta em um aumento do pH, que é a
força indutora da remoção de nitrogênio e fós-
Sistemas de lagoas de estabilização são ampla-
foro. Assim, as lagoas de polimento contribuem
mente aplicados no Brasil, embora os problemas
decisivamente para a redução dos quatro princi-
associados a seu uso sejam bem conhecidos e
pais componentes presentes no esgoto: material
incluam as três fases de (sub) produtos que são
orgânico, patógenos, nitrogênio e fósforo.
gerados. Quanto à fase líquida – o efluente,– os
problemas estão associados à impossibilidade de Esta edição foi composta de artigos pré-selecio-
remoção de nutrientes e ao aumento da salinidade nados no tema sugerido: Reengenharia de lago-
pela perda de água por evaporação. Na fase gaso- as de tratamento de esgotos. Assim, foi criado
sa, o biogás é liberado e contribui de maneira sig- um comitê de avaliação dos Artigos Técnicos,
nificativa para o aumento da emissão de gases do composto pelos seguintes professores: Adal-
efeito estufa. Na fase sólida, o lodo acumulado na berto Noyola Robles (UNAM/México); Elivânia
lagoa anaeróbia requer que a operação de parte do Vasconcelos Moraes dos Santos (IFCE/Limoeiro
sistema seja interrompida, com certa frequência, do Norte - CE); Francisco Vieira Paiva (Unifor/
para remoção da massa acumulada. Fortaleza - CE); José Tavares de Souza (UEPB/
Campina Grande - PB); Luiz Olinto Monteg-
Nesta série de artigos, apresenta-se uma nova
gia (UFRGS/Porto Alegre - RS); Pedro Alem So-
concepção de sistema de tratamento, que per-
brinho (EPUSP/São Paulo - SP); Ricardo Franci
mite mitigar ou, na maioria dos casos, eliminar os
Gonçalves (UFES/Vitória- ES); Roque Passos
problemas associados às lagoas convencionais
Piveli, (EPUSP/São Paulo - SP) e Silvano Porto
de estabilização. O sistema proposto é composto
(Cagece/Fortaleza - CE), sob a coordenação dos
por um reator UASB e uma série de lagoas de poli-
professores Adrianus van Haandel (UFCG) e Sil-
mento. O reator UASB substitui a lagoa anaeróbia
vânia Lucas dos Santos (UFRN), editores associa-
e a lagoa facultativa e minimiza os problemas as-
dos desta edição, dessa forma garantindo o rigor
sociados à fase gasosa e à fase sólida das lagoas
científico dos artigos.
convencionais de estabilização. O biogás é cap-
turado no reator UASB e pode ser queimado ou Boa leitura,
usado para geração de energia, e o lodo gerado
no reator UASB pode ser descarregado em leitos
de secagem para posterior utilização como adu-
bo orgânico na agricultura. As lagoas de polimen-
to devem ser operadas em regime de bateladas,
já que estas são mais eficientes do que lagoas de
Engª Cristina Knorich Zuffo
polimento de fluxo contínuo.
EDITORA-CHEFE
3
revista
Nº 229
edição especial de março 2021
Missão
A Revista DAE tem por objetivo a publicação de artigos técnicos e científicos originais
nas áreas de saneamento e meio ambiente.
Histórico
Iniciou-se com o título Boletim da Repartição de Águas e Esgotos (RAE), em 1936,
prosseguindo assim até 1952, com interrupções em 1944 e 1945. Não circulou em 1953.
Passou a denominar-se Boletim do Departamento de Águas e Esgotos (DAE)
em 1954 e Revista do Departamento de Águas e Esgotos de 1955 a 1959.
De 1959 a 1971, passou a denominar-se Revista D.A.E. e, a partir de 1972, Revista DAE.
Houve, ainda, interrupção de 1994 a 2007.
Publicação
Trimestral (janeiro, abril, julho e outubro)
Diretoria de Tecnologia, Empreendimentos e Meio Ambiente – T
Superintendência de Pesquisa, Desenvolvimento e
Inovação Tecnológica – TX
Rua Costa Carvalho, 300 – Pinheiros – 05429 000
São Paulo – SP – Brasil
Tel (11) 3388 9422 / Fax (11) 3814 5716
Editora-Chefe
MSc Engenheira Cristina Knorich Zuffo
Editora Executiva
MSc Engenheira Iara Regina Soares Chao
Editores Associados
Prof. Adrianus van Haandel e Profa. Silvânia Lucas dos Santos
Assistente Editorial
Uyara Belmonte Guedes Gondim
Conselho Editorial
Prof. Dr. Iran Eduardo Lima Neto (UFC), Prof. Dr. Marcelo Zaiat (USP), Prof. Dr. Luciano
Matos Queiroz (UFBA), Prof. Dr. Adriano Luiz Tonetti (Unicamp), Prof. Dr. Joel Dias
da Silva Dias (FURB - Universidade de Blumenau), Prof. Dr. Bernardo Arantes do
Nascimento Teixeira (UFSCAR), Prof. Dr. Gilmar Wanzeller Siqueira (UFPA),
Prof. Dr. Gilson Barbosa Athayde Junior (UFPB), Dr. Jairo Tardelli (Consultor autônomo),
Prof. Dr.Kamel Zahed Filho (USP/Sabesp), Profª. Drª. Dione Mari Morita
(Escola Politecnica da USP), Profª. Drª. Angela Di Bernardo Dantas (Universidade de
Ribeirão Preto/UNAERP), Prof. Dr. José Roberto Campos (USP/São Carlos),
Profª. Drª. Ariuska Karla Barbosa Amorim (UNB), Paulo Sergio Scalize (UFG),
Coordenação da Eng. Cristina Knorich Zuffo (Sabesp).
Idiomas
Serão aceitos artigos escritos em português e inglês
Projeto Gráfico, Diagramação e Revisão
Beatriz Martins Gomes 29772393832
Capa
Prof. Agostinho N. C. Lira
nesta edição
artigos técnicos
39
post treatment in polishing ponds
132
Determinação de constantes de transferência de compostos
voláteis em lagoas de tratamento de esgoto Produtividade em diferentes tipos de leitos de secagem
Determination of transfer constants of volatile compounds in Productivity of different types of sludge drying beds
152
sewage treatement ponds
Proposta de aumento da capacidade de tratamento e melhoria
52
Variação do pH e remoção de nitrogênio em lagoas da qualidade do efluente da ETE de Campina Grande-PB
de polimento usando a combinação UASB e lagoas de polimento
pH variation and nitrogen removal in polishing ponds Proposal for increasing the treatment capacity and improving
70
Lagoas de polimento operando em bateladas como the quality of the effluent of Campina Grande’s WWTP using the
pós-tratamento de reatores UASB: remoção de combination of UASB and polishing ponds
173
material orgânico
Aplicação do sistema UASB-lagoas de polimento para o
Polishing ponds operating in batch mode for post treatment of
UASB reactors: organic material removal tratamento de esgoto visando ao reúso agrícola ou industrial
80
ou à proteção de recursos hídricos
Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando
Application of the UASB-polishing pond system for sewage
efluentes de reator UASB
tratment aiming at agricultural or industrial reuse or at
Bacterial decay in polishing ponds treating UASB reactor
effluents protection of water resources
91 192
Remoção de fósforo em lagoas de polimento operadas em Transformação de um sistema de lagoas de estabilização,
regime de bateladas sequenciais visando à produção de água para a indústria
Phosphorus removal in polishing ponds operated under Transformation of a system of stabilization ponds for industrial
sequential batch regime water production
ARTIGO ORIGINAL
ORCID ID
Haandel A https://orcid.org/0000-0002-9937-6715 Santos SL https://orcid.org/0000-0002-6905-3966
Resumo
Lagoas de Estabilização (LEs) vêm sendo utilizadas há décadas para o tratamento de esgoto em cidades de
médio e pequeno portes em muitos países do mundo. Esses sistemas são compostos por uma série de lagoas:
(1) lagoa anaeróbia; (2) lagoas facultativas; e (3) lagoas de maturação. As LEs, em geral, produzem um efluen-
te de boa qualidade, em termos de remoção de matéria orgânica e patógenos, mas sua aplicação apresenta
desvantagens, sendo o longo tempo de permanência e a impossibilidade de remoção de nutrientes as mais
notórias. Uma alternativa promissora ao uso das LEs é a substituição da série lagoa anaeróbia-lagoa facul-
tativa por um reator UASB, que tem como vantagens a redução do tempo de permanência e a captação do
biogás. Lagoas de pós-tratamento do efluente do reator UASB apresentam produção de oxigênio e consumo
biológico de dióxido de carbono, o que eleva o pH. Nesta série de trabalhos mostra-se, por meio de investiga-
ções experimentais, que a produção de oxigênio abre a possibilidade de usar lagoas de polimento em regime
de bateladas sequenciais em vez de fluxo contínuo. Essa modificação no regime hidrodinâmico acelera o
decaimento das bactérias patogênicas, bem como propicia o aumento do pH, que por sua vez possibilita a
remoção dos seguintes nutrientes: nitrogênio, por meio da dessorção de amônia, e fósforo, pela precipitação
de fosfato. Assim, produz-se um efluente de boa qualidade com baixas concentrações de material orgânico
biodegradável, nutrientes (nitrogênio e fósforo) e patógenos. A boa qualidade do efluente é obtida em um
sistema sem consumo de energia ou materiais auxiliares ao tratamento, e com uma área menor do que a de
lagoas de estabilização convencionais.
Palavras-chave: Lagoas de estabilização. Reator UASB. Lagoa de polimento. Regime de bateladas sequenciais.
Abstract
Waste Stabilization Ponds (WSP) have been used for decades for the sewage treatment in medium and small cities
in many countries. These systems are composed of a series of lagoons: (1) anaerobic pond (2) facultative pond
lagoons and (3) maturation ponds. LEs in general produce a good quality effluent, in terms of organic matter and
pathogens removal, but its application has disadvantages, being the long retention time the impossibility of nu-
trient removal the most serious ones. A promising alternative to the use of WSP is the replacement of the anaerobic
1
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil.
* Autor correspondente: adrianusvh@gmail.com.
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Transformação de lagoas de estabilização: reengenharia de um sistema obsoleto de tratamento de águas residuárias
pond + facultative pond by a UASB reactor, which has the advantages of greatly reducing the retention time. Pos-
t-treatment ponds of the UASB reactor effluent present oxygen production and biological consumption of carbon
dioxide, which raises the pH. This series of articles shows through experimental investigations that the production
of oxygen opens the possibility of using polishing ponds in a sequential batch regime instead of continuous flow.
This modification in the hydrodynamic regime accelerates the decay of pathogenic bacteria, as well as accelerates
the increase in pH, which in turn allows the removal of the following nutrients: nitrogen, through the desorption of
ammonia, and phosphorus, by phosphate precipitation. This produces a good quality effluent with low concentra-
tions of biodegradable organic material, nutrients (nitrogen and phosphorus) and pathogens. This good quality of
the effluent is obtained in a system without energy consumption or auxiliary materials for treatment and with a
smaller area than the one of conventional stabilization ponds.
Keywords: Waste stabilization ponds. UASB Reactor. Polishing ponds. Sequential batch regime.
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Haandel A, Santos SL
Figura 1 - Representação esquemática de um sistema convencional de lagoas de estabilização (LE), o sistema australiano.
Nos anos 60 do século passado, tornou-se evi- fósforo não é factível. A razão desse insucesso se
dente que, além da remoção do material orgâ- deve ao principalmente ao pH, que em lagoas de
nico e dos patógenos, a remoção dos nutrientes estabilização mantém-se praticamente neutro.
nitrogênio e fósforo é de vital importância para Nesta série de artigos mostra-se que para uma
proteger os corpos receptores. Entretanto, pes- remoção eficiente de nutrientes é necessário que
quisas visando à remoção de nutrientes (PANO; o pH aumente significativamente.
MIDDLEBROOKS, 1982; BASTOS et al., 2018; ZIM-
MO; VAN DER STEEN; GIJZEN, 2003; CAMARGO Lagoas de Estabilização (LEs) vêm sendo utili-
VALERO; MARA, 2010) mostraram que a remoção zadas para o tratamento de esgoto em cidades
de nitrogênio é somente parcial e a remoção de de médio e pequeno porte no Brasil e em muitos
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Transformação de lagoas de estabilização: reengenharia de um sistema obsoleto de tratamento de águas residuárias
países há décadas. O Instituto Brasileiro de Ge- (3) As LEs não são adequadas para a remoção de
ografia e Estatística (IBGE) afirma que do total nutrientes (nitrogênio e fósforo), de modo que,
de esgoto tratado (em torno de 8.500.000 m3/d), se lançadas em corpos d’água, podem desenca-
aproximadamente 50% se realiza em sistemas de dear o processo da eutrofização.
lagoas de estabilização (IBGE, 2010). Ho Echel-
(4) A aplicação da LAn resulta na produção de
poel e Goethals (2017) mostraram que mesmo biogás que se desprende da fase líquida e gera
em regiões de clima não favorável as LEs são maus odores no entorno do sistema de LE (pre-
amplamente aplicadas: nos Estados Unidos, na sença de gás sulfídrico), o que contribui para
França e na Alemanha o número de LEs é de 50, a impopularidade das LEs junto à população
20 e 30% do total de número de ETEs, respectiva- (CAMPOS, 1999);
mente. Invariavelmente, as LEs são operadas em
regime de fluxo contínuo. Na configuração aus- (5) O biogás que se desprende da LAn represen-
ta um problema ambiental: o metano no biogás
traliana, esses sistemas podem produzir uma boa
contribui de maneira importante para a libe-
qualidade para o efluente em termos de remoção
ração de gases do efeito estufa, que é 21 vezes
da Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e dos
mais prejudicial que o CO2. A “pegada ambien-
patógenos (MARA, 1976), mas a remoção de nu-
tal” das LEs é bem maior do que a de sistemas ae-
trientes é insatisfatória.
róbios de tratamento (VAN HAANDEL; VAN DER
O sistema de lagoas de estabilização apresenta LUBBE, 2019);
algumas vantagens, mas também tem desvan-
(6) Há uma acumulação importante de sólidos
tagens. As vantagens estão associadas à sua não biodegradáveis na LAn, o que resulta no as-
simplicidade operacional e ao baixo custo de soreamento desta e leva à necessidade de remo-
implantação (se houver condições topográficas ção dos sólidos (cada 3 a 5 anos), uma operação
favoráveis e área disponível a baixo custo). As complicada (CAVALCANTI, 2003; OAKLEY, 2005);
desvantagens são várias, sendo as principais:
(7) A necessidade de afastar a lagoa com seus
(1) A produção de oxigênio é lenta, portanto, as odores da região urbana implica em um custo
áreas das LEs devem ser elevadas (tempo de per- extra da rede de coleta com um emissário longo,
manência total de 1 mês aproximadamente; área o que representa um fator de investimento de
necessária 3 m2/habitante; MARA, 1976) para grande importância;
manter um ambiente ao menos parcialmente ae-
(8) O mesmo problema de odores requer que se
róbio na lagoa facultativa e predominantemente
opere um único sistema de LEs, não sendo possí-
aeróbio nas lagoas de maturação. Isso é neces-
vel segmentar a rede de esgoto para tratamento
sário para uma remoção eficiente do material or-
em sistemas descentralizados no fim das redes e
gânico, mas inviabiliza a sua aplicação nos gran- assim, reduzir custos da infraestrutura.
des centros urbanos;
Nos últimos anos, pôde-se observar uma ten-
(2) A consequência da grande área das LEs é que dência de diminuição do uso da lagoa anaeróbia,
há uma perda grande de água por evaporação, talvez por causa da rejeição pela população. A
acarretando em um aumento da salinidade do eliminação da LAn exige um aumento conside-
efluente, prejudicando sua aplicabilidade como rável da área da LF, já que esta recebe agora o
água de reúso para fins de irrigação (MARA; PE- esgoto bruto, o que aumenta a demanda de oxi-
ARSON, 1998); gênio para degradar o material orgânico. Como a
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Haandel A, Santos SL
LAn, em muitos casos, remove em torno da me- excesso e, após secagem, ser aproveitado como
tade do material biodegradável (JORDÃO; PÊS- adubo orgânico e dessa maneira não se acumu-
SOA, 2017), a LF que recebe esgoto bruto deve, lar no sistema de tratamento. Adicionalmente,
no mínimo, ser duas vezes maior que uma LF pre- o efluente do reator UASB apresenta uma baixa
cedida por uma LAn. turbidez em razão da remoção de grande parte
dos sólidos suspensos do esgoto, o que resulta
Na prática, essa providência resolve alguns pro-
numa maior transparência do líquido na lagoa
blemas das LEs, mas cria outros. Certamente
que recebe seu efluente, e consequentemente,
haverá redução dos odores gerados no sistema,
uma taxa de fotossíntese maior porque a radia-
mas o aumento da área faz com que problemas ção solar pode penetrar mais profundamente na
como a evaporação e a associada deterioração lagoa. Assim, a aplicação do reator UASB resulta
da qualidade do efluente final (salinidade) au- tanto numa diminuição da demanda de oxigênio
mentem. Outro ponto é que os sólidos não bio- no efluentecomo em um aumento da sua produ-
degradáveis do esgoto se acumulam na lagoa fa- ção fotossintética. Por essas razões, a lagoa sub-
cultativa, o que por um lado aumenta o tempo de sequente pode ser operada com uma área menor.
assoreamento, mas, por outro lado, cria um pro- Portanto, a simples aplicação do reator UASB em
blema quase impossível de ser resolvido quando si já traz vantagens importantes.
a lagoa fica cheia de sólidos, uma vez que não se
tem uma segunda LF, como tem uma segunda A área da LE é grande porque a lagoa facultati-
LAn no sistema convencional. va deve operar de forma a favorecer condições
aeróbias, uma vez que em ambiente anaeróbio a
remoção do material orgânico é mais lenta. Por
essa razão, opera-se a LF como uma lagoa cujo
2 MODIFICAÇÕES PROPOSTAS NO
regime hidráulico se aproxima da mistura com-
SISTEMA CONVENCIONAL DE LAGOAS DE
pleta, onde se introduz paulatinamente o efluen-
ESTABILIZAÇÃO
te da LAn, de modo a distribuir a demanda de
Há basicamente duas maneiras de reduzir os
oxigênio associada uniformemente sobre toda a
problemas que são inerentes à aplicação das LEs:
lagoa. Dimensiona-se a LF de tal maneira que a
(1) diminuir a demanda por oxigênio; ou (2) au-
demanda média de oxigênio pelo material orgâ-
mentar a geração deste. Para diminuir a deman-
nico introduzido da LAn não exceda a produção
da por oxigênio, é necessário que se aumente a
de oxigênio pela fotossíntese e pela transferên-
eficiência da digestão anaeróbia que se desen-
cia de oxigênio atmosférico, mantendo-se, as-
volve na LAn. Isso é possível quando se aplica
sim, um ambiente aeróbio permanente em pelo
um reator eficiente como, por exemplo, o reator
menos parte da LF.
UASB, que tende a ter uma eficiência superior à
LAn e LF combinadas (VAN HAANDEL; LETTIN- Uma alternativa de pós-tratamento desses
GA, 1994). O reator tem a vantagem adicional de efluentes anaeróbios é o uso de lagoas que são
captar o biogás, que pode ser queimado para evi- denominadas lagoas de polimento (LPs), diferen-
tar que os maus odores se espalhem na região do ciando-se das lagoas de estabilização conven-
entorno do sistema. Além disso, ao se capturar e cionais (LEs) usadas para o tratamento de esgoto
queimar o biogás, o metano é convertido em di- bruto (CAVALCANTI, 2003). Embora as concen-
óxido de carbono, reduzindo a emissão de gases trações residuais de material orgânico e de sóli-
do efeito estufa. Por outro lado, o lodo gerado no dos em suspensão nos reatores UASB geralmen-
reator UASB pode ser descarregado como lodo de te sejam superiores ao limite legal estabelecido
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Transformação de lagoas de estabilização: reengenharia de um sistema obsoleto de tratamento de águas residuárias
para descarga em águas de superfície, o pós-tra- demanda de oxigênio no efluente do UASB será
tamento se torna mais fácil. Ademais, a qualida- menor, a área da lagoa pode ser reduzida. Quan-
de do efluente do reator UASB é relativamente to à operação, a menor demanda abre a pers-
boa e permite eliminar mais facilmente outros pectiva de operar a lagoa no regime de batela-
constituintes indesejáveis do esgoto, como pa- das sequenciais (LPBS), em vez de fluxo contínuo
tógenos e nutrientes. Portanto, a necessidade de (LPFC). Potencialmente, a operação da LPBS tem
pós-tratamento se impõe para reduzir a concen- grande vantagem, podendo reduzir o tempo de
tração residual de material orgânico e os pató- permanência para remover a DBO, patógenos e
genos, mas essa redução é facilitada por uma di- nutrientes. Para otimizar o sistema UASB seguido
gestão anaeróbia eficiente que se desenvolve no de LP é necessário que se investigue: (1) a viabi-
reator UASB. Por ter uma qualidade melhor que o
lidade de operar a lagoa de polimento em regime
esgoto bruto, a configuração e a operação, bem
de bateladas sequenciais para tratar o efluente
como os objetivos de uma LP, serão muito dife-
de um reator UASB; (2) quais são os limites de
rentes em um sistema de LEs convencional que
operação em regime de bateladas; e (3) quais são
trata esgoto bruto.
as vantagens de operar lagoas como pós-trata-
Na Fig. 2 compara-se a remoção da DBO em uma mento do reator UASB em regime de bateladas
LE e em um sistema UASB seguido de LP. Como a em vez de fluxo contínuo.
LF LP (2-3)
TDH = 15 d TDH
TDH == 53dd
TDH = 15 d
DBO ≈ 35 mg/L
Ao considerar que a remoção de DBO residual se ordem (VAN HAANDEL; LETTINGA, 1994), a ope-
completa em pouco tempo em uma LP, a remo- ração em uma LPBS é muito vantajosa. A teoria
ção de Coliformes Termotolerantes (CTT) nor- de reatores na engenharia química, relativa a
malmente é o processo que determina o tempo processos de primeira ordem, mostra que rea-
de permanência mínimo, quando não se deseja tores de bateladas sequenciais sempre são mais
também a remoção de nutrientes. Sabendo que eficientes que reatores de fluxo contínuo, e a di-
o decaimento de CTT é um processo de primeira ferença aumenta na medida em que aumenta a
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 06-24 | Ed. Esp. Mar. 2021 11
Haandel A, Santos SL
eficiência desejada (LEVENSPIEL, 2003). Quando vel para que a demanda e a produção de oxigênio
a remoção de nutrientes é um objetivo da LP, a nas lagoas se equilibrem e um ambiente aeróbio
vantagem da operação de bateladas sequenciais possa começar a se estabelecer, o que pode ser
se torna ainda maior. Cavalcanti (2003) mostrou um processo demorado.
que na operação de LP em regime de fluxo con-
A Tabela 1 mostra as diferenças entre o sistema
tínuo a remoção de fósforo é parcial e instável.
convencional de lagoas de estabilização (LEs),
No início da operação das lagoas em bateladas tratando esgoto bruto, e de lagoas de polimen-
sequenciais, a demanda por oxigênio é máxima e to (LPs), tratando efluente do reator UASB. As
a produção fotossintética é mínima, uma vez que vantagens da LP não se limitam aos aspectos
a população de algas ainda não está desenvolvida. do sistema de tratamento propriamente dito
Se a demanda por oxigênio for maior que a produ- (menor área, menos evaporação, inodoro, uso
ção e a transferência de oxigênio, ainda é possível do lodo como adubo, possibilidade de remoção
operar uma lagoa em regime de bateladas ao se de nutrientes), mas também em termos da rede
inocular a batelada com algas e, assim, assegurar coletora de esgoto (emissários mais curtos/pos-
uma produção biológica de oxigênio desde o iní- sibilidade de segmentação da rede em cidades
cio da operação. É importante notar que essa op- grandes com mais de um sistema de tratamento).
ção de lagoa em regime de bateladas não existe A redução de custos devido ao menor emissário
no caso da LF recebendo efluente da LAn: neste e segmentação da rede é considerável, e muitas
caso, a demanda por oxigênio do efluente da LAn vezes o investimento na coleta e no tratamento
sempre é bem maior que o potencial de produção; de esgoto com um sistema composto de rede de
quando a LF é operada em regime de batelada, coleta - reator UASB - LP pode ser menor que o
o ambiente nela será anaeróbio e permanecerá investimento quando comparado ao sistema de
assim até que a digestão anaeróbia remova uma rede coletora - LE convencional, devido à redu-
concentração suficiente de material biodegradá- ção de custos da rede de esgoto.
O tratamento em LP não se limita à remoção da CO2 para a fotossíntese ser maior que a taxa de
DBO e dos CTT. Devido ao fato do consumo de produção, pela oxidação de material orgânico,
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Transformação de lagoas de estabilização: reengenharia de um sistema obsoleto de tratamento de águas residuárias
a acidez da lagoa diminui e o pH aumenta. Esse (BRASIL, 2005, 2011), que impõem limites para
aumento do pH pode possibilitar a remoção de a concentração de nutrientes.
nutrientes por dois mecanismos distintos:
Figura 3 - Representação esquemática dos processos biológicos que ocorrem em lagoas tratando águas residuárias.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 06-24 | Ed. Esp. Mar. 2021 13
Haandel A, Santos SL
A taxa e a extensão dos processos bioquímicos senvolvem na lagoa como indica a Fig. 4. Pro-
em LEs e LPs são muito diferentes. Enquanto nas cessos físicos são os processos de dessorção ou
LAns e LFs a digestão anaeróbia é responsável absorção de compostos voláteis que se encon-
pela remoção de grande parte do material or- tram no efluente do UASB ou são gerados nas
gânico, esse processo tem pouca ou nenhuma lagoas. Esses compostos são: amônia, dióxido de
influência nas LPs. Nestas, os processos mais im- carbono, oxigênio dissolvido (OD), metano e gás
portantes são a oxidação do material orgânico e sulfídrico. No caso de H2S, NH3 e CH4 há dessor-
a fotossíntese. Ao analisar os processos de oxi- ção porque esses gases não têm concentração
dação e a fotossíntese (Eq. 2 e 3), pode-se notar mensurável no ar. No caso de CO2 e O2 pode ha-
que os processos são complementares: os rea- ver tanto dessorção como absorção, dependen-
tantes de um são os produtos do outro. Se a taxa do de se a concentração dos compostos na fase
de fotossíntese for menor que a taxa de consu- líquida é maior ou menor que a concentração de
mo de oxigênio, a concentração de oxigênio será saturação. Os processos de absorção ou dessor-
menor que a concentração de saturação, mas o ção podem ser descritos com a Equação de Fick
ambiente pode permanecer aeróbio se houver (Eq. 4), que afirma que a taxa de dessorção de um
absorção de oxigênio do ar suficiente para com- composto volátil num líquido é proporcional ao
pensar o déficit. Nessa situação, a produção de grau de supersaturação que existe entre a con-
oxigênio é menor que o consumo, o que resulta centração atual do composto e a concentração
numa produção de CO2 que por sua vez tende a de saturação:
causar uma diminuição do pH. Se a absorção não
for suficiente para compensar o déficit, o oxigê- rd = ka(Cl-Cs) (4)
nio dissolvido acabará sendo consumido e a la- Em que:
goa poderá ficar anaeróbia. rd = taxa de dessorção do composto volátil
Se a taxa de fotossíntese for maior que a taxa de ka = constante de dessorção
consumo, a concentração de oxigênio tenderá a Cs = constante de saturação do composto volátil
subir e a lagoa poderá ficar supersaturada com Cl = constante do composto volátil no líquido
oxigênio. Essa é uma situação que normalmente Assim, tem-se:
ocorre quando o efluente do reator UASB é lan-
çado em uma LP, porque a concentração de ma- rdN = kdN[NH3] (4a)
terial orgânico é baixa, diminuindo o consumo
rdO = kdO([DO] – [DO]s) (4b)
de OD, e tornando-a mais transparente, aumen-
tando assim a taxa de fotossíntese. Nesse caso, rdC = kdC([CO2] – [CO2]s) (4c)
em princípio há um aumento da concentração
de material orgânico, mas esse aumento pode
A dessorção de OD e CH4 não afeta nem a alcali-
não se materializar devido à floculação e sedi-
nidade nem a acidez, e por isso também não afe-
mentação das algas. Sempre que houver produ-
ta o pH. A dessorção de H2S, embora perceptível,
ção líquida de OD, necessariamente há consumo
é muito pequena (< 0,5 meq/L) e também não
biológico de CO2, o que resulta num aumento do
afeta o pH. A dessorção do ácido CO2 diminui a
pH da lagoa.
acidez e por isso aumenta o pH. A dessorção de
Paralelamente aos processos bioquímicos, tam- amônia aumenta a acidez e diminui a alcalinida-
bém há processos físicos e químicos que se de- de, e por isso tende a diminuir o pH.
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Transformação de lagoas de estabilização: reengenharia de um sistema obsoleto de tratamento de águas residuárias
Luz solar
H2S NH3 CO2 O2 CH4
Saída
Aeróbio: oxidação + fosossíntese efluente
Entrada oxipause
afluente 2 Anaeróbio: digestão anaeróbia 1 DO = 0
Camada de lodo
Figura 4 - Representação esquemática de uma lagoa para o tratamento de águas residuárias e
os processos físicos que nela podem se desenvolver.
Digestão anaeróbia Oxidação
Outro processo físico que se desenvolve nas la- ver ainda a precipitação de carbonato de cálcio,
goas é a sedimentação de sólidos, que podem quando o pH aumenta suficientemente.
CH4 ou se formar C-orgânico
entrar junto com o afluente devi- (CH2O)n) CO2
Nem todos os processos mencionados se de-
(N-oxque= -4)
do à floculação das algas crescem na lagoa. (N-ox = 0) (N-ox = +4)
senvolvem com taxa significativa em todas as
Esses sólidos são transformados parcialmente
lagoas. Na Tabela 2, pode-se observar para dife-
em biogás (metano) pelo processo de digestão
rentesFotossíntese
tipos de lagoas (LAn, LF, LP, LM) quais os
anaeróbia ou se acumulam no fundo da lagoa
processos bioquímicos ocorrem (O), podendo ser
como uma camada de lodo.
predominante (P) ou não ocorrer (N) de maneira
Um processo químico importante é a precipi- perceptível. Quanto aos processos físicos, eles se
tação de sais de fosfato. Este só se desenvolve distinguem entre Dessorção (D) e Absorção (A),
quando há um aumento substancial do pH na podendo ainda esses processos não acontece-
lagoa, o que pode acontecer somente em lagoas rem (N). A precipitação de fosfato pode ocorrer
do tipo LP, onde a fotossíntese predomina sobre nas LP em regime de bateladas, mas não nas la-
a oxidação. Em condições adequadas pode ha- goas de outros tipos (CAVALCANTI, 2003).
Tabela 2 - Processos que podem (ou não) se desenvolver em lagoas de diferentes tipos.
Processos
Bioquímico Físico: absorção/dessorção Químico
Lagoas
Digestão
Fotos-síntese Oxidação NH3 OD CO2 Precipitação P
anaeróbia
LP P O N D D D O
LAn N N P N A D N
LF O O O N A D N
LM P O O N D/A D/A N
Legenda: P = predominante; O = ocorre; N = não ocorre; D = Dessorção; e A = Absorção.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 06-24 | Ed. Esp. Mar. 2021 15
Haandel A, Santos SL
4 OBJETIVOS DO TRATAMENTO DAS LAGOAS DE sária no inverno é maior que no verão, devido à
POLIMENTO menor taxa de fotossíntese;
O objetivo do tratamento nas LPs é produzir um
(7) Santos e van Haandel (2021) mostraram que o
efluente final que esteja compatível com as nor-
mecanismo de remoção de nitrogênio é a dessor-
mas impostas pela legislação. Se o efluente final
ção de amônia. Para esse processo se desenvolver
for lançado em águas de superfície, há 4 com-
é necessário que o pH aumente, e isso só se veri-
ponentes problemáticos no efluente do reator
fica quando a taxa de produção de oxigênio (taxa
UASB e que devem ser corrigidos pelo tratamen-
de fotossíntese) é maior do que a taxa de consumo
to nas LPs: (1) redução da concentração de ma-
de oxigênio por oxidação de material orgânico. As
terial orgânico; (2) dos patógenos, e dos nutrien-
características do efluente do UASB favorecem o
tes; (3) nitrogênio e (4) fósforo. Na Fig. 5 pode-se
aumento do pH porque há boa transparência (fa-
observar a variação dos cinco componentes (OD,
cilitando a fotossíntese) e baixa concentração de
pH, material orgânico, nitrogênio amoniacal e
material orgânico (reduzindo a taxa de oxidação).
ortofosfato) em função do tempo para diferentes
A remoção quase completa de nitrogênio em LPBS
profundidades de LPBS e diferentes condições
é possível e se materializa em profundidade rasa;
climáticas (verão, ao lado esquerdo e inverno, ao
para profundidades acima de 1 m, o aumento do
lado direito). Os resultados podem ser resumidos
pH e a dessorção de amônia são lentos. Remoção
como se segue:
de nitrogênio em LPFC é possível, mas a área ne-
(1) Realizaram-se investigações com profundi- cessária da lagoa é bem maior que para as LPBS;
dades variando entre 0,2 m a 1,0 m;
(8) Santos, Santos e van Haandel (2021) mostra-
(2) Albuquerque, Santos e van Haandel (2021) ram que a remoção de fósforo é possível quando
mostraram que o uso do regime de bateladas se- o pH é elevado devido à precipitação de hidro-
quenciais de lagoas de polimento (LPBS) não so- xiapatita de cálcio (Ca5(OH)(PO4)3). Na investiga-
mente é factível após pré-tratamento anaeróbio ção experimental, utilizou-se esgoto doméstico
eficiente, mas que tem grande vantagem aplicá- que continha uma concentração de 1 mmol/L de
lo em vez de lagoas de fluxo contínuo (LPFC); Ca; nessas condições foi necessário atingir pH de
aproximadamente 9,7 para obter baixa concentra-
(3) Para todas as profundidades, a concentração
ção residual de fósforo (< 1 mgP/L). Esse pH pode
de OD aumentou com o tempo, sendo mais rápi-
ser atingido em LPBS rasas, mas a área necessária
do em LPBS rasas;
da lagoa é aproximadamente o dobro da área para
(4) Aguiar, Santos e van Haandel (2021) mostra- remoção eficiente de nitrogênio. Em LPFC a remo-
ram que a remoção de material orgânico residu- ção de fósforo é parcial, mesmo em lagoas rasas,
al (tanto DBO como DQO) é rápida e, dentre os porque o pH não aumenta suficientemente;
quatro componentes a serem removidos, é o que
(9) A profundidade das lagoas teve uma grande
requer a menor área;
influência sobre a remoção dos nutrientes, nitro-
(5) Batista et al. (2021) mostraram que a remo- gênio e fósforo, mas pouco afetou a área neces-
ção de coliformes requer uma área muito menor sária para a remoção de material orgânico e dos
em LPBS do que em LPFC, porque o decaimento coliformes;
bacteriano é um processo de primeira ordem;
(10) Em todos os casos pesquisados sempre a
(6) O clima tem uma clara influência sobre a re- concentração de N e P na fase sólida da suspen-
moção dos nutrientes: N e P. Assim, a área neces- são nas LPBS foi menor de 1 mg/L.
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Transformação de lagoas de estabilização: reengenharia de um sistema obsoleto de tratamento de águas residuárias
Figura 5 - Resultados experimentais da variação da concentração de OD, pH, material orgânico (DBO e DQO somente
para o inverno), nitrogênio amoniacal e ortofosfato em LPBS em função do tempo de permanência para diferentes
profundidades e condições de verão (esquerda) e inverno (direita).
continua...
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 06-24 | Ed. Esp. Mar. 2021 17
Haandel A, Santos SL
Figura 5 - Continuação...
Na prática, a variável mais importante é a área ne- Usando os resultados das investigações mencio-
cessária para o tratamento. Essa área é relacionada nadas acima, foram plotados na Fig. 6 em função
ao tempo de permanência da seguinte maneira: da profundidade das LPBS os valores da área por
habitante necessária para realizar os diferentes
Ahab = Vhab/H = qhabRh/H (5)
objetivos do tratamento: remoção de material or-
Em que: gânico, dos coliformes, de nitrogênio e de fósforo.
Ahab, Vhab = área e volume per capita da lagoa de A Fig. 6 foi feita para uma contribuição per capi-
polimento ta de 100 L.hab.d-1, mas pode ser adaptada para
H = profundidade da lagoa qualquer outro valor, uma vez que a área é propor-
Rh = tempo de permanência cional à contribuição. Os resultados obtidos e ex-
pressos graficamente na Fig. 6 indicam que:
N<1 mg/L
1.5 1.50
N<1 mg/L
1 1.00
CTT<103/100 mL
CTT< 103/100 mL
0.5 0.50
DBO<20 mg/L
DBO<20 mg/L
0 0.00
0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1
profundidade (m) profundidade (m)
Figura 6 - Área per capita das LPBS em função da profundidade para remoção da DBO, dos coliformes termotolerantes, de
nitrogênio amoniacal e de fosfato, para as condições de verão e de inverno (per capita contribuição de 100 L.hab.d-1).
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Transformação de lagoas de estabilização: reengenharia de um sistema obsoleto de tratamento de águas residuárias
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Haandel A, Santos SL
Tabela 3 - Comparação da configuração de: (I) Lagoas de estabilização convencional (LE), (II) UASB-LPBS para remoção
de material orgânico e coliformes termotolerantes, (III) UASB-LPBS para remoção de nitrogênio, e (IV) UASB-LPBS para
remoção de fósforo (LPBS com 0,5 m de profundidade).
I II III IV
Sistema
LE UASB+LPBS UASB+LPBS UASB+LPBS
MO, CTT, nitrogênio e
Objetivos (Remoção de:) *MO e CTT MO e CTT MO, CTT e nitrogênio
fósforo
COMPOSIÇÃO
Trat. preliminar + + + +
LAn +
LF +
LM +
UASB + + +
LP + + +
Clarificação +
Digestão de algas +
DIMENSÕES
TDH (Total) (dias) 2/14/14 = 26 0,25+6 = 6,25 0,25+ 12 = 12,2 0,2+25 = 25,2
Profundidade (m) 4/ 1,2/ 1,0 5 / 0,5 5 / 0,5 5 / 0,5
Área per capita (m2) 0,05+1,2+1,4 = 2,65 0,01+0,6 = 0,61 0,01+1,3 = 1,31 0,01+2,6 = 2,61
Volume per capita (m3) 2,65 0,62 1,2 -
Legenda: *MO - Material orgânico; CTT - Coliformes termotolerantes; TDH - Tempo de detenção hidráulica (dias); Trat. - tratamento.
Mostrou-se que para todas as profundidades pes- de permanência curto (minutos). Por outro lado,
quisadas (faixa de 0,2 a 1,0 m) sempre o ambiente se houver interesse em estimular o crescimento
nas LPBS era aeróbio e a concentração de OD au- de algas, pode-se dissolver o CO2 na LPBS e assim
mentava de um valor ≈ 0, no início de uma batela- acelerar a taxa de fotossíntese e a produção de al-
da, atingindo rapidamente um valor médio acima gas. As algas podem então ser usadas para gera-
da concentração de saturação nas lagoas rasas. ção de energia (digestão anaeróbia e combustão
do resíduo não biodegradável) ou biomassa para
Se o pH elevado do efluente final for tido como um
diferentes finalidades.
problema, pode-se dissolver parte do CO2 depois
da queima do biogás gerado no UASB, o que leva Um aspecto importante na qualidade do efluen-
a uma redução do pH. Essa carbonatação pode ser te final é o aumento da salinidade durante o
realizada em uma unidade à parte com um tempo tratamento na LPBS. Esse aumento na salinida-
20 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 06-24 | Ed. Esp. Mar. 2021
Transformação de lagoas de estabilização: reengenharia de um sistema obsoleto de tratamento de águas residuárias
de depende diretamente da perda de água por A Tabela 4 resume os valores que caracterizam
evaporação, que pode ser bastante significativa a qualidade do efluente das diferentes alterna-
em regiões áridas e quentes, e no caso do uso de tivas (I) a (IV). A DBO da combinação UASB-LPBS
LE pode haver períodos sem a produção de um é sempre bem menor que a DBO final da LE. A
efluente final com a totalidade de esgoto eva- eficiência da remoção do material orgânico nas
porado. A evaporação da água depende basica- LPBS que removem nitrogênio e fósforo tende a
mente de dois fatores: a taxa de evaporação da ser menor que na LPBS sem remoção de nutrien-
água e a área da lagoa exposta à atmosfera. tes (mais crescimento de algas).
Tabela 4 - Comparação da qualidade do efluente de 4 configurações: (I) Lagoas de estabilização convencional (LE),
(II) UASB-LPBS para remoção de material orgânico e coliformes termotolerantes, (III) UASB-LPBS para remoção de
nitrogênio e (IV) UASB-LPBS para remoção de fósforo (LPBS com 0,5 m de profundidade).
0 I II III IV
Parâmetro / Qualidade
Esgoto Bruto LE UASB-LPBS UASB-LPBS UASB-LPBS
DBO (mg.L-1) 500 100 30 40 50
DQO (mg.L-1) 800 200 100 150 200
CTT (NMP) 108 <103 <103 <103 <103
pH (-) 7 7 7 9 9,7
NTK (mg.L-1) 60 100 70 <1 <1
P (mg.L-1) 10 20 12 20 <1
S (mg.L-1) 5 <1 <1 <1 <1
Salinidade (mg.L-1) 600 800 900 900 1000
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 06-24 | Ed. Esp. Mar. 2021 21
Haandel A, Santos SL
UASB – e que pode ser uma fração de 30 a 50% se inicie na lagoa de transbordo, bem como pode
dos sólidos produzidos (VAN HAANDEL; VAN DER ocorrer remoção de sulfeto (FRUTUOSO; SAN-
LUBBE, 2019). É possível ainda que a fotossíntese TOS; VAN HAANDEL, 2021).
Figura 7 - Esquema da disposição e operação de lagoas de polimento alimentadas em bateladas sequenciais sem
(7a, esquerda) e com (7b, direita) uma lagoa intermediária de transbordo.
22 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 06-24 | Ed. Esp. Mar. 2021
Transformação de lagoas de estabilização: reengenharia de um sistema obsoleto de tratamento de águas residuárias
de polimento (LP) para o pós-tratamento em vez As lagoas de polimento podem melhorar a quali-
de lagoas facultativas ou de maturação. dade do efluente do UASB em quatro aspectos: (1)
redução do material orgânico residual; (2) remo-
(1) O pré-tratamento eficiente reduz a demanda
ção dos coliformes termotolerantes (CTT); (3) re-
de produção de oxigênio fotossintético e abre ca-
moção de amônia (N) e (4) remoção de fósforo (P).
minho para uma redução considerável do tempo
de retenção e consequentemente do tamanho A profundidade ótima para a LPBS é de cerca de
do sistema UASB-LP. 0,5 m e a área per capita requerida depende da
qualidade desejada para o efluente.
(2) A predominância da fotossíntese sobre a oxi-
dação do material orgânico leva ao consumo de
dióxido de carbono e ao aumento do pH. O pH
alto permite a remoção de nutrientes: nitrogê- 9 AGRADECIMENTOS
nio, devido à dessorção de amônia, e fósforo, Os autores agradecem ao Conselho Nacional de
devido à precipitação de fosfato. Assim, pode ser Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
produzida uma qualidade final de efluente com- pelo incentivo financeiro as pesquisas.
patível com as normas legais.
(5) Os sólidos não biodegradáveis podem ser BATISTA, M. M.; LAMBAIS, G. R.; SANTOS, S. L.; VAN HAANDEL, A.
descarregados periodicamente do reator UASB e Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluen-
te de reator UASB. Revista DAE: Edição especial, São Paulo, n.
secos em leitos de secagem para uso como ferti-
229, março 2021.
lizante orgânico.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. CONAMA. Resolução nº
As unidades de lagoa de polimento podem ser 357, de 17 de março de 2005: Dispõe sobre a classificação dos
corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramen-
operadas como lagoas de fluxo contínuo (LPFC)
to, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento
ou batelada sequencial (LPBS). A LPBS deve ser de efluentes, e dá outras providências. Diário Oficial da União,
preferida, pois permite uma redução considerá- Brasília, 2005.
vel do tempo de retenção em comparação com o BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. CONAMA. Resolução n°
LPFC em condições comparáveis. 430, de 13 de maio de 2011: Dispõe sobre as condições e padrões
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 06-24 | Ed. Esp. Mar. 2021 23
Haandel A, Santos SL
de lançamento de efluentes, complementa e altera a Resolução MARA, D. D. Proposed design for oxidation ponds in hot climates.
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24 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 06-24 | Ed. Esp. Mar. 2021
ARTIGO ORIGINAL
Monique da Silva Albuquerque1 | Silvânia Lucas dos Santos2 | Adrianus van Haandel1* DOI: https://doi.org/10.36659/dae.2021.017
Resumo
Lagoas de Polimento (LP) são unidades de pós-tratamento de efluentes aplicadas em esgotos tratados anae-
robiamente que permitem a remoção de nutrientes, além de patógenos e material orgânico residuais. O tra-
balho objetivou avaliar a influência do regime hidráulico sobre o desempenho de LP na remoção de matéria
orgânica, E. coli, amônia e fosfato de efluentes de reatores UASB. As LP foram operadas em regime de fluxo
contínuo (LPFC) e em bateladas sequenciais (LPBS). Operaram-se as LPFC com duas configurações: (1) lagoa
unitária, e (2) duas lagoas em série. Os resultados mostram que LPBS tem desempenho superior, porém caso
opte por lagoas operando em fluxo contínuo, há vantagem em operar as LPFC em série. A diferença é particu-
larmente clara quando o objetivo do pós-tratamento é a remoção de nutrientes, uma vez que é factível obter
uma remoção praticamente completa de N e P em LPBS, enquanto nas LPFC essa remoção ocorre de forma
parcial. Ainda que LPBS sejam mais eficientes do que LPFC, deve-se considerar que a adoção do primeiro
regime requer um custo adicional na construção do sistema.
Palavras-chave: Lagoa de polimento. Fluxo contínuo. Bateladas sequenciais. Remoção de nutrientes.
Abstract
Polishing ponds (LP) are post-treatment units applied to anaerobically treated sewage, This article describes an
experimental investigation to determine the influence of the hydraulic regime on the performance of LP in terms of
removal of organic matter, E. coli ammonia and phosphate from UASB effluent. The LPs were operated as continu-
ous flow (LPFC) and sequential batch units (LPBS). LPFCs were operated in two configurations: (1) unitary pond and
(2) two ponds in series. The results show that LPBS had a superior performance, but if continuous flux is applied, it
is advantageous operating the LPFC in series. The difference is particularly evident when the treatment objective
is nutrient removal, since it is feasible to obtain an practically complete removal in LPBS, whereas in LPFC it is only
partial. Although LPBS are more efficient than LPFC, it must be considered that the adoption of the former regime
requires an additional construction cost.
Keywords: Polishing ponds. Continuous flow. Sequential batches. Removal of nutrients.
1
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil.
*Autor correspondente: adrianusvh@gmail.com.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021 25
Silva MS, Santos SL, Haandel A
26 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021
Influência do regime hidrodinâmico sobre o desempenho de lagoas de polimento
de bateladas sequenciais e que essa alternativa que acarreta uma rápida e considerável elevação
pode ter vantagens importantes, como a maior do pH (CAVALCANTI, 2003).
velocidade de remoção de nutrientes e patóge-
Quanto aos sistemas de lagoas de polimento,
nos, tendo como consequência uma redução na
avaliou-se o comportamento de três configura-
área necessária para a implantação do sistema.
ções básicas: (1) lagoas de bateladas sequenciais
Porém, a operação de LPBS exige um aparato (LPBS), (2) lagoas unitárias de fluxo contínuo e
robusto de equipamentos capazes de automati- mistura completa (LPFC) e (3) duas lagoas em sé-
zar todo o sistema, permitindo o funcionamento rie de fluxo contínuo e mistura completa (LPFC2).
de acordo com o previsto em projeto. Já as LPFC As lagoas eram agitadas suavemente por uma
operam continuamente, de forma mais simples, palheta superficial central com baixa rotação (6
sem necessariamente demandar uma grande rpm) para uniformizar a concentração da fase lí-
quantidade de equipamentos para tal. Assim, quida e evitar a flotação de algas. O esgoto foi
tem-se uma vantagem em se aplicar as LPFC submetido ao tratamento anaeróbio, por meio
nas ETE’s. As estações de tratamento de esgotos de um reator UASB, o qual possuía um volume
que já possuem sistema de lagoas de estabiliza- útil de 2,50 m³ e altura de 1,70 metros, proje-
ção e que visam à remoção de nutrientes podem tado para tratar uma vazão de até 10 m³/dia. É
aproveitar sua estrutura básica de lagoas para importante destacar que o reator havia sido pre-
construir LPBS com uma área muito menor e a viamente instalado e estava em operação no lo-
inserção de um reator UASB anteriores às lagoas cal de realização dos experimentos, tratando o
já existentes. esgoto sanitário municipal de Campina Grande.
O efluente tratado era transferido para um tan-
Diante do exposto, este trabalho tem como ob-
que de equalização com volume de 1 m³, onde se
jetivo realizar uma comparação entre o desem-
mantinha homogêneo por meio de uma palheta
penho de lagoas de polimento operadas em re-
giratória acoplada na parte inferior do tanque, e,
gimes de fluxo contínuo e bateladas sequenciais,
em seguida, era encaminhado para as lagoas de
vislumbrando os seguintes aspectos: remoção
polimento.
do material orgânico residual, bactérias do grupo
coliformes, nitrogênio e fósforo. Para a alimentação das LP, cada sistema contou
com uma bomba dosadora, um temporizador e
tubos de alimentação que ligavam o tanque de
equalização, com o efluente tratado no reator
2 METODOLOGIA
UASB, aos sistemas de lagoas. As bombas dosa-
A pesquisa experimental foi realizada em Cam-
doras possuíam vazões máxima e mínima de 22,8
pina Grande, na Paraíba, utilizando esgoto mu-
e 1,02 L/h, respectivamente. Os temporizadores,
nicipal da cidade. As lagoas foram projetadas em
utilizados somente para controle do período de
escala piloto com diâmetro de 0,5 m e profundi-
funcionamento das bombas que alimentavam as
dades de 0,2 e 0,4 metros. A escolha das baixas
LPFC, eram do tipo industrial, os quais possuíam
profundidades das LP se deve ao fato de haver
20 programações.
uma maior eficácia no tratamento dos esgotos,
principalmente no que tange à remoção de nu- As LPFC foram operadas em cinco fases, as quais
trientes, haja visto que em lagoas rasas ocorre tiveram tempos de permanência de 1, 2, 4, 8 e
incidência solar em toda a coluna d’água, pro- 16 dias. Por sua vez, as LPFC2 tiveram tempos
piciando a fotossíntese em todo o seu volume, o de permanência de 2, 4, 8, 16 e 32 dias, uma vez
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021 27
Silva MS, Santos SL, Haandel A
que operaram em série. Os sistemas foram ope- as. As LPFC e LPFC2 eram monitoradas três ve-
rados durante duas semanas com cada tempo zes por semana, haja visto a pequena variação de
de permanência e, ao dar início à uma nova fase, comportamento dos sistemas ao longo dos dias,
foram necessárias duas semanas para estabili- enquanto as LPBS eram monitoradas diariamen-
zação do sistema.
te, uma vez que o regime operacional provocava
As LPBS eram operadas sem inóculo: estas eram uma maior alteração nas variáveis analisadas em
preenchidas com efluente do reator UASB e as um curto período de tempo. As análises labora-
variáveis operacionais (temperatura, pH, OD, toriais se referiam aos mesmos parâmetros ava-
DQO, amônia e fosfato) eram determinadas liados para as LPBS (temperatura, pH, OD, DQO,
diariamente até o pH atingir um valor de 9,5. A amônia e fosfato). As coletas sempre ocorriam
partir de então, o líquido permanecia na lagoa no período da manhã. A amostragem era realiza-
e o sistema era monitorado, com auxílio das
da por meio da retirada do sobrenadante de cada
mesmas análises das variáveis supracitadas, até
lagoa e do efluente do reator UASB.
atingir uma concentração de fosfato menor que
1 mg/L, o que caracterizava o final da batelada, Na Fig. 1 mostra-se uma representação esque-
haja visto que o tempo necessário para a remo- mática dos sistemas de lagoas que foram ope-
ção de fosfato era maior que para a remoção de rados. A pesquisa foi realizada no período de
amônia e DQO.
setembro de 2019 a janeiro de 2020, quando a
Realizaram-se análises laboratoriais do esgoto radiação solar em Campina Grande é a mais in-
tratado no reator UASB e em cada uma das lago- tensa (INMET, 2019).
Legenda:
(A) Reator UASB;
(B) Tanque de equalização;
(C) LPBS (0,40 m de profundidade);
(D) LPBS (0,20 m de profundidade);
(E) LPFC (2 em série-0,20 m de profundidade);
(F) LPFC (2 em série-0,40 m de profundidade);
(G) LPFC (Unitária-0,40 m de profundidade);
(H) LPFC (Unitária-0,20 m de profundidade).
28 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021
Influência do regime hidrodinâmico sobre o desempenho de lagoas de polimento
A Fig. 2 apresenta a vista lateral das lagoas ope- metros de profundidade (D). É importante res-
radas. Destacam-se as LPFC em série de 0,20 e saltar que os dados referentes às LPFC unitárias
0,40 metros de profundidade (A e C), a LPBS de foram obtidos por meio da primeira lagoa dos
0,20 metros de profundidade (B) e a LPBS de 0,40 sistemas das LPFC.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021 29
Silva MS, Santos SL, Haandel A
30 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021
Influência do regime hidrodinâmico sobre o desempenho de lagoas de polimento
Figura 3b - Valores médios do pH em função do tempo de permanência para as LPFC e LPBS com as
profundidades de 0,20 e 0,40 metros.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021 31
Silva MS, Santos SL, Haandel A
Figura 3c - Valores médios da temperatura em função do tempo de permanência no caso das LPFC e LPBS com as
profundidades de 0,20 e 0,40 metros.
Figura 3d - Valores médios da DQO em função do tempo de permanência no caso das LPFC e LPBS com as
profundidades de 0,20 e 0,40 metros.
32 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021
Influência do regime hidrodinâmico sobre o desempenho de lagoas de polimento
Figura 3e - Eficiência de remoção de nitrogênio amoniacal em função do tempo de permanência no caso das LPFC e
LPBS com as profundidades de 0,20 e 0,40 metros.
Figura 3f - Eficiência de remoção de fosfato em função do tempo de permanência no caso das LPFC e LPBS com as
profundidades de 0,20 e 0,40 metros.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021 33
Silva MS, Santos SL, Haandel A
(5) Amônia
(6) Fosfato
Avaliando a remoção de amônia nas LPFC e LPBS
Os dados indicam que nas LPFC (Fig. 3f) a remo-
(Fig. 3e), parâmetro relevante para a decisão da
ção de fosfato é parcial e tende a aumentar com
destinação do efluente tratado, observa-se que
o tempo de permanência. Tal regime de operação
todas as lagoas obtiveram uma remoção quase
só permitiu uma remoção inferior a 80% nos sis-
total do nutriente. A diferença está no tempo de
temas com lagoas em série com profundidade de
permanência necessário para atingir a remoção
completa para os diferentes regimes de opera- 0,20 e 0,40 metros. As LPFC unitárias só atingiram
ção analisados. As LPBS de 0,20 e 0,40 metros de uma eficiência máxima de 60%. As LPBS conse-
profundidade necessitaram de apenas 2 e 8 dias, guiram remover mais de 80% de fosfato, neces-
respectivamente, para chegar a valores acima de sitando apenas de 5 e 10 dias para as lagoas de
90% de eficiência. Já as LPFC, sejam as lagoas 0,20 e 0,40 metros de profundidade, respectiva-
únicas ou em série, de 0,20 e 0,40 metros de pro- mente. As lagoas LPFC e LPFC2 não conseguiram
fundidade, demandaram cerca de 16 dias para atingir uma concentração de fósforo residual no
atingir o mesmo feito. seu efluente final inferior a 1 mg/L, independen-
temente do tempo de permanência aplicado, en-
O trabalho de Morais, Santos e van Haandel (2021) quanto nas LPBS foi observada uma baixa concen-
mostrou que a remoção do nitrogênio se deve ao tração de fosfato no efluente tratado, chegando
desprendimento de amônia da fase líquida, sendo em alguns dias, dependendo da profundidade, a
este o mecanismo predominante em elevados va-
atingir valores iguais ou inferiores a 1 mg/L.
lores de pH e responsável pela remoção do nitro-
gênio. Nas LPBS distinguem-se três fases na re- A remoção parcial do fosfato pelas LPFC não é
moção do nitrogênio: i) uma fase inicial, com uma necessariamente um problema quando se deseja
taxa de remoção relativamente baixa porque o pH utilizar a água para reúso nas indústrias. Nesse
e a concentração de NH3 ainda são baixos, ii) uma caso, torna-se inevitável que se aplique clarifica-
34 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021
Influência do regime hidrodinâmico sobre o desempenho de lagoas de polimento
ção ou flotação para remover as algas e outros Na Fig. 5, plotou-se a razão entre o tempo de per-
sólidos em suspensão. Como se usam normal- manência de uma série de LPFC de mistura com-
mente sais férricos ou de alumínio, a precipita- pleta e uma LPBS em função do número de LPFC
ção de fosfato ocorrerá paralelamente e deixará em série para dois valores da eficiência de decai-
uma concentração residual muito baixa, menos mento dos coliformes: 99,9 e 99,99 %. Na práti-
que 0,1 mgP.L-1. ca, a eficiência desejada geralmente estará entre
esses dois valores. A Fig. 5 mostra que o tempo de
permanência de LPFC é muito maior que o tempo
(7) Decaimento de E. Coli das LPBS. Por exemplo, no ponto A da Fig. 5 vê-se
As bactérias do grupo coliformes são utilizadas que a razão Rhfc/Rhbs = 4 para 4 LPFC em série, ou
como indicadores da quantidade de microrga- seja, nestas condições cada lagoa da série de LPFC
nismos de origem fecal presentes em um deter- tem o mesmo tempo de permanência que a LPBS
minado efluente. Experiências de vários pesqui- e, portanto, o tempo de permanência na série de 4
sadores mostram que o decaimento bacteriano lagoas LPFC seria 4 vezes maior que na LPBS.
se dá como um processo de primeira ordem (BA-
0 50
TISTA et al., 2021). Para valores de pH abaixo de 0 1 2 3 4 5 6 45
9,5, tem-se em um decaimento exponencial nas -1 40
MC (1 Lagoa)
LPBS e hiperbólico nas LPFC (CAPRI; MARAIS, 35
-2 MC (2 Lagoas)
Rh,LPFC/Rh,LPBS
1974), conforme é evidenciado pelas Equações 30
ln(Nf/Ni)
6
Eficiencia
= 99,99 %
5
Para a elaboração das Fig. 4 e 5, foram utiliza- 4 A
dos dados da pesquisa realizada por Cavalcanti 3 Eficiencia
2 = 99,9 %
(2003), desenvolvida em Campina Grande. Na Fig.
4, plotou-se a razão ln (Nf/Ni) em função do grupo 1
0 2 4 6 8 10
adimensional kbRh. Pode-se observar que o decai-
Número de lagoas (-)
mento da LPBS é muito maior que nas LPFC e a
Figura 5 - Razão entre LPFC de Mistura Completa (MC)
diferença se torna maior na medida em que se de- e LPBS em função do número de LPFC em série para
seja uma remoção mais eficiente dos coliformes. decaimento de 99,9 e 99,99 % dos E. coli.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021 35
Silva MS, Santos SL, Haandel A
A partir do perfil das variáveis com o tempo de per- 𝑘𝑘" = 1,14⁄𝐻𝐻. 1,07+,-. (4)
manência, determinou-se o tempo necessário para
alcançar uma concentração desejada, que indica Em que:
boa eficiência de remoção dos constituintes inde- kb: constante de decaimento dos coliformes (dia-1)
sejáveis do esgoto. Na Tabela 1, pode-se observar H: profundidade da lagoa (m)
os tempos necessários para atingir valores deseja- T: temperatura (°C)
dos de DQO, E. coli, amônia e fosfato em diferentes
tipos de lagoas (LPBS e LPFC unitária e duas em sé- De posse do valor da constante de decaimento,
rie) com diferentes profundidades (H = 0,2 e 0,4 m). pela Eq. 4, pode-se calcular o tempo de perma-
No trabalho de Batista et al. (2021) estabeleceu- nência necessário para uma determinada efici-
se a dependência da constante de decaimento ência de remoção de E. coli com auxílio das Eq.
da temperatura e da profundidade da lagoa, le- 1, 2 e 3. Os valores estão na Tabela 1 para uma
vando à seguinte expressão geral: eficiência desejada de 99,99 %.
Tabela 1 - Tempo necessário (dias) para atingir a remoção de E. coli, DQO, nitrogênio amoniacal e fosfato em LPBS,
LPFC e LPFC2 com profundidades de 0,20 e 0,40 metros (temperatura = 25oC).
A partir dos números da Tabela 1 pode-se afir- composta de algas e tenderia a aumentar a con-
mar o seguinte: centração de OD. A diferença entre as LPBS e as
LPFC é relativamente pequena e todos têm um
(1) Qualidade higiênica
tempo de permanência curto.
Há uma diferença considerável entre o tempo de
(3) Nitrogênio amoniacal
permanência na LPBS e as LPFC. Como a quali-
dade higiênica invariavelmente é um parâmetro O tempo de permanência para remoção eficiente
importante, a vantagem de ter uma LPBS sempre de nitrogênio amoniacal em LPBS é muito menor
será maior. Naturalmente podem-se aplicar outros que em LPFC ou LPFC2, o que representa uma
métodos para melhorar a qualidade higiênica das clara vantagem quando a remoção de nutrientes
LPFC, como, por exemplo, cloração, mas esste pro- é importante.
cedimento trará outros problemas (produção de
(4) Fosfato
organoclorados), além dos custos operacionais.
A remoção eficiente de fosfato (residual < 1
(2) Concentração residual de material orgânico
mgP/L) só é possível em LPBS; nas LPFC a remo-
A concentração de material orgânico (DQO) é de ção de fósforo é parcial e insuficiente para obter
menor importância, porque a maior parte será uma boa qualidade do efluente de acordo com
36 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021
Influência do regime hidrodinâmico sobre o desempenho de lagoas de polimento
regime hidráulico de fluxo contínuo no reator CAVALCANTI P. F. F. Integrated Application of the UASB Reactor
UASB para bateladas sequenciais nas lagoas. and Ponds for Domestic Sewage Treatment in Tropical Regions.
2003. 139p. PhD thesis, University of Wageningen, The Nether-
Realizando uma comparação entre as LPFC uni- lands, 2003.
tária e em série, pode-se observar uma melho- DIAS, D. F. C.; PASSOS, R. G.; RODRIGUES, V. A. J. DE MATOS, M. P.
ria na qualidade do efluente ao se acrescentar SANTOS, C. R. S.; VON SPERLING, M. Performance evaluation of
uma lagoa no sistema, principalmente no que a natural treatment system for small communities, composed of
a UASB reactor, maturation ponds (baffled and unbaffled) and a
tange à remoção de E. coli. As LPFC se tornam
granular rock filter in series. Environmental Technology, v. 39, n.
progressivamente mais eficientes na medida 4, p. 490-502, 24 mar. 2017. https://doi.org/10.1080/09593330
em que se aumenta o número de lagoas em sé- .2017.1304456
rie, mas esse número na prática é limitado pelo INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE).
custo de construção. Censo Demográfico 2010. 2010. Disponível em: <https://biblio-
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021 37
Silva MS, Santos SL, Haandel A
38 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 25-38 | Ed. Esp. Mar. 2021
ARTIGO ORIGINAL
Carlos Eduardo Pereira de Morais1 | Silvânia Lucas dos Santos2 | Adrianus van Haandel1* DOI: https://doi.org/10.36659/dae.2021.018
Resumo
Em lagoas que tratam águas residuárias, há componentes voláteis em intercâmbio com gases na atmosfe-
ra. Os principais componentes são dióxido de carbono, oxigênio dissolvido e amônia. O intercâmbio desses
compostos com o ar é importante porque afeta o pH e a disponibilidade de oxigênio dissolvido em lagoas
de polimento. Uma investigação experimental demonstrou que a cinética de transferência dos compostos é
regida pela lei de Fick; esta afirma que a taxa de transferência é proporcional ao déficit, ou seja, há diferença
entre a concentração do composto volátil dissolvido e sua concentração de saturação. A constante de trans-
ferência foi determinada experimentalmente e a influência da temperatura e da profundidade foi estabele-
cida. Em soluções supersaturadas, os componentes tendem a se desprender como bolhas de gás, mas esse
desprendimento não se verifica para concentrações normalmente encontradas para O2, CO2 e NH3 em lagoas
de tratamento de esgoto.
Palavras-chave: Lagoas de polimento. Cinética de transferência. Compostos voláteis.
Abstract
In wastewater treatment ponds, volatile components are exchanged with gases in the atmosphere. The main components
are carbon dioxide, dissolved oxygen and ammonia. The exchange of these compounds with air is important, because they
affect the pH and the availability of dissolved oxygen in polishing ponds. An experimental investigation showed that the
transfer kinetics of compounds is governed by Fick's law, that states that the transfer rate is proportional to the deficit,
which is the difference between the concentration of the dissolved volatile compound and the saturation concentration.
The transfer constant was determined experimentally, and the influence of temperature and depth was established. In
supersaturated solutions the components tend to desorb like gas bubbles, but this desorption does not occur at concen-
trations normally found for O2, CO2 and NH3 in ponds for sewage treatment.
Keywords: Polishing ponds. Volatile compounds. Transfer kinetics.
1
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil.
*Autor correspondente: adrianusvh@gmail.com.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 39-51 | Ed. Esp. Mar. 2021 39
Morais CEP, Santos SL, Haandel A
40 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 39-51 | Ed. Esp. Mar. 2021
Determinação de constantes de transferência de compostos voláteis em lagoas de tratamento de esgoto
A supersaturação de CO2 e NH3 nas lagoas de po- de champanhe ou refrigerante, onde bolhas de
limento também pode formar bolhas de gás que CO2 se desprendem da fase líquida.
se desprendem da fase líquida e a concentração
A constante de transferência pode ser determi-
para que tal fenômeno ocorra é investigada no
presente trabalho. nada experimentalmente ao observar a concen-
tração do composto C em função do tempo em
uma solução sub ou supersaturada. Pela integra-
1.1 Modelo de intercâmbio de componentes ção da Eq. 1, tem-se o caso de uma concentração
voláteis
uniforme de C na fase líquida:
A taxa de transferência de um componente vo-
Ln((Cs – C)/(Cs-Co)) = - kdt (2)
látil dissolvido num líquido em contato com uma
fase gasosa pode ser descrita pela lei de Fick, que Em que:
expressa que a taxa é proporcional ao grau de su- Co = concentração inicial de C (mg/L);
persaturação na fase líquida: t = tempo (h)
rd = (dC/dt)a = kd(Cs-C) (1) Aplicando a Eq. 2 para os componentes voláteis
Em que: OD, CO2 e NH3 tem-se:
rd = (dC/dt)a = taxa de transferência de C para a
Ln(([OD]s – [OD])/([OD]s-[OD]o)) = - kdot(2a)
fase gasosa (mg/L/h);
kd = constante de transferência (h-1); Ln(([CO2]s – [CO2])/([CO2]s-[CO2]o)) = - kdct(2b)
Cs = concentração de saturação do componente
Ln([NH3]/[NH3]o) = - kdnt(2c)
volátil (mg/L);
C = concentração momentânea do componente Em que:
volátil na superfície do líquido (mg/L). kdo, kdc e kdn = constantes de transferência de OD,
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 39-51 | Ed. Esp. Mar. 2021 41
Morais CEP, Santos SL, Haandel A
0,5m 0,5m
0,4 m
Agitação lenta
0,2 m
Figura 1 - Representação esquemática das lagoas utilizadas nos ensaios de determinação das constantes.
42 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 39-51 | Ed. Esp. Mar. 2021
Determinação de constantes de transferência de compostos voláteis em lagoas de tratamento de esgoto
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Morais CEP, Santos SL, Haandel A
(5) Plota-se ln[(CO2,t – CO2,t+1)/(CO2,0-CO2s)] em (2) Calcular, para cada intervalo de tempo, a ra-
função do tempo de transferência; zão ∆NH3/∆t = (NH3,i+1-NH3,i)/(ti+1-ti).
(6) Estabelece-se a declividade da reta que me- (3) Calcular os valores de kdn para os diferentes
lhor descreve a tendência que é o valor da cons- intervalos com auxílio da Eq. 2c.
tante de transferência.
(4) Determinar a constante para diferentes pro-
Os experimentos eram realizados com duas con- fundidades e temperaturas.
centrações iniciais de CO2, sendo um com um valor
(5) Verificar se a diminuição observada da al-
compatível com a concentração de CO2 no efluen-
calinidade é compatível com a diminuição de
te de um UASB tratando esgoto (CO2 = 5 meq/L)
[NH3] + [NH4+].
e outro com uma concentração 10 vezes maior
para avaliar a possibilidade de formação de bolhas Novamente realizaram-se dois experimentos,
de CO2 na fase líquida. sendo um com uma concentração inicial de amô-
nia com um valor compatível com a concentração
de CO2 no efluente de um UASB tratando esgoto
2.3 Constante de transferência de amônia, kdn
(amônia ≈ 4 meq/L) e outro com uma concentra-
A solução supersaturada de NH3 era prepara- ção 5 vezes maior para avaliar a possibilidade de
da da seguinte maneira: aumentava-se o pH da formação de bolhas de NH3 na fase líquida.
água até um valor de 12 aproximadamente usan-
do hidróxido de sódio, o que resultava na preci-
pitação de carbonato de cálcio. Depois de deixar 3 RESULTADOS
a água em repouso por 24 horas, separava-se o 3.1 Constante de Transferência de O2
sobrenadante e adicionavam-se 100 mgN/L na
forma de bicarbonato de amônia e transferia-se Na Fig. 2, pode-se observar o gráfico de
essa solução para os tanques de transferência. Ln{[(OD)s - (OD)]/[(OD)s-(OD)o]} em função do
tempo para profundidades de 0,2 e 0,4 m e tem-
Os valores da constante de transferência eram peraturas controladas de 20 e 30°C. Nota-se que
obtidos conforme o seguinte roteiro: em todos os casos os valores experimentais plotam
sobre uma reta, cuja declividade é igual à constan-
(1) Para as diferentes profundidades, determinar
o pH, a concentração de amônio total (Ntot = NH4+ te de transferência (Eq. 2a). Portanto, foi observado
+NH3) e a alcalinidade em função do tempo e cal- que a lei de Fick se aplica em todos os casos.
cular a concentração de amônia não ionizada (NH3).
0 0
L2= -0,9168x - 0,0144 L2= -0,8976x - 0,0291
ln ((Ods-Odl)/(Ods-ODo))
ln ((Ods-Odl)/(Ods-ODo))
44 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 39-51 | Ed. Esp. Mar. 2021
Determinação de constantes de transferência de compostos voláteis em lagoas de tratamento de esgoto
0 0
L2 = -0,9673x + 0,0216 L2 = -1,0601x - 0,0348
ln((Ods-Odl)/(Ods-ODo))
ln((Ods-Odl)/(Ods-ODo))
R² = 0,9984 -0.2 R² = 0,9843
-0.2
-0.4 -0.4
-0.6 L1
-0.6 L1
L2
L2 -0.8
-0.8
-1 -1 L1= -1,8235x + 0,0816
L1 = -1,9729x + 0,0185
R² = 0,9961 R² = 0,9801
-1.2 -1.2
0 0.2 0.4 0.6 0 0.2 0.4 0.6
A
(A) B
(B)
Tempo (dias) Tempo (dias)
Figura 3 - Experimento de transferência a 20°C (A) e a 30°C (B) para as duas profundidades.
Com os resultados do experimento de OD, foi Assim, a melhor estimativa para a constante de
possível traçar retas que permitiram estabele- transferência de oxigênio dissolvido em lagoas é
cer os valores para as diferentes profundidades e dada por:
temperaturas. Com esses valores e as Eq. 3a e 3b,
kdoTh = 1,001(T-20)0,382/H(9)
pode-se derivar a expressão geral para a absor-
ção de OD em lagoas:
3.2 Constante de Transferência de CO2
OD subsaturado: kdoTh = 1,001(T-20)*0,374/H(7)
A constante de transferência de dióxido de car-
O experimento foi repetido com soluções supersatu-
bono obtida foi alcançada usando-se soluções
radas de OD, da mesma forma que se procedeu com
supersaturadas do gás em tanques de água com
o experimento subsaturado. Os resultados estão re-
profundidades de 0,2 e 0,4 m. Novamente, esta-
presentados na Fig. 3. Verifica-se que em todos os
beleceu-se a validade da lei de Fick pela Eq. 2b.
casos novamente os valores experimentais plotam
Usando-se os dados experimentais foram obti-
sobre uma reta com declividade igual à constante de
das as retas como mostrado na Fig. 4 e calculou-
transferência (Eq. 2a). A variação também pôde ser
se a constante de transferência em função da
descrita com a lei de Fick, mas nesse caso o valor da
profundidade e da temperatura (Eq. 10):
constante determinada foi um pouco diferente:
kdcTh = 1,05(T-20)*0,563/H(10)
OD supersaturado: kdoTh = 1,001(T-20)*0,391/H(8)
ln(CO2s-CO2)/(CO2s-CO2o)
R² = 0,9721 R² = 0,9895
-2 -2
-4 -4
-6 -6 L1
L1
)
L2 L2
-8 -8
-10 -10 L1 = -4,3046x - 2,357
L1 = -2,9534x - 2,2357
R² = 0,9856 R² = 0,996
-12 -12
0 0.5 1 1.5 2 0 0.5 1 1.5 2
(A)
A Tempo (dias) B
(B) Tempo (dias)
Figura 4 - Experimento de transferência de CO2 a 20°C (A), e a 30°C (B) para as duas profundidades de lagoa investigadas.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 39-51 | Ed. Esp. Mar. 2021 45
Morais CEP, Santos SL, Haandel A
Tabela 2 - Valores das constantes de transferência de NH3 obtidos a partir dos valores do pH, concentração de amônia
total e amônia na Lagoa de 0,4 m na temperatura 1 (20°C).
Tempo (dias) pH Alc (meq/L) NH3tot (mg/L) NH3 (mg/L) rdN KNH3
0 9,5 8,5 54,1 29,9 - -
1 9,47 7,5 43,6 23,4 10,47 0,447
2 9,35 6,7 38,6 18,0 5,04 0,279
3 9,23 6,5 34,7 13,8 3,92 0,283
4 9,14 6 30,2 10,6 4,48 0,422
5 9,05 5,8 27,4 8,3 2,80 0,334
6 8,96 5,6 22,4 5,8 5,04 0,855
7 8,9 5,5 19,0 4,5 3,36 0,744
Nas Tabelas 3 e 4 estão dispostos os resultados obtidos para determinação da constante de transferência
de NH3 na temperatura 27,5°C nas duas lagoas com profundidades de, 0,2 e 0,4 m.
Tabela 3 - Valores das constantes de transferência de NH3 obtidos a partir dos valores do pH, concentração de amônia
total e amônia na Lagoa de 0,2 m na temperatura 2 (27,5°C).
Tempo (dias) pH Alc (meq/L) NH3tot (mg/L) NH3 (mg/L) rdN KNH3
0 9,54 9,2 55,8 38,9
1 9,22 7,5 33,3 17,5 22,48 1,283
2 9,04 6,9 18,7 7,9 14,60 1,845
3 8,8 6,4 11,6 3,4 7,11 2,068
4 8,7 6,3 7,2 1,8 4,37 2,409
5 8,6 6,2 5,1 1,0 2,12 1,981
Tabela 4 - Valores das constantes de transferência de NH3 obtidos a partir dos valores do pH, concentração de amônia
total e amônia na Lagoa de 0,4 m na temperatura 2 (27,5°C).
Tempo (dias) pH Alc (meq/L) NH3tot (mg/L) NH3 (mg/L) rdN KNH3
0 9,5 9,5 54,9 37,3
1 9,30 8,5 36,9 21,1 18,03 0,854
2 9,18 7,7 27,3 13,7 9,63 0,701
3 9,11 7,5 19,5 9,0 7,83 0,867
4 9,03 7 13,4 5,5 6,10 1,091
5 8,99 6,8 8,0 3,1 5,40 1,708
46 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 39-51 | Ed. Esp. Mar. 2021
Determinação de constantes de transferência de compostos voláteis em lagoas de tratamento de esgoto
Os resultados dos experimentos mostram uma re- 3.4 Determinação da faixa de validade da
lação inversamente proporcional da constante de Lei de Fick
transferência de NH3 com a profundidade; tal fato Realizaram-se testes com soluções supersatura-
também foi reportado por Cavalcanti (2009). A par- das dos três componentes voláteis. Na transfe-
tir dos resultados obtidos na temperatura padrão de rência do OD, iniciou-se com uma concentração
20ºC para as duas profundidades analisadas, pode- de aproximadamente 50 mg/L, e foi possível veri-
se extrapolar o valor da constante para uma pro- ficar que houve uma rápida transferência em de-
fundidade de 1 m obtendo-se um valor aproximado corrência do grande desprendimento de bolhas
da constante de transferência de 0,20 d-1. Por meio
de oxigênio. Observou-se que a lei de Fick é obe-
da correlação entre os resultados experimentais da
decida quando a concentração de OD se torna
constante de transferência com as duas profundi-
inferior a 35 mg/L, como pode ser observado na
dades analisadas e utilizando a Eq. 3a observa-se a
Fig. 5. Na Fig. 5A plotou-se a concentração me-
influência da profundidade como (Eq. 11):
dida de OD em função do tempo. Na Fig. 5B plo-
tou-se o valor de Ln(([OD]s – [OD])/([OD]s-[OD]o))
0,198
𝐾𝐾"# = em função do tempo. Os dados só plotam numa
𝐻𝐻 (11)
reta para [OD]o < 35 mg/L, o que representa o li-
mite da validade da lei de Fick. Verifica-se que a
Para determinar o efeito da temperatura no valor parte linear da Fig. 5B apresenta grande similari-
da constante a partir da equação 3(b), foi cons- dade com a obtida na Fig. 2 (A e B). Na prática, a
tatado que, no intervalo de temperatura investi- concentração de OD em lagoas de polimento fre-
gado, a constante praticamente dobrou. Assim, a
quentemente pode ficar acima da concentração
expressão para a constante de transferência de
de saturação (7-8 mg/L), mas dificilmente chega
NH3 pode ser expressa em função da temperatu-
a um valor de 35 mg/L. Portanto, pode-se afir-
ra (t em Celsius) e da profundidade (H em metros)
mar que a transferência de oxigênio em lagoas
por meio da equação 3(c) da seguinte forma:
de tratamento se dá de acordo com a lei de Fick.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 39-51 | Ed. Esp. Mar. 2021 47
Morais CEP, Santos SL, Haandel A
Lei de Fick. Como o valor da constante de CO2 tem em pouco tempo: 1 a 2 dias. Quando o pH aumen-
um valor relativamente elevado, a dessorção de ta e atinge valores acima de 8,5-9, a absorção de
CO2 no efluente de um UASB normalmente se dá CO2 ocorre.
50 0
L1 L1
ln((Ods-Odl)/(Ods-ODo))
-0.5 L2
40 L2
Concentração (mg/L)
-1
30 -1.5
-2
20 -2.5
-3
10
-3.5
0 -4
A 0.0 0.4 0.8 1.2 1.6 B 0 0.4 0.8 1.2 1.6
(A) Tempo (dias) (B) Tempo (dias)
Figura 5 - Experimento de supersaturação de oxigênio nas duas profundidades de lagoa investigadas
(A) concentração de OD e (B) influência dos pontos na determinação da reta.
100 0
L1 L1
ln(CO2s-CO2)/(CO2s-CO2o)
L2 -2 L2
Concentração (meq/L)
80
-4
60
-6
40
-8
20 -10
0 -12
A
0 0.4 0.8 1.2 1.6 B
0 0.4 0.8 1.2 1.6
(A) Tempo (dias) (B) Tempo (dias)
Figura 6 - Experimento de supersaturação de dióxido de carbono nas duas profundidades de lagoa investigadas em
(A) concentração de CO2 e (B) influência dos pontos na determinação da reta.
Para a transferência de amônia observa-se na de-se inferir que a lei de Fick é válida quando a
Fig. 7A que inicialmente ocorre uma rápida concentração de amônia está abaixo de 60 mg/L,
transferência, mas quando a concentração se o que na prática quase sempre se verifica para o
torna menor que 60 mg/L essa taxa começa a se tratamento de esgoto.
apresentar de acordo com a lei de Fick, confor-
me se constata na Fig. 7B. Ademais, a declividade Assim, conclui-se que quase sempre em lagoas
da parte linear da Fig. 7B é similar às constantes de polimento a dessorção dos compostos volá-
de transferência obtidas nas Tabelas 1 e 2, para teis OD, CO2 e NH3 ocorre de acordo com a lei
a mesma temperatura (20°C). Dessa forma, po- de Fick.
48 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 39-51 | Ed. Esp. Mar. 2021
Determinação de constantes de transferência de compostos voláteis em lagoas de tratamento de esgoto
120 0
L1 -0.5 L1
100 L2 -1 L2
Concentração (mg/L)
Ln(NH3l/NH3o)
80 -1.5
-2
60 -2.5
-3
40 -3.5
20 -4
-4.5
0 -5
0 1 2 3 4 5 6 7 0 1 2 3 4 5 6 7
A
(A) B
(B)
Tempo (dias) Tempo (dias)
Figura 7 - Experimento de supersaturação de amônia nas duas profundidades de lagoa investigadas em
(A) concentração de amônia e (B) influência dos pontos na determinação da reta.
4 DISCUSSÃO Em que:
O aspecto divergente mais importante de lago- DBOt, DBOi = DBO depois de um tempo t e DBO
as de polimento de bateladas sequenciais (LPBS) inicial respectivamente (mg/L)
e de fluxo contínuo (LPFC) é que nas LPBS a de- Kph = constante de Phelps = 0,23 d-1
manda de oxigênio para oxidação varia com o t = tempo desde o início da batelada (d)
tempo, sendo maior logo depois que se inicia o
Tendo-se, por exemplo, uma DBO de 50 mg.L-1 no
tratamento de uma batelada. Como inicialmen-
te não há algas na LPBS, a demanda tem de ser efluente do reator UASB, calcula-se a DBO de-
atendida pela absorção de oxigênio atmosférico. pois de 1 d como DBO1 = 39,7 mg.L-1, de modo
Se a concentração de OD inicialmente é zero, a que a demanda no primeiro dia é estimada em
taxa de transferência é dada pela Eq. 13. 50-39,7 = 10,3 mg.L-1. Portanto, a transferência
de oxigênio (8 mg.L-1d-1) é da mesma ordem de
rdo= kdoODs=1,001 0,38/H*(51,6/31,6+T)*9,2(13)
(T-20)
grandeza da demanda de oxigênio. Nessas con-
Em que: dições, depois do primeiro dia da operação da
rdo = (dC/dt)a = taxa de transferênica de OD (mg/L/h); batelada a concentração de OD continuaria zero,
kdo = constantes de transferência de OD (h-1); mas a partir do segundo dia haveria oxigênio
T = temperatura (°C); dissolvido, não somente por causa da absorção
H = profundidade (m). de oxigênio, mas principalmente porque a par-
tir do segundo dia já haveria presença de algas
Assim, por exemplo, para uma profundidade de
na lagoa e consequentemente produção fotos-
0,4 m e uma temperatura de 25°C, a taxa de ab-
sintética de OD. Se a DBO do efluente do UASB
sorção é calculada em 8 mg.L-1.d-1. Esse valor é
for maior que 50 mg.L-1 ou se a profundidade da
alto comparado com o valor da demanda de oxi-
lagoa for maior que o 0,4 m que foi pressupos-
gênio. A demanda de oxigênio no primeiro dia da
to, o tempo para aparecer OD na LPBS será mais
batelada pode ser estimada a partir da equação
longo, mas invariavelmente depois de um perío-
de Phelps (1944), que prevê uma diminuição ex-
do inicial, OD aumenta com o tempo. Conclui-se
ponencial da DBO, conforme a Eq. 14.
que a absorção de OD por LPBS somente é im-
DBOt = DBOiexp(-kpht) (14) portante nos primeiros dias de operação: depois
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 39-51 | Ed. Esp. Mar. 2021 49
Morais CEP, Santos SL, Haandel A
O mecanismo de dessorção predomina na re- Para OD: kdoTh = 1,001(t-20) *0,382/H d-1
moção de amônia. Os processos alternativos de
Para CO2: kdcTh = 1,05(t-20) *0,563/H d-1
assimilação na biomassa e nitrificação-desni-
trificação praticamente não se desenvolvem. Para NH3: kdcTh = 0,198(t-20) *1,095/H d-1
A biomassa produzida em LPBS dificilmente
tem uma concentração maior que 200 mg.L-1 e Para concentrações muito acima da concentração
a proporção N/SVS em algas é menor que 5%, de saturação, os componentes voláteis tendem
de modo que a incorporação de N é menos que a se desprender, formando bolhas na fase líqui-
10 mg.L-1. Nitrificação não se desenvolve na da. A validade da lei de Fick se limita às seguintes
LPBS: mesmo com a concentração de OD maior concentrações máximas: OD < 35 mg/L; CO2 < 40
que a saturação, não se detecta traços de nitrito mg/L e NH3 < 60 mg/L. Esses valores são maiores
nem de nitrato no efluente das LPBS. Pela mesma que as concentrações normalmente encontradas
razão de abundância de OD, o processo de desni- em esgoto e, portanto, a lei de Fick descreve a
trificação não pode se desenvolver. transferência dos compostos adequadamente.
Pelo fato de a taxa de dessorção se tornar lenta Sob condições normais de operação de LPBS
quando o pH chega a um valor de 7,5 (VAN HA- (profundidade < 1 m; DBO < 50 mg.L-1), a absor-
ANDEL; VAN DER LUBBE, 2019), a remoção de CO2 ção de oxigênio é importante somente nos pri-
por dessorção pouco contribui para a remoção de meiros dias de operação; depois, a biomassa de
nutrientes, que precisa de um pH na faixa de 8,5 algas se estabelece e sua taxa de produção de OD
para a remoção de amônia e 9,7 para a remoção é maior que a taxa de absorção.
de fósforo. Portanto, para que haja a remoção de
Em LPBS a dessorção de amônia é o mecanismo
nutrientes, é necessário ocorrer a remoção bioló-
predominante de remoção de nitrogênio. Incor-
gica de CO2 pelo processo de fotossíntese.
poração de nitrogênio na biomassa que se forma
tem uma pequena contribuição, enquanto nitri-
ficação e desnitrificação não se desenvolvem.
5 CONCLUSÕES
Dessorção de dióxido de carbono é um processo
Foi possível estabelecer que a transferência dos
relativamente rápido que se desenvolve princi-
compostos voláteis: amônia, dióxido de carbono
palmente no primeiro dia da operação de LPBS.
e oxigênio dissolvido em lagoas de tratamento
é adequadamente descrita pela lei de Fick, que
afirma que a taxa de transferência é proporcio-
nal ao déficit de determinado constituinte, o que 6 AGRADECIMENTOS
corresponde à diferença entre a concentração do
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de
composto e seu valor de saturação.
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Observou-se que a constante de transferência pelo incentivo financeiro as pesquisas.
é inversamente proporcional à profundidade da
lagoa e depende da temperatura, de acordo com
a equação de Arrehnius. Os seguintes valores 7 CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
numéricos foram determinados em lagoas pe- Todos os autores contribuíram de forma igualitária.
50 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 39-51 | Ed. Esp. Mar. 2021
Determinação de constantes de transferência de compostos voláteis em lagoas de tratamento de esgoto
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São Paulo, n. 229, março 2021. https://doi.org/10.1038/nature13164
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 39-51 | Ed. Esp. Mar. 2021 51
ARTIGO ORIGINAL
ORCID ID
Haandel A https://orcid.org/0000-0002-9937-6715 Santos SL https://orcid.org/0000-0002-6905-3966
Resumo
O aumento do pH em lagoas de polimento agrega importantes benefícios ao tratamento, uma vez que viabili-
za a remoção do nitrogênio, por meio da dessorção, e do fósforo, como resultado da precipitação de hidroxia-
patita. O objetivo do trabalho é apresentar um modelo preditivo da variação do pH em lagoas de polimento,
operadas em regime de bateladas sequenciais e usadas no pós-tratamento de efluentes de reatores UASB.
No modelo, considera-se que a variação do pH em lagoas de polimento deve-se, principalmente, à remoção
biológica de CO2, mas os processos de dessorção de dióxido de carbono e amônia também são importantes.
Mostra-se ainda que as variações do pH em lagoas de polimento podem ser preditas quantitativamente com
o auxílio da estequiometria, considerando-se a remoção física e biológica do dióxido de carbono e a dessor-
ção de amônia. Os fatores que influenciam a variação do pH em função do tempo são as taxas de produção
de oxigênio, de dessorção de dióxido de carbono e de amônia, além dos valores iniciais da alcalinidade e do
pH. A influência da temperatura e da profundidade das lagoas foram incorporadas ao modelo. Foi possível
demonstrar que o modelo simula com precisão o valor do pH, da alcalinidade e a concentração de nitrogênio
em função do tempo, sob uma gama ampla de condições operacionais e características do efluente do UASB.
Palavras-chave: Modelamento do pH. Bateladas sequenciais. Remoção de nutrientes.
Abstract
A pH increase in polishing ponds has important advantages since it makes nutrient removal possible: nitrogen
by desorption and phosphorus by precipitation. In this paper a predictive model is presented for pH variation
in polishing ponds treating effluents from a UASB reactor operated in sequencing batch mode. The model con-
siders that the pH variation in polishing ponds is mainly due to biological CO2 removal, but carbon dioxide and
ammonia desorption processes are also important. It is shown that the pH variations in polishing ponds can be
quantitatively predicted based on stoichiometry, considering the physical and biological carbon dioxide removal
and ammonia desorption. Factors influencing pH variation over time are oxygen production, carbon dioxide de-
sorption and ammonia desorption, as well as initial alkalinity and pH values. The influence of temperature and
pond depth is incorporated into the model. It has been shown that the model accurately predicts not only the pH
value but also the alkalinity and nitrogen concentrations as a function of time under a wide range of operating
conditions and UASB effluent characteristics.
Keywords: pH modelling. Sequential batch operation. Nutrient removal.
1
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Rio Grande do Norte - Brasil.
* Autor correspondente: adrianusvh@gmail.com.
52 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 52-69 | Ed. Esp. Mar. 2021
Variação do pH e remoção de nitrogênio em lagoas de polimento
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 52-69 | Ed. Esp. Mar. 2021 53
Haandel A, Santos SL
O objetivo deste trabalho foi identificar os pro- Na realidade, se o pH se mantiver na faixa neu-
cessos que afetam o pH em lagoas e desenvolver tra (5<pH<9), a influência do sistema carbônico
um modelo que possa simular a variação do pH sobre o pH é preponderante e a influência da
em LP de bateladas sequenciais. A confiabilidade concentração de H+ e OH- pode ser praticamente
do modelo foi testada em uma investigação ex- desconsiderada, de modo que a Eq. 2a se simpli-
perimental, onde as LPs foram operadas sob uma fica para:
larga variedade de condições operacionais. Uma
Alc ≈ Ac[1+2.10(pH-pK2)]/[1+2.10(pK1-pH)] (5<pH<9)
vez estabelecida a confiabilidade do modelo, ele
(2b)
poderá ser usado no projeto de LP visando à re-
moção de nutrientes. A Fig. 1 apresenta o diagrama de Deffeyes, traça-
do a partir da Eq. 2a. No diagrama, dois valores
das três variáveis: (1) alcalinidade, (2) acidez ou
1.1 Valor e variação do pH em (3) pH definem o ponto de equilíbrio iônico, que
Lagoas de Polimento caracteriza a condição da fase líquida. Na Fig. 1,
Van Haandel e van der Lubbe (2019) mostraram indica-se como o ponto de equilíbrio iônico se
que o valor do pH e sua estabilidade nas estações desloca quando se adicionam materiais alcalinos
de tratamento de esgotos são determinados ou ácidos ou quando há remoção de materiais da
quase inteiramente pelo sistema carbônico. Par- fase líquida. Assim, de acordo com Eq. 1b, na re-
tindo da premissa de que essa assertiva é aceitá- moção de CO2 a alcalinidade permanece inalte-
vel, Loewenthal et al. (1986) definem a alcalini- rada, mas a acidez diminui em 2 equivalentes por
dade (Alc) e a acidez (Ac) como: mol de CO2 removido, causando deslocamento
vertical do ponto de equilíbrio e, consequente-
Alc = 2[CO3=] + [HCO3-] + [OH-] - [H+](1a) mente, aumento do pH. Por exemplo, se o efluen-
te de um reator UASB tem um pH 7,0 e uma alca-
Ac = 2[CO2] + [HCO3-] +[H+] - [OH-](1b)
linidade de 8 meq.L-1 (ponto A), a acidez será em
A variação do pH em sistemas de tratamento se torno de 12 meq.L-1.
deve a variações da alcalinidade e da acidez que,
Dessa maneira, quando se sabe quais processos
por sua vez, são afetadas pelos processos físi-
se desenvolvem no sistema de tratamento e qual
cos, químicos e biológicos que se desenvolvem
é o efeito desses processos sobre a alcalinidade e
nesses sistemas. Para analisar a variação do pH,
a acidez, pode-se estabelecer a variação da alca-
o diagrama de Deffeyes (1965), melhorado por
linidade e da acidez no sistema de tratamento e,
Loewenthal et al. (1986), é de suma importância.
assim, determinar o pH no sistema de tratamen-
Neste, mostra-se que há uma relação linear en- to e no efluente. Por exemplo, quando se sabe
tre a alcalinidade e a acidez para qualquer valor que no sistema de tratamento a alcalinidade
de pH. As Eq. 1a e 1b podem então ser usadas diminui em 4 meq.L-1 (tendo-se uma alcalinida-
para correlacionar as três variáveis (alcalinidade, de final de 4 meq.L-1) e se deseja um pH final de
acidez e pH): 9,6, identifica-se o ponto B, que tem uma aci-
dez de 3 meq.L-1, aproximadamente. Portanto,
Alc = [Ac+10(pH-pK1)-10-pH]*[1+2.10(pH-pK2)] /
para que isso aconteça é necessário que a aci-
[1+2.10 ](2a)
(pK1-pH)
54 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 52-69 | Ed. Esp. Mar. 2021
Variação do pH e remoção de nitrogênio em lagoas de polimento
A
Dessorção CO2
(max)
C
Consumo biológico
(min)
B
Dessorção N
Figura 1 - Diagrama de Deffeyes (temperatura de 25ºC: pK1= 6,33, pK2= 10,33, pKw= 14)
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 52-69 | Ed. Esp. Mar. 2021 55
Haandel A, Santos SL
Tabela 1 - Efeito dos diferentes processos sobre a alcalinidade e/ou acidez e, como consequência,
sobre o pH de lagoas de polimento.
∆Alc ∆Ac
Processo Reação ∆pH
(eq.mol-1) (eq.mol-1)
Remoção física de CO2 Sem reação 0 -2 Aumenta
Remoção biológica de CO2 CO2+H2O→MO+O2 0 -2 Aumenta
Remoção de NH3 NH4+→NH3 + H+ -1 +1 Diminui
Precipitação de CaCO3 Ca2+ + CO3= →CaCO3 -2 0 Diminui
56 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 52-69 | Ed. Esp. Mar. 2021
Variação do pH e remoção de nitrogênio em lagoas de polimento
(5) Assim, é possível calcular os valores da alca- Portanto, se na lagoa há um equilíbrio entre a pro-
linidade e da acidez para qualquer valor de pH, dução e o consumo de oxigênio dissolvido, haverá
bem como traçar a curva Ac versus Alc para o também um equilíbrio entre a produção e o con-
equilíbrio ar-água de CO2. sumo biológico de dióxido de carbono. Todavia,
em lagoas de polimento que não tratam esgoto
Na Fig. 1, a curva do equilíbrio de CO2 foi traça-
bruto, mas sim efluentes de esgoto digerido em
da para o CO2s = 0,034*0,00031= 10-5 mol/L =
sistemas anaeróbios, a situação é diferente. Nesse
0,5 mg/L. Dessa forma, para qualquer ponto de
caso, a taxa de fotossíntese tende a ser maior, de-
equilíbrio iônico, pode-se analisar no diagrama
vido à maior transparência da fase líquida, e a taxa
de Deffeyes se a dessorção vai ocorrer, bem como
de oxidação será menor, porque há menos mate-
a quantidade de CO2 que pode ser desprendida.
rial orgânico a ser oxidado. Assim, haverá uma
Por exemplo, na Fig. 1, se a água é caracterizada
tendência da concentração do oxigênio dissolvido
com um pH = 7,0 e uma alcalinidade Alc = 8 me-
(OD) aumentar e a do dióxido de carbono diminuir.
q/L (ponto A), então a água está supersaturada de
CO2 e a dessorção vai ocorrer. A quantidade máxi- A associação entre os fatores ambientais (radia-
ma em que a dessorção pode ocorrer é dada pela ção e temperatura) e as características típicas de
diferença da acidez no ponto A (Ac = 11,4 meq/L) efluentes de reatores UASB eficientes (alta trans-
e o valor do equilíbrio que se encontra na inter- parência, baixa concentração de matéria orgâni-
secção da Alc = 8 meq/L com a curva de equilíbrio ca) favorece a fotossíntese, de modo que a taxa de
de CO2, isto é, quando a acidez é Ac = 7,0 meq/L. utilização fotossintética de CO2 em lagoas de po-
Portanto, no exemplo da Fig. 1, a dessorção má- limento prevalece sobre a de produção por oxida-
xima provoca uma diminuição da acidez de ção biológica. As taxas de consumo de CO2 por fo-
11,4 - 7,0 = 4,4 meq/L ou 2,2 mmol CO2 pode se tossíntese e de produção desse gás por oxidação
desprender da fase líquida. Todavia, na prática, a biológica podem ser avaliadas a partir da taxa de
dessorção se torna muito lenta quando o pH fica mudança da concentração do oxigênio dissolvido,
acima de 7,5 e o desprendimento máximo de CO2 como pode ser observado nas Eq. 7a e 7b. A par-
pode não se materializar. tir da estequiometria química e das duas reações,
pode-se concluir que para a produção de 1 mmol
de OD, em lagoas de polimento, haverá um consu-
1.1.2 Remoção biológica de CO2
mo de 1 mmol de CO2 e vice-versa. O consumo de
A remoção biológica de CO2 ocorre quando a 1 mmol.L-1 de CO2 corresponde a um consumo de
taxa de remoção de CO2 devido à fotossíntese for 2 meq.L-1 de acidez e à produção de 32mg de OD,
maior que a taxa de produção, devido à oxidação ou seja, há produção de 16 mg OD por meq de aci-
e à digestão anaeróbia. Os processos de fotos- dez consumida. Dessa forma, a variação da acidez
síntese e oxidação são complementares, uma vez devido à fotossíntese pode ser calculada como:
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Haandel A, Santos SL
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Variação do pH e remoção de nitrogênio em lagoas de polimento
Tabela 1. Observa-se que apenas a remoção de NH3 e OD), a força indutora é a diferença entre
CO2 leva a uma elevação do valor do pH. As mu- a concentração de saturação e a concentração
danças na alcalinidade e na acidez, devido aos atualmente existente. Assim, tem-se:
processos que afetam o sistema carbônico em
Para dessorção de CO2:
lagoas de polimento podem ser calculadas como:
rdc = (d[CO2]/dt = kdc([CO2] - [CO2]s)(17)
ΔAlc = ΔN/14 - 2ΔCa2+/100 (13)
Para dessorção de NH3:
ΔAc = 2ΔCO2,des + 2ΔOD/32 + ΔN/14 (14) rdn = (d[NH3]/dt = kdn([NH3])(18)
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Haandel A, Santos SL
Em lagoas de polimento em bateladas sequen- Essa é uma expressão quadrática implícita que
ciais, a TPO é a diferença entre a taxa de variação pode ser resolvida para [H+], resultando em:
de OD e a taxa de absorção de oxigênio atmosfé-
rico (Eq. 20): [H+] = {k1(Ac/Alc-1)/2 + (k1(Ac/Alc-1)/2)2 -4k1k2)0,5}/2
A Eq. 21 forma, com as Eq. 15 e 16, a base para pre- pH1=-log{(0,5(k1(Ac1/Alc1 -1)/2+((k1(Ac1/Alc1/2)2-
ver a variação do pH e a remoção de amônia em 4k1k2)1/2)}(27)
lagoas de polimento em bateladas sequenciais.
Como as equações diferenciais não têm solução
Assim, foi possível desenvolver a base de um mo-
analítica, deve-se resolvê-las numericamente. Para
delo que irá descrever as variações do pH, alca-
isso, as equações diferenciais devem ser escritas
linidade, acidez e a concentração de amônio em
em termos de elementos de tempo finito que cau-
função do tempo em lagoas operadas em regime
sam uma mudança finita nas concentrações de CO2
de bateladas. O modelo é um conjunto de equa-
e NH3, como mostram as Eq. 22 e 23:
ções diferenciais definidas pelas Eq. 17 a 27 e
∆[CO2]/∆t = – kdc([CO2] – [CO2]s) – TPO (22) reunidas na Tabela 2. Para uma profundidade e
temperatura específicas (que definem os valores
∆[NH3]/∆t = [NH3] – kdn[NH3]o(23)
de kdc, kdn e kdo), o único processo que ainda não
está definido na Tabela 2 é a taxa de consumo de
Essas variações, por sua vez, resultam em varia- CO2 ou da produção de oxigênio (TPO), mas este
ções da alcalinidade e da acidez, bem como da pode ser calculado como a diferença entre a taxa
concentração de amônia, que podem ser expres- de variação da concentração de OD e a taxa de
sas como: absorção de oxigênio (Eq. 21).
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Variação do pH e remoção de nitrogênio em lagoas de polimento
Tabela 2 - Equações para calcular as taxas dos processos que afetem a alcalinidade e a acidez e as concentrações de
variáveis em lagoas de polimento com bateladas sequenciais.
Variáveis Equação N.
Taxa produção de OD TPO = ΔOD/Δt = - (∆CO2/∆t)f 21
Taxa dessorção de CO2 rdc = (∆ [CO2]/ ∆t)d = kdc([CO2] - [CO2]s) 17
Taxa dessorção de NH3 rdn = (∆ [NH3]/ ∆t)d = kdn[NH3] 18
Variação Alcalinidade ∆Alc/∆t = – kdn[NH3] 24
Variação Acidez ∆Ac/∆t=–2{kdc([CO2]–[CO2]s)-2TPO+kdn[NH3]} 25
Variação do pH pH1=-log{(0,5(k1(Ac1/Alc1 -1)/2+((k1(Ac1/Alc1/2)2-4k1K2)1/2)} 27
Variação de CO2 ∆[CO2]/∆t = – kdc([CO2] – [CO2]s) – TPO 22
Variação de NH3 ∆[NH3]/∆t = – kdn[NH3] 19
Variação N total ∆Ntot/∆t = Ntot – kdn[NH3] 26
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Haandel A, Santos SL
K. Coluna 9: valor da alcalinidade inicial O. Coluna 13: valor inicial do pH foi determinado
(tempo = 0), determinada experimentalmente; os experimentalmente; os valores subsequentes fo-
valores subsequentes foram obtidos pela Eq. 24; ram obtidos pela Eq. 27;
L. Coluna 10: valor inicial da acidez foi calculado As colunas 14 e 15 se referem à remoção de ni-
a partir da alcalinidade e pH (Eq. 2a); os valores trogênio:
subsequentes foram obtidos pela Eq. 25;
P. Coluna 14: Amônia gasosa (Eq. 10);
M. Coluna 11: valor de CO2 (Eq. 4); Q. Coluna 15: Amônia total, sendo que o valor
N. Coluna 12: carbono inorgânico total inicial foi obtido experimentalmente; os valores
(Ct = (Alc+Ac)/2); subsequentes foram obtidos pela Eq. 26.
Tabela 3 - Exemplo do output do modelo nos primeiros três dias da batelada de uma lagoa com 0,2 m de profundidade
e temperatura média de 25°C (kdc = 0,73; kdn = 0,31 e kdo = 0,37 mg/L/d).
N°1 N°2 N°3 N°4 N°5 N°6 N°7 N°8 N°9 N°10 N°11 N°12 Col.13 N°14 N°15
Tempo OD dDO/dt rabs TPO rdc rdn TPO Alc Ac CO2 Ct pH NH3 Ntot
mmol/ mmol/ mmol/
(d) (mg/L) mg/L.h mg/L/d mg/L/d Meq/L Meq/L Mmol/L Mmol/L - Mmol/L Mmol/L
l/d l/d l/d
0 0,2 8 11,4 1,7 9,7 7 0,03 4
0,1 0,3 0,42 0,11 0,42 5,89 0,05 0,31 8 10,16 1,09 9,08 7,2 0,05 3,99
0,2
0,4 0,42 0,11 0,42 3,64 0,08 0,31 7,99 9,38 0,7 8,68 7,38 0,07 3,97
0,3 0,2 -0,83 0,11 -0,83 2,22 0,12 -0,63 7,98 9,07 0,56 8,52 7,48 0,09 3,94
0,4 0,4 0,83 0,11 0,83 1,69 0,15 0,63 7,96 8,63 0,35 8,29 7,69 0,15 3,91
0,5 0,3 -0,42 0,11 -0,42 0,92 0,23 -0,31 7,94 8,53 0,31 8,23 7,73 0,16 3,85
0,6 0,2 -0,42 0,11 -0,42 0,79 0,25 -0,31 7,91 8,46 0,29 8,19 7,76 0,17 3,79
0,7 0,3 0,42 0,11 0,42 0,71 0,26 0,31 7,89 8,28 0,22 8,08 7,88 0,21 3,73
0,8 0,4 0,42 0,11 0,42 0,45 0,33 0,31 7,85 8,16 0,18 8,01 7,95 0,24 3,65
0,9 0,3 -0,42 0,11 -0,42 0,31 0,38 -0,31 7,82 8,2 0,22 8,01 7,88 0,2 3,56
1 0,6 1,25 0,11 1,25 0,43 0,32 0,94 7,78 7,96 0,13 7,87 8,1 0,32 3,48
1,1 2 5,83 0,11 5,83 0,11 0,5 4,38 7,73 7,11 0,02 7,42 8,96 1,41 3,36
1,2 6,8 20 0,11 20 -0,31 2,23 15 7,51 4,39 0 5,95 9,65 2,2 2,83
1,3 8,2 5,83 0,11 5,83 -0,36 3,47 4,37 7,16 3,94 0 5,55 9,68 1,58 1,99
1,4 5,6 -10,83 0,11 -10,83 -0,36 2,49 -8,12 6,92 5,88 0,01 6,4 9,21 0,79 1,4
1,5 3,7 -7,92 0,11 -7,92 -0,34 1,24 -5,94 6,79 7,26 0,25 7,03 7,76 0,05 1,1
1,6 4,2 2,08 0,11 2,08 0,56 0,08 1,56 6,78 6,85 0,08 6,81 8,23 0,13 1,08
1,7 3,8 -1,67 0,11 -1,67 -0,06 0,2 -1,25 6,76 7,13 0,2 6,95 7,85 0,05 1,03
1,8 3,2 -2,5 0,11 -2,5 0,38 0,09 -1,88 6,75 7,44 0,35 7,1 7,61 0,03 1,01
1,9 2,8 -1,67 0,11 -1,67 0,93 0,05 -1,25 6,75 7,51 0,39 7,13 7,57 0,03 1
2 4,4 6,67 0,11 6,67 1,06 0,05 5 6,75 6,3 0,02 6,52 8,89 0,38 0,99
2,1 7,8 14,17 0,1 14,17 -0,3 0,59 10,63 6,69 4,29 0 5,49 9,58 0,64 0,85
2,2 19,8 50 0,1 50 -0,36 1 37,5 6,59 -3,04 0 1,78 10,19 0,56 0,61
2,3 16,7 -12,92 0,09 -12,92 -0,37 0,88 -9,69 6,5 -0,94 0 2,78 10,09 0,36 0,39
2,4 17,4 2,92 0,1 2,92 -0,37 0,56 2,19 6,44 -1,24 0 2,6 10,11 0,24 0,26
2,5 13,7 -15,42 0,11 -15,42 -0,37 0,37 -11,56 6,4 1,18 0 3,79 9,94 0,15 0,17
2,6 8,9 -20 0,11 -20 -0,37 0,23 -15 6,38 4,28 0 5,33 9,55 0,08 0,11
2,7 6,7 -9,17 0,11 -9,17 -0,36 0,13 -6,87 6,37 5,74 0,01 6,05 9,04 0,04 0,08
2,8 5,5 -5 0,11 -5 -0,33 0,06 -3,75 6,36 6,56 0,13 6,46 8,02 0,01 0,07
2,9 3,8 -7,08 0,11 -7,08 0,1 0,01 -5,31 6,36 7,6 0,63 6,98 7,34 0 0,07
3 5,4 6,67 0,11 6,67 1,93 0 5 6,36 6,21 0,04 6,29 8,57 0,01 0,07
62 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 52-69 | Ed. Esp. Mar. 2021
Variação do pH e remoção de nitrogênio em lagoas de polimento
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(a) A profundidade tem uma acentuada in- de produção de OD é praticamente igual à deri-
fluência sobre a concentração e a variação do vada das curvas OD-Tempo.
oxigênio dissolvido nas lagoas: enquanto a con- (c) Na lagoa com profundidade de 0,2 m, a con-
centração de OD na lagoa com H = 0,2 m atinge centração máxima de OD tende a diminuir com
o valor de saturação em poucos dias, na lagoa o tempo, provavelmente porque a taxa de fotos-
com H = 1,0 m leva-se cerca de 30 dias para síntese também diminui com o tempo na medida
atingir a saturação. em que o pH aumenta (Fig. 3). Na lagoa de 1,0
m esse fenômeno não ocorre, porque o pH não
(b) A taxa de transferência é insignificante, aumenta suficientemente. Para que a atividade
quando comparada com a taxa de produção de das algas seja afetada de forma irreversível, é ne-
oxigênio nas lagoas. Como consequência, a taxa cessário que o pH atinja valores superiores a 10.
25 140 10
9
Concentração de OD (mg/L)
120
Concentração de OD (mg/L)
Derivada de OD (mg/L/d)
20 8
100
7
80
15 6
60
5
40 4
10
20 3
5 0 2
0 1 2 3 4 5 6 1
-20
0 0
-40
0 1 2 3 4 5 6 0 10 20
Tempo da batelada (d) Tempo da batelada (d) Tempo da batelada
0.14
4 140
Taxa de transferência (mg/L/d)
Taxa de prod. de OD (mg/L/d)
3 120 0.12
Taxa de transferência (mg/L/d)
2 100 0.10
1 80 0.08
0
60 0.06
-1 0 1 2 3 4 5 6
40
-2 0.04
20
-3 0.02
0
-4 0.00
-5 -20 0 1 2 3 4 5 6
0 10 20
-0.02
-6 -40
Tempo da batelada (d) Tempo da batelada (d) Tempo da batelada (
Figura 2a - Concentração de OD (experimental) e valores calculados da derivada de OD, a taxa de transferência de OD e
a taxa de produção de oxigênio na lagoa com profundidade de 0,2 m.
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Variação do pH e remoção de nitrogênio em lagoas de polimento
40 10 10
9
Concentração de OD (mg/L)
20 8
derivada de OD (mg/L/d)
8 6
00
7 4
80
6 2
60
5 0
40 4 -2 0 10 20 30
20 3 -4
0 2 -6
0 1 2 3 4 5 6 1 -8
20
0 -10
40
0 10 20 30
Tempo da batelada (d) Tempo da batelada (d) Tempo da batelada (d)
0.14 10
40
0.12 8
20
6
00 0.10
4
80 0.08 2
60 0.06 0
40
0.04 -2 0 10 20 30
20 -4
0.02
0 -6
0.00
20 0 1 2 3 4 5 6 -8
0 10 20 30
-0.02 -10
40
Tempo da batelada (d) Tempo da batelada (d) Tempo da batelada (d)
Figura 2b - Concentração de OD (experimental) e valores calculados da derivada de OD, a taxa de transferência de OD
e a taxa de produção de oxigênio na lagoa com profundidade de 1,0 m.
(2) Perfis simulados e valores experimentais do pH significa que as algas não são mais capazes de se
reproduzir nesse valor elevado. Tal fato se deve
Na Fig. 3 são apresentados os valores teóricos
provavelmente à redução da atividade fotos-
(simulados) e experimentais do pH nas lagoas. sintética, em detrimento do aumento do pH. A
Pode-se observar que a influência da profundi- vantagem da operação em regime de bateladas
dade sobre a variação do pH é de grande rele- é que, no fim da batelada, o efluente com baixa
vância: na lagoa com profundidade de 0,2 m, um capacidade fotossintética é descarregado e uma
pH elevado é obtido em poucos dias, contudo há nova batelada se inicia com pH perto do ponto
uma limitação: quando o valor do pH atinge va- neutro. Na lagoa com profundidade de 1,0 m,
lores superiores a 10, não há mais aumento; ao esses fenômenos não ocorrem porque o pH não
contrário, a tendência é uma diminuição, o que chega a um valor próximo a 10.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 52-69 | Ed. Esp. Mar. 2021 65
Haandel A, Santos SL
12 12
11 11
10 10
pH (-)
pH (-)
9 9
8 8
7 7
6 6
0 2 4 6 0 10 20 30
Tempo da batelada (d) Tempo da batelada (d)
Figura 3 - Valores simulados (linha contínua) e experimentais (pontos) do pH em função do tempo em lagoas com
0,2 m (esquerda) e 1,0 m de profundidade (direita).
10 10
Amônia ou alkalinidade (meq/L)
(3) Perfis simulados e valores experimentais da (a) Os valores simulados, em boa aproximação,
alcalinidade e de amônia total assemelham-se aos valores experimentais obti-
dos durante os períodos de monitoramento.
Na Fig. 4 observam-se os valores simulados da
concentração de amônia total (NH3 + NH4+) e da (b) Segundo o modelo, a variação da alcalini-
alcalinidade nas lagoas com profundidade de dade se deve unicamente à dessorção e, con-
0,2 m (esquerda) e de 1,0 m (direita). Nas mes- sequentemente, a variação da alcalinidade (em
mas figuras também foram indicados os valores mmol/L) deve ser igual à remoção de nitrogê-
experimentais da concentração de amônia e da nio. Os gráficos da Fig. 4 mostram que, de fato,
alcalinidade. Para a obtenção dos dados expe- é isso que acontece: o modelo não somente pre-
rimentais, retiraram-se diariamente alíquotas vê corretamente a estequiometria mas também
para a realização das análises do pH, da alcalini- a cinética da variação da alcalinidade e da con-
dade e da concentração de amônia. centração de amônia.
66 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 52-69 | Ed. Esp. Mar. 2021
Variação do pH e remoção de nitrogênio em lagoas de polimento
(4) Perfis simulados da taxa de transferência (a) Para o oxigênio dissolvido, a profundidade
dos componentes voláteis: CO2 e NH3 tem grande influência sobre a taxa de dessorção,
como mostra a Fig. 2. No caso de CO2, a dessor-
Na Fig. 5 são apresentados os gráficos com os
ção é essencialmente completa depois de 1 dia
valores simulados da taxa de dessorção dos com-
na lagoa de 0,2 m, no entanto, para a lagoa de 1
postos voláteis (CO2 e NH3), para as lagoas com
m, são 3 dias.
profundidade de 0,2m (superior) e 1,0 m (infe-
rior). Para o oxigênio dissolvido, a profundidade (b) Para a amônia, foi observado que a dessor-
tem grande influência sobre a taxa de dessorção. ção é mais lenta e se completa em 5 dias para
No caso de CO2, a dessorção é essencialmente a lagoa com 0,2 m de profundidade, enquanto
completa depois de 1 dia na lagoa de 0,2m, to- na lagoa de 1,0 m a dessorção não se completa
davia leva 3 dias na lagoa de 1m. em 30 dias.
5
6
Taxa de dess. de CO2 (mmol/L/d)
3 4
3
2
2
1
1
0
0 1 2 3 4 5 6 0
0 1 2 3 4 5 6
-1
Tempo da batelada (d) -1
tempo da batelada (d)
1.4 0.9
Taxa de dess. de NH3 (mmol/L/d)
Taxa de dess. de CO2 (mmol/L/d)
1.2 0.8
0.7
1
0.6
0.8 0.5
0.6 0.4
0.4 0.3
0.2
0.2
0.1
0 0
0 10 20 30
-0.2 -0.1 0 10 20 30
Tempo da batelada (d) Tempo da batelada (d)
Figura 5 - Valores simulados da taxa de dessorção de dióxido de carbono e amônia em lagoas de 0,2 m (superior) e
1,0 m de profundidade (inferior).
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 52-69 | Ed. Esp. Mar. 2021 67
Haandel A, Santos SL
A variação da alcalinidade e da acidez em lagoas BUCHAUER, K. A comparison of two simple titration procedures
to determine volatile fatty acids in influents to waste-water
de polimento pode ser descrita por esses três
and sludge treatment processes. Water Sa-Pretoria-, v. 24, p.
processos (consumo biológico de CO2, dessorção 49-56, 1998.
de CO2 e dessorção de amônia), usando simples
CAPRI, M. G.; MARAIS, G. V. R. Anaerobic Filter Treatment of Wine
relações estequiométricas. A variação do pH Distillery Waste, Research Report W1, Dep. of Civil Engineering,
pode ser calculada a partir da variação da alcali- University of Cape Town, África do Sul, 1974.
nidade e da acidez. EMERSON K.; RUSSO R. C.; LUND R. E.; THURSTON T. T. Aqueous
ammonium calculations: effect of pH and temperature. Journal
O modelo da variação do pH desenvolvido na
of the Fisheries Research Board of Canada, v. 23, p. 2379–
presente pesquisa permitiu simular a variação do 2383, 1975. https://doi.org/10.1139/f75-274
pH em lagoas de polimento em regime de bate-
DEFFEYES K. S. Carbonate equilibrium a graphic and algebraic
ladas sequenciais. approach. Limnology and Oceanography, 1965. https://doi.
org/10.4319/lo.1965.10.3.0412
O modelo é preditivo, assim pode ser usado para
HELMER R., HESPANHOL I. e SALIBA L. J. Public health criteria
calcular o tempo necessário para atingir o pH
for the aquatic environment: recent WHO guidelines and their
favorável à remoção de nitrogênio e de fósforo application. Water Science and Technology, v. 24, n. 2, p. 35–
em lagoas de polimento operadas em bateladas 42, 1991. https://doi.org/10.2166/wst.1991.0026
sequenciais e, consequentemente, para projetar
LOEWENTHAL R. E.; WIECHERS H. N. S. E; MARAIS G. V. R.
unidades de LP visando à remoção de nutrientes. Softening and Stabilization of Municipal Waters, Water
Research Commision, ed. Pretória - South Afric, 1986.
68 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 52-69 | Ed. Esp. Mar. 2021
Variação do pH e remoção de nitrogênio em lagoas de polimento
SANTOS, I. V.; SANTOS, S. L.; VAN HAANDEL, A. Remoção de fósforo em VAN HAANDEL A. C.; LETTINGA, G. Anaerobic Sewage
lagoas de polimento operadas em regime de bateladas sequenciais. Treatment: A Practical Guide for Regions with a Hot Climate.
Revista DAE: Edição especial, São Paulo, n. 229, março 2021. Wiley, Chichester, UK, 226p, 1994.
SANTOS, S. L.; CHAVES, S. R. M.; VAN HAANDEL, A. Influence of
VAN HAANDEL A. C.; VAN DER LUBBE, J. Handbook Biological
phase separator design on the performance of UASB reactors
of Wastewater Treatment: Design and Optimization of
treating municipal wastewater. Water S. A. v. 42, n. 2, p. 176-
Activated Sludge Systems, 2nd ed. IWA Publishing, London,
182, 2016. https://doi.org/10.4314/wsa.v42i2.01
UK. 2012.
TRUESDALE A. H.; JONES B. J. WATEQ a Computer Program for
Calculating Chemical Equilibria of Natural Waters. NTIS Report YANES, F. Lagunas de Estabilización: Teoria, Diseño y
PB 20464, NTIS, Springfield, VA, USA, 1973. mantenimiento. Cuenca: Monsale, 1993, 427p.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 52-69 | Ed. Esp. Mar. 2021 69
ARTIGO ORIGINAL
Mateus Rodrigues Lima Aguiar1 | Silvânia Lucas dos Santos2 | Adrianus van Haandel1* DOI: https://doi.org/10.36659/dae.2021.020
Resumo
O regime de bateladas sequenciais em lagoas de polimento apresenta duas vantagens importantes em relação
às lagoas de fluxo contínuo: (1) reduz consideravelmente o tempo necessário para a remoção bacteriana e (2)
possibilita a remoção eficiente dos nutrientes nitrogênio e fósforo. Entretanto, a aplicabilidade do regime de
bateladas sequenciais é limitada pela concentração de material orgânico no afluente da lagoa: se essa concen-
tração é alta, a demanda por oxigênio excede a capacidade de geração na lagoa e o ambiente fica anaeróbio, o
que é indesejável, pois a digestão anaeróbia deixa um residual de material orgânico alto. Nesse contexto, este
trabalho teve como objetivo avaliar a remoção do material orgânico residual do efluente pré-tratado anaero-
biamente (reator UASB) em lagoas de polimento operadas em regime de bateladas sequenciais. Além disso,
avaliou-se a influência da concentração inicial do material orgânico e da profundidade no desempenho das
lagoas. A operação das lagoas de polimento permitiu a remoção eficiente da DBO (em média 70%), mas o tem-
po para alcançar a DBO mínima aumentou com a profundidade. Durante o tratamento, a DBO passou por um
mínimo e depois aumentou presumivelmente devido à produção de algas. Em todos os casos, quando a DBO do
afluente da lagoa aumentou, a concentração mínima do efluente também aumentou.
Palavras-chave: Pré-tratamento anaeróbio. Remoção da DBO. Profundidade da lagoa.
Abstract
The sequential batch regime in polishing ponds has two important advantages in relation to continuous flow ponds:
(1) it greatly reduces the time required for bacterial removal and (2) it opens the possibility of efficiently removing
the nutrients nitrogen and phosphorus. However, the applicability of the sequential batch regime is limited by the
concentration of organic material in the influent of the pond: if this concentration is too high, the oxygen demand
exceeds the oxygen generation capacity in the pond and the environment remains anaerobic, which is undesirable:
the anaerobic digestion leaves a high concentration of residual organic material. In this context, this work aims to
evaluate the removal of residual organic material from the effluent of a UASB reactor in polishing ponds operated
in sequential batch mode. In addition, the influence of the initial concentration of organic material and depth on the
performance of the ponds was evaluated. The operation of polishing ponds in sequential batches allowed efficient
1
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Rio Grande do Norte - Brasil.
* Autor correspondente: adrianusvh@gmail.com.
70 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 70-79 | Ed. Esp. Mar. 2021
Lagoas de polimento operando em bateladas como pós-tratamento de reatores UASB: remoção de material orgânico
removal of organic material, BOD (on average 70%), but the time to reach the minim DBO increased with increasing
depth. During the treatment of a batch, the BOD went through a minimum and then increased, presumably due to
the production of algae. In all cases, when the organic material concentration applied in the LPBS increased, the
concentration of the minimum residual BOD also increased.
Keywords: Anaerobic Pretreatment. BOD removal efficiency. Pond depth.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 70-79 | Ed. Esp. Mar. 2021 71
Aguiar MRL, Santos SL, Haandel A
reação de primeira ordem. Marais (1974) mos- volvido: o reator anaeróbio de fluxo ascendente
trou que, para o decaimento ser mais eficiente, e manta de lodo (do inglês Upflow Anaerobic
era conveniente subdividir a LM e operá-las em Sludge Blanket - UASB), seguido por um pós-tra-
série. Desde então, não foram observados avan- tamento em lagoas de polimento (LP). Atual-
ços no modelamento de LE. Para ter uma efici- mente o reator UASB já está sendo amplamente
ência boa (99,9 a 99,99% de remoção) na remo- utilizado em diferentes países do mundo e no
ção de bactérias do grupo coliformes, necessária Brasil, como demonstrado por Chernicharo et
para reúso agrícola, as LM divididas (série de la- al. (2018), estando presente em 40% das 1.667
goas) precisam ter uma área da mesma ordem de ETEs inventariadas nas regiões Sul, Sudeste e
grandeza que a LM única. É pouco provável que Centro-Oeste do país.
uma lagoa de maturação unitária, embora muito
aplicada na prática, produza uma qualidade de Cavalcanti (2003) mostrou que o UASB rotinei-
efluente compatível com as exigências requeri- ramente tem uma eficiência de remoção de ma-
das para irrigação. terial orgânico superior à combinação Lan-LF e
que, no pós-tratamento em lagoas de polimento,
Os objetivos do tratamento em LE continuam a remoção de material orgânico residual é fac-
sendo basicamente os mesmos até hoje: a re- tível em alta taxa, tendo-se uma lagoa com um
moção de material orgânico e os patógenos. tempo de permanência menor que em LE con-
Embora alguns pesquisadores tenham realizado vencionais. Embora a eficiência de remoção do
trabalhos para remoção de nutrientes (PANO; material orgânico em reatores UASB seja supe-
MIDDLEBROOKS, 1982), os resultados não têm rior àquela da combinação LAn-LF, a qualida-
sido satisfatórios, com eficiências de remoção de do efluente de reatores UASB normalmente
de menos que 40% (BASTOS et al., 2014) para ni- não é compatível com as exigências ambientais
trogênio e 20% de fósforo (GOMES, 2000). A ra- do Brasil, para lançamento de efluentes e en-
zão desse insucesso deve-se ao fato de que para quadramento dos cursos d’água, Resoluções n°
a remoção de nutrientes é necessário que o pH 430/2011 e n° 357/2005 do CONAMA, respec-
aumente substancialmente na lagoa, e isso não tivamente (BRASIL, 2005 , 2011). Vários pesqui-
acontece nas lagoas de estabilização justamente sadores (VAN HAANDEL; LETTINGA, 1994) suge-
porque nestas existe um equilíbrio entre produ- riram o uso de lagoas de polimento como opção
ção e consumo de oxigênio. Assim, todas as LEs de pós-tratamento de efluentes do UASB. Inva-
do mundo produzem normalmente um efluente riavelmente, tem-se usando lagoas de fluxo con-
que não atende às normas para descarga destes tínuo como unidades de pós-tratamento.
em águas de superfície: os nutrientes do afluen-
te permanecem praticamente inalterados. Via de Todavia, Cavalcanti (2003) mostrou que a com-
regra, as exigências das legislações ambientais binação UASB-Lagoa de polimento de fluxo
vigentes requerem uma qualidade de efluente contínuo (LPFC) não pôde produzir um efluen-
que dificilmente podem ser alcançada em LE. te compatível com as exigências estabelecidas,
Portanto, a rigor, efluentes das LE não deveriam nem mesmo quando o projeto do pós-trata-
ser lançados em águas de superfície. mento era otimizado para a remoção de nu-
trientes. Em particular, a remoção de fósforo era
A qualidade do efluente pode ser melhorada
parcial ou insignificante.
significativamente quando se substitui o trata-
mento anaeróbio realizado na LAn por um sis- Uma alternativa da operação de LPFC é a opera-
tema que na época ainda não havia sido desen- ção em regime de bateladas (LPBS). O problema
72 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 70-79 | Ed. Esp. Mar. 2021
Lagoas de polimento operando em bateladas como pós-tratamento de reatores UASB: remoção de material orgânico
é que LPBS têm uma alta demanda de oxigênio de material orgânico e da profundidade sobre o
no início da sua operação, o que pode dificultar desempenho das LPBS.
o estabelecimento de um ambiente aeróbio, ne-
cessário para a remoção eficiente do material
orgânico. O estabelecimento de um ambiente
aeróbio na LPBS é facilitado por três fatores in- 2 METODOLOGIA
dependentes: (1) no UASB remove-se grande Os sistemas avaliados na presente pesquisa fo-
parte dos sólidos suspenso e, portanto da tur- ram instalados e monitorados na Estação Ex-
bidez, o que aumenta a taxa de fotossíntese; (2) perimental de Tratamento Biológico de Esgotos
como a concentração de material orgânico no Sanitários (Extrabes), localizada na cidade de
afluente do UASB é baixa, a demanda de oxigênio Campina Grande, Paraíba. O aparato experi-
para sua oxidação será reduzida; e (3) na medida mental consistia em quatro lagoas de polimen-
em que a lagoa for mais rasa, a absorção de oxi- to alimentadas em regime de batelada sequen-
gênio atmosférico pela LPBS será maior e poderá cial, com profundidades de 20 cm, 40 cm, 60 cm
fornecer oxigênio suficiente para atender à de- e 100 cm, com volumes de 40 L, 80 L, 120 L e
manda na lagoa, mesmo sem haver produção de 200 L, respectivamente. As lagoas eram alimen-
oxigênio pelas algas (fotossíntese). tadas com efluente de um reator UASB que rece-
bia esgoto sanitário bruto advindo da rede cole-
No presente trabalho avaliou-se a possibilidade tora municipal. As LPBS possuíam misturadores
de usar lagoas de polimento operadas em regime que agitavam suavemente a fase líquida para
de bateladas sequenciais (LPBS) para a remoção manter um regime de mistura completa e evitar
de material orgânico do efluente do reator UASB, a flotação de algas. Na Fig. 1 é apresentado o sis-
bem como a influência da concentração inicial tema de tratamento experimental instalado.
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Aguiar MRL, Santos SL, Haandel A
70
60
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 50
3.1 Remoção de material orgânico do efluente 40
de reatores UASB em LPBS 30
20
Nas Fig. 2 e 3, podem-se observar os valores mé- 10
dios da DBO e da DQO em função do tempo du- 0
rante o tratamento nas LPBS para profundidades 0 2 4 6
de 0,2, 0,4, 0,6 e 1,0 m. Em todos os casos foram Tempo da batelada (dias)
utilizadas amostras brutas do conteúdo das la-
goas para determinar os valores de DBO e DQO. 0,2 m 0,4 m 0,6 m 1,0 m
Pode-se observar que os valores mínimos da DBO Figura 2 - Valor médio da DBO nas lagoas de 0,2, 0,4,
(20 mg/L) e DQO (100 mg/L) foram obtidos para 0,6 e 1,0 m de profundidade tratando efluente do
a profundidade mínima de 0,2 m e tempo de per- reator UASB em função do tempo.
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Lagoas de polimento operando em bateladas como pós-tratamento de reatores UASB: remoção de material orgânico
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Lagoas de polimento operando em bateladas como pós-tratamento de reatores UASB: remoção de material orgânico
350 600
300
500
250
400
200
150 300
100 200
50 100
0
0 2 4 6 0
0 1 2 3 4 5
Tempo da batelada (dias)
Tempo da batelada (dias)
UASB UASB + 50%
UASB UASB + 50%
UASB + 80% 100% Bruto
UASB + 80% 100% Bruto
Figura 7 - Valor médio da DBO nas lagoas de 0,4 m de Figura 9 - Valor médio da DQO nas lagoas de 0,4 m de
profundidade tratando efluente com diferentes valores profundidade tratando efluente com diferentes valores
da DBO no afluente. da DQO no afluente.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 70-79 | Ed. Esp. Mar. 2021 77
Aguiar MRL, Santos SL, Haandel A
16 14
OD efluente (mg.L-1)
14 12
12
10 10
8 8
6 6
4 4
2
0 2
0 2 4 6 0
0 2 4 6
Tempo da batelada (dias)
Tempo da batelada (dias)
UASB UASB + 50%
UASB UASB + 50%
UASB + 80% 100% Bruto
UASB + 80% 100% Bruto
Profundidade = 0,4 m
Profundidade = 0,2 m
10 9
9.5 8.5
pH efluente
9
pH efluente
8
8.5
8 7.5
7.5
7
7
6.5 6.5
0 2 4 6 0 2 4 6
Tempo da batelada (dias) Tempo da batelada (dias)
UASB UASB + 50% UASB UASB + 50%
UASB + 80% 100% Bruto UASB + 80% 100% Bruto
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Lagoas de polimento operando em bateladas como pós-tratamento de reatores UASB: remoção de material orgânico
variou de 20 a 30 mg/L em um tempo de permanên- BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução nº 357, de
cia de 2 a 4 dias para profundidades de 0,2 a 1,0 m. 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água
e diretrizes ambientais para o seu enquadramento. CONAMA, 2005.
Na investigação experimental, a DBO do efluente fi- CAVALCANTI P. F. F. Integrated Application of the UASB Reactor
nal sempre foi menor que o padrão estabelecido pela and Ponds for Domestic Sewage Treatment in Tropical Regions.
(PhD thesis) - University of Wageningen, The Netherlands, 2003.
resolução Conama (n° 430/2011), mesmo tendo sido
utilizadas para os testes amostras do efluente bruto CHERNICHARO, C. A. DE L. et al. Panorama do tratamento de es-
goto sanitário nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil:
e não efluente filtrado, como permitido pela norma.
tecnologias mais empregadas. Revista DAE, v. 66, n. 213, p. 5–19,
2018. https://doi.org/10.4322/dae.2018.028
Na prática da operação de LPBS pode não ser possí-
vel obter o valor mínimo da concentração de mate- DIAS, D. F. C.; POSSMOSER-NASCIMENTO, T. E.; RODRIGUES V. A. J.; VON
SPERLING, M. Overall performance evaluation of shallow maturation
rial orgânico, porque, para o tempo de permanência
ponds in series treating UASB reactor effluent : Ten years of intensive
mais longo, que é necessário para remoção de nu- monitoring of a system in Brazil. Ecological Engineering, v. 71, p. 206–
trientes, a DBO e DQO tendem a aumentar devido ao 214, 2014. https://doi.org/10.1016/j.ecoleng.2014.07.044
crescimento de algas. GOMES, E.; PAING, J.; CASELLAS, C. E.; PICOT, B. Characterization
of phosphorus in sediments of waste stabilization ponds. Water
Ao elevar a concentração de material orgânico nas Sci Technol v. 42, p. 257-264, 2000.
LPBS não se estabeleceu um ambiente anaeróbio nas HASAN, M. N.; KHAN, A. A.; AHMAD, S.; LEW, B. Anaerobic and aero-
lagoas e observou-se um aumento da concentração bic sewage treatment plants in Northern India: Two years intensive
de OD e do pH com o tempo, embora menor para evaluation and perspectives. Environmental Technology & Innova-
tion, v. 15, p. 10, 2019. https://doi.org/10.1016/j.eti.2019.100396
maiores profundidades e altas cargas aplicadas.
MARA, D. D. Proposed design for oxidation ponds in hot climates.
J. Environ. Eng. Division-Asce, v. 101, p. 296-300, 1976.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 70-79 | Ed. Esp. Mar. 2021 79
ARTIGO ORIGINAL
Bacterial decay in polishing ponds treating UASB reactor effluents Data de aprovação:
18/06/2020
Mariana Medeiros Batista1 | George Rodrigues Lambais2 | Silvânia Lucas dos Santos3 | DOI: https://doi.org/10.36659/dae.2021.021
Adrianus van Haandel4*
ORCID ID
Batista MM https://orcid.org/0000-0002-4492-8543 Santos SL https://orcid.org/0000-0002-6905-3966
Lambais GR https://orcid.org/0000-0001-9141-7466 Haandel A https://orcid.org/0000-0002-9937-6715
Resumo
Este estudo objetivou desenvolver expressões para determinar o valor da constante de decaimento em lagoas
de polimento tratando efluente de reator UASB em função da profundidade da lagoa e da temperatura, bem
como avaliou a influência do regime hidráulico sobre a eficiência da remoção bacteriana, visando estimar
o tempo de permanência necessário para obter um efluente com qualidade higiênica para uso na irrigação
irrestrita. A remoção bacteriana foi avaliada, em termos de E.coli, em 06 lagoas com profundidades variando
entre 0,2 a 2,8 m. Pôde-se verificar que a constante de decaimento variou de modo inversamente proporcio-
nal à profundidade das lagoas. Além disso, o decaimento bacteriano se desenvolveu, em boa aproximação,
conforme um processo de primeira ordem, tendo, portanto, uma vantagem considerável nas unidades ope-
radas em regime de bateladas sequenciais (onde o decaimento é inversamente exponencial) sobre as lagoas
de fluxo contínuo (onde o decaimento é inversamente hiperbólico).
Palavras-chave: Tratamento de esgoto. Qualidade higiênica. Coliformes Termotolerantes. Cinética de decaimento.
Abstract
This study aimed to develop expressions for the value of the decay constant in polishing ponds as a function of pond
depth and temperature, as well as to evaluate the influence of the hydraulic regime on the efficiency of bacterial
removal in order to estimate the residence time necessary to obtain a hygienic quality effluent for unrestricted
irrigation. The bacterial removal was evaluated, in terms of E.coli, in 06 ponds operating with depths between 0.2
to 2.8. It was possible to verify that the decay constant varies inversely proportional to the depth of the ponds. In
addition, the bacterial decay in units in good approximation developed as a first order process, so that ponds with a
sequential batch regime (having exponential decay) have a considerable advantage over the continuous flow pond
(with a inversely hyperbolic decay).
Keywords: Sewage treatment. Hygienic quality. Thermotolerant Coliforms. Decay kinetics.
1
Universidade Federal do Amazonas - UFAM - Itacoatiara - Amazonas - Brasil
2
Instituto Nacional do Semiárido - INSA - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
3
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil.
4
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
* Autor correspondente: adrianusvh@gmail.com.
80 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 80-90 | Ed. Esp. Mar. 2021
Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluentes de reator UASB
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Batista MM, Lambais GR, Santos SL, Haandel A
82 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 80-90 | Ed. Esp. Mar. 2021
Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluentes de reator UASB
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Batista MM, Lambais GR, Santos SL, Haandel A
Yañez (1993), avaliando lagoas em escala real na a influência do regime hidráulico sobre a eficiência
América Latina, e von Sperling (1999), analisando da remoção bacteriana visando estimar o tempo
especificamente lagoas no Brasil, chegaram à con- de permanência necessário para obter um efluente
clusão de que na prática a mistura em lagoas de com qualidade higiênica necessária, em termos de
estabilização de fluxo contínuo é considerável, com E.coli, para ser utilizado na irrigação irrestrita.
números de dispersão na faixa de 0,2 a 0,5. Portanto,
nessas lagoas o decaimento de CTT é muito menor
do que a taxa máxima que haveria em lagoas sem 2 METODOLOGIA
mistura. Todavia, a mistura é um aspecto essencial Buscou-se avaliar se a cinética de decaimento de
no funcionamento de lagoas de estabilização. Na bactérias do grupo Coliformes em lagoas de poli-
verdade, a mistura é necessária para não criar dese- mento operadas em bateladas sequenciais pode-
quilíbrio na lagoa entre a taxa de produção de oxigê- ria ser descrita de acordo com a equação básica
nio pela fotossíntese e a taxa de consumo de oxigê- de Marais e Shaw (1961) (Eq. 1), bem como deter-
nio para oxidação do material orgânico. minar expressões para a constante de decaimento
em função da profundidade e temperatura.
A mistura em lagoas diminui quando se constro-
em unidades rasas e com uma elevada proporção O decaimento bacteriano, em termos de Esche-
comprimento/largura (AGUNWAMBA et al., 1992; richia Coli (E. Coli), foi avaliado em 06 lagoas de
YAÑEZ, 1993; VON SPERLING, 1999), inclusive la- polimento operando em bateladas sequenciais
goas subdivididas em seções, com uso de divisó- (LPBS), com profundidades variando entre 0,2 m
rias internas (chicanas) (CAVALCANTI et al., 2001). e 2,8 m (0,2m, 0,4m, 0,6m, 1,0m, 1,8m e 2,8m).
Entretanto, pesquisas mostram que, em lagoas Nas lagoas com menos de 1 m de profundidade
em escala real operando em regime de fluxo con- foi utilizado um agitador mecânico de baixa ro-
tínuo, a mistura se torna inevitável, mesmo quan- tação (6 rpm) que acionava uma palheta super-
do se tem uma razão elevada entre o comprimen- ficial a fim de proporcionar uma agitação suave
to e a largura da lagoa (CAVALCANTI, 2003). para evitar a formação de algas flotadas.
Santos e van Haandel (2021) mostraram que é As unidades de tratamento de esgoto foram ins-
factível operar lagoas de polimento em regime taladas na Estação Experimental de Tratamento
de bateladas quando o pré-tratamento é eficien- Biológico de Esgotos Sanitários (Extrabes), da
te, por exemplo, pela aplicação do reator UASB. Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)
Nessas condições, o tempo de permanência do e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), lo-
efluente na lagoa de polimento pode ser reduzido calizada no bairro do Catolé em Campina Grande.
porque a taxa de decaimento em lagoas de bate- O afluente das lagoas correspondeu ao efluente
ladas sequenciais é muito maior do que em lagoas proveniente de um reator UASB com configura-
de fluxo contínuo sob condições comparáveis. ção modificada (Santos et al., 2016), com capa-
cidade de 2,5 m³ e projetado para operar em um
Nesse contexto, o presente estudo objetivou de-
TDH de 6 horas, com vazão de 10m³/d, sendo ali-
senvolver expressões para determinar o valor da
mentado com o esgoto proveniente do município
constante de decaimento, em termos de E. coli, em
de Campina Grande-PB. A temperatura durante
lagoas de polimento operando em regime de bate-
os testes oscilou entre 24 e 26 oC.
ladas sequenciais em função da profundidade da
lagoa e da temperatura, submetidas a condições Na realização das análises microbiológicas, as
semelhantes de radiação solar, bem como avaliar amostras foram coletadas em sacos estéreis de 100
84 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 80-90 | Ed. Esp. Mar. 2021
Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluentes de reator UASB
Figura 3 - Número de E. Coli por 100 mL de efluente do reator UASB tratado em lagoas com diferentes profundidades
em função do tempo de decaimento nas bateladas (escala semi-logarítmica).
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 80-90 | Ed. Esp. Mar. 2021 85
Batista MM, Lambais GR, Santos SL, Haandel A
Os dados apresentados na Fig. 3 mostram também presente estudo é um pouco menor. Vale destacar
que o valor da constante de decaimento, que cor- ainda que a Eq. 6 é válida para condições seme-
responde ao valor da inclinação da reta, varia consi- lhantes de radiação solar.
deravelmente de acordo com a profundidade. Uma
Pela Fig. 4 e pela Eq. 6, pode-se verificar ainda
melhor visualização da influência da profundida-
que o valor da constante de decaimento é inver-
de sobre o valor da constante de decaimento pode
samente proporcional à profundidade das lagoas.
ser analisada na Fig. 4, que relaciona os valores das
constantes de decaimento, obtidas pelas retas da Sabe-se ainda que o tempo de permanência do
Fig. 3, com as profundidades das lagoas. É possível efluente em uma lagoa é proporcional à profun-
notar que a tendência é uma relação hiperbólica que didade da mesma (para uma determinada área),
pode ser descrita da seguinte forma (Eq. 4): conforme pode ser visualizado na Fig. 3. Sendo as-
sim, é possível concluir que lagoas mais profundas
1,6 (4)
𝑘𝑘"#$ = podem alcançar as mesmas eficiências que lagoas
𝐻𝐻
mais rasas em tempo de detenção maior. Isso
ocorre porque, quando a profundidade aumenta,
Em que: kb25 = constante de decaimento bacteriano
a 25°C; H = profundidade da lagoa de polimento (m). os menores valores das constantes de decaimen-
to podem ser compensados pelo maior tempo de
A influência da temperatura no decaimento bac- permanência do efluente na lagoa. Apesar de a
teriano pode ser descrita pela Equação de Arrhe- radiação solar e tempo de exposição ser um dos
nius (Eq. 5), considerando o valor de kb à tempe- principais fatores da desinfecção em lagoas de
ratura de 20°C. polimento, em especial nas menores profundi-
𝑇𝑇−20 dades, outros mecanismos e processos podem
𝑘𝑘"# = 𝑘𝑘"%& . θ (5)
também contribuir para a remoção bacteriana,
Em que: inclusive nas camadas mais inferiores das unida-
kbT = constante de decaimento para uma deter- des, onde a incidência da radiação é mínima ou
minada temperatura (dia-1); inexistente, tais como predação, competição, se-
kb20 = constante de decaimento à temperatura de dimentação, concentrações de constituintes, pH
20°C (dia-1); etc. (DIAS; PASSOS; VON SPERLING, 2017).
θ = coeficiente determinado experimentalmente
em função da temperatura (-).
1,14
𝑘𝑘"# = . 1,07𝑇𝑇−20 (6)
𝐻𝐻
Observa-se que a Eq. 6 se assemelha à proposta
Figura 4 - Relação entre a constante de decaimento e
de van Haandel e van der Lubbe (2019) apresenta- a profundidade em lagoas de polimento em regime de
da na Eq. 2; entretanto, o valor resultante de kb no bateladas sequenciais.
86 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 80-90 | Ed. Esp. Mar. 2021
Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluentes de reator UASB
O decaimento bacteriano depende também do Por outro lado, em uma lagoa de bateladas se-
regime hidráulico que se aplica na lagoa. Na Fig. quenciais, a fração bacteriana remanescente é
5, pode-se observar a diferença do decaimento expressa como:
entre o regime de fluxo contínuo e o de bateladas
𝑁𝑁(
sequenciais. Nessa figura plotou-se a razão en- 1 − 𝐸𝐸$% = = 𝑒𝑒 +,- ./-0 (8a)
tre o tempo de permanência em lagoas de fluxo
𝑁𝑁)
contínuo e em bateladas sequenciais (Rhfc/Rhbs) em
Portanto, o grupo adimensional kbRhfc pode ser
função do número M de lagoas de fluxo contínuo
expresso como:
em série. Os valores de Rhfc (fluxo contínuo) utili-
zados na Fig. 5 foram obtidos a partir da pesqui- 1
𝑘𝑘" 𝑅𝑅$"% = ln ( )
sa anterior realizada por Cavalcanti (2003), tam- 1 − 𝐸𝐸"% (8b)
bém nas dependências da Extrabes, em Campina
Grande/PB. A relação (Rhfc/Rhbs) foi calculada da
Em que:
seguinte maneira: Ebs = Eficiência de remoção bacteriana nas LPBS (-);
Ne = concentração de E.coli no efluente (NMP/100mL);
Ni = concentração de E.coli no afluente (NMP/100mL);
a) Lagoas de polimento em fluxo contínuo (LPFC)
kb = constante de decaimento (dia-1);
Para uma quantidade de M lagoas iguais em série, a Rhbs = tempo de permanência do líquido nas LPBS (dia).
fração bacteriana remanescente se expressa como:
Sendo assim, para uma eficiência de E99,9 = 0,999
𝑁𝑁( 1 ou 99,9% (ou seja, Efc = Ebs = 0,001), a proporção
1 − 𝐸𝐸$% = = do tempo de permanência na série de lagoas de
𝑁𝑁) 𝑅𝑅0$%
(1 + 𝑘𝑘- . 𝑀𝑀 )3 (7a) fluxo contínuo e na lagoa de bateladas sequen-
ciais é dada pela Eq. 9a.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 80-90 | Ed. Esp. Mar. 2021 87
Batista MM, Lambais GR, Santos SL, Haandel A
//1
𝑅𝑅"#$ 1 1 (9a)
= M )* . − 128ln 6 7 = 𝑀𝑀((1000)//1 − 1)⁄6,9
𝑅𝑅"%& 1 − 𝐸𝐸#$ 1 − 𝐸𝐸%&
Semelhantemente, para uma eficiência de 99,99% (ou seja, Efc = Ebs = 0,0001) tem-se:
//1
𝑅𝑅"#$ 1 1
= M )* . − 128ln 6 7 = 𝑀𝑀((1000)//1 − 1)⁄9,2 (9b)
𝑅𝑅"%& 1 − 𝐸𝐸#$ 1 − 𝐸𝐸%&
88 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 80-90 | Ed. Esp. Mar. 2021
Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluentes de reator UASB
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90 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 80-90 | Ed. Esp. Mar. 2021
ARTIGO ORIGINAL
Isabella Vieira Santos1 | Silvânia Lucas dos Santos2 | Adrianus van Haandel3* DOI: https://doi.org/10.36659/dae.2021.022
Resumo
Neste artigo, apresenta-se um modelo para a remoção de fósforo em um robusto sistema de tratamento de
esgoto que alia o tratamento anaeróbio em um reator UASB ao pós-tratamento em lagoas de polimento,
operadas em regime de batelada sequencial (LPBS). Os processos que ocorrem nas LPBS favorecem um au-
mento no valor do pH, o que leva à remoção de fósforo pela precipitação de fosfato na presença de íons de
cálcio. Foi possível obter uma reduzida concentração de fósforo (<1mgP.L-1) em uma água moderadamente
dura (1mmolCa.L-1) quando o pH na lagoa atingiu valores superiores a 9,5. Constatou-se que o fósforo preci-
pitava nas lagoas na forma de hidroxiapatita de cálcio C10(OH)2(PO4)6. Assim, foi demonstrada a viabilidade da
remoção do fósforo no sistema UASB-LPBS, sem a necessidade de insumos (produtos químicos, por exemplo)
ou energia, utilizando apenas a energia solar.
Palavras-chave: Salubridade ambiental. PMSB. ISA.
Abstract
This article presents a model of phosphorus removal in a new sewage treatment system, consisting of anaerobic treat-
ment in a UASB reactor and post-treatment in polishing ponds operated in a sequential batch regime (LPBS). The
processes that take place in the LPBS cause a pH increase, which in turn leads to the removal of nutrients by phos-
phate precipitation in the presence of calcium ions. It was possible to obtain very low concentrations of phosphorus
(<1mgP.L-1) when the pH in the pond reached values above 9.5. It was established that phosphorus precipitated in
the lagoons in the form of calcium hydroxyapatite C10(OH)2(PO4)6. Thus, the feasibility of removing phosphorus in the
UASB-LPBS system was demonstrated, without the need for inputs of materials or energy, except for solar energy.
Keywords: Removal of nutrients. Precipitation. Calcium phosphate.
1
Universidade Estadual da Paraíba - UEPB - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil.
3
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
* Autor correspondente: adrianusvh@gmail.com.
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Santos IV, Santos SL, Haandel A
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Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluentes de reator UASB
Na Tabela 1, apresentam-se alguns dos sais de fos- cálcio e de fosfato (razão Ca/P), suas respectivas fór-
fato com os valores da razão molar entre os íons de mulas químicas e as constantes de solubilidade (Kps).
A expressão do equilíbrio para essa reação é Em contraste, mostra-se no presente artigo que as
apresentada na Eq. 2, com a sua respectiva cons- lagoas de polimento quando operadas em regime
tante de solubilidade. Para os casos em que o hidráulico de batelada sequencial (LPBS) permitem
produto iônico da equação seja maior que Kps, a o estabelecimento de um pH mais elevado do que
precipitação do fosfato será possível. as lagoas de polimento de fluxo contínuo (LPFC),
favorecendo assim, a remoção do fósforo presente
por precipitação. No presente artigo, apresentam-
Kps= {Ca+2}5{PO4-3}3{OH-} = 1x10-58,5 mol.L-1(2)
se os resultados de uma investigação experimental
sobre a remoção de fósforo em lagoas de polimen-
As principais condições que influenciam a preci- to em escala piloto, operadas em regime de batela-
pitação do fosfato de cálcio são pH, temperatura, das sequenciais. Foram observadas a influência da
concentrações de fosfato e de cálcio presentes no profundidade das lagoas, das condições climáticas
efluente e a duração da precipitação. Em lagoas e do TDH sobre essa remoção.
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Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluentes de reator UASB
10
HA
0.1
0.001
1E-05 OCT
1E-07 Legenda:
DCPD
P (mg.L-1)
pH
Figura 1 - Diagrama da solubilidade termodinâmica para cinco minerais fosfatados e sua relação com o pH (Ca = 1 mmol.L-1).
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Santos IV, Santos SL, Haandel A
Legenda:
(1) Entrada do esgoto bruto;
Legenda:
(2)
(1)Reator
EntradaUASB;
do esgoto bruto;
(2) Reatorde
(3) Ta nque UASB;
armazenamento
(3) doTanque de armazenamento do
efluente;
efluente;
(4) Bomba;
(4) Bomba;
(5) L1: profundidade 0,2m;
(5) L1: profundidade 0,2m;
volume
volume 4040
L; L;
(6)
(6) L2: profundidade0,4m;
L
2: profundidade 0,4m;
volume
volume 8080
L; L;
(7)L3:
(7) L3:profundidade
profundidade0,6m;
0,6m;
volume
volume 120 L; L;
120
(8)L4:
(8) L4:profundidade
profundidade1m;1m; volume
240 L;
(9)volume 240largura
Agitador: L; 1cm; rotação
(9) A
6 rpm; gitador: largura 1cm;
(10) Descarte
rotação do efluente;
6 rpm;
(N.A)
(10) Nível de
Descarte doágua.
efluente.
Figura 3 - Desenho esquemático do sistema experimental.
os seguintes:
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Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluentes de reator UASB
apresentar dois períodos distintos: um chuvoso Nas Fig. 4 e 5 foram plotados os valores médios
e outro de estiagem, visto que não se observam do pH e da concentração de fosfato nas lagoas
mudanças relevantes de temperatura e de outras em função do tempo das bateladas para o pe-
variáveis meteorológicas ao longo do ano. Os pe- ríodo de insolação máxima (verão) e do período
ríodos com maior índice de precipitação são re- com chuvas e menos insolação (inverno). Esta-
gistrados nos meses de maio a julho, enquanto beleceu-se que as concentrações de fosfato em
os meses de outubro a março apresentam baixos amostras filtradas e em amostras brutas depois
índices pluviométricos (INMET, 2019). As tem- de serem digeridas eram praticamente iguais
peraturas do líquido nas lagoas variaram entre e passou-se a usar amostras filtradas para os
20°C e 31°C. testes de fosfato. Também ficou estabelecido
Na Tabela 2, podem-se observar as concen- que a concentração de fósforo incorporado nas
trações médias das características físico-quí- algas (sólidos em suspensão) era menos que
micas do esgoto bruto da cidade de Campina 0,5 mgP.L-1, de modo que a diminuição da con-
Grande e do efluente do reator UASB, que era centração de fosfato na Fig. 5 pôde ser atribuí-
usado como afluente das lagoas de polimento. da à precipitação.
(A) (B)
Figura 4 -Variação do pH em função do tempo para as diferentes profundidades durante o verão(A) e durante o inverno (B).
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 91-103 | Ed. Esp. Mar. 2021 97
Santos IV, Santos SL, Haandel A
(A) (B)
Nas Fig. 4 e 5, a relação entre o aumento do pH e a um efluente com concentrações menores do que
diminuição da concentração de P é evidente. Sa- 1 mgP.L-1 em 8 dias de operação da batelada no
bendo-se que é necessário um pH de no mínimo 9 período quente, enquanto no período chuvoso
para obter remoção parcial de fosfato por precipi- foi necessário o dobro do tempo. Em relação à L3
tação, pode-se visualizar na Fig. 4A que no perío- (0,60 m), no período quente foram necessários
do quente esse valor de pH é atingido em 3, 6, 15 aproximadamente 18 dias para que a concentra-
e >30 dias, em L1, L2, L3 e L4, respectivamente, ção de P nessa lagoa atingisse valores menores
enquanto no período chuvoso (Fig. 4B) esse valor do que 1 mgP.L-1, enquanto no inverno não foi
só foi atingido nas lagoas mais rasas, L1 e L2, em possível obter essa concentração no espaço de
um tempo de 5 e 15 dias, respectivamente. tempo analisado de 30 dias. A concentração mí-
nima atingida na L3 no período de 30 dias duran-
Comparando a concentração de fosfato nos pe-
te o clima não favorável foi de 1,9 mgP.L-1.
ríodos de verão e inverno, nota-se uma nítida
diferença: o aumento do pH e a consequente Nota-se que o aumento do pH na lagoa de maior
diminuição da concentração de fosfato é bem profundidade (L4) é mais demorado. Embora
mais rápido no período de verão, o que pode ser essa lagoa fosse operada durante 30 dias, ain-
atribuído tanto à maior intensidade da radia- da assim não alcançou valores de pH acima de 9,
ção solar quanto ao aumento da temperatura. A em ambos períodos analisados, e não produziu
temperatura mais alta no verão leva a uma ace- efeitos significativos em relação à remoção de
leração do crescimento das algas, o que induz fósforo. As condições dentro da lagoa não foram
a uma maior taxa de fotossíntese e o aumento favoráveis ao maior aumento do pH, visto que a
mais rápido do pH. profundidade de 1 m não permitiu que a incidên-
cia de radiação solar na lagoa fosse aproveitada
A lagoa mais rasa L1 (0,20 m), por ser a que per-
para a fotossíntese na parte inferior desta e, con-
mite maior penetração dos raios solares em toda
sequentemente, o aumento do pH era lento.
a profundidade, foi altamente eficiente na re-
moção do fosfato, apresentando concentrações Chega-se à conclusão de que a remoção bioló-
abaixo de 1 mgP.L-1 em aproximadamente 4 dias gica de fósforo não é factível em lagoas de poli-
no período quente e 8 dias no período chuvo- mento com profundidades maiores do que 1 m,
so. A L2 (0,40 m) apresentou comportamento nem mesmo quando existem condições favorá-
semelhante à L1, mostrando-se capaz de obter veis ao aumento do pH, como a intensa radiação
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Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluentes de reator UASB
Figura 6 - Dados experimentais de fosfato em função do pH e curva de solubilidade de fosfato para uma constante de
solubilidade aparente de 1x10-54 e uma concentração de cálcio de 1 mmol/L (dados de verão de 2018/2019).
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 91-103 | Ed. Esp. Mar. 2021 99
Santos IV, Santos SL, Haandel A
Figura 7 - Dados experimentais de fosfato em função do pH e curva de solubilidade de fosfato para uma constante de
solubilidade aparente de 1x10-54 e uma concentração de cálcio de 1 mmol/L (dados de inverno, maio a julho de 2019).
Observa-se que o comportamento dos dados ex- 1x10-58,5 para1x10-54, os valores experimentais e
perimentais se assemelha ao das curvas de so- teóricos da concentração de fosfato em função
lubilidade teóricas da Fig. 1, nos quais, à medida do pH exibem uma boa correlação para todo o
em que o pH se torna mais alcalino, o fosfato se conjunto de dados experimentais, para qualquer
torna cada vez mais insolúvel. Entretanto, esses uma das quatro profundidades das lagoas, seja
sais de fosfato apresentados possuem solubi- no período de verão ou no de inverno. No entan-
lidade termodinâmica menor do que os valores to, a necessidade de alterar o valor da constante
obtidos experimentalmente. Todavia, quando se de solubilidade significa dizer que a precipitação
aumenta a constante de solubilidade do com- de fosfato não foi completa: em vez de alcançar
posto hidroxiapatita de cálcio Ca10(OH)2(PO4)6 de o valor termodinâmico de 10-58,5, a precipitação
100 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 91-103 | Ed. Esp. Mar. 2021
Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluentes de reator UASB
cessou quando a concentração de fosfato alcan- tempo de detenção hidráulica. A área necessária
çou um valor que combina com uma constante para a construção das lagoas de polimento pode
aparente de solubilidade de 1x10-54. Isso mostra ser calculada por meio da seguinte formulação
que o produto de solubilidade do fosfato na lagoa (MARA et al., 1992):
era maior no esgoto do que o valor termodinâmi-
A= TDHxQ⁄H (9)
co, para qualquer valor de pH. A maior solubili-
dade de fosfato em efluentes, especialmente os Em que:
que contêm material orgânico, já foi observada A= área requerida para LPBS (m². habitante-1);
em estudo anterior (CAPRI; MARAIS, 1974). Esses TDH = tempo de detenção hidráulica (dias);
resultados vão de encontro àqueles obtidos por Q = vazão diária do efluente (m3. habitante-1.dia-1);
House (1999) e Castro et al., (2012 e2013), os H = profundidade da lagoa (m).
quais relataram que na faixa de pH de 9 a 12,0,
a precipitação de HA predomina sobre as outras
Na Tabela 3 é apresentado o TDH observado para
formas de fosfatos de cálcio.
que as lagoas com diferentes profundidades
Os dados experimentais mostram ainda que é atingissem um efluente com a concentração de
possível obter uma concentração baixa de fosfa- aproximadamente 1 e 2 mgP.L-1 (Coluna 2 e 3).
to (< 1 mgP.L-1), mas o tempo de permanência na Nas colunas 4 e 5, pode-se observar os valores
LPBS é influenciado pelo clima e pela profundi- da área per capita para as concentrações residu-
dade das LPBS. O período é relativamente curto ais de 1 e 2 mgP.L-1, calculadas com a Eq. 9 para
para lagoas rasas no verão. No inverno, o tempo uma contribuição per capita de 0,1 m3.d-1 para
necessário é bem maior (em torno do dobro) para o período de verão. O cálculo para a obtenção
todas as profundidades. Para LPBS profundas (> da área no período com maior precipitação não
1 m), a remoção de P se torna impraticável, visto foi realizado, visto que o TDH no inverno é bem
que o tempo de permanência se torna excessivo. mais elevado. Esse aspecto deve ser considera-
Na verdade, essas lagoas são indicadas se o obje- do, uma vez que nem sempre será viável a utili-
tivo do tratamento é preservar o fósforo. zação dessas lagoas em regiões com clima frio.
Nas lagoas rasas (0,2 a 0,4 m de profundidade),
Assim, com base na profundidade da lagoa de a área necessária é bem menor do que em lagoas
polimento, pode-se optar por remover ou não de estabilização convencionais, onde a área é da
o fosfato. Na condição do semiárido brasileiro, ordem de 3 m2/hab, sendo que nestas a remoção
possivelmente se aplicariam lagoas profundas de fósforo não é possível. Portanto, se a remoção
no verão para reter o fosfato e usar o efluente de fósforo é desejada, a combinação de UASB-L-
para reúso agrícola. No inverno, caso houvesse PBS com lagoas rasas é muito superior a lagoas
bastante chuva, possivelmente não se praticaria de estabilização convencionais.
o reúso e o efluente final seria descarregado em
Uma possibilidade para remoção de fósforo em
águas de superfície. Nesse caso se aplicaria uma
condições climáticas desfavoráveis é a aplicação
lagoa de profundidade da ordem de 0,4 metros
da clarificação, usando sais trivalentes como o
para precipitar o fosfato.
sulfato de alumínio ou cloreto férrico. A clarifica-
Uma variável que também deve ser levada em ção provoca a precipitação quase total do fósfo-
consideração para o emprego de lagoas de po- ro. Portanto, se a clarificação for prevista para o
limento é a área per capita. Essa área está rela- efluente das LPBS, a remoção de fósforo por ele-
cionada com a profundidade das lagoas e com o vação do pH não é necessária; precisa-se somen-
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 91-103 | Ed. Esp. Mar. 2021 101
Santos IV, Santos SL, Haandel A
te remover o nitrogênio amoniacal, e para tanto de aplicar o efluente final para reúso industrial,
o tempo de permanência e a área per capita são pois nesse caso é necessário que se removam
muito menores, em torno da metade do valor todos os sólidos em suspensão para produzir um
necessário para a precipitação de fosfato sem efluente com boa qualidade e baixa turbidez, o
coagulante. Essa é uma opção quando se preten- que é factível pela aplicação da clarificação.
102 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 91-103 | Ed. Esp. Mar. 2021
Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluentes de reator UASB
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Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 91-103 | Ed. Esp. Mar. 2021 103
ARTIGO ORIGINAL
Resumo
O objetivo do trabalho foi propor e avaliar um sistema de tratamento de esgoto e de reúso agrícola aplicado
em área rural, que permitisse contribuir com a melhoria das condições de esgotamento sanitário e incre-
mentar a disponibilidade de água para uso na irrigação. O sistema de tratamento foi operado em escala uni-
familiar, sendo composto de caixa de gordura, tanque de equalização, reator UASB e lagoas de polimento. O
efluente tratado era encaminhado ao sistema de reúso, constituído por reservatório, motobomba e sistema
de irrigação localizada, fertirrigando uma cultura do caju. Os resultados demonstraram que o sistema de tra-
tamento operou com uma eficiência média de remoção de DBO5,20 de 74% e obteve efetividade na remoção
de patógenos, visto que o efluente produzido apresentou um valor médio de E. coli de 2,2 * 104 NMP/100 mL
e ausência de ovos de helmintos, atendendo às recomendações sanitárias da Organização Mundial da Saúde
(OMS) para o uso pretendido. Preservaram-se também as concentrações iniciais de nitrogênio e fósforo, fun-
damentais para a nutrição da cultura explorada. O sistema de reúso incrementou a disponibilidade de água
na propriedade em 40 m3/ano, reduzindo os gastos com adubação mineral e com a compra de água.
Palavras-chave: Semiárido. Propriedade rural. Reúso agrícola. Qualidade higiênica.
Abstract
The objective of the work was to propose and evaluate a system of wastewater treatment and agricultural reuse ap-
plied in rural areas that would contribute in the improvement of the conditions of sanitary sewage and to increase the
availability of water for agricultural use. A wastewater treatment system was operated at single family scale, com-
posed of a grease box, equalization tank, UASB reactor and polishing ponds. The reuse system consisted of a reser-
voir, motor pump and localized irrigation system, fertigating the cashew crop. The results showed that the treatment
system operated with an average efficiency of BOD removal of 74% and effectiveness in removing pathogens, since
the effluent produced had an average value of E. coli of 2.2 * 104 NMP/100 mL and no helminth eggs, complying with
the World Health Organization (WHO) health recommendations for the intended use. The initial concentrations of
1
Instituto Nacional do Semiárido (INSA) - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
2
Universidade Federal do Amazonas - UFAM - Itacoatiara - Amazonas - Brasil
3
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil.
4
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
* Autor correspondente: salommao@gmail.com.
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Tratamento de esgoto na zona rural visando ao reúso agrícola no semiárido brasileiro
nitrogen and phosphor, which are essential for the nutrition of the explored culture, were preserved. The reuse system
increased the availability of water on the property by 40 m3/year, reducing expenses with mineral fertilizer and with
the purchase of water.
Keywords: Semiarid. Rural property. Agricultural reuse. Hygienic quality.
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Mayer MC, Medeiros SS, Batista MM, Barbosa RA, Lambais GR, Santos SL, Haandel A
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Tratamento de esgoto na zona rural visando ao reúso agrícola no semiárido brasileiro
A DBO e o Nitrogênio amoniacal foram determi- bos conforme orientações do Standard Methods
nados por titulometria, fósforo total, por espec- for the Examination of Water and Wastewater
trofotometria, pH, por meio de medição direta, (APHA; AWWA; WEF, 2017). Os ovos de helmin-
Escherichia coli, pelo método de Colilert®, am- tos foram quantificados conforme metodolo-
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 104-114 | Ed. Esp. Mar. 2021 107
Mayer MC, Medeiros SS, Batista MM, Barbosa RA, Lambais GR, Santos SL, Haandel A
gia de Bailenger (1979), modificada por Ayres e zes e meia superior ao encontrado (350 mg/L) no
Mara (1996). esgoto típico municipal (VON SPERLING, 2005;
METCALF e EDDY, 2016). O sistema de tratamen-
Foi monitorado, também, o volume de água pro-
to foi capaz de reduzir a DBO a um valor médio
duzido e a quantidade de água aplicada na área
de 288 mg/L, obtendo-se assim uma eficiência
de reúso, por meio da instalação de um hidrôme-
de 74%. O percentual de remoção alcançado
tro após o sistema de bombeamento. De posse
na presente pesquisa foi compatível com os va-
das concentrações de nutrientes (N-NH4+e P)
lores obtidos por Dias et al. (2014), 75%, Sou-
contidas no efluente e da quantidade de água
sa et al. (2017), 64%, e Possmoser-Nascimento
aplicada às culturas, estimaram-se os aportes de
nutrientes às plantas. et al. (2014), 76%, quando utilizaram sistemas
compostos de reator UASB e lagoa de polimento,
Os resultados das variáveis monitoradas fo- operadas em fluxo contínuo, para o tratamento
ram interpretados por meio de uma estatística de esgoto sanitário municipal.
descritiva por meio dos valores médios (média
aritmética ou geométrica), máximos e mínimos, Analisando o comportamento dos valores da
desvio padrão, coeficiente de variação e interva- DBO5,20 no afluente e efluente durante o período
lo de confiança. de monitoramento, observam-se variações supe-
riores a 30% e menores do que 50% (coeficiente
de variação) em torno da média. No afluente, a
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO concentração máxima de DBO5,20 alcançou o valor
O esgoto bruto produzido pela família (Tabela 2) de 2.070 mg/L, enquanto a mínima, de 550 mg/L;
apresentou uma demanda bioquímica de oxigê- no efluente, a oscilação foi entre 560 e 40 mg/L.
nio (DBO5,20) média elevada, de 1.221 mg/L. Vale Entretanto, o sistema de tratamento demonstrou
destacar que, devido às suas características in- robustez na remoção de matéria orgânica, sempre
trínsecas, o esgoto doméstico rural é tipicamen- apresentando valores de eficiência iguais ou su-
te mais concentrado do que o esgoto municipal. periores a 60%, com exceção do primeiro mês de
No presente trabalho constatou-se que o conte- monitoramento (Fig. 2), quando o sistema ainda
údo orgânico do esgoto foi de cerca de três ve- não se encontrava em estado estacionário.
Tabela 2 - Média aritmética, máximo e mínimo da demanda bioquímica de oxigênio (DBO5,20) no afluente e no efluente
durante o período de monitoramento
DBO5,20 (mg/L)
Descrição DP CV (%) IC (mg/L)
Média Máximo Mínimo
Afluente 1.221 2.070 550 389 31,86 1.221 ± 175
Efluente 288 560 40 141 48,96 288 ± 63
Eficiência (%) 74 - - - - -
DBO5,20: demanda bioquímica de oxigênio; DP: desvio padrão; CV: coeficiente de variação e IC: intervalo de confiança.
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Tratamento de esgoto na zona rural visando ao reúso agrícola no semiárido brasileiro
2.500 120
100
2.000
80
Eficiência (%)
DBO5,20 (mg/L)
1.500
60
1.000
40
500
20
0 0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
Nº de amostras
Tabela 3 - Média aritmética, máximo e mínimo do pH no afluente e efluente, durante o período de monitoramento
pH
Descrição DP CV (%) IC (mg/L)
Média Máximo Mínimo
Afluente 7,3 7,9 6,9 0,32 4,35 7,3 ± 0,1
Efluente 8,1 8,5 7,8 0,17 2,16 8,1 ± 0,1
pH: potencial hidrogeniônico; DP: desvio padrão; CV: coeficiente de variação e IC: intervalo de confiança.
Do ponto de vista sanitário, o sistema de tratamento (Tabela 4). Analisando-se os valores durante o perí-
demonstrou efetividade na remoção de patógenos, odo de monitoramento, foi possível detectar que em
visto que o efluente produzido apresentou uma mé- dois momentos o efluente produzido superou o valor
dia geométrica de E. coli de 2,2 * 104 NMP/100 mL médio, enquanto nos demais ficou abaixo (Fig. 3).
Tabela 4 - Média geométrica, máximo e mínimo de Escherichia coli no afluente e no efluente, durante o período de monitoramento.
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Mayer MC, Medeiros SS, Batista MM, Barbosa RA, Lambais GR, Santos SL, Haandel A
1,00E+08
1,00E+07
1,00E+05
1,00E+04
1,00E+03
1,00E+02
1,00E+01
1,00E+00
0 5 10 15 20
Nº de amostras
Afluente Efluente
Tabela 5 - Média aritmética, máximo e mínimo de Nitrogênio amoniacal (N-NH4+) no afluente e no efluente,
durante o período de monitoramento.
N-NH4+ (mg/L)
Descrição DP CV (%) IC (mg/L)
Média Máximo Mínimo
Afluente 307 431 157 64 20,95 307 ± 29
Efluente 183 302 93 54 29,34 183 ± 24
Eficiência (%) 38 - - - - -
NH4 N: amônia; DP: desvio padrão; CV: coeficiente de variação e IC: intervalo de confiança.
-
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Tratamento de esgoto na zona rural visando ao reúso agrícola no semiárido brasileiro
Tabela 6 - Média aritmética, máximo e mínimo de fósforo total (P) no afluente e no efluente, durante o período de monitoramento.
P (mg/L)
Descrição DP CV (%) IC (mg/L)
Média Máximo Mínimo
Afluente 58 92 38 21 35,60 58 ± 9
Efluente 48 75 30 15 31,62 48 ± 7
Eficiência (%) 15 - - - - -
P: fósforo total; DP: desvio padrão; CV: coeficiente de variação e IC: intervalo de confiança.
O volume de água de reúso produzido ao final do de 19 L por planta, em um pomar com 175 ca-
tratamento alcançou um valor médio de 3,30 m / 3
jueiros. Convém destacar que essa fonte de água
mês (Fig. 4), permitindo um acréscimo na dispo- é perene e, nesse caso, representou uma redução
nibilidade hídrica da propriedade de 40 m /ano. 3
anual no dispêndio com água equivalente a qua-
O volume de água de reúso ora apresentado se tro carros-pipas com capacidade de 10 m3.
refere ao quantitativo medido pelo hidrômetro
Os aportes anuais médios de nutrientes aplicados
instalado na saída do reservatório, correspon-
via água de reúso foram de 42 g/planta de nitro-
dendo, portanto, ao valor efetivamente utilizado
gênio (N-NH4+) e 25 g/planta de fósforo (P2O5),
na irrigação. Ressalta-se que esse valor é inferior
representando uma redução média na adubação
ao valor de projeto (6m³/mês), uma vez que a pro-
mineral da ordem de 52 e 21%, respectivamente,
dução de esgoto não é constante na residência,
apresentando variações, seja sazonais, mensais conforme recomendação de adubação para o ca-
e/ou diárias, além de que existem perdas de água jueiro anão precoce sob irrigação, com idade en-
por evaporação nas lagoas. Ainda assim, esse vo- tre 1 a 2 anos, e quantidade de P no solo variando
lume possibilitou uma aplicação média mensal entre 13 a 30 mg/dm3 (Embrapa, 2001).
8,0
Volume de efluente produzido (m3/mês)
6,0
4,0
2,0
0,0
1 3 5 7 9 11 13 15
Nº de meses monitorados
De acordo com as características da cultura ex- atendeu à qualidade sanitária requerida para o uso
plorada, tipo de sistema de irrigação e valores dos agrícola pretendido (irrigação de cajueiro), segun-
parâmetros monitorados, o efluente produzido do as diretrizes da WHO (2006), bem como os cri-
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Mayer MC, Medeiros SS, Batista MM, Barbosa RA, Lambais GR, Santos SL, Haandel A
térios elaborados pelo Programa de Pesquisa em UASB seguido de lagoa de polimento de batela-
Saneamento Básico (PROSAB) (Bastos et al., 2006). das sequenciais, com outros sistemas de tama-
No entanto, em relação às diretrizes propostas pelo nho e tempo de permanência comparáveis, che-
Ministério das Cidades, atual Ministério do Desen- ga-se à conclusão de que a eficiência de remoção
volvimento Regional - MDR (INTERÁGUAS, 2017), da DBO e de bactérias do grupo coliformes em
há restrição para o uso agrícola deste efluente, de- esgoto doméstico rural foi inferior àquela que
vido aos padrões recomendados serem bastante
utiliza esgoto municipal. Na Tabela 7, podem-se
restritivos (DBO < 30 mg/L e E. coli < 10³).
observar os resultados do presente trabalho e de
Quando se comparam os resultados da presen- outros trabalhos realizados, apresentados nesta
te investigação experimental utilizando sistema série, com esgoto municipal.
Tabela 7: Desempenho do sistema UASB seguido de lagoa de polimento de bateladas sequenciais no tratamento de
esgoto doméstico rural e esgoto municipal.
Dentre as razões da diferença de eficiência dos Apesar da diferença existente entre os resultados
sistemas, pode-se destacar o fato de que a dis- obtidos nos sistemas UASB-lagoa de polimento
ponibilidade de água na zona rural é limitada e, para esgoto municipal e esgoto doméstico rural,
por isso, o esgoto doméstico produzido tem uma foi possível obter uma boa redução do material
concentração de constituintes bastante elevada, orgânico e de patógenos, permitindo seu uso na
como se pode observar na Tabela 7. Outro aspec- irrigação da cultura pretendida. Caso se dese-
to é que na zona rural não há coleta de lixo e par- je aumentar a eficiência, inclusive produzir água
te dos resíduos sólidos inevitavelmente acabará para irrigação sem restrições, espera-se obter
sendo descarregada junto com o esgoto. Soma- resultados melhores se forem retidos os sólidos
do a isso, hábitos culturais levam ao descarte sedimentáveis que atualmente entram no siste-
de resíduos mais grosseiros no esgoto (como os ma de tratamento de esgoto rural, o que pode ser
restos de comida presentes na pia da cozinha), feito por um pré-tratamento, aplicando sedimen-
contribuindo para acentuar essa concentração. tação simples; inclusive, pode-se redimensionar o
O resultado desses fatores é que o efluente do tanque de equalização para essa finalidade.
reator UASB tem uma cor escura, o que prejudica
a penetração da radiação solar na lagoa de poli-
mento subsequente, necessária para o processo
de fotossíntese das microalgas e para acelerar o 4 CONCLUSÕES
decaimento bacteriano (mecanismo mais impor- O sistema de tratamento de esgoto proposto
tante para a desinfecção). obteve desempenho operacional que favore-
112 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 104-114 | Ed. Esp. Mar. 2021
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114 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 104-114 | Ed. Esp. Mar. 2021
ARTIGO ORIGINAL
Francisca Kamila Amancio Frutuoso1 | Silvânia Lucas dos Santos2 | Adrianus van Haandel3 DOI: https://doi.org/10.36659/dae.2021.024
Resumo
Para operar lagoas de polimento em regime de bateladas sequenciais (LPBS) pode ser conveniente ter uma
lagoa de transbordo (LT) com a finalidade de receber continuamente o efluente do UASB e alimentar com
bateladas as LPBS. Neste trabalho, operaram-se três LTs, em escala piloto, com diferentes profundidades e
tempos de detenção hidráulica (TDH) de 1,5 a 3 dias. Os resultados apresentaram ótimas eficiências na re-
moção de sólidos suspensos (SS) e ovos de helmintos (OH). Não houve diferença significativa (p>0,05) para os
SS em relação ao TDH, enquanto para os OH as eficiências foram da ordem de 90% em todas as lagoas e TDH.
Verificou-se uma variação de 51% a 14% de eficiência na remoção de DQO, decrescendo do maior ao menor
TDH. Ademais, notaram-se outros processos, tais como: início da proliferação de algas, dessorção de CO2 e
diminuição da concentração de sulfeto. Conclui-se que lagoas de transbordo podem ser uma alternativa no
melhoramento do tratamento de efluentes destinados às LPBS.
Palavras-chave: Tratamento de esgoto. Lagoa de estabilização. UASB. Lagoa de polimento em bateladas se-
quenciais. Lagoa de transbordo.
Abstract
To operate sequential batch polishing ponds (SBPP), it may be convenient to operate a transfer pond (TP) that re-
ceives effluent from the continuous flow UASB reactor and feeds batches to the polishing ponds. In this work, three
TPs were operated, on a pilot scale, with different depths and hydraulic retention time (HRT) of 1.5 to 3 days. The
results showed excellent efficiencies in the removal of suspended solids (SS) and helminth eggs. There was no signif-
icant difference (p> 0.05) in SS in relation to HRT, while for helminth eggs the efficiencies were in the order of 90%
in all ponds and HRT. There was a variation of 51% to 14% in efficiency when removing COD, decreasing from the
highest to the lowest HRT. In addition, other processes were noted, such as: beginning of algae proliferation, CO2 de-
sorption and decreased sulfide concentration. It is concluded that overflow ponds can be an alternative in improving
the treatment of effluents destined to SBPP.
Keywords: Sewage treatment. Stabilization ponds. UASB reactor. Sequential batch polishing pond. Transfer ponds.
1
Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza - Ceará - Brasil.
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil.
3
Universidade Federal de Campina Grande - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
* Autor correspondente: adrianusvh@gmail.com.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 115-131 | Ed. Esp. Mar. 2021 115
Frutuoso FKA, Santos SL, Haandel A
116 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 115-131 | Ed. Esp. Mar. 2021
Lagoas de transbordo aplicadas para o melhoramento de efluentes anaeróbios destinados a lagoas de polimento
a Fig. 1A. Depois de cheia, o pós-tratamento se Outra alternativa é a operação de uma lagoa de
desenvolve na LPBS, removendo o material or- transbordo (LT), caracterizada por um tanque
gânico residual, os organismos patogênicos e, de equalização que se posiciona entre o reator
eventualmente, nitrogênio e fósforo por meio UASB e a série de lagoas de polimento, conforme
do aumento do pH. Ao se construir um número
a Fig. 1B. A LT recebe continuamente o efluente
de LPBS suficiente para realizar as funções que
do UASB e descarrega bateladas em cada uma
se deseja, pode-se encher as lagoas sequencial-
das lagoas de polimento, enchendo-as imedia-
mente com efluente do UASB e descarregar o
efluente final quando o tratamento desejado for tamente após a descarga do efluente final. Em
alcançado. Logo depois da descarga do efluente função do rápido enchimento das LPBS devido à
final, a LPBS é utilizada para descarregar outra presença da LT, o número N de lagoas será menor
batelada de efluente do UASB. na configuração operada com LT.
No entanto, a LT não deve ser vista apenas como reduz a acidez do efluente do reator UASB, que
um tanque de equalização, uma vez que pode facilita o aumento do pH nas LP subsequentes. O
trazer diversas outras vantagens. A vantagem oxigênio eventualmente produzido pode oxidar o
mais evidente é que a LT pode reter os sólidos sulfeto presente no efluente do UASB, eliminan-
sedimentáveis provenientes do reator UASB, cujo do parcial ou completamente a geração de odo-
lodo tem de 1/3 a 1/2 de sua produção descar- res que implica na sua melhor aceitação pela po-
regado no efluente final, segundo Van Haandel e pulação contribuinte. Ademais, com a operação
Van der Lubbe (2019). A retenção do lodo resulta de uma LT abre-se a possibilidade de operar o re-
numa redução da concentração da DBO descar- ator UASB sem o separador de fases, retornando
regada nas LPBS. Assim, a carga orgânica nessas o lodo necessário para manter a massa máxima
LPBS se reduz, facilitando o tratamento. Outros no reator UASB e descarregando o restante como
ganhos possíveis são a retenção de ovos de hel- lodo de excesso.
mintos, a dessorção de CO2 da fase líquida e o
Em síntese, a LT atua na equalização das flutua-
início da produção de algas e oxigênio.
ções da qualidade do efluente digerido e facilita
A retenção dos ovos de helmintos se baseia no a operação das LPBS, uma vez que possibilita a
mesmo processo de retenção de sólidos: a se- atenuação de problemas como sobrecargas hi-
dimentação simples na LT. A dessorção de CO2 dráulicas ou arraste de lodo que possam surgir
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Frutuoso FKA, Santos SL, Haandel A
nos digestores anaeróbios, impedindo que esses 10 m3/d (SANTOS et al., 2016). Após a digestão,
problemas cheguem às lagoas de polimento. No o efluente do UASB era então direcionado por
presente trabalho, relatam-se os resultados de bombeamento para as três lagoas de transbor-
uma investigação experimental efetuada em es- do. Vale salientar que o reator, além de estável
cala piloto e que avalia o desempenho das LT em com lodo estabilizado, passou a ser operado sob
função da sua profundidade e do TDH. carga máxima de biomassa sem a realização de
descargas intencionais de lodo. Tal operação foi
proposital, uma vez que se desejava analisar o
desempenho das lagoas na função de decanta-
2 METODOLOGIA
dores secundários a fim de avaliar sua eficiência
2.1 Área de estudo
na remoção de sólidos.
Os sistemas avaliados na presente pesquisa fo-
ram instalados e monitorados na Estação Ex- Na Fig. 2 podem ser vistas as lagoas utilizadas
perimental de Tratamento Biológico de Esgotos com suas respectivas dimensões descritas na
Sanitários (Extrabes), localizada na cidade de Tabela 1. As lagoas foram projetadas em escala
Campina Grande, Paraíba. O esgoto bruto utili- piloto em material de fibra de vidro. As medidas
zado na pesquisa foi proveniente de um condo- de altura foram adotadas tendo em vista a ope-
mínio residencial localizado na vizinhança das ração do sistema em escala real. Desse modo,
instalações da unidade experimental. ao se estabelecer uma altura de 2,40 m vislum-
brou-se a possibilidade de alimentação por gra-
vidade do reator UASB para a LT, uma vez que
2.2 Reator UASB e Lagoas de Transbordo normalmente um reator UASB possui de 4 a 6
Na presente pesquisa, o afluente foi digerido em m conforme a NBR 12.209/2011 (ABNT, 2011).
um reator UASB, instalado e em operação no lo- Por outro lado, o valor da menor altura foi esta-
cal de realização dos experimentos. O reator foi belecido tendo em vista a alimentação por gra-
projetado com um volume de 2,5 m3 e altura de vidade da LT para as LPBS, dado que esta última
1,7 m, com capacidade de receber vazão de até normalmente possui 0,5m.
Na Fig. 3 é apresentado um fluxograma da unida- amento. O reator UASB era operado com um TDH
de de tratamento no qual se pode verificar desde de 6 h com vazão constante. O efluente do UASB
a geração do esgoto no condomínio residencial, passava por outro tanque, de onde era bombe-
seguido por uma caixa de passagem em fibra de ado até as LT. As caixas de passagens possuíam
vidro na qual o esgoto bruto chegava por gravi- uma agitação mecânica para garantir a homo-
dade, garantindo, por sua vez, uma alimentação geneização do esgoto e a suspensão dos sólidos
ininterrupta do reator UASB por meio do bombe- sedimentáveis presentes.
118 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 115-131 | Ed. Esp. Mar. 2021
Lagoas de transbordo aplicadas para o melhoramento de efluentes anaeróbios destinados a lagoas de polimento
Figura 3 - Fluxograma do sistema de tratamento composto por reator UASB seguido de Lagoas de Transbordo
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Lagoas de transbordo aplicadas para o melhoramento de efluentes anaeróbios destinados a lagoas de polimento
Tabela 2 - Concentrações médias dos dados analisados do afluente e efluente do reator UASB, em nível de
caracterização destes.
Parâmetros (mg/L) Esgoto Bruto UASB Eficiência de remoção
DQOb 930 516 45%
DQOd 930 344 63%
SST 471 154 ---
SSV 400 108 ---
SSF 71 42 ---
pH 7,3 7,2 ---
Amônia 89 96 ---
Fósforo Total 10 8 17%
*DQOb - Demanda Química de Oxigênio bruta; DQOd - Demanda Química de Oxigênio decantada; SST - Sólidos Suspensos Totais; SSV - Sólidos Suspensos
Voláteis; SSF - Sólidos Suspensos Fixos.
3.2 Desempenho das Lagoas de Transbordo Da mesma forma, bons desempenhos foram ob-
servados para as frações de sólidos voláteis, com
Na Tabela 3 podem ser observadas as concentra-
ções médias dos parâmetros analisados afluente eficiências médias de 32%, 52% e 58% na pri-
e efluente às lagoas. meira fase; 61%, 80% e 78% na segunda; e 47%,
56% e 51% na terceira, na mesma ordem, para a
A remoção de sólidos nas lagoas de transbordo LT1, LT2 e LT3.
foi uma das principais vantagens evidenciadas,
constatando-se elevado desempenho em todas Observou-se um ligeiro aumento da concen-
as fases e alturas analisadas. As lagoas apresen- tração de sólidos totais e totais voláteis na LT1
taram eficiências médias para os sólidos suspen- nas duas primeiras fases comparado com a LT 2
sos totais de 37%, 57% e 59% na primeira fase; e LT3, possivelmente em razão da maior con-
56%, 71% e 71% na segunda; e 46%, 49% e 49% centração de algas, a ser descrita mais adiante.
na terceira, para a LT1, LT2 e LT3, respectivamente. Por outro lado, a maior eficiência evidenciada
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Frutuoso FKA, Santos SL, Haandel A
da segunda fase se deu por conta de uma maior do efluente UASB, demonstrando a boa capa-
expulsão de sólidos do reator UASB, tendência cidade das lagoas de transbordo em receber
que pode ser observada nas Fig. 5 e 6 para os choques de carga ou hidráulicos, que eventu-
sólidos totais e totais voláteis, respectivamen- almente são responsáveis por um maior arras-
te. Observa-se também nesses gráficos uma te de sólidos nos reatores UASB (RAMOS, 2008;
maior dispersão dos dados de concentração CHERNICHARO, 2018).
Tabela 3 - Concentração média dos dados analisados para o efluente UASB e efluente das lagoas, nas três fases experimentais.
1ª Fase 2ª Fase 3ª Fase
Parâmetros
UASB LT1 LT2 LT3 UASB LT1 LT2 LT3 UASB LT1 LT2 LT3
SST (mg/L) 129 79 51 48 208 73 48 49 125 58 59 57
SSV (mg/L) 81 52 35 29 151 49 27 29 96 42 39 41
DQOb (mg/L) 531 273 216 208 592 254 234 230 522 280 296 283
DQOd (mg/L) 379 217 201 196 365 230 227 218 322 257 272 277
OH (nºOH/L) 69 5 5 2 287 6 7 3 207 7 9 8
Sulfeto (mg/L) 11 1 4 4 13 4 9 6 14 5 11 9
OD (mg/L) -- 0,99 0,50 0,41 -- 0,41 0,36 0,32 -- 0,31 0,25 0,23
Clorofila a (µg/L) -- 160 242 83 -- 322 46 10 -- 167 29 15
CO2 (meq/L) 1,3 0,3 0,4 0,4 1,7 0,4 0,8 0,7 2,2 0,8 1,2 1,0
Acidez (meq/L) 11,8 9,6 10,3 10,5 12,3 9,8 11,1 10,6 14,2 11,0 12,0 11,6
*OH - Ovos de Helmintos; OD - Oxigênio Dissolvido.
Segundo a literatura (FORESTI et al., 2006; van valores consideravelmente menores em razão do
HAANDEL et al., 2006; van HAANDEL et al., 2015; baixo TDH, de 20%, 15% e 14%. Por sua vez, a efi-
van HAANDEL e van der LUBBE, 2019), os reato- ciência média para DQO bruta na primeira fase foi
res UASB, especialmente quando submetidos à de 45%, 54% e 55%; na segunda fase foi de 51%,
máxima biomassa possível, expulsam uma quan- 55% e 56%; e na terceira fase de 39%, 33% e 36%,
tidade considerável de sólidos que comprome- referentes a LT1, LT2 e LT3, respectivamente.
tem a qualidade do efluente final. Deste modo,
A partir da análise e da comparação entre os da-
há a necessidade de um dispositivo de separa-
dos de DQO bruta e decantada, observou-se que
ção mais eficiente, o que pode ser realizado por
havia uma considerável diferença entre esses
LT. Uma vez que os dados demonstram uma alta valores para o efluente do UASB. Em contraste,
eficiência das lagoas na função de decantado- a diferença entre a DQO bruta e decantada do
res secundários e não apresentam diferenças efluente das lagoas de transbordo era pequena,
expressivas nos valores em relação ao TDH, con- o que evidencia a eficiente sedimentação dos
clui-se que o menor TDH investigado (1,5 d) já sólidos expulsos do reator UASB nas lagoas de
seria suficiente para a sedimentação dos sólidos transbordo, ratificando os dados já apresenta-
suspensos mesmo para a maior profundidade. dos de variação dos sólidos totais.
No tocante à eficiência média de remoção de DQO Apesar de ter sido observada uma eficiência li-
decantada, a primeira fase apresentou valores de geiramente menor na LT1 da primeira fase, os
43%, 50% e 51%, respectivamente para LT1, LT2 valores da DQO não apresentaram diferenças
e LT3. Na segunda fase, as eficiências foram de significativas com relação à variação da altura
36%, 36% e 40%, respectivamente, para LT1, LT2 das lagoas, resultado demostrado adiante na
e LT3. Por fim, na terceira fase foram encontrados análise estatística.
122 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 115-131 | Ed. Esp. Mar. 2021
Lagoas de transbordo aplicadas para o melhoramento de efluentes anaeróbios destinados a lagoas de polimento
No gráfico da Fig. 7 percebe-se uma diminuição de Konaté et al. (2013), que ao analisar um sistema
da eficiência de remoção da DQO da primeira de lagoas convencionais também observaram no
para a terceira fase, bem como alguns outliers esgoto bruto a presença de Acaris lumbricoides, An-
que se devem possivelmente a erros analíticos. As cylostoma sp., bem como de T. trichiura e Trichostron-
variações e dispersões dos dados do reator e das gylus sp. Os autores constataram uma maior remo-
lagoas são semelhantes e resultam das oscilações ção na lagoa anaeróbia das duas últimas espécies,
normais existentes em sistemas biológicos. enquanto Ascaris lumbricoides foram persistentes
até as lagoas facultativas e Ancylostoma sp. até a la-
Vale destacar as instabilidades operacionais dos
goa de maturação. Contudo, a remoção completa
reatores UASB às quais este trabalho esteve sujeito, dos ovos de helmintos só foi observada no efluente
em consonância com os demais estudos de mesma da lagoa de maturação após um TDH de 18 dias.
natureza. Instabilidades ocasionadas por eventuais
sobrecargas hidráulicas podem aumentar a passa- Foi observada uma ótima eficiência da LT1 na re-
gem de lodo de excesso ou mesmo incluir esgoto moção de sulfeto nas três fases com eficiências
bruto ao efluente final (COURAS et al., 2014; CA- de remoção de 95%, 73% e 64% nas fases 1, 2 e
VALCANTI, 2009; RAMOS, 2008; CHERNICHARO, 3, respectivamente. Porém, nas demais lagoas
2018). Como observado, as elevações da DQO bru- observou-se apenas remoção parcial. Na primeira
ta em função do lodo de excesso não prejudicaram fase, as eficiências foram de 59% e 60%, para LT2 e
o efluente das lagoas de transbordo, demonstran- LT3, nessa ordem; na segunda fase obteve-se 30%
do a importância de que estas estejam inseridas na LT2 e 48% na LT3; e na última fase a eficiência
antes das lagoas de polimento a fim de reterem caiu para 23% na LT2 e 39% na LT3. As eficiências
eventuais instabilidades do digestor anaeróbio. apresentaram uma redução com a diminuição do
TDH, dados também apresentados na Fig. 8. A
Instabilidades hidráulicas poderiam ser solucio- análise estatística realizada confirmou que houve
nadas com a adoção de tanques de equalização diferença significativa entre a primeira fase e as
antes e depois do reator UASB; contudo, é mais demais, bem como entre a LT1 e as demais lago-
vantajoso inserir outra unidade operacional que as. Desse modo, pode-se afirmar que não houve
possibilita não apenas a eliminação desse pro- influência das alturas da LT2 e da LT3 sobre o de-
blema como também proporciona o melhora- sempenho, bem como não houve diferença signi-
mento do efluente sobre outros aspectos. ficativa entre os TDH de 2 e 1,5 dias para LT2 e LT3.
De forma semelhante aos sólidos, as lagoas apre- O melhor desempenho da LT1 da primeira fase de-
sentaram ótima remoção de ovos de helmintos nas ve-se a duas possíveis razões: melhores condições
três fases, com mais de 90% de eficiência, uma vez superficiais de OD e a possível presença da bactéria
que o mecanismo de remoção desses também é a Thiopedia, discutida adiante para os dados de clo-
sedimentação. As espécies detectadas foram As- rofila a. Em ambos os casos há o favorecimento da
caris lumbricoides, Ancylostoma sp. e Enteróbius ver- oxidação biológica do sulfeto por vias distintas. No
miculares, com predominância de Ancylostoma sp., primeiro caso ocorre a oxidação aeróbia e, no se-
seguido por Ascaris lumbricoides e por fim Enteróbius gundo, oxidação anóxica. Nas demais lagoas, ape-
vermiculares. Justifica-se a maior predominância dos sar de apresentarem profundidades diferentes, as
Ancylostoma sp. em função da sua menor velocidade concentrações de clorofila a e OD foram semelhan-
de sedimentação, de aproximadamente 0,39 m/h, tes, concluindo-se, desta forma, que nessas duas
fator que torna sua remoção mais difícil (KONATÉ et lagoas a diferença de altura não foi suficiente para
al., 2013). Esses dados convergem com os estudos provocar grandes mudanças no seu desempenho.
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Frutuoso FKA, Santos SL, Haandel A
Duas fontes possíveis de OD nas lagoas podem UASB, pois a faixa de variação dos dados é menor
ser elencadas: primeiro, a produção pelas algas e, após a dessorção do CO2. Ademais, nesse está-
segundo, pela absorção de oxigênio por meio da gio não há absorção de CO2 pois, apesar da ótima
interface líquido/atmosfera. Segundo Cavalcanti dessorção, em nenhum caso foi atingido o ponto
(2009), há uma tendência natural de transferên- de equilíbrio de saturação de 0,01 meq/L.
cia de oxigênio do ar para a lagoa quando esta se
Considerando somente a dessorção de CO2, sem
encontra com a concentração de oxigênio infe-
interferências de outros processos que podem
rior à de saturação, como foi o caso das lagoas
ocorrer na LT, a alcalinidade seria constante e a
de transbordo analisadas. Essa absorção é maior
acidez reduziria na proporção estequiométrica
quanto maior o tempo e quanto menor a altura.
de 2 (100 mg CaCO3) por mol de CO2 removido
Cavalcanti (2009) chegou à conclusão de que a (CAVALCANTI, 2009). E, conforme apresentado
absorção de oxigênio em LP é insignificante, uma na Tabela 3, houve uma redução da acidez pro-
vez que nessas unidades há uma alta produção porcional à dessorção de CO2.
de oxigênio das algas, levando as lagoas a níveis 500
superiores a 1 mg/L.
200
Houve considerável remoção de CO2 nas três fases
experimentais. No efluente do UASB há predomi-
100
nância da dessorção, devido ao fato de o efluente
estar em equilíbrio com o biogás, isto é, supersatu- 0
1ª F - UASB
2ª F - UASB
3ª F - UASB
1ª F - LT1
1ª F - LT2
1ª F - LT3
2ª F - LT1
2ª F - LT2
2ª F - LT3
3ª F - LT1
3ª F - LT2
3ª F - LT3
rado de CO2. Segundo van Haandel e van der Lubbe
(2019), a taxa de dessorção depende do gradien-
te de concentração (água-ar), ou seja, do grau de
Figura 5 - Sólidos Suspensos Totais (mg/L) das três
supersaturação. Deste modo, quando o meio está lagoas, nas diferentes fases
supersaturado há um desprendimento do gás para
700
a atmosfera até que se atinja um equilíbrio ou sa-
turação. Foram constatadas, portanto, eficiências 600
400
houve uma remoção média na LT1, LT2 e LT3 de 72%,
46% e 58%, nessa ordem. Por fim, na terceira fase, 300
2ª F - UASB
3ª F - UASB
1ª F - LT1
1ª F - LT2
1ª F - LT3
2ª F - LT1
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3ª F - LT3
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Lagoas de transbordo aplicadas para o melhoramento de efluentes anaeróbios destinados a lagoas de polimento
700 24
22
600 20
18
500
16
400 14
12
300 10
8
200 6
4
100
2
0 0
1ª F - UASB
2ª F - UASB
3ª F - UASB
1ª F - LT1
1ª F - LT2
1ª F - LT3
2ª F - LT1
2ª F - LT2
2ª F - LT3
3ª F - LT1
3ª F - LT2
3ª F - LT3
1ª F - UASB
2ª F - UASB
3ª F - UASB
1ª F - LT1
1ª F - LT2
1ª F - LT3
2ª F - LT1
2ª F - LT2
2ª F - LT3
3ª F - LT1
3ª F - LT2
3ª F - LT3
Figura 7 - Concentrações de DQO (mg/L) do reator UASB Figura 8 - Concentrações de Sulfeto Total (mg/L) do reator
e das lagoas nas três diferentes fases experimentais UASB e das lagoas nas três diferentes fases experimentais
4,0
3,5
3,0
CO2 (meq/L)
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
1ª F - UASB 1ª F - LT2 2ª F - UASB 2ª F - LT2 3ª F - UASB 3ª F - LT2
1ª F - LT1 1ª F - LT3 2ª F - LT1 2ª F - LT3 3ª F - LT1 3ª F - LT3
Figura 9 - Concentração de CO2 em meq/L, nas três diferentes fases e nas três lagoas
A clorofila a média da primeira fase foi de 160, algas verdes. A medida tomada para redução des-
242 e 83 µg/L para LT1, LT2 e LT3, respectivamen- sas bactérias a níveis não detectáveis visivelmente
te. A menor média da LT1 deve-se, possivelmente, à foi o esvaziamento e limpeza da LT1, na semana do
proliferação de um tipo de bactéria fotoautotrófica dia 01 de fevereiro de 2019, o que proporcionou em
de pigmentação característica (púrpura/averme- seguida um rápido aumento das algas verdes. Esses
lhada) que inibe o desenvolvimento adequado das dados podem ser observados nas Fig. 10, 11 e 12.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 115-131 | Ed. Esp. Mar. 2021 125
Frutuoso FKA, Santos SL, Haandel A
126 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 115-131 | Ed. Esp. Mar. 2021
Lagoas de transbordo aplicadas para o melhoramento de efluentes anaeróbios destinados a lagoas de polimento
(A) (B)
Figura 14 - Representação gráfica do teste de Tukey para as concentrações médias dos SST (A)
e para as concentrações médias dos SSV (B)
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 115-131 | Ed. Esp. Mar. 2021 127
Frutuoso FKA, Santos SL, Haandel A
(A) (B)
Figura 15 - Representação gráfica do teste de Tukey, com representação de C do desempenho médio das lagoas em
cada fase em relação à eficiência de remoção de Sulfeto (A) e representação de C do desempenho médio das lagoas em
cada fase em relação a eficiência de remoção de CO2 (B)
3.4 Análise da viabilidade técnica das Lagoas com a massa máxima de lodo, o que maximiza a
de Transbordo eficiência da digestão anaeróbia;
A partir dos resultados expostos pode-se concluir
• Melhoramento do efluente em termos de re-
que a utilização de uma lagoa de transbordo traz
moção de DQO, em especial nos maiores TDH;
vantagens que vão além da simples função de um
tanque de equalização e transferência, eviden- • Crescimento inicial de algas no efluente da LT,
ciando, desse modo, sua viabilidade. Contudo, em especial em lagoas de 1 a 2 metros, permi-
para determinar a viabilidade técnica financeira tindo que estas atuem como inóculo de algas
da sua utilização na prática, é necessário que se- para LPBS, de modo que a fotossíntese nesta
jam avaliados os custos de construção da LT. Sua última ocorra a uma taxa elevada, imediata a
utilização melhora as características do efluente sua alimentação;
do UASB e pode facilitar o funcionamento das LP
• Eventual oxigênio dissolvido presente na LT é
subsequentes. As seguintes vantagens principais
podem ser destacadas: utilizado para oxidação parcial ou completa de
sulfeto (fator dependente da altura e TDH ado-
• Alta eficiência na remoção de sólidos sedi- tado para a lagoa), eliminando parcial ou com-
mentáveis: o reator UASB pode ser operado pletamente os maus odores, causando sua me-
sem descarga de lodo – isto é, o lodo em exces- lhor aceitação;
so no reator UASB será descarregado na lagoa
de transbordo onde é separado da fase líquida • Com a redução dos sólidos em suspensão
por sedimentação. Isso vale para todas as pro- oriundos do reator UASB há, consequentemen-
fundidades e todos os tempos de permanência te, a redução da carga orgânica sobre as LPBS
pesquisados. O efluente decantado segue para subsequentes, facilitando a função destas na
a lagoa de polimento e os sólidos para secagem remoção da concentração residual de material
de lodo. Assim, o reator UASB sempre operará orgânico e dos nutrientes;
128 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 115-131 | Ed. Esp. Mar. 2021
Lagoas de transbordo aplicadas para o melhoramento de efluentes anaeróbios destinados a lagoas de polimento
Todas essas vantagens irão proporcionar me- As lagoas de transbordo apresentaram desem-
lhores condições de tratamento nas lagoas de penho excelente na remoção de ovos de helmin-
polimento com possibilidades de atendimento tos, com mais de 90% de eficiência em todas as
aos padrões de qualidade desejados de modo lagoas e fases analisadas.
mais rápido e eficiente e, por consequência, um
Conclui-se, por fim, que lagoas de transbordo
menor TDH é possível.
podem ser consideradas uma alternativa pro-
Com a diminuição do TDH há uma redução de missora no melhoramento de efluentes anaeró-
custos na construção das lagoas de polimento, bios destinados a LP.
a serem direcionados para a LT. Ainda que em
termos construtivos pareça não haver diferen-
ça de custo, em termos técnicos a facilidade 5 AGRADECIMENTOS
operacional que a lagoa de transbordo propor- Os autores agradecem ao Conselho Nacional de
ciona pode implicar na economia de gastos a Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
longo prazo. pelo incentivo financeiro às pesquisas
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 115-131 | Ed. Esp. Mar. 2021 129
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Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 115-131 | Ed. Esp. Mar. 2021 131
ARTIGO ORIGINAL
ORCID ID
Haandel A https://orcid.org/0000-0002-9937-6715 Santos SL https://orcid.org/0000-0002-6905-3966
Resumo
O reator UASB produz um lodo concentrado que já sai do reator estabilizado, contudo precisa passar por um
processo de secagem para seu uso posterior. Neste trabalho, descreve-se uma investigação experimental em
escala piloto que visa estabelecer o desempenho de leitos de secagem de lodo anaeróbio. Três tipos de leito
foram pesquisados: (1) leitos ao ar livre; (2) leitos cobertos (coberturas opaca e transparente); e (3) leitos com
revolvimento de lodo ao ar livre. Desenvolveu-se um método experimental para determinar a produtividade
de leitos de secagem. A produtividade é a massa de lodo seco que pode ser produzida em um leito por unidade
de área e por unidade de tempo. Estabeleceu-se que a produtividade depende, além do tipo de leito, de três
fatores: (1) a taxa de evaporação de água; (2) a carga de sólidos aplicada; e (3) a umidade final desejada. Foi
desenvolvida uma expressão que permite calcular a produtividade de leitos em função dessas três variáveis. Os
resultados mostraram que a produtividade de leitos cobertos com material transparente é muito parecida com
a de leitos sem a cobertura, mas a produtividade de leitos com cobertura opaca é muito menor. Em contraste,
o revolvimento do lodo resulta num aumento significativo da produtividade de leitos. Também foi analisada a
influência da água de chuva sobre a produtividade de leitos de secagem. Estabeleceu-se que a água fica incor-
porada quantitativamente no lodo enquanto a umidade do lodo é maior que 65%. Para umidades menores, a
água de chuva em grande parte percola e tem relativamente pouca influência sobre a produtividade dos leitos.
Palavras-chave: Secagem de lodo. Tipos de leitos. Produtividade. Carga de sólidos.
Abstract
The UASB reactor produces a concentrated sludge that leaves the reactor stabilized, however it needs to go through
a drying process for its later use. This paper describes an experimental investigation on a pilot scale that aims to
establish the performance of anaerobic sludge drying beds. Three types of beds were researched: (1) outdoor beds;
(2) covered beds (opaque and transparent coverings); and (3) beds with sludge tilling in the open air. An experimen-
tal method was developed to determine the productivity of drying beds. The productivity is the dry sludge mass that
can be produced in a bed per unit area and per unit. It was established that the productivity depends along with the
type of bed, on three factors: (1) the rate of water evaporation; (2) the applied solids loading rate and (3) the desired
final humidity. An expression was developed that allows calculating the productivity of beds according to these
three variables. The results of the experimental investigation show that the productivity of beds covered with trans-
parent material is very similar to that of beds without coverage, but the productivity of beds with opaque coverage
1
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil.
* Autor correspondente: adrianusvh@gmail.com.
132 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021
Produtividade em diferentes tipos de leitos de secagem
is much lower. In contrast, sludge tilling results in a significant increase of bed productivity. The influence of rain on
the productivity of drying beds was also analyzed. It was established that the water is incorporated quantitatively in
the sludge when the sludge humidity is greater than 65%. For lower humidity, rainwater largely percolates and has
relatively little influence on bed productivity.
Keywords: Sludge drying. Drying bed types. Bed productivity. Solids load.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021 133
Haandel A, Santos SL
tros de areia numa área confinada de alvenaria operacionais. O custo de investimento é determi-
ou concreto. Posteriormente à aplicação de lei- nado principalmente pela área a ser implemen-
tos ao ar livre, foram introduzidos leitos cobertos tada, enquanto os custos operacionais depen-
para evitar a interferência da água de chuva. Essa dem em grande parte dos custos de transporte
pode ser uma alternativa interessante para regi- do produto final, que por sua vez dependem da
ões com alta taxa de precipitação. Quando a co- umidade residual que se deseja.
bertura é transparente, a taxa de evaporação nos
Neste trabalho, apresentam-se os dados de uma
leitos cobertos normalmente é igual àquela nos
investigação experimental que teve como obje-
leitos ao ar livre quando não chove. No caso de
tivo desenvolver um método para dimensionar
cobertura com material opaco, o leito não recebe
a irradiação solar e se antecipa que haverá me- racionalmente leitos de secagem de lodo. Na in-
nos evaporação. Para avaliar a possibilidade de vestigação foram pesquisados três tipos de lei-
aplicar leitos cobertos, deve-se comparar o custo tos: (1) leitos ao ar livre, (2) leitos cobertos e (3)
da cobertura com o ganho que se tem, evitando leitos com revolvimento de lodo. Desenvolveu-se
a entrada de água de chuva. um procedimento que permite calcular a produ-
tividade de um leito de secagem em função de
Um terceiro tipo de leito de secagem leva em três variáveis: (1) a carga de sólidos aplicadas nos
consideração que sempre se desenvolve uma es- leitos, (2) a taxa de evaporação de água e (3) a
tratificação: a camada superior de lodo no leito umidade residual desejada. A produtividade do
tem acesso à energia solar e esquenta antes das leito é a quantidade de lodo seco com umidade
camadas mais baixas. Por outro lado, quanto mais residual desejada por unidade de área e por uni-
perto a água fica da superfície, mas fácil é a eva- dade de tempo. De posse da produtividade do
poração. Desse modo, desenvolve-se uma estra- leito, pode-se determinar a área necessária para
tificação térmica com uma temperatura média qualquer produção de lodo que se tenha.
mais alta no topo e mais baixa no fundo da cama-
da de lodo e uma estratificação material, havendo
uma umidade menor no topo e maior no fundo.
O resultado dessa estratificação é que a taxa de 2 METODOLOGIA
evaporação num leito com lodo é muito menor do 2.1 Área de estudo
que a taxa num leito só com água por três razões
Os protótipos de leitos de secagem utilizados
principais: (1) a temperatura relativamente eleva-
na presente pesquisa foram instalados e moni-
da da camada de lodo superior faz com que uma
torados na Estação Experimental de Tratamento
parte da energia solar absorvida seja transferida
Biológico de Esgotos Sanitários (Extrabes), loca-
de volta para o ar acima do lodo e, portanto não
lizada na cidade de Campina Grande, Paraíba. O
é usada para evaporação de água; (2) a dificul-
lodo utilizado no experimento foi proveniente de
dade de difusão de água das camadas inferiores
reatores UASB instalados na própria estação.
até a superfície em si é outra razão da diminuição
da taxa de evaporação; e (3) há também uma per-
da de difusividade térmica do lodo: na medida em 2.2 Aparato experimental
que ele perde água, as camadas superiores, mais
A pesquisa foi desenvolvida em três tipos dife-
secas, transformam-se em isolantes térmicos.
rentes de leitos: (1) leitos ao ar livre, (2) leitos
Na otimização de leitos de secagem, sempre se cobertos e (3) leitos com revolvimento de lodo.
ponderam o custo de investimento e os custos O primeiro representa um leito convencional,
134 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021
Produtividade em diferentes tipos de leitos de secagem
onde o lodo foi colocado sobre o leito e manti- 25 cm (Fig. 1A), com fundo totalmente imper-
do exposto às condições ambientais. O segundo meável (Fig. 1B). As paredes laterais eram do
tipo de leito foi coberto para analisar a influên- tipo encaixe formados por segmentos de 10 cm
cia da chuva, usando-se tanto coberturas trans- de altura (Fig. 1C), e cada segmento era remo-
parentes como opacos. No terceiro experimen- vido quando não havia mais lodo, diminuindo,
to, o lodo foi revolvido com o objetivo de expor assim, o efeito do sombreamento sobre a mas-
as camadas inferiores do leito à superfície, para sa de lodo. Pesquisaram-se protótipos de leitos
acelerar a evaporação e, portanto, a secagem. com altura inicial de 10 a 50 cm, o que repre-
A Fig. 1 mostra o protótipo dos leitos de seca- sentava cargas de sólidos entre 10 e 50 kg/m2
gem utilizados na pesquisa. Os protótipos fo- aproximadamente para lodo percolado com
ram confeccionados em PVC, com diâmetro de umidade de 80 % (20 % sólidos).
Figura 1 - Representação esquemática e o modelo dos leitos de secagem utilizados nos ensaios.
2.3 Procedimento para o cálculo da produtividade O tempo total de secagem, Tc, compõe-se de
quatro períodos distintos: T1 - período de prepa-
Para dimensionar a área de um leito de seca-
ração do leito e descarga de lodo; T2 - período de
gem, é necessário saber a produtividade do
leito, isto é, a massa de lodo seco que pode ser percolação; T3 - período de evaporação; T4 - pe-
produzida por unidade de área e por unidade de ríodo de retirada do lodo seco e limpeza do leito.
tempo, tendo-se como produto final um lodo Tc = T1 + T2 + T3 + T4 (2)
com uma determinada umidade. Essa produti-
vidade é definida como a razão entre a carga de Os períodos T1 e T4 dependerão principalmente
sólidos aplicada e o tempo necessário para um de fatores relacionados com a disponibilidade de
ciclo total de secagem. equipamentos e mão-de-obra para operar os lei-
tos. Em contraste, os períodos T2 e T3 dependem
Pr = Cs/Tc = MEs/Al (1)
principalmente de fatores sobre os quais não se
Em que: tem muita influência: a natureza do lodo a ser
Pr = produtividade do leito (kgSTS/m2/d) seco e o clima (umidade do ar, temperatura, ven-
Cs = carga de sólidos aplicada (kgSTS/m2) to e irradiação solar). Uma variável operacional
Tc = tempo de um ciclo de secagem (d) fundamental é a carga de sólidos aplicada, que
MEs = massa de lodo produzida diariamente (kgSTS/d) é a massa de sólidos por unidade de área de lei-
Al = área dos leitos de secagem (m2) to. Tendo-se em vista que há vários fatores en-
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021 135
Haandel A, Santos SL
volvidos, sendo alguns variáveis e imprevisíveis, meio de filtração (areia) é pequena em compa-
não é possível derivar uma equação geral para ração à resistência da camada de lodo percolado
dimensionar e otimizar um leito de secagem. que se forma sobre o leito, o que está de acordo
Assim, é possível encontrar uma solução empí- com a lei de Darcy sobre filtração de suspensões.
rica mediante uma investigação experimental Como a resistência da filtração se concentra na
que permita determinar a influência da carga de camada já percolada, a área disponível do meio
sólidos sobre o tempo necessário de percolação filtrante não influi sobre a taxa de percolação
e de evaporação até alcançar uma determinada que se obtém. A Fig. 2a mostra um equipamen-
umidade final desejada. Nessa investigação, que to simples para verificar que a superfície do meio
pode se realizar em escala piloto, determina-se o filtrante não influi sobre a taxa de percolação.
tempo necessário para percolação e evaporação
em função da carga orgânica aplicada para um
determinado lodo e um conjunto de condições
climáticas usando modelos dos diferentes tipos
de leitos. Os resultados podem ser usados para
dimensionar leitos de secagem, como apresen-
tado a seguir.
136 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021
diâm = 50 mm Evaporação Anél
aberto para
solto An‚is
Produtividade em diferentes tipos de leitos de secagem
É notável que a concentração do lodo a ser per- pode ser determinada pela perda de peso de um
colado não influi sobre o tempo de percolação protótipo de leito de secagem contendo uma
que é necessário para drenar a água do lodo. batelada de lodo percolado, como mostrado na
Portanto, não há necessidade de aplicar métodos Fig. 4. Pesando diariamente o protótipo, o volu-
para adensar o lodo antes de lançar em leitos de me (= massa) de água evaporada é igual à perda
secagem: pode-se lançar uma camada mais alta do peso do dia. Sabendo a área de evaporação,
de uma suspensão diluída e a percolação se re- pode-se calcular a taxa de evaporação. Para um
alizará no mesmo tempo de uma camada (mais diâmetro de 0,25 m (usado nos protótipos apre-
fina) de lodo mais concentrada, desde que a car- sentados na Fig. 4), a área do protótipo utilizado
ga aplicada dos sólidos seja igual. para a secagem é 0,049 m2. Portanto, uma perda
de peso de, por exemplo, 200 g ou 200 mL signi-
fica que 200 cm3 foram evaporados em um dia
de uma área de 0,049 m2 ou 490 cm2, ou seja,
2.6 Tempo de evaporação (T3)
200/490 = 0,41 cm ou 4,1 mm de água evaporou
Para o projeto racional da área do leito de seca- durante o dia, tendo-se então uma taxa de eva-
gem, é necessário conhecer a taxa de evapora- poração de 4,1 mm/d. Experimentalmente é pos-
ção da água contida no lodo, uma vez que esse sível observar que na medida em que o peso do
processo é lento e influencia significativamente lodo e, portanto, a umidade diminui, aparecem
o tempo do ciclo completo de secagem. Após a fendas na superfície que se tornam mais profun-
conclusão da percolação, a taxa de evaporação das com o tempo.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021 137
Haandel A, Santos SL
A taxa de evaporação em uma batelada de lodo separada da influência da batelada de lodo so-
pode ser comparada com a taxa de evaporação bre a taxa de evaporação, visando estabelecer a
num protótipo de leito com fundo preto, para influência da carga aplicada de sólidos e a umi-
máxima absorção de energia solar, quando con- dade do lodo enquanto o lodo seca. Uma vez que
tém somente água. A taxa de evaporação relati-
a taxa de evaporação da água é geralmente co-
va é a razão entre a taxa de evaporação da água
nhecida, com a ajuda da taxa de evaporação re-
das bateladas de lodo no protótipo de leito e a
lativa, a taxa de evaporação da batelada de lodo
taxa de evaporação da água em um leito idên-
tico, contendo somente água. Assim, é possível pode ser calculada para qualquer carga de sóli-
estabelecer a taxa de evaporação relativa, na dos aplicada e umidade residual desejada, e isso
qual a influência do clima sobre a evaporação permite dimensionar os leitos de secagem, como
(determinando a taxa de evaporação da água) é será demonstrado mais adiante.
138 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021
Produtividade em diferentes tipos de leitos de secagem
Tabela 1 - Perda de peso num modelo de leito de secagem com área de 0,049 m2 e
uma carga de sólidos aplicada de 20,5 kgSTS/m2
1 2 3 4 5 6 7
Com lodo Com água
Tempo de Massa de lodo Massa de água Umidade Massa Evaporada Massa Evaporada
Razão A/B
evaporação (d) úmido (kg) (kg ou L) (_) A (kg) B (kg)
0 7,36 6,33 86
1 7,01 5,98 85,3 0,35 0,492 0,71
2 6,56 5,53 84,3 0,446 0,403 1,11
3 5,99 4,96 82,8 0,572 0,409 1,4
4 5,39 4,36 80,9 0,596 0,456 1,31
5 4,79 3,76 78,5 0,602 0,554 1,09
6 4,20 3,17 75,5 0,587 0,506 1,16
7 3,81 2,78 73 0,389 0,53 0,73
8 3,45 2,42 66,6 0,365 0,405 0,9
9 3,03 2 58,9 0,42 0,488 0,86
10 2,68 1,65 47,7 0,35 0,409 0,68
11 2,37 1,34 27,4 0,31 0,453 0,42
12 2,12 1,09 12,8 0,25 0,522 0,48
13 1,85 0,82 6,3 0,27 0,502 0,32
14 1,58 0,55 5,9 0,27 0,506 0,25
15 1,43 0,4 2,8 0,15 0,478 0,31
16 1,35 0,32 2,4 0,08 0,45 0,11
Figura 5 - Variação da umidade média do lodo em Figura 6 - Variação da taxa relativa de evaporação de
função do tempo de evaporação. água no modelo com lodo.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021 139
Haandel A, Santos SL
(1) Até uma umidade de 80%, a taxa relativa menor do que nos leitos sem lodo e pode ser ex-
de evaporação no modelo com lodo tende a ser pressa como:
maior que a taxa de evaporação no leito com
água apenas. Uma explicação é que pela estra- Rrel = (1/0,8).Ue = 1,25.Ue
tificação térmica a temperatura aumenta inicial- ou
mente na superfície, e tendo uma temperatura Rlo = 1,25.RH2O.Ue (5)
mais alta a taxa de evaporação é mais elevada.
Em que:
(2) Para umidades menores que 80%, a taxa re- RH2O = taxa de evaporação de água em leitos sem
lativa de evaporação se reduz com a umidade lodo (mm/d)
residual até chegar a zero para umidade zero. Rlo = taxa de evaporação no modelo com lodo
Essa redução se explica não somente porque há (mm/d)
uma estratificação térmica com uma tempera- Rrel = razão entre Rlo e RH2O
tura mais baixa na parte inferior que tem maior Ue = umidade residual
umidade, mas também pelo fato de que se forma
uma crosta superficial no leito com lodo, tornan-
do-se mais difícil o desprendimento de água da Por outro lado, em qualquer momento a taxa de
superfície. Essa dificuldade aumenta na medida evaporação é igual à taxa de perda de água na
em que a umidade residual diminui, porque a batelada de lodo. Assim, para qualquer umidade
água tende a se difundir por uma camada de lodo abaixo de 0,8 a taxa de evaporação é dada por:
cada vez maior.
(dPa/dt) = Rlo = 1,25.RH2O.Ue = 1,25.RH2O.Pa/(Pa+Ps)(6)
(3) Quando se usam vários modelos de leitos
Em que:
com diferentes cargas de sólidos aplicadas,
dPa/dt = taxa de variação do peso de água na
pode-se observar a mesma tendência: inicial-
mente a evaporação ocorre a uma taxa igual ou amostra com lodo
superior à taxa de evaporação num modelo sem
lodo, mas depois de a umidade do lodo se tor-
Portanto, a taxa de evaporação na batelada com
nar menor que 80%, a taxa no modelo com lodo
lodo apresenta uma relação linear com a umida-
diminui com a umidade até atingir o valor zero
de residual e sempre menor que a taxa de evapo-
para umidade zero.
ração no modelo sem lodo. Para calcular o tempo
(4) Supreendentemente, a taxa de evaporação de evaporação é necessário integrar a equação
relativa não depende acentuadamente da carga diferencial da Eq.6:
de sólidos aplicada como mostram os diagra-
mas da Fig. 7: a taxa relativa de evaporação de ∫[(Pa+Ps)/Pa].dpa = ∫1,25.RH2O.dt
água para diferentes cargas aplicadas é apro- Em que:
ximadamente igual e varia com a umidade da Pa = peso da água na amostra com lodo
mesma maneira.
Ou
Para umidades menores que < 0,8 a taxa relati-
va de evaporação de água nos leitos com lodo é ∫[1+Ps/pa].dpa = pa + Ps.ln(pa) =1,25.RH2O.T3(7)
140 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021
Produtividade em diferentes tipos de leitos de secagem
1.60 1.60
1.40 1.40
1.20 1.20
1.00 1.00
0.80 0.80
0.60 0.60
0.40 0.40
0.20 0.20
0.00 0.00
0.0 20.0 40.0 60.0 80.0 100.0 0.0 20.0 40.0 60.0 80.0 100.0
Umidade (%) Umidade (%)
Figura 7 - Taxa de evaporação relativa de água (Rrel) em função da umidade residual para diferentes cargas de sólidos
aplicadas em modelos de leitos operados ao ar livre.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021 141
Haandel A, Santos SL
90
3.1 Secagem em Leitos ao ar livre de evaporação (T3) podem ser calculados usando
as Eq. 3 e 9.
Para calcular a produtividade dos leitos ao ar livre
(Eq. 1), é preciso saber os valores dos quatro com- Na Fig. 9, pode-se observar a produtividade de lei-
tos de secagem ao ar livre para diferentes valores
ponentes que perfazem um ciclo de secagem (Eq.
da umidade final em função da carga aplicada no
2) Os tempos para preparar o leito e descarregar
leito de secagem e taxas de evaporação de água de
o lodo (T1) e retirar o lodo seco (T4) dependem da 2,5 e 5 mm/d. A partir da Fig. 7 chega-se às seguin-
situação local, e os tempos de percolação (T2) e tes conclusões:
Ue =0.4
produtividade (kg/m2/d)
1 Ue =0.3 1
Ue =0.2
0.8 Ue =0.1 0.8
0.6 0.6
0.4 0.4
0.2 0.2
0 0
0 20 40 0 10 20 30 40 50
carga aplicada (kg/m2) carga aplicada (kg/m2)
Figura 9 - Produtividade de leitos de secagem ao ar livre em função da carga aplicada para diferentes valores da
umidade residual e taxas de evaporação de água de 2,5 e 5 mm/d.
142 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021
Produtividade em diferentes tipos de leitos de secagem
(1) O valor da produtividade de leitos de secagem sultados da taxa de evaporação relativa de água
ao ar livre depende acentuadamente da umidade nos leitos cobertos. Os resultados foram calcula-
residual que se deseja; dos com auxílio de dados obtidos nos protótipos
de leitos cobertos por plástico transparente. É im-
(2) Em contraste, a produtividade varia pouco com a
carga de sólidos aplicada, na faixa de 10 a 50 kg/m2, portante notar que os leitos foram cobertos com
que á a faixa que normalmente se usa na prática; plástico transparente de modo a permitir a pe-
netração da radiação solar. Nota-se que, em boa
(3) O tempo de evaporação é inversamente pro- aproximação, os valores se igualam aos de leitos
porcional à taxa de evaporação de água (Eq. 8a), ao ar livre, de modo que os procedimentos de cál-
e como esse tempo constitui a maior parte do
culos descritos anteriormente também se aplicam
tempo do ciclo completo de secagem, pode-se
para os leitos com cobertura transparente: a ex-
inferir que a produtividade é inversamente pro-
pressão para o tempo de evaporação é a mesma
porcional à taxa de evaporação de água;
que aquela para leitos ao ar livre (Eq. 8a). Portanto,
(4) A vantagem de um lodo com baixa umidade a produtividade de leitos cobertos com cobertu-
residual deve ser considerada frente à desvan- ra transparente também pode ser considerada a
tagem de menor produtividade, o que implica mesma que a de leitos ao ar livre, de modo que os
numa maior área necessária para o leito. dados apresentados na Fig. 9 valem tanto para lei-
tos ao ar livre como para leitos cobertos com ma-
terial transparente. É importante que se dê conta
3.2 Secagem em leitos cobertos que o material transparente na prática será rapi-
Os testes da secagem nos protótipos de leitos co- damente coberto por sujeira, algas e musgo. As-
bertos foram tratados da mesma maneira que os sim, na realidade ela se torna opaca, dificultando
de leitos ao ar livre. Na Fig. 10 se observam os re- a penetração da irradiação solar no leito coberto.
1.80 1.80
1.60 1.60
1.40 1.40
1.20 1.20
1.00 1.00
0.80 0.80
0.60 0.60
0.40 0.40
0.20 0.20
0.00 0.00
0.0 20.0 40.0 60.0 80.0 100.0 0.0 20.0 40.0 60.0 80.0 100.0
Umidade (%) Umidade (%)
Figura 10 - Taxa de evaporação relativa de água em função da umidade residual para diferentes cargas de sólidos
aplicadas2em leitos cobertos com material transparente.
Cs = 19.5 kg/m Cs = 26,5 kg/m2
2.00 2.00
Quando se repetiram os experimentos em am- chegar até os leitos resultou numa considerável
lativa de evaporação
lativa de evaporação
1.80 1.80
biente coberto
1.60 com material não transparente, diminuição
1.60 da taxa de evaporação nos modelos
1.40 que o fato de a irradiação solar não
observou-se 1.40 nas unidades com lodo como nas sem lodo.
tanto
1.20 1.20
1.00 1.00
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021 143
0.80 0.80
0.60 0.60
0.40 0.40
Haandel A, Santos SL
A taxa de evaporação de água nos modelos com servada nos modelos colocados ao ar livre, como
água foi aproximadamente a metade da taxa ob- mostra a Fig. 11.
A taxa relativa de evaporação em leitos com água A Fig. 12 mostra a produtividade de leitos cobertos
ainda é descrita com a mesma equação básica: com material opaco. Pode-se observar que a pro-
Eq. 6, sendo que RH2O é a metade do valor que tem dutividade é bem menor do que a aquela de leitos
ao ar livre. Portanto, para leitos cobertos com ma- ao ar livre. Para avaliar a viabilidade econômica de
terial que não permite a irradiação solar direto do cobertura de leitos com material opaco, é preciso
lodo tem-se um tempo de evaporação de: comparar os custos de cobrir o leito com os custos
do leito ao ar livre, mas com área aumentada para
T3 = Cs.[Ui/(1-Ui) – Ue/(1-Ue) + ln(Ui/(1-Ui)*(1-Ue)/
poder absorver as chuvas.
Ue)]/(0,5.RH2O/(1-Ui)) (11)
Ue =0.5
produtividade (kg/m2/d)
Ue =0.5
1 Ue =0.4 1 Ue =0.4 1
1
Ue =0.3 Ue =0.3
0.8 0.8 0.8
Ue =0.2 0.8 Ue =0.2
produtividade
0 0 0 0
0 10 20 30 40 50 0 10 20 30 40 50 0
0 10 20 30 40 50
carga aplicada (kg/m2) carga
carga aplicada
aplicada (kg/m
(kg/m 2) 2)
Figura 12 - Taxa de evaporação relativa de água em função da umidade residual para diferentes cargas de sólidos
aplicadas em leitos cobertos com material não transparente.
144 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021
Produtividade em diferentes tipos de leitos de secagem
3.3 Secagem em leitos ao ar livre e com uma umidade de 0,4. Depois desse valor, a taxa de
revolvimento de lodo evaporação diminuía gradualmente até atingir um
A taxa de evaporação em modelos de leitos com valor de 0 para umidade 0. Por essa razão, o tempo
revolvimento de lodo operados ao ar livre acelerou de evaporação era bem mais curto quando compa-
bastante a taxa de evaporação, como mostra a Fig. rado com o tempo sem revolvimento e, portanto, a
13. O lodo era revolvido manualmente todos os produtividade do leito era muito maior. Para efeito
dias quando a umidade era suficientemente baixa de cálculo, pode-se igualar a taxa de evaporação
para o lodo não grudar na espátula, o que acon- no leito com revolvimento à taxa de evaporação de
tecia quando a umidade se tornava menor do que água no modelo sem lodo e, portanto:
70%. Os resultados indicam que a taxa de evapo-
Para umidades entre 0,8 e 0,4: Rrel = RH2O(12a)
ração tendia a ser maior ou igual à taxa de evapo-
ração de água no protótipo sem lodo até atingir Para umidades < 0,4: Rrel = 2,5.RH2O.Ue(12b)
2.00 2.00
Taxa relativa de evaporação
1.80
de evaporação
1.80
1.60 Taxa de evaporação + 2,5 mm/d taxa Taxa
dedeevaporação
evaporaçao: (mm/d)
5 mm/d taxa
1.60
1.4
1.40 100 1.4
100 1.40 Ue =0.6 Cs = 5
1.290
produtividade (kg/m2/d)
1.20
tempo de evaporaçao (d)
90 1.20 1.2
(kg/m2/d)
Ue =0.5
1.00 80 Cs = 10
tempo de evapração (d)
80 1.00
1 Ue =0.4
0.80 70 1
Taxa relativa
0.60
70 0.80 Ue =0.3 Cs = 20
0.860
0.60 0.8
0.40
60 Ue =0.2 Cs = 30
50 50
0.40
produtividade
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Haandel A, Santos SL
Na Fig. 14, observa-se o tempo calculado de eva- umidade residual baixa. Naturalmente isso reper-
poração em leitos com revolvimento de lodo em cute numa produtividade maior do leito com revol-
função da umidade residual para diferentes car- vimento, como mostra a Fig. 15. Comparada com a
gas aplicadas de sólidos e taxas de evaporação de produtividade de leitos sem revolvimento de lodo,
água de 2,5 e 5 mm/d. Ao comparar a Fig. 14 com na Fig. 9, a produtividade para um leito com revol-
a Fig. 8, pode-se notar que no caso dos leitos com vimento (Fig. 15) é em torno de 20 a 25% maior do
revolvimento de lodo o tempo de evaporação é que a de um leito sem revolvimento para qualquer
bem menor, especialmente quando se deseja uma umidade residual e taxa de evaporação de água.
taxade
Taxa de evaporaçao:
evaporação (mm/d)
2,5 mm/d Taxataxa de evaporaçao
de evaporação = 5=mm/d
5 mm/d
1.4
2 2
1.4
UeUe
= 0,6
=0.6
=0.5
produtividade (kg/m2/d)2
1.6
produtividade (kg/m2/d)
146 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021
Produtividade em diferentes tipos de leitos de secagem
(3) Estimar a área mínima necessária para o leito (2) Estimar o tempo necessário concluir um ciclo
de secagem. A área mínima necessária de leitos de secagem.
de secagem é estimada como a razão entre a
Para estimar a duração de um ciclo tem que ser
produção diária de lodo e a produtividade espe-
adotado um período para encher o leito produ-
rada para a umidade residual desejada e a carga
de sólidos a ser aplicada. zido no sistema e retirar o lodo após a secagem,
por exemplo: T1 + T4 = 2 d para empresas parti-
(4) Com o auxílio da taxa de produção e descarga culares e T1 + T4 = 4 d para empresas públicas.
máxima, determinar a frequência de descargas Para o tempo de percolação da água, usa-se a Eq.
de lodo e o número ideal de leitos de secagem. 3: T2 = Cs2/320 + 0.5. No caso do exemplo da umi-
Como exemplo, discute-se a seguir o dimensio- dade inicial U = (1 – 0,06) = 0,94 até uma umidade
namento de leitos ao ar livre para secar o lodo no fim da percolação (U = 0,8): T2 = 3,3 d.
produzido em um reator UASB de 1500 m3, onde O tempo para a evaporação é calculado com o
6000 m3/d de águas residuárias de são tratadas
auxílio da Eq. 6:
com uma carga orgânica de 4500 kgDQO.d-1. Ado-
tar uma produção de lodo de 0,15 kgSTS/kgDQO T3 = Cs.[Ui/(1-Ui) – Ue/(1-Ue) + ln[(Ui/(1-Ui))/(Ue/
aplicada e uma concentração de excesso de lodo de (1-Ue))]]/(1,25.RH2O)
60 g/L, enquanto a concentração média no UASB = 30.[(0,6/0.4-0,3/0,7)+ln((0,6/0,4)/(0,3/0,7))]/
é de 20 gL-1, ou seja, o reator detém uma massa de (1,25x5) = 28 d
1500 * 20 = 30 t de lodo. A taxa de evaporação
Para o ciclo total:
da água é de 5 mm por dia. Para garantir um de-
sempenho estável das descargas do reator UASB, Tc = T1 + T4 + T2 + T3 = 3 + 3,3 + 28 = 34,3 d
não se admitem descargas de lodo maiores que
50% da massa de lodo disponível. Estimar o tem-
po de enchimento e remoção de lodo seco como (3) Determinar a produtividade máxima do leito
T1 + T4 = 2 d. A umidade final desejada é de 30%. de secagem sob as condições especificadas. A
Levando em consideração a chuva e outras con- produtividade é dada pela Eq. 1:
dições adversas (incluindo o reparo de leitos),
Pr = Cs/Tc = 30/34,3 = 0,82 kgSTS/m2/d.
prevê-se a construção de uma área de reserva
mínima de 30%.
(4) Determinar a área mínima de secagem.
A solução do problema requer realizar várias etapas: A área mínima necessária é a razão entre a pro-
dução diária de lodo e a produtividade:
(1) Estimar a carga de sólidos a ser aplicada nos
leitos de secagem. Al = MEl/Pr
A Fig. 9 mostra que a produtividade máxima é A produção diária de lodo é o produto da carga
de se esperar na faixa de 30 kg/m2/d. Para uma orgânica e a produção específica:
análise mais acurada, podem-se fazer cálculos
repetidos para diferentes cargas de sólidos apli- MEl = Co*Pe = 4500*0,15 = 675 kgSTS/d
cadas, mas as diferenças no dimensionamento
Portanto:
dos leitos serão muito pequenas, na faixa de 20
a 40 kg/m2/d. Al = 675/0.82 = 771 m2.
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Haandel A, Santos SL
A Tabela 2 mostra os valores da área para diferentes tipos de leitos e taxas de evaporação de água.
Tabela 2 - Tempo de evaporação, (T3), Tempo total de um ciclo (Tc), produtividade (Pr) e área mínima (Amin) para uma produção de
lodo de 675 kgSTS.d-1 para diferentes taxas de evaporação de água e tipos de leitos (ao ar livre, opaco e com revolvimento).
Taxa de evaporação = 2,5 mm/d
Tipo de leito T3(d) Tc(d) Pr(kg.m-2.d-1) Amin(m-2)
Ao ar livre 55,7 63 0.47 1436
Cobertura opaca 111 119 0.25 2700
Revolvimento de lodo 43,2 51 0.59 1144
Taxa de evaporação = 5 mm/d
Tipo de leito T3(d) Tc(d) Pr(kg.m-2.d-1) Amin(m-2)
Ao ar livre 27,8 34.3 0.87 771
Cobertura opaca 55,6 63 0.43 1569
Revolvimento de lodo 21,5 29 1.01 655
As únicas variáveis a serem determinadas ago- sim, um total de 5 leitos será necessário: 3 em
ra são a frequência de descarga de lodo do re- operação e 2 como capacidade de reserva para
ator UASB e o número necessário de leitos. A se antecipar condições adversas (chuvas pesa-
frequência mínima de descargas pode ser de- das, consertos). Portanto, a área total seria de
terminada a partir da condição de que uma des- 5(leitos)*472(m2/leito) = 2362 m2.
carga não pode exceder 50% da massa de lodo
Se o leito for construído com uma cobertura opa-
no reator. Como a produção diária de lodo é de
675 kgSTS.d-1 ou 675/30.000 kgST lodo = ca, o tempo de ciclo é Tc = 119 d (Tabela 7.2). No
2,25%.d-1, o período máximo entre as descar- entanto, 119 não é um múltiplo de 21 dias, que é
gas é de (50%)/(2,25%.d-1) = 22 dias. Para esse o tempo para as descargas. Então o próximo múl-
período máximo, o volume de uma batelada de tiplo é escolhido: 126 d (126(d)/7(d/semana) =
lodo seria [675(kgSTS.d-1).22(d)/60(kg.m-3) = 18 semanas). Para uma descarga com intervalo de
248 m-3] e a camada de lodo a ser descarregada 3 semanas, o número de leitos em operação é de
no leito seria 250m3/771m2 = 0,32 m no caso de 18 (semanas)/3(semanas/leito) = 6 leitos, mas o
haver uma taxa de evaporação de 5 mm.d-1. tempo de ciclo é de 126 d, portanto a área do lei-
to pode ser reduzida por um fator 126(d)/119(d) =
Para uma operação sistemática, convém impor 1,06, de 472 m2 a 445 m2. Para uma capacidade
um intervalo predeterminado de operação, por de reserva de 50%, deve haver 3 camas, então o
exemplo, semanal ou múltiplos de semanas. No número total é 9 leitos e a área total é 9 (leitos) *
caso, sendo que o maior intervalo é 22 d, então 445 (m2/leito) = 4050 m2.
os possíveis intervalos são de 21 dias, quinze-
nal ou semanal. Tome-se como exemplo a seca- Se o leito opera ao ar livre e se aplica revolvimen-
gem de lodo no leito ao ar livre com uma taxa to de lodo, o tempo de ciclo e a produtividade são
de evaporação de água de 2,5 mm.d-1. No caso Tc = 51 d. Novamente, esse não é um múltiplo do
de descargas a cada 3 semanas, elas serão de ciclo de operação de 21 dias, então um ciclo de
675(kgSTS.d-1)*21(d)= 14.175 kgSTS e a área operação de 63 d = 3 * 21(d) é escolhido, levan-
dos leitos será de 14.175(kgSTS)/30(kgSTS.m-2) do a três leitos em operação com uma área de
= 472 m2. Nesse caso, o número mínimo de lei- (51(d)/63(d)) * 472(m2) = 382 m2 cada. Com duas
tos é 9/3 = 3: o ciclo de secagem é de 9 semanas camas como capacidade de reserva a área total é
e há descargas de lodo de 3 em 3 semanas. As- agora 5(leitos)*382(m2/leito) = 1910 m2.
148 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021
Produtividade em diferentes tipos de leitos de secagem
Tabela 3: Número e dimensões de diferentes leitos de secagem para as condições de Tabela 2, taxa de evaporação de
2,5 e 5 mm/d para um intervalo de descargas de uma de 3 em 3 semanas.
Taxa de evaporação = 2,5 mm/d Taxa de evaporação = 5 mm.d-1
Tipo de leito N de
o
No de Área leito Área total N de
o
No de Área leito Área total
operações reserva (m2) (m2) operações reserva (m2) (m2)
Ao ar livre 3 2 472 2.362 2 1 392 1.176
Cobertura opaca 6 3 445 4.050 3 2 472 2.360
Revolvimento de lodo 2 1 382 1.910 1 1 472 944
Os dados apresentados na Tabela 3 levam às se- A taxa de evaporação de água tem uma forte influên-
guintes conclusões: cia sobre a área necessária do leito, porque o tempo
de evaporação é inversamente proporcional à taxa
(1) A área necessária para os leitos realmen- de evaporação e o tempo de evaporação é o principal
te não é muito grande. Na Tabela 3, a área to- componente do tempo de um ciclo de secagem. Na
tal de um leito aberto é de 2.362 m2 quando a Fig. 16, pode-se observar que a produtividade é qua-
taxa de evaporação da água é baixa (2,5 se linear com a taxa de evaporação de água.
mm/d) para uma carga orgânica no esgoto de
4.500 kgDQO/d ou 45.000 habitantes, com uma Tabela 4: Influência da taxa de evaporação sobre a
contribuição per capita de 0,1 kgDQO/d. Assim, produtividade de leitos de secagem carga aplicada =
aáreapercapitanoexemploé2362(m2)/45.000(hab) 30 kg/m2; umidade residual = 9,3%.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021 149
Haandel A, Santos SL
4.2 Influência da umidade residual sobre a Mae = massa de água residual por área de leito de
massa de lodo seca a ser transportado secagem (kg/m2)
A quantidade de lodo que se produz é influencia- Na Fig. 17, pode-se observar o peso do lodo após
da pela umidade residual, como fica aparente na a secagem (peso dos sólidos e a água) por unidade
Fig. 17, onde se pode observar a massa do lodo fi- de massa de sólidos suspensos totais. Por exem-
nal depois da secagem por unidade de área para a plo, para um lodo de 60% de umidade e que tem a
carga de sólidos aplicada de 30 kgSTS/m2. Pode- aparência de um sólido, a massa é 2,5 vezes maior
se observar que a massa de água no lodo seco é que a massa dos sólidos propriamente ditos. Cla-
maior que a massa de sólidos quando a umidade ramente, para diminuir os custos de transporte e
residual é maior que 50%. Por outro lado, o ga- destinação final do lodo, é necessário que a umi-
nho que se tem ao secar o lodo com uma umi- dade seja a menor possível.
dade menor que 50% é relativamente pequeno.
É interessante observar que secagem mecânica
em centrífugas ou filtros resulta numa umidade
5 CONCLUSÕES
residual de 80% aproximadamente, o que sig-
(1) Os leitos de secagem oferecem uma alterna-
nifica que o peso da água é 4 vezes maior que o
tiva para reduzir o teor de água de lodos gerados
peso dos sólidos. Nessas condições, o aumento
em sistemas de tratamento de esgoto produzin-
da massa de água a ser transportado para a des-
do um produto final com teor de sólidos entre 50
tinação final do lodo seco irá aumentar muito o
e 95%, muito maior que os teores que podem ser
custo de transporte.
obtidos com métodos de secagem mecânicos de
lodo, que são em torno de 20%.
160
(2) Leitos também podem ser usados como op-
140 ção de secagem térmica para aumentar o teor de
massa por m2 de leito(kg/m2)
150 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021
Produtividade em diferentes tipos de leitos de secagem
tagem é que requer uma área significativa, na fai- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12.209:
Elaboração de projetos hidráulico-sanitários de estações de tra-
xa de 300-500 cm2 por equivalente de habitante.
tamento de esgotos sanitários. Rio de Janeiro, 2011. 53p.
(6) A produtividade de um leito de secagem é a LOBATO, L. C. S.; RIBEIRO, T. B.; SILVA, B. S.; FLOREZ, C. A. D.; NEVES,
P. N. P.; CHERNICHARO, A. A. L. Contribuição para o aprimoramen-
massa de lodo após secagem, que pode ser pro-
to de projeto, construção e operação de reatores UASB aplicados
duzida por unidade de área e por unidade de ao tratamento de esgoto sanitária – Parte 3: Gerenciamento de
tempo e depende basicamente de quatro fatores: lodo e escuma. Revista DAE. N. 214, v.66, edição especial, 2018.
https://doi.org/10.4322/dae.2018.040
(1) a taxa de evaporação de água na região do
leito, (2) a umidade residual desejada, (3) o tipo GONÇALVES, R.F.; LUDUVICE, M.; LIMA, M. R. P.; RAMALDES, D. L.
C.; FERREIRA, A.C,; TELES, C.R.; ANDREOLI, C. V. Desidratação de
de leito aplicado e (4) a carga de sólidos aplicada. lodo de esgotos. In: ANDREOLI, C.V. (Coord.). Resíduos sólidos do
saneamento: processamento, reciclagem e disposição final.
(7) O modelo desenvolvido neste trabalho permi- 1.ed. Rio de Janeiro: Rima Artes e Textos, p. 57 – 86. 2001.
te calcular a produtividade de leitos para qual-
SANTOS, D. S.; TESHIMA, L.; DIAS, S. M. F.; ARAUJO, R. A.; SILVA, C.
quer um dos três tipos considerados. M. R. Efeito da secagem em leito nas características físico-quí-
micas e microbiológicas de lodo de reator anaeróbio de fluxo
ascendente usado no tratamento de esgoto sanitário. Revista
Engenharia Sanitária e Ambiental. v.22, n.21, p. 341-349, 2017.
https://doi.org/10.1590/s1413-41522016100531
6 AGRADECIMENTOS
SOARES, S. R. A; MATOS, Z. M; BERNADES, R. S. Modelagem
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de
do processo de desidratação de lodo anaeróbio em leitos de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) secagem simulados. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola
pelo incentivo financeiro às pesquisas. e Ambiental, v.5, n.2, p.313-319, 2001. https://doi.org/10.1590/
S1415-43662001000200023
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 132-151 | Ed. Esp. Mar. 2021 151
ARTIGO ORIGINAL
ORCID ID
Haandel A https://orcid.org/0000-0002-9937-6715 Santos SL https://orcid.org/0000-0002-6905-3966
Resumo
Nos artigos anteriores desta série, mostrou-se que sistemas de lagoas de estabilização (LE) apresentam des-
vantagens que podem ser reduzidas ou mesmo eliminadas quando se substitui a configuração convencional
(lagoa anaeróbia/lagoa facultativa/lagoas de maturação) por um sistema composto de um reator UASB seguido
por Lagoas de polimento (LP). Essa substituição possibilita o aumento da capacidade de tratamento, melhora
a qualidade do efluente, reduz o tamanho e consequentemente os custos de construção, além de permitir a
captura do biogás e o aproveitamento do lodo como biofertilizante. Como exemplo, analisaram-se as vanta-
gens de aplicar o reator UASB seguido de LP em substituição ao sistema convencional de LE que se encontra
em operação na cidade de Campina Grande, Paraíba. A atual ETE de Campina Grande é constituída por duas
lagoas anaeróbias, duas lagoas facultativas e quatro lagoas de maturação, com capacidade para tratar 13.000
m3/d. A análise mostrou que todas as vantagens do novo sistema podem ser materializadas no caso de Campina
Grande. Quando se substitui o sistema convencional pela nova alternativa, a capacidade de tratamento da ETE,
com a infraestrutura existente, aumentaria para 40.000 m3/d se o efluente fosse utilizado para fertirrigação ou
20.000 m3/d se o efluente fosse utilizado para fins industriais; nesse caso, a remoção de nutrientes é necessária.
Assim, todo o efluente seria utilizado de maneira produtiva e não haveria mais descarga nas águas de superfície.
Palavras-chave: Lagoas de polimento. Reúso agrícola. Reúso industrial. Custo construção.
Abstract
In the previous articles of this series, it has been shown that stabilization pond (LE) systems have disadvantages that
can be reduced or even eliminated when the conventional configuration (anaerobic pond/optional pond/matura-
tion ponds) is replaced by a system composed of a UASB reactor followed by polishing ponds (LP). This substitution
makes it possible to increase the treatment capacity, improve the quality of the effluent, reduce the size and conse-
quently the construction costs, in addition to allowing capture of biogas and the use of sludge as a biofertilizer. As
1
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande - Paraíba - Brasil.
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil.
* Autor correspondente: adrianusvh@gmail.com.
152 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021
Proposta de aumento da capacidade de tratamento e melhoria da qualidade do efluente da ETE de Campina Grande-PB
usando a combinação UASB e lagoas de polimento
an example, we analyzed the advantages of applying the UASB reactor followed by LP to replace the conventional LE
system that is in operation in the city of Campina Grande, Paraíba. The current WWTP in Campina Grande consists
of two anaerobic lagoons, two optional lagoons and four maturation lagoons, with a capacity to treat 13,000 m3/d.
The analysis showed that all the advantages of the new system can be materialized in the case of Campina Grande.
When the conventional system is replaced by the new alternative, the treatment capacity of the WWTP, with the
existing infrastructure, would increase to 40,000 m3/d if the effluent was used for fertigation or 20,000 m3/d if the
effluent was used for industrial purposes; in this case, the removal of nutrients is necessary. Thus, all the effluent
would be used productively and there would be no more discharge into surface waters.
Keywords: Polishing ponds. Agricultural reuse. Industrial reuse. Construction cost.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021 153
Haandel A, Santos SL
Coliformes, mas mantendo os nutrientes; (2) reú- Taperoá, que juntas têm uma vazão média de 4.000
so industrial, removendo, além de material orgâ- L/s (AESA, 2006), enquanto a demanda média de
nico e patógenos, nutrientes (nitrogênio e fósforo) abastecimento é de aproximadamente 2.000 L/s.
e sólidos suspensos ou; (3) descarga em águas de Embora a vazão média dos rios seja maior do que
superfície, removendo material orgânico, patóge- a demanda de água tratada, nos últimos anos tem
nos e nutrientes para proteção do corpo receptor. ocorrido vários e prolongados períodos de racio-
namento de água. A razão principal da incerteza
A adoção do novo sistema de tratamento aumenta-
hídrica é a irregularidade das chuvas no Nordeste,
ria a capacidade de tratamento para 40.000 m3/d,
além de outras demandas existentes no reservató-
caso o objetivo fosse a produção de água para a agri-
rio. Recentemente, foi concluída a transposição das
cultura, ou para 20.000 m3/d, caso o objetivo fosse a águas do Rio São Francisco, que no futuro poderá
produção de água para o reúso industrial, mantendo amenizar a falta de água crônica na região do mé-
basicamente a infraestrutura que já existe. Já para dio Paraíba, embora os primeiros anos de operação
produzir concomitantemente 10.000 m3/d de água não tenham sido animadores.
para indústrias e 30.000 m3.d-1 de água para agricul-
tura haveria necessidade de ampliar as seis lagoas Em Campina Grande, um elevado percentual
de maturação/polimento existentes, com a adição (> 90%) da população urbana é atendida pela rede
de mais três unidades. Desta forma, todo o esgoto coletora esgoto (SNIS, 2020). O esgoto coletado é
de Campina Grande poderia se tornar uma fonte tratado em sua maioria numa ETE central, locali-
de água para uso produtivo dentro e no entorno da zada no bairro da Caatingueira e depois é descar-
área urbana, sem a necessidade de haver descarga regado no Riacho Bodocongó, de onde escoa por
de efluente no corpo d’água receptor e, consequen- gravidade para o Açude de Acauã que tem uma
temente, cessariam os problemas ambientais rela- capacidade de armazenamento de 250 milhões
cionados ao lançamento do efluente. de m3. O Açude Argemiro de Figueiredo, ou Acauã,
é extensivamente usado para o abastecimento de
municípios vizinhos, apesar de apresentar proble-
mas de qualidade da água, como a eutrofização,
2 RECURSOS HÍDRICOS NA REGIÃO DO
devido ao aporte de nutrientes, principalmente
MÉDIO PARAÍBA
decorrente do lançamento do esgoto de Campi-
O município de Campina Grande, localizado no es-
na Grande (LINS, 2006; 2011). A Fig. 1 mostra a
tado da Paraíba, tem uma população total de apro-
área do médio Paraíba com os pontos críticos: (1)
ximadamente 400.000 habitantes (IBGE, 2020), o
captação no Açude Boqueirão, (2) tratamento de
que faz dele um dos maiores municípios do interior
água na ETA Gravatá, (3) transporte da água tra-
do Nordeste. A cidade, também conhecida como
tada, (4) distribuição de água em Campina Grande
a Rainha da Borborema, situa-se a uma distância
e cidades vizinhas, (5) uso da água, (6) coleta de
de 120 km da capital João Pessoa. Como não há na
esgoto, (7) transporte do esgoto bruto até a ETE
região recursos hídricos perenes, Campina Grande
da Caatingueira, (8) tratamento de esgoto e (9)
e outros municípios do entorno são abastecidos
descarga do efluente no Riacho Bodocongó.
com a água acumulada no Açude Epitácio Pessoa,
também conhecido como “Açude Boqueirão”. A ca- A água captada no açude Epitácio Pessoa é recal-
pacidade de armazenamento do açude é de apro- cada para a estação de tratamento de água (ETA)
ximadamente 466 milhões de m3 (AESA, 2020). A de Gravatá, distante uns 5 km do ponto de cap-
água do reservatório provém de duas sub-bacias tação, e após o tratamento convencional a água
hidrográficas: bacia do Rio Paraíba e bacia do Rio é transportada para reservatórios na cidade de
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Proposta de aumento da capacidade de tratamento e melhoria da qualidade do efluente da ETE de Campina Grande-PB
usando a combinação UASB e lagoas de polimento
Campina Grande e outros na região. Esses reserva- todo o esgoto coletado pode escoar por gravidade
tórios estão instalados em pontos altos do terreno até a ETE, sem a necessidade de estações elevató-
acidentado, de modo que a distribuição da água rias (EE). Depois do tratamento, o efluente final é
de abastecimento possa ser feita por gravidade. descarregado no Riacho Bodocongó, que corta a
Depois do uso da água pela população e pelas cidade. O riacho é tributário do Rio Paraíba que,
indústrias, a água é descartada na rede de coleta por sua vez, descarrega no Açude Acauã. Na Fig.
como água residuária ou esgoto que, por sua vez, 2, podem-se observar esquematicamente os pro-
é transportada até uma estação de tratamento de cessos que são necessários para abastecer a cida-
esgoto (ETE). Em Campina Grande, praticamente de com água e esgotar a água residuária.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021 155
Haandel A, Santos SL
A destinação final de esgoto em Campina Gran- (3) Uso extensivo do esgoto, bruto ou parcial-
de, na prática, apresenta vários problemas: mente tratado, para irrigação de diferentes
(1) Falta de adesão à rede coletora. Nem todas as culturas, a exemplo de capim e verduras (GO-
economias ligadas à rede coletora efetivamente MES, 2013).
fazem a ligação, podendo preferir soluções pre-
existentes, como fossa séptica, e o esgoto acaba
infiltrando no solo, ou ligar-se à rede de drena-
gem de águas pluviais, em que o esgoto acaba 3 PROBLEMAS DE SANEAMENTO BÁSICO NO
sendo descarregado no Riacho Bodocongó; MÉDIO PARAÍBA
Na Fig. 3, é possível observar os problemas de
(2) Perdas de esgoto ao longo do sistema de co-
leta, seja por obstruções na rede ou desvios da abastecimento de água e destinação final de es-
água para irrigação; goto na cidade de Campina Grande.
Figura 3 - Os sete principais problemas do uso de recursos hídricos e saneamento básico em Campina Grande
(valores numéricos: vazão aproximada em L/s).
(A) Problemas de abastecimento de água da que esse uso individualmente seja pequeno,
(1) Açudes a montante de Boqueirão armazenam e o total de usuários desvia uma quantidade con-
usam água para diversos fins siderável de água que de outra maneira estaria
disponível para abastecimento. A construção das
Diversas propriedades rurais situadas às mar-
gens dos rios Paraíba e Taperoá construíram al- estruturas de armazenamento desse tipo não é
guma estrutura de armazenamento de água para legal, sendo, portanto, necessária uma fiscaliza-
irrigação local e dessedentação de animais. Ain- ção mais atuante na região.
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Proposta de aumento da capacidade de tratamento e melhoria da qualidade do efluente da ETE de Campina Grande-PB
usando a combinação UASB e lagoas de polimento
(2) Evaporação e perdas no tratamento e transporte lados antes da construção da rede de coleta de
esgoto não fizeram a ligação à rede e o efluente
O Açude Boqueirão tem uma área superficial ele-
dessas fossas, em grande parte, termina fluindo
vada (40 km2) e, por isso, as perdas por evapora-
para o Riacho Bodocongó, que atravessa grande
ção são bastante significativas: para uma taxa de
parte da cidade ou é absorvida pela rede de dre-
evaporação média de 2,5 mm/d de água, a perda
nagem pluvial. Outra perda grande de esgoto é
fica em torno de 1.000 L/s, que é da mesma ordem
causada pelos entupimentos contínuos da rede
de grandeza da demanda de água para abasteci-
de esgoto: o esgoto acaba extravasando e atin-
mento de Campina Grande, que também fica em gindo a rede de drenagem pluvial. Esses dois fa-
torno de 1.000L/s (ANA, 2020). Por outro lado, as tores causam, juntos, uma perda de mais de 67%
perdas de água no sistema de tratamento de água do esgoto gerado em Campina Grande, sendo
da cidade é 10% da vazão processada, o que é que grande parte acaba sendo descarregada no
muito maior do que o valor comumente apresen- Riacho Bodocongó. Como consequência, o Ria-
tado em sistemas de tratamento convencional cho (que era intermitente antes da construção
(coagulação, floculação, sedimentação e filtração das redes de esgoto de água pluvial) hoje é um
de alta taxa) aplicados em Campina Grande. Não riacho perene.
se sabe a magnitude dos desvios que ocorrem ao
longo do transporte da água tratada da ETA para
os reservatórios de abastecimento. (5) Combate à eutrofização do açude Acauã
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Haandel A, Santos SL
de porte na região. No entanto, a solução desse (1) A disponibilidade de água na Paraíba é limi-
problema pode estar na própria cidade. É perfei- tada, embora no futuro próximo possa aumentar
tamente possível coletar o esgoto e produzir um com a efetivação da transposição de águas do
efluente de qualidade aceitável para as indústrias. Rio São Francisco. De toda maneira, é previsível
Tal atividade teria várias vantagens importantes: prever que haverá uma competição dos usuários
nos diferentes estados pelos parcos recursos hí-
(a) A cidade teria água em quantidade e
dricos e seus múltiplos usos;
qualidade para as indústrias e, com isso,
um dos mais importantes entraves do de- (2) Mesmo sendo de conhecimento público que
senvolvimento industrial seria solucionado; a falta de água causa graves transtornos para a
(b) Ao mesmo tempo, haveria uma redução população e que essa falta talvez seja uma das
da demanda de água do Açude Boqueirão, maiores causas do lento progresso econômico da
uma vez que a indústria não mais iria com- região Nordeste, tanto qualitativa como quan-
petir com o abastecimento público; titativamente, não se consegue evitar enormes
perdas devido a evaporação, perdas na distribui-
(c) O problema de eutrofização da água do ção e desvios.
açude Acauã seria resolvido, uma vez que
a descarga de nutrientes no açude seria (3) Há armazenamento indevido em grande es-
em grande parte evitada. cala na região dos rios Taperoá e Paraíba antes
da formação do açude Epitácio Pessoa para uso
particular em atividades ligadas à agricultura e
(7) Falha do reúso na agricultura
à pecuária. Isso mostra a precária fiscalização
Alternativamente, o efluente do sistema de tra- na região.
tamento de esgoto poderia ser usado na agricul-
(4) A falta de modernização no tratamento e na
tura. Nesse caso, o tratamento de esgoto seria
distribuição de água leva a grandes e injustificá-
mais simples, uma vez que a remoção de nutrien-
veis perdas de água tratada.
tes não seria necessária e poderia ser contrapro-
dutiva. Todavia, se existe a possibilidade de reúso (5) Embora enormes investimentos tenham sido
industrial, é vantagem aplicar essa opção, uma feitos para a construção de uma rede de esgoto,
vez que a água na indústria vale mais e as indús- somente uma pequena parte do esgoto gerado
trias estão dispostas (e acostumadas!) a pagar na cidade de Campina Grande chega efetiva-
um preço justo pela água. Naturalmente, é pos- mente à estação de tratamento de esgoto; de
sível tratar parte do esgoto para produzir água
longe a maior parte é desviada para a rede de
para suprir a demanda das indústrias (com custo
drenagem pluvial e segue para o açude Acauã
e preço mais elevados) e o restante para uso na
sem tratamento algum.
agricultura (com custo e preço moderados).
(6) Como consequência das descargas indevidas
de esgoto no Riacho Bodocongó, sua água é de
Considerando os pontos mencionados acima, baixa qualidade higiênica. Ainda assim, vem sen-
pode-se resumir os problemas associados aos do utilizada amplamente para atividades agríco-
recursos hídricos como se segue: las, incluindo a produção de capim e hortaliças.
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Proposta de aumento da capacidade de tratamento e melhoria da qualidade do efluente da ETE de Campina Grande-PB
usando a combinação UASB e lagoas de polimento
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Haandel A, Santos SL
Afluente
40.000 m3/d
Riacho Lan 1
Bodocongó Prof. 4 m
60.000 m3
Lan 1
Prof. 4 m
60.000 m3
250 250 250
150
150
Lag Pol Lag Pol Lag. fac.
4 ha 4 ha 4 ha
50.000 m3 50.000 m3 50.000 m3
250 250 250
Lag Pol
150
150
Lag Pol Lag. Fac.
4 ha 4 ha 4 ha
50.000 m3 50.000 m3 50.000 m3
Figura 4 - Projeto do fluxograma do sistema de tratamento de esgoto de Campina Grande PB (sem escala).
4.1 Problemas do sistema atual de tratamento goto é na faixa de 0,8 g.L-1, o que representa uma
Tabela 1 - Valores das características do esgoto e da ETE de Campina Grande e dimensões das unidades de
tratamento existentes na ETE.
Esgoto de Campina Grande Infraestrutura da ETE
Variáveis Valores Unidades Sistema Variáveis Valores
População 400.000 -1 Etapa 1
Per capita esgoto 100 1 Lagoa 1 Profundidade 4m
Per capita DQO 80 1 e Área 1,5 ha
Lagoa 2
Per capita N 10 -1 Volume 60.000 m3
Per capita P 2 0
Composição Etapa 2
Vazão de esgoto 40.000 m3/d Lagoas de polimento Profundidade 1,25 m
Vazão tratada 13.000 m3/d 1a6 Comprimento 250 m
(média)
DQO¹ 0,8 g/L Largura 150 m
STS² 0,3 g/L Área 33.000 m2
NTK³ 0,08 g/L Volume 50.000 m3
P tot 0,01 g/L
Alcalinidade 8 meq/L
Caixa de areia
pH 7,2 -
CTT4 107 /100 mL
Ovos helmintos 100 /L
¹Demanda química de oxigênio; ²Sólidos Suspensos Totais; ³Nitrogênio Total Kjeldahl; 4Coliformes Termotolerantes
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Proposta de aumento da capacidade de tratamento e melhoria da qualidade do efluente da ETE de Campina Grande-PB
usando a combinação UASB e lagoas de polimento
(1) Devido a crônicos problemas de entupimentos (4) Em Campina Grande existe uma demanda
da rede de coleta de esgoto, somente uma parte reprimida de água para indústrias, que é uma
do esgoto gerado na cidade é realmente transpor- das principais razões da falta de desenvolvi-
tada para a ETE da Caatingueira. A vazão tratada mento do setor. Todavia, como o tratamento de
é de aproximadamente 150 L/s ou 13.000 m3/d, esgoto na ETE não inclui remoção de nutrientes,
enquanto em uma cidade com 400.000 habitan- o efluente não serve para uso como água de uti-
tes, praticamente toda com rede de esgoto insta- lidades na indústria. Assim, a indústria, em vez
lada, deve-se produzir no mínimo 40.000 m3/d, ou de usar esgoto tratado, tem que competir com
seja, somente 1/3 do esgoto gerado é atualmente água de abastecimento público para atender às
tratado, enquanto 2/3 ou mais não recebem tra- suas necessidades.
tamento e são infiltrados ou descarregados no
sistema de drenagem urbana que leva a água para (5) Na região rural de Campina Grande há tam-
o riacho Bodocongó e escoa para Acauã, pratica- bém a falta de disponibilidade de água para agri-
mente sem tratamento. cultura, o que limita o desenvolvimento nesse
setor. A irrigação “informal” com água de qua-
(2) Atualmente, a ETE de Campina Grande já se lidade higiênica inferior é usada em grande es-
encontra um pouco sobrecarregada: a concen- cala para produção de verduras, como tem sido
tração dos coliformes termotolerantes é da or- demonstrado repetidamente em pesquisas da
dem de 2.103 UFC/100 mL, sistematicamente qualidade de verduras nas feiras de Campina
acima de 103. Ainda assim, a qualidade higiênica Grande (BARROS et al., 1999; LIMA et al., 2005).
do efluente do sistema de tratamento é muito É necessário que as autoridades competentes in-
melhor do que a qualidade no corpo receptor, tervenham e que regulem o reúso de água após o
que é em torno de 104-105 UFC/100 mL (MAGA- tratamento adequado e sob supervisão de uma
LHÃES et al., 2002). Naturalmente, se todo o es- unidade de controle sanitário.
goto gerado em Campina Grande fosse tratado
na ETE, a qualidade da água no Riacho Bodocon- (6) A qualidade do efluente do sistema de trata-
gó melhoraria. mento hoje é razoável, mas isso se deve ao fato
de que somente uma fração de aproximadamen-
(3) Na ETE, não há remoção de nutrientes, e o te 1/3 da vazão de esgoto é tratada na ETE. Se
efluente do sistema de tratamento, junto com toda a vazão fosse tratada, o efluente teria uma
o esgoto não tratado, escoa via Riacho Bodo- qualidade inferior. Assim, conclui-se que a capa-
congó e do Rio Paraíba para o açude Acauã. No cidade de tratamento do sistema não é compatí-
reservatório de Acauã, que possui volume má- vel com a vazão que devia ser tratada.
ximo de 250 milhões de m³, há, portanto, a des-
carga dos nutrientes N e P em 10 gN.hab-1d-1 (ou
4000 kgN.d-1) e 1 gP.hab-1d-1 (ou 400 kgP.d-1). Em parte, os problemas podem ser atribuídos à
Assim, tem-se que no açude são descarregados decisão de construir na segunda etapa um sis-
diariamente no mínimo 16 mgN e 1,6 mgP por tema de lagoas de estabilização convencional.
m3, o que causa eutrofização de uma água que O sistema de lagoas de estabilização convencio-
se destina ao abastecimento de várias cidades nal é amplamente utilizado pelas companhias
da região do médio Paraíba. O resultado é que, de água e esgotos no país: em torno de 50% dos
apesar dos esforços do tratamento, a água tem esgotos do Brasil são tratados por esse tipo de
fortes odor e sabor, causados pelas algas que sistema (IBGE, 2008). Todavia, esse sistema de
crescem no açude. tratamento apresenta várias desvantagens e
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021 161
Haandel A, Santos SL
hoje deve ser considerado como uma opção de 4.2 Desempenho atual do sistema de
tratamento obsoleto que não devia ser aplicada. tratamento com uma vazão de 13.000 m3/d
As principais desvantagens são: O sistema atual de tratamento é composto por 6
lagoas, cada uma com um volume de aproxima-
(1) Embora a ETE de Campina Grande seja gran-
damente 50.000 m3 (cada lagoa tem 4 ha e uma
de, a capacidade de tratamento é insuficiente
profundidade de 1,25 m), perfazendo um total
para tratar todo o esgoto gerado na cidade. A
de 300.000 m3. A área das lagoas (24 ha) é pe-
área das lagoas da segunda etapa (lagoas facul-
quena para uma população de 400.000 habitan-
tativas e de maturação) é de aproximadamente
tes: 240.000/400.000 = 0,6 m2/hab, enquanto
240.000 m2 para uma população contribuinte de
geralmente se adota um valor na faixa de 3 m2/
400.000 habitantes, ou seja, 0,6 m2.hab-1, quan-
hab. Como atualmente somente 1/3 do esgoto é
do se sabe que geralmente se adota uma área
tratado, a área por habitante seria de fato maior:
de 3 m2/hab para que haja remoção eficiente de
por volta de 0,6 m2/hab *3 = 1,8 m2/hab, o que
material orgânico e coliformes termotoleran-
se aproxima do valor desejável. O tempo efetivo
tes. Mesmo considerando que as condições no
de permanência nas lagoas é 300.000m³/13.000
Planalto da Borborema são favoráveis para uma
m³/d = 23 dias.
alta taxa de decaimento das bactérias, a área das
lagoas é claramente insuficiente para produzir O sistema de tratamento tem como objetivo a
uma boa qualidade higiênica, se todo o esgoto remoção de material orgânico e dos patógenos.
coletado fosse tratado. Quanto à eficiência de remoção de material or-
gânico, esta é boa, resultando em um efluente
(2) O sistema não remove nutrientes de forma com DBO (60 mg/L), bem menor do que a exigida
eficiente, o que não somente inviabiliza a uti- pela Resolução n° 430/2011 do Conama (BRASIL,
lização do efluente na indústria mas também 2011), que é de 120 mg/L. A eficiência de remo-
não evita a eutrofização do corpo receptor: o ção de Coliformes termotolerantes (CTT) é eleva-
açude Acauã. A rigor, devia ser evitada a ado- da, mas o efluente tem uma concentração média
ção de lagoas de estabilização, porque estas de CTT em torno 2.000, enquanto o limite da re-
não conseguem atender à qualidade estabele- ferida Resolução é de 1.000 UFC/100 por mL.
cida em legislações brasileiras, sobretudo para
os nutrientes. Pequenas modificações podem melhorar o de-
sempenho do sistema atual na remoção dos CTT,
(3) O biogás gerado se desprende para a atmos- como indica a Fig. 5. A configuração existente
fera causando problemas de odor (gás sulfídrico), (02 módulos de 3 lagoas em série operando com
o que muito contribui para a impopularidade do fluxo contínuo (2a)) pode ser substituída por um
sistema e causa emissão de gases de efeito estu- sistema de 6 lagoas em série operadas com fluxo
fa pela presença de metano, que é 21 vezes mais contínuo (2b) ou 6 lagoas operadas em regime de
danoso que do dióxido de carbono. bateladas sequenciais (2c).
162 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021
Proposta de aumento da capacidade de tratamento e melhoria da qualidade do efluente da ETE de Campina Grande-PB
usando a combinação UASB e lagoas de polimento
3 3 4 3
6 6
2 5 2 5 2 5
1 1 6 1
4 4
Figura 5 - Alternativas operacionais para as seis lagoas já construídas: (a) dois pares de três lagoas em série (esquerda);
(b) uma série de seis lagoas (centro) ou (c) lagoa em regime de bateladas sequenciais (direita).
Pode-se mostrar que as três alternativas da Fig. 5 Batista et al. (2021) realizaram uma investigação
têm importante repercussão na remoção de CTT. para determinar o valor da constante de decai-
De acordo com a teoria (MARAIS; SHAW, 1961), mento e a influência da profundidade da lagoa e
o decaimento é um processo de primeira ordem: da temperatura na fase líquida. O resultado é uma
expressão empírica que permite calcular o valor da
dN/dt = - kdN (1)
constante de decaimento para qualquer situação:
A solução da equação básica depende da hidrodi-
kd = (1/H)*1,14*1,07(T-20) (3)
nâmica do reator onde o processo se desenvolve:
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021 163
Haandel A, Santos SL
Tabela 2 - Valores da eficiência e da concentração residual dos coliformes termotolerantes para diferentes vazões e
configurações das lagoas.
Vazão 13.000 m3/d 40.000 m3/d
2*3 lagoas fluxo 6 lagoas em série 6 lagoas bateladas 2*3 lagoas fluxo 6 lagoas em série 6 lagoas bateladas
Configuração contínuo fluxo cont. sequenciais contínuo fluxo cont. sequenciais
Fig. 5a Fig. 5b Fig. 5c Fig. 5a Fig. 5b Fig. 5c
Ne/Ni 4,9*10-3 2,4*10-5 2,1*10-11 5,8*10-2 3,3*10-3 3,6*10-4
Ne (Ni = 107) 4,9*104 2,4*102 2,1*10-4 5,8*105 3,3*104 3,6*103
164 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021
Proposta de aumento da capacidade de tratamento e melhoria da qualidade do efluente da ETE de Campina Grande-PB
usando a combinação UASB e lagoas de polimento
Os cálculos indicam que para a vazão atual a con- (1) Para processar o lodo de excesso do reator
centração residual dos CTT está acima do limite UASB, precisa-se de um conjunto de leitos de se-
máximo permitido (103 UFC por 100 mL) para a cagem com área estimada de 6.400 m2, que está
configuração atualmente utilizada (2 módulos disponível no terreno da ETE.
de 3 lagoas em série e fluxo contínuo); já nas
(2) Para processar a água a ser fornecida às in-
duas outras configurações propostas, o efluente
dústrias, faz-se necessário aplicar a clarificação,
apresentaria uma qualidade higiênica satisfató-
além da digestão da suspensão de algas depois
ria. Por outro lado, caso toda a vazão de esgoto
da clarificação.
produzida fosse tratada, nenhuma configuração
produziria um efluente de qualidade satisfatória, (3) O aproveitamento do biogás para geração de
ainda que o sistema com bateladas sequenciais energia pode ser aplicado (potência de 480 kW),
se aproximasse (Ne = 3,6*103 UFC por 100 mL). mas depende da viabilidade econômica. Se não
houver viabilidade econômica, o biogás pode ser
simplesmente queimado num flare.
5 MODIFICAÇÕES PROPOSTAS
Os pontos fracos do atual sistema de tratamento A viabilidade de remoção de nutrientes com o
em Campina Grande são: sistema UASB-LPBS se deve à combinação de
dois fatores:
(1) A capacidade de tratamento da ETE é peque-
na para a população servida; (1) Devido ao tratamento anaeróbio eficiente
no reator UASB, o efluente apresenta boa trans-
(2) O sistema não remove nutrientes; parência (remoção dos sólidos suspensos e co-
loides), aumentando a taxa de fotossíntese nas
(3) A remoção de CTT é ineficiente, mas pode ser
lagoas, além de uma baixa demanda de oxigênio
melhorada ao adotar a configuração da Fig. 5b
(baixa concentração de material orgânico resi-
ou 5c.
dual). Como resultado, haverá produção de oxi-
Os problemas da ETE podem ser resolvidos em gênio e consumo de dióxido de carbono na LPBS,
grande parte ao se adotar um sistema compos- o que resulta num aumento do pH.
to de um reator UASB e lagoas de polimento em
(2) Os processos biológicos que se desenvolvem na
regime de bateladas sequenciais (LPBS). Essas
LPBS são mais rápidos do que numa lagoa de poli-
duas modificações podem radicalmente mudar a
mento de fluxo contínuo (LPFC), que são invariavel-
capacidade de tratamento da ETE e a qualidade
mente aplicadas. Notadamente, o aumento do pH
do efluente do sistema de tratamento. O sistema
numa LPBS é mais rápido e maior do que numa LPFC.
modificado de tratamento de esgoto aprovei-
taria integralmente a infraestrutura existente e
seria capaz de tratar todo o esgoto de Campina Pesquisa desenvolvida por Albuquerque et al.
Grande, produzindo um efluente não somente (2021) mostrou que, por ser uma lagoa de bate-
capaz de evitar a eutrofização de Acauã, mas ladas sequenciais (LPBS), a remoção de material
também produziria água com qualidade que per- orgânico residual e de organismos patogênicos é
mitiria o reúso na indústria ou na agricultura. A mais rápida do que em LPFC e, portanto, pode ter
Fig. 6 é uma representação esquemática das mo- uma área menor para a mesma eficiência. A re-
dificações que se propõe. Torna-se necessário moção de DBO e de CTT na LPBS é rápida porque
construir algumas estruturas adicionais: não há necessidade de aumento do pH.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021 165
Haandel A, Santos SL
O mecanismo de remoção de nitrogênio em LPBS pH atinge um valor de 9,7. Esse valor é estabele-
é a dessorção da amônia. Para o gás se despren- cido rapidamente em LPBS rasa.
der a uma taxa elevada, é necessário que o pH Conclui-se que a LPBS pode ser usada para me-
alcance um valor de 8,5 a 9. Por outro lado, a re- lhorar a qualidade do efluente final em quatro as-
moção de fósforo se dá pela precipitação de hi- pectos: remoção de material orgânico, de colifor-
droxiapatita de cálcio, C10(OH)2(PO4)6, quando o mes termotolerantes, de nitrogênio e de fósforo.
Afluente
40.000 m3/d
Lodo de
excesso Leito de
Riacho 4800 kg/d secagem
UASB
6400 m2
Bodocongó Prof. 4 m
10.000 m3 Gerador
Biogas 480 kW
8000 m3/d
Água para Lagoa de
agricultura (até transbordo
40.000 m3/d) 60.000 m3
150
150
Lag Pol BS
150
150
Figura 6 - Representação esquemática das modificações propostas para a ETE de Campina Grande (em vermelho).
Todavia, o tempo necessário para efetuar a remoção (1) A área necessária para a remoção da DBO é a
dos quatro componentes indesejáveis é diferente, menor para os quatro constituintes indesejáveis
como é diferente a área necessária. A Fig. 7 mostra a serem removidos na LPBS;
o resultado de pesquisas desenvolvidas pelo nosso
(2) A área para remoção dos Coliformes termo-
grupo de trabalho, onde foi obtido um valor de área
tolerantes é determinante para LPBS quando o
necessária para as LPBS no verão e no inverno para
efluente for para fins de reúso agrícola;
as condições climatológicas de Campina Grande.
Essa figura mostra também que a profundidade óti- (3) A área para remoção da DBO e dos CTT é pra-
ma da LPBS é em torno de 0,5 m. A Tabela 3 mostra a ticamente independente da profundidade;
área per capita para a profundidade ótima de 0,5 m,
muito menor que a profundidade de uma lagoa con- (4) A área para remoção de Nitrogênio é bem
vencional (1 a 1,5 m). A Fig. 7 e a Tabela 3 permitem maior do que para remoção dos CTT;
tecer os seguintes comentários:
166 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021
Proposta de aumento da capacidade de tratamento e melhoria da qualidade do efluente da ETE de Campina Grande-PB
usando a combinação UASB e lagoas de polimento
(5) A área para remoção de Fósforo é quase o estabilização convencionais, que é em torno de
dobro da área necessária para remoção de ni- 3 m2/hab;
trogênio;
(7) A profundidade ótima das LPBS é em torno de
(6) A área da combinação UASB-LPBS é sempre 0,5 m, o que pode reduzir os custos de constru-
menor do que a área necessária em lagoas de ção consideravelmente.
N<1 mg/L
1.5 1.50
N<1 mg/L
1 1.00
CTT<103/100 mL
CTT< 103/100 mL
0.5 0.50
DBO<20 mg/L
DBO<20 mg/L
0 0.00
0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1
profundidade (m) profundidade (m)
Figura 7 - Área per capita das LPBS em função da profundidade para remoção da DBO, dos
coliformes termotolerantes, de nitrogênio amoniacal e de fosfato para uma contribuição
per capita de 100 L.hab-1.d-1 para as condições de verão e de inverno em Campina Grande-PB.
Tabela 3 - Área per capita necessária (m2.hab-1) para a remoção de DBO, CTT, Nitrogênio e Fósforo em LPBS com
profundidade de 0,5 m para as condições de clima de Campina Grande no verão e no inverno.
DBO CTT N P
Condição climática
(<20 mg/L) (99,99 %) (< 1 mgN/L) (< 1 mgP/L)
Verão 0,5 0,6 0,9 1,8
Inverno 0,6 0,7 1,3 2,6
5.1 Dimensionamento das unidades de permitir a operação do UASB por gravidade com uma
tratamento a serem construídas profundidade útil de 4 m. Assim, a área de cada uni-
dade seria de 2000/4 = 500 m2, tendo-se, por exem-
(1) Reator UASB
plo, 5 unidades com comprimento de 20 m e largura
Para a vazão prevista de 40.000 m3.d-1 e um tem- de 25 m da maneira indicada na Fig. 8. O restante
po de permanência de 6 h, o volume do UASB seria da área da lagoa seria utilizada para a sedimenta-
10.000 m3, por exemplo, 5 unidades de 2000 m3. ção dos sólidos eventualmente descarregados do
Essas unidades seriam construídas no fundo da atu- UASB. A produção de lodo seria 0,15 kgSST/kgDQO
al lagoa anaeróbia, eventualmente rebaixado para ou 0,15*32000 = 4800 kgSST, que seriam recalcados
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021 167
Haandel A, Santos SL
para os leitos de secagem, visando à produção de (4) Unidade de geração de energia elétrica
fertilizante orgânico. O efluente dessa unidade iria
Para estimar a produção de metano, usa-se o
por gravidade para a segunda lagoa anaeróbia, que
seguinte raciocínio: a lagoa de fluxo ascenden-
também teria a função de lagoa de transbordo.
te, por ter um tempo de permanência longo, terá
uma alta eficiência de remoção de material or-
(2) Lagoa de transbordo gânico: estima-se que pelo menos 75% da DQO
será removida após a sedimentação de sólidos
A segunda lagoa anaeróbia pode ser usada como
na lagoa de transbordo. Assim, para uma vazão
uma lagoa de transbordo, de onde se recalca o
de 40.000 m3/d e uma concentração de DQO no
efluente do UASB decantado para as lagoas de po-
afluente de 0,8 g/L, a carga orgânica é estima-
limento. O volume da lagoa anaeróbia (60.000 m3)
da em 40.000 m3/d*0,8 g/L = 32.000 kgDQO/d,
é suficiente para recalcar uma batelada com ca-
tendo-se até 25% no efluente com uma concen-
pacidade para encher as lagoas de polimento, que
tração de 0,2 g/L. A produção de lodo de exces-
terá um volume máximo de 50.000 m3 (vide item 5).
so seria aproximadamente 15% da carga orgâ-
nica, 32.000 kgDQO/d*0,15 = 4.800 kgDQO/d,
(3) Leitos de secagem de lodo resultando numa massa de lodo volátil de
4.800 kgDQO.d-1/1,5 = 3200 kgSVS/d. Com uma
Quanto à secagem de lodo, é necessário saber
fração volátil do lodo de 2/3 (VAN HAANDEL;
a produtividade dos leitos de secagem, que é a
VAN DER LUBBE, 2019), espera-se uma produção
massa de lodo que pode ser seca por dia e por uni-
de lodo de 1,5*3.200 kgSVS/d = 4.800 kgSST/d.
dade de área. Em pesquisas anteriores, estabele-
ceu-se que para as condições climáticas de Cam- A produção de metano pode ser estimada,
pina Grande um lodo seco com 30% de umidade sabendo-se que a digestão de 1 kg de DQO
pode ser produzido com uma produtividade de gera ¼ kg de metano. A massa de DQO digeri-
0,75 kgSST.m-2.d-1. Portanto, para uma produção da será igual à carga orgânica aplicada menos a
de 4.800 kgSST.d-1 necessitar-se-ia de uma área carga orgânica para a produção de lodo
de 4800 kgSST.d-1 /0,75 kgSSS.m-2.d-1= 6400 m2, (4.800 kgDQO/d) menos a carga orgânica no
que estaria disponível na ETE. efluente (0,25*32.000 = 8.000 kgDQO/d). Portan-
to, a produção de metano é: (32.000 kgDQO/d -
Reatores UASB: 8000 kgDQO/d - 4800 kgDQO/d)/4 = 4.800 kgCH4.
Lodo para
4*2500 m3 Dessa quantidade, em torno de 25% permanece-
secagem
rão dissolvidos no efluente e outros 25% serão per-
Lodo de
retorno didos como fugas, havendo uma quantidade para
Bacia de
produção de energia elétrica de 2400 kgCH4/d.
sedimentação
150 m Sabendo que a eficiência de conversão de me-
tano em energia elétrica é de 0,2 kW por
100 m
150 m
kgCH4.d-1, aproximadamente, o potencial de pro-
Estação
elevatória dução de energia elétrica de 0,2*2.400 = 480 kW.
Lagoa de Uma análise econômica deve estabelecer se é
100 m transbordo Para lagoas de
conveniente realizar o potencial ou queimar o
polimento
biogás gerado.
Figura 8 - Pré-tratamento anaeróbio em reator UASB
e lagoa de transbordo.
168 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021
Proposta de aumento da capacidade de tratamento e melhoria da qualidade do efluente da ETE de Campina Grande-PB
usando a combinação UASB e lagoas de polimento
(5) Transformação das lagoas de sequencialmente com esgoto digerido, como in-
polimento de fluxo contínuo em lagoa dica a Fig. 9 à esquerda ou o efluente do reator
de batelada sequenciais UASB pode ser recolhido num lagoa de transbor-
Para alimentar as lagoas de polimento de bate- do que então alimenta as lagoas de polimento.
ladas sequenciais com efluente do reator UASB A lagoa de transbordo, além de ser um taque de
que tem fluxo contínuo existem em princípio equalização, funciona também como decantador
duas possibilidades, como indicado na Fig. 9: do lodo que é descarregado do UASB e para ini-
As lagoas de polimento podem ser alimentadas ciar a fotossíntese.
Figura 9 - Esquema da disposição e operação de lagoas de polimento alimentadas em bateladas sequenciais sem (7a,
esquerda) e com (7b, direita) uma lagoa intermediária de transbordo.
(6) Produção de água para reúso que as lagoas já construídas têm área suficiente
para produzir um efluente com qualidade higi-
Pode-se estimar a área necessária para duas si-
ênica que permitirá seu uso na agricultura para
tuações em particular: (1) produção de água para
reúso agrícola; e (2) produção de água para in- qualquer cultivo, desde que se transformem as
dústrias com remoção de nitrogênio por dessor- lagoas de polimento de fluxo contínuo em lagoas
ção e remoção de fósforo por clarificação. de polimento de bateladas sequenciais.
(a) Produção de água para reúso agrícola (b) Produção de água para indústria
Água de reúso agrícola requer 0,7 m2.hab-1, ou Água de reúso na indústria requer remoção de
seja, 0,7 m2.hab-1*400.000 hab = 280.000 m2 ou nutrientes e de sólidos em suspensão. Como os
28 ha para Campina Grande. O que se tem dispo- sólidos em suspensão (algas) precisam ser re-
nível é 6*4 ha = 24 ha, ou seja, a área atualmente movidos, aplica-se clarificação usando-se co-
disponível é um pouco menor do que a área ne- agulantes como PAC (Policloreto de alumínio),
cessária para produzir um efluente com menos e nesse processo há remoção química de fósfo-
que 103 UFC por 100 mL. A remoção no UASB e ro. Portanto, a área tem de ser suficiente para a
na lagoa de transbordo será suficiente para dar a remoção de nitrogênio, que é 1,3 m2./hab-1 ou
pequena eficiência a mais do sistema, para pro- 1,3 m2./hab-1 *400.000 hab = 520.000 m2 ou 52
duzir um efluente final com qualidade higiênica hectares (Tabela 3), bem mais que a área dispo-
para irrigação sem restrições. Assim, conclui-se nível. Todavia, só se produziria para a indústria
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021 169
Haandel A, Santos SL
a quantidade que as atividades industriais efe- dade das lagoas para remoção de nitrogênio é de
tivamente demandam. Em Campina Grande, a somente 0,5 m, enquanto as lagoas existentes
FIEP (Federação de Indústrias do Estado da Pa- têm uma profundidade máxima de 1,5m. Tam-
raíba) estima que o consumo atual de água pelas bém não seria necessário que o fundo das lagoas
indústrias seja em torno de 10.000 m3/d, equi- tivesse que ser alinhado ao solo, uma vez que to-
valente à produção de esgoto de 100.000 habi- das as LPBS operam independentemente.
tantes, ou seja, ¼ do esgoto seria transformado
É interessante observar que o reúso de esgoto
em água para indústria. Para produzir essa va-
para indústrias, do ponto de vista econômico, é
zão, a área necessária seria uma área de 1,3 m2/
bem mais favorável do que o reúso na agricultu-
hab*100.000 hab = 130.000 m2 ou 13 ha, ou seja,
ra. Não somente as indústrias podem pagar um
aproximadamente metade da área disponível de
preço mais alto, mas também o valor da água nas
24 ha. Todavia, não seria possível produzir água
indústrias é muito mais alto do que na agricultu-
para indústria (10.000 m3/d) e água para agri-
ra. Assim, o custo adicional de preparar o efluen-
cultura (30.000 m3/d) na área atualmente dispo-
te final do sistema de tratamento para utilização
nível. Uma solução poderia ser a construção de
na indústria acaba sendo compensado pelo valor
mais três lagoas de polimento para a produção
mais elevado do produto final.
de água para reúso industrial, como mostra a Fig.
10. Nesse caso, as seis lagoas existentes seriam
suficientes para produzir água para agricultura
dos 30.000 m3 restantes.
6 CONCLUSÕES
(1) A capacidade de tratamento da ETE de Cam-
pina Grande é pequena para a vazão estimada de
esgoto de 40.000 m3/d. Nas condições atuais, o
sistema recebe em torno de 13.000 m3/d, ou seja,
3 6 9
1/3 da produção de esgoto, e está com dificulda-
des de produzir um efluente com qualidade, es-
pecialmente em termos de remoção de bactérias
2 5 8 coliformes, compatível com os padrões de lança-
mento brasileiros. É previsível que o sistema de
tratamento seja insuficiente para tratar todo o
esgoto de Campina Grande.
1 4 7
(2) A capacidade de tratamento da ETE de Cam-
pina Grande é baixa, porque utiliza a configu-
Efluente do Água para Água para ração de um sistema convencional de lagoas de
UASB agricultura indústria estabilização, sistema este que poderia ser subs-
40.000 m3/d 30.000 m3/d 10.000 m3/d
tituído por alternativas que fossem ao mesmo
Figura 10 - Configuração das lagoas para a produção tempo simplificadas e mais eficientes.
de 30.000 m3/d de água para agricultura e
10.000 m3/d de água para reúso industrial. (3) Se o sistema fosse modificado de acordo com
as sugestões apresentadas neste artigo, a capa-
As lagoas a serem construídas não seriam iguais cidade de tratamento poderia ser aumentada
às lagoas já existentes, uma vez que a profundi- para 40.000 m3/d, se o tratamento não inclu-
170 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021
Proposta de aumento da capacidade de tratamento e melhoria da qualidade do efluente da ETE de Campina Grande-PB
usando a combinação UASB e lagoas de polimento
(6) Com as modificações instaladas, a capaci- ALBUQUERQUE, M. S.; SANTOS, S. L.; VAN HAANDEL, A. Influência do
regime hidrodinâmico sobre o desempenho de lagoas de polimento.
dade de tratamento aumentaria dos seus atuais
Revista DAE: Edição especial, São Paulo, n. 229, março 2021.
13.000 m3/d para 40.000 m3/d se o objetivo fos-
BARROS, A. J. M. et al. Avaliação sanitária de hortaliças no
se produção de água para reúso agrícola ou de agreste e brejo paraibanos. Revista Brasileira de Engenharia
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de 13 de maio de 2011. Dispõe sobre as condições e padrões de
30.000 m3/d para agricultura, haveria necessida- lançamento de efluentes, complementa e altera a Resolução n°
de de aumentar a área das lagoas de polimento: 357, de 17 de março de 2005, do Conselho Nacional do Meio Am-
biente - CONAMA.
três novas lagoas teriam de ser construídas.
BATISTA, M. M.; LAMBAIS, G. R.; SANTOS, S. L.; VAN HAANDEL, A.
(7) Além do reúso produtivo do efluente da ETE, as Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluen-
te de reator UASB. Revista DAE: Edição especial, São Paulo, n.
modificações abrem a possibilidade de produção
229, março 2021.
de biogás e utilização de lodo. A partir do biogás
CAMPINA GRANDE. Secretaria De Planejamento. Diagnóstico da
poderia ser gerada uma potência de 480 kW. A Situação dos Serviços de Saneamento Básico. In: Plano Muni-
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Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021 171
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172 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 152-172 | Ed. Esp. Mar. 2021
ARTIGO ORIGINAL
Adrianus van Haandel1* | Silvânia Lucas dos Santos2 | Francisco Vieira Paiva3 DOI: https://doi.org/10.36659/dae.2021.027
Resumo
No presente trabalho comparam-se diferentes sistemas que são usados para tratar esgoto, visando ao reúso
agrícola ou industrial ou ainda à descarga em água de superfície. O tipo de sistema de tratamento deve atender
aos requisitos necessários ao uso que se prevê para o efluente. Distinguem-se assim quatro tipos de sistemas
de tratamento: lodo ativado, reator UASB, lagoas de estabilização e a combinação UASB-Lagoa de polimento
(LP). O reator UASB sozinho não produz uma qualidade de efluente que permita o reúso ou descarga em águas
de superfície. Se o reúso agrícola é desejado, não há necessidade de remoção de nutrientes. Nesse caso, os
sistemas de lagoas de estabilização e UASB-LP podem ser usados. Se o reúso industrial é previsto, a remoção
de nutrientes é necessária e pode-se usar o sistema de lodo ativado ou UASB-LP. Na escolha racional do tipo de
sistema de tratamento, os fatores mais importantes são: desempenho e a área necessária. Pelo desempenho
do sistema, avalia-se a capacidade de produzir a qualidade do efluente desejado e a área necessária indica se
é factível a implantação do sistema. Outros fatores, como custo, simplicidade e estabilidade operacional tam-
bém são relevantes. Ao fazer a comparação foi observado que o sistema com a melhor qualidade do efluente
é UASB-LP, mas a área necessária é relativamente grande. O lodo ativado produz um efluente com qualidade
muito boa, contudo o custo é alto, a operação não é simples e instabilidades podem ocorrer. O sistema de la-
goas de estabilização deve ser evitado, porque é inferior ao UASB-LP em vários aspectos.
Palavras-chave: Sistemas de tratamento de esgoto. Reúso agrícola. Reúso industrial. Lodo ativado. UASB.
Lagoa de estabilização. UASB + lagoas de polimento.
Abstract
In this paper, different systems for sewage treatment are compared, aiming to reuse the effluent in agriculture or
industry or discharge into surface water. The type of treatment system must match the intended use of the effluent.
There are four types of treatment systems: activated sludge, UASB reactor, stabilization pond and the combination
1
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Paraíba - Brasil.
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil.
3
Universidade de Fortaleza - Unifor - Fortaleza - Ceará - Brasil.
* Autor correspondente: adrianusvh@gmail.com.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 173-191 | Ed. Esp. Mar. 2021 173
Haandel A, Santos SL, Paiva FV
UASB + polishing pond (LP). The UASB reactor alone does not produce an effluent quality that allows reuse or dis-
charge into surface waters. If agricultural reuse is foreseen, there is no need to remove nutrients. In this case, the
stabilization pond and UASB-LP systems are suitable, if area is available. If industrial reuse is foreseen, removal of
nutrients is necessary and activated sludge or UASP-LP can be used. Regarding the rational selection of the type of
treatment system, the most important factors are performance and the required area. Based on the performance of
the system, it is assessed whether the system is capable of producing the desired effluent quality and the required
area indicates whether the system is feasible. Other factors such as cost, simplicity and operational stability are
also important. The system with the best quality of the effluent is UASB-LP, but the required area is relatively large.
Activated sludge produces very good quality of the effluent but the cost is high, the operation is not simple and in-
stability can occur. The stabilization pond system should be avoided, as it is very inferior to UASB-LP in every aspect.
Keywords: Sewage treatment systems. Agricultural reuse. Industrial reuse. Activated sludge. UASB. Stabilizations
ponds. UASB + polishing ponds.
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Aplicação do sistema UASB-lagoas de polimento para o tratamento de esgoto visando ao reúso agrícola ou industrial
ou à proteção de recursos hídricos
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Haandel A, Santos SL, Paiva FV
Na Tabela 1 apresentam-se os constituintes in- para ovos de helmintos (OH) e para Coliformes
desejáveis presentes no esgoto, os problemas Termotolerantes (CTT). A remoção de OH se dá
que causam e os mecanismos para sua remoção. pela sedimentação junto ao lodo, nos sistemas de
O tratamento primário, a sedimentação de só- tratamento, se o tempo de permanência for sufi-
lidos suspensos (SS), é incompleto e não é mais ciente. Na remoção de CTT pode-se usar o tempo,
aplicado em sistemas comunitários. O tratamen- se este for suficiente, ou métodos químicos (adi-
to secundário visa remover o material orgâni- ção de desinfetantes, cloro ou ozônio) ou físicos
co (MO), e se for aplicado junto com a remoção (aplicação de luz ultravioleta).
de patógenos é um tratamento adequado para
o reúso agrícola. A remoção do MO se dá tanto Há diferentes formas de reúso, e para cada forma
em ambiente aeróbio (oxidação para CO2 e H2O) de reúso há exigências da concentração máxima
como em ambiente anaeróbio (digestão para CH4 dos constituintes indesejáveis no esgoto. Na Ta-
e CO2). Os nutrientes que não são removidos são bela 2 observam-se as formas de reúso que são
usados produtivamente como fertilizante na irri- aplicadas na prática, e mostram-se as exigências
gação, substituindo parte dos fertilizantes neces- que se faz com respeito a remoção dos consti-
sários para uma boa produção. O tratamento ter- tuintes indesejáveis. A Tabela 2 mostra ainda
ciário visa à remoção dos nutrientes nitrogênio e que a remoção de SS e MO é importante em to-
fósforo. O nitrogênio é removido pelos processos dos os sistemas de tratamento. A Fig. 1 mostra
sequenciais de nitrificação (oxidação biológica de esquematicamente os três tipos de sistemas de
amônia para nitrato) e desnitrificação (redução tratamento que tradicionalmente são mais am-
de nitrato para nitrogênio molecular). Os meca- plamente empregados para este fim. Também se
nismos de remoção de patógenos são diferentes apresentam suas vantagens e desvantagens.
Tabela 2 - Importância da remoção de constituintes indesejáveis no esgoto para diferentes formas de reúso.
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Aplicação do sistema UASB-lagoas de polimento para o tratamento de esgoto visando ao reúso agrícola ou industrial
ou à proteção de recursos hídricos
Desvantagens
- Aeróbio: consumo de energia.
- Alta produção de lodo.
- Alto custo construção e operação.
- Operação requer pessoal qualificado.
- Instabilidade operacional ocorre.
afluente
Figura 1 - Representação dos três tipos de tratamento biológicos mais aplicados na prática.
Fonte: Van Haandel e van der Lubbe, 2019; van Haandel e Marais, 1999.
continua...
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 173-191 | Ed. Esp. Mar. 2021 177
Haandel A, Santos SL, Paiva FV
Figura 1 - Continuação...
Sistemas mistos:
Lagoa de estabilização
Vantagens
- Simples construção e operação.
- Custo baixo de operação.
- Custo baixo de construção.
Desvantagens
- Área grande: evaporação
de água.
- Sem remoção de N&P.
- Libera maus odores.
- Emissário longo com
custo elevado.
- Impopular pela alta
visibilidade sistema.
A boa qualidade do efluente possibilita o reúso van Haandel (2018) pesquisaram a influência da
não somente para fins agrícolas, mas também temperatura sobre a eficiência de remoção do
como água de utilidades para a indústria. Nos MO em reatores UASB e chegaram a duas con-
Estados Unidos já existem plantas de tratamento clusões importantes:
em operação que produzem água de reúso para
o abastecimento humano, sendo que neste caso (1) A idade de lodo é a variável operacional básica
processos de tratamento avançado são necessá- do reator UASB. Para uma eficiência máxima de
rios – podendo ser citados, entre eles, a osmose remoção de MO, a idade de lodo deve ter um va-
reversa e a biofiltração em ozônio, entre outras – lor de 100 d, aproximadamente, independente-
e aplicados para remover eventuais contaminan- mente da temperatura. A Fig. 2 mostra a relação
tes residuais e corrigir a matriz iônica da água entre a idade de lodo e a eficiência de remoção
antes de sua distribuição. do MO para diferentes temperaturas. Há uma
clara relação entre a temperatura e a eficiência
máxima. No Brasil, a temperatura mínima do es-
3.2 Reator UASB
goto é em torno de 16oC. A Fig. 2 mostra que para
O reator UASB não tem as desvantagens associa- essa temperatura a eficiência máxima é em tor-
das ao sistema de lodo ativado, mas a qualida- no de 55%. Para uma temperatura no esgoto de
de do seu efluente é inferior e não é compatível 30oC (a máxima no Brasil), a eficiência máxima é
com as diretrizes do Conama nos seus aspectos em torno de 75%.
fundamentais. Portanto, haverá necessidade da
aplicação de pós-tratamento para que o efluen- (2) O tempo de permanência para a eficiên-
te obtenha características que permitam o reú- cia máxima da digestão anaeróbia depende da
so ou a descarga em águas superficiais. Todavia, temperatura, como indica a Fig. 3, que mostra a
as vantagens do reator UASB são consideráveis: relação empírica estabelecida por Santos, Cha-
grande parte do MO e dos SS (inclusive coloídes) ves e van Haandel (2018), bem como a relação
é removida sem que haja necessidade de apli- definida na norma Brasileira NBR 12.209/2011
car energia ou outros insumos. Santos, Chaves e (ABNT, 2011).
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Aplicação do sistema UASB-lagoas de polimento para o tratamento de esgoto visando ao reúso agrícola ou industrial
ou à proteção de recursos hídricos
Figura 3 - Tempo de permanência necessário para eficiência máxima num reator UASB em
função da temperatura segundo Santos, Chaves e van Haandel (2018) e NBR 12.209/2011.
Para diminuir tanto as desvantagens do sistema redução de custos operacionais. Outra vanta-
de lodo ativado como as do reator UASB, na prá- gem importante é que a estabilização de lodo
tica se aplicam bastante os sistemas anaeró- de excesso da parte aeróbia do sistema pode
bio-aeróbio, como mostra a Fig. 4. Neste caso, ocorrer no próprio reator UASB, evitando-se o
grande parte dos SS e do MO é removida da fase adensador e o digestor de lodo, que são parte
líquida de modo que a carga orgânica sobre o do sistema puramente aeróbio. Todavia, Silva
sistema aeróbio de pós-tratamento é reduzida. e van Haandel (2013) mostraram que a esta-
O volume do sistema anaeróbio-aeróbio é em bilização do lodo de excesso aeróbio no reator
torno de 40% menor do que o sistema aeróbio. UASB somente é viável se houver uma unidade
A possibilidade de gerar energia elétrica a par- intermediária que retenha os sólidos no efluen-
tir do biogás pode ser um fator importante na te do reator UASB.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 173-191 | Ed. Esp. Mar. 2021 179
Haandel A, Santos SL, Paiva FV
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Aplicação do sistema UASB-lagoas de polimento para o tratamento de esgoto visando ao reúso agrícola ou industrial
ou à proteção de recursos hídricos
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Haandel A, Santos SL, Paiva FV
essa razão, na prática uma lagoa anaeróbia usu- dN/dt = -kdN (2)
almente tem um tempo de permanência de 2 a
A Eq. 2 pode ser usada para expressar a diminui-
4 d. com uma eficiência de remoção da DBO em
ção da concentração de CTT em lagoas de mis-
torno de 70%. Essa remoção é considerável, mas
tura completa:
de todo modo deixa em torno de 30% para ser
removida na lagoa de polimento. Ne/Ni = 1/(1+kdTDH) (2a)
Depois da remoção parcial de MO na lagoa Para uma série de lagoas de igual tamanho a ex-
anaeróbia, a concentração de DBO na lagoa fa- pressão é:
cultativa subsequente é baixa e, por isso, a taxa
de digestão anaeróbia nessa lagoa é baixa. Por Ne/Ni = 1/(1+kdTDHT/M)M (2b)
essa razão, a lagoa facultativa é operada em um Normalmente a concentração de CTT é da ordem
ambiente ao menos parcialmente aeróbio, uma de 107 a 108 UFC/100 mL (UFC = unidades de
vez que as bactérias aeróbias removem MO mais formação de colônias). A concentração máxima
eficientemente do que os micro-organismos para irrigação sem restrições é 103 UFC/100 mL
anaeróbios quando a concentração é baixa. O (OMS, 2006), de modo que se deseja uma dimi-
oxigênio para o ambiente aeróbio é gerado na nuição de 107 para 103, ou seja, de 99,9 a 99,99 %
própria lagoa de maturação por algas, num pro- das bactérias devem ser removidas. Levando em
cesso de fotossíntese. Esse processo é lento e, consideração a remoção nas lagoas anaeróbia e
portanto, requer um tempo de permanência lon- facultativa tem-se:
go. A manutenção de um equilíbrio entre a pro-
dução de oxigênio por fotossíntese e o consumo Ne/Nli = 1/(1+kdTDHla) + 1/(1+kdTDHlf ) +
de oxigênio por bactérias no metabolismo de MO 1/(1+kdTDH/M)M
é a essência de projetos de lagoas facultativas.
Batista et al. (2021) estabeleceram que o valor da
Ho et al. (2017) relatam mais do que uma deze-
constante de decaimento depende da tempera-
na de equações empíricas que levam em consi-
tura e da profundidade da lagoa e propuseram a
deração diferentes aspectos do tratamento em
seguinte expressão:
lagoas, mas que têm pouca utilidade para definir
o tempo de permanência em um determinado kd = (1,14/H)1,07(t-20)
caso de projeto em particular. No Brasil, lagoas
Assim, é possível calcular que a remoção dos coli-
facultativas são projetadas com um tempo de
formes para TDHla = 3 d numa lagoa anaeróbia com
permanência em torno de 2 semanas e com uma
profundidade de H = 4 m e operando a 25oC será Nla/
profundidade de 1 a 1,2 m (MARA, 1976). Isso
Ni = 1/(1+(1.14/4*1.07(25-20)*3)) = 0,45 e uma Nlf/Nla =
significa uma área de 1,4 m2/habitante se a con-
0,042 de modo que a concentração residual nas pri-
tribuição per capita é de 100 L/d.
meiras duas primeiras lagoas é Nlf/Ni = 0,45*0,042
O principal objetivo da operação de lagoas de = 0,02. Portanto, para obter uma concentração de
maturação é a remoção de patógenos, particu- coliformes final, a remoção não pode ser menor que
larmente os CTT, que são o grupo de bactérias Ne/Nlf = 103/(0,02*107) = 5*10-3, ou seja, nas lagoas de
mais ao decaimento em lagoas. Marais e Shaw maturação devem ser removidos 99,5% dos colifor-
(1961) estabeleceram que a diminuição da con- mes. Na Fig. 7 pode-se observar a relação entre fra-
centração de bactérias em lagoas é um processo ção residual de coliformes e o tempo de permanên-
de primeira ordem, independentemente da na- cia. Assim, por exemplo, para uma remoção de 99,5%
tureza do ambiente (anaeróbio ou aeróbio): dos coliformes em duas lagoas em série o TDH = 17
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Aplicação do sistema UASB-lagoas de polimento para o tratamento de esgoto visando ao reúso agrícola ou industrial
ou à proteção de recursos hídricos
0
0 5 10 15 20
-1 M=1
Fração residual (escala log)
-2 M=2
99,5%
-3
-4 99,95% M=4
-5
-6 Temp. = 25 oC M=8
H=1m
-7 Decaimento
kd = 1,6/d
exponencial
-8
Tempo de permanencia (d)
Figura 7 - Fração residual de CTT em função do tempo de permanência para diferentes séries de lagoas de maturação
e para uma lagoa unitária operada em regime de bateladas.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 173-191 | Ed. Esp. Mar. 2021 183
Haandel A, Santos SL, Paiva FV
ter o mesmo nível, o que requer grandes escava- pimentos nos orifícios de distribuição da água,
ções para aplanar a base das lagoas, especial- por isso elas devem ser idealmente removidas.
mente em terrenos acidentados.
(h) Se o gotejamento for usado como método de (3) Como a geração de odores e sua liberação
irrigação, a presença de algas pode causar entu- à atmosfera é limitada ou inexistente, pode-se
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Aplicação do sistema UASB-lagoas de polimento para o tratamento de esgoto visando ao reúso agrícola ou industrial
ou à proteção de recursos hídricos
construir o sistema perto da região urbana ou dias na série de 4 lagoas de fluxo contínuo, tendo-
mesmo dentro dela, evitando-se os custos de um se, portanto, uma proporção de 5/15 = 0,33.
emissário longo.
Se o objetivo das lagoas de polimento é remoção
A descarga do efluente clarificado e de baixa de nitrogênio, a situação é diferente. Albuquerque
concentração de MO do reator UASB garante et al. (2021) mostram que o aumento do pH é bem
que a fotossíntese predomine sobre a oxidação mais rápido em lagoas de bateladas sequenciais
e o oxigênio dissolvido estará disponível na la- do que em lagoas de fluxo contínuo. Assim, se a
goa de polimento, receptora do efluente. Nessas remoção de nutrientes for o objetivo do tratamen-
condições é possível operar a lagoa em regime to lagoas em regime de bateladas também permi-
de bateladas sequenciais. Essa modificação traz
tem uma redução de área importante. Nas Fig. 8a
importantes mudanças, principalmente no que
e 8b observa-se a porcentagem de remoção de
se refere ao decaimento de CTT e viabilidade de
nitrogênio em função do tempo de permanência
remoção de nutrientes.
para lagoas de fluxo contínuo (8a) e para batela-
(1) Se a remoção de nutrientes não é necessá- das sequenciais (8b) e para profundidades de 0,2 e
ria, o tempo de permanência é determinado pelo 0,4 m. As figuras mostram que para uma alta por-
tempo de decaimento dos CTT, que é muito mais centagem de remoção (90 %) na LPBS o tempo de
curto do que em lagoas de fluxo contínuo devido permanência é 8 d, enquanto nas lagoas de fluxo
à cinética de primeira ordem do decaimento. contínuo um tempo de permanência um tempo
(2) Pelo fato de em lagoas de polimento a geração de permanecia de 15 d é necessário. Portanto, o
de oxigênio pela fotossíntese predominar sobre tempo de permanência e o volume nas LPFC são
o consumo por oxidação de MO, há aumento do quase duas vezes maiores do que nas LPBS. Ainda
pH na lagoa que abre a de remoção de nutrientes; assim, parece valer a pena a operação das lagoas
nitrogênio por dessorção de amônia gasosa e fós- em regime de bateladas sequenciais.
foro por precipitação de hidroxiapatita de cálcio.
A diferença entre LPBS e LPFC é ainda mais pro-
No caso do decaimento de uma batelada de nunciada quando a remoção de fósforo também
efluente, pode-se resolver a equação diferencial é o objetivo do tratamento, como mostram as
da Eq. 2 como: Fig. 9a e 9b. Pode-se observar que uma remoção
eficiente é possível em 10 dias para uma profun-
Ne/Ni = exp(-kdt) (2)
didade de 0,4 m em LPBS. Em contraste, a re-
A Fig. 7 mostra o decaimento exponencial dos CTT moção em LPFC é somente parcial: o pH nessas
em função do tempo. Pode-se observar que a fra- lagoas não aumenta suficientemente para pro-
ção residual dos coliformes em qualquer momen- vocar precipitação eficiente de hidroxiapatita.
to é muito menor do que em lagoas operadas em
regime contínuo, e a diferença aumenta na medi- A Fig. 10a mostra o fluxograma do sistema UAS-
da em que se deseja uma eficiência maior. Assim, B-LPBS para a produção de água no reúso agrí-
para a remoção de 99,5% dos CTT, precisa-se de cola, quando se removem o material orgânico
3 dias numa lagoa em regime de bateladas e de e os patógenos, mas não os nutrientes que po-
7,5 dias numa séria de 4 lagoas de fluxo contínuo, dem ser aproveitados para aumentar a produção
tendo-se, portanto, uma proporção de 3/7,5 = 0,4. agrícola. O tempo de permanência nas lagoas de
Para uma remoção de 99,95%, os tempos são 5 polimento deve ser suficiente para efetuar o de-
dias na lagoa de decaimento exponencial e de 15 caimento desejado dos CTT.
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Aplicação do sistema UASB-lagoas de polimento para o tratamento de esgoto visando ao reúso agrícola ou industrial
ou à proteção de recursos hídricos
Lodo seco
≈ 4 tSTS/d
Figura 10a - Fluxograma do sistema UASB-LPBS para a produção de um efluente com nutrientes
Figura 10b - Fluxograma do sistema UASB-LPBS para a produção de um efluente sem nutrientes
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Haandel A, Santos SL, Paiva FV
A Fig. 10b mostra o fluxograma do mesmo siste- dial. Naturalmente, o custo desse tratamento será
ma quando os nutrientes também são removi- considerável, mas em muitas regiões do interior
dos. Nessa figura considera-se que na prática o do Nordeste a disponibilidade de recursos hídricos
efluente sem nutrientes em geral será usado para é tão precária que sua aplicação é necessária para
atender à demanda de água para indústrias, e viabilizar o desenvolvimento industrial.
nesse caso será necessário que a água esteja tam-
Na Fig. 11 podem-se observar os resultados de
bém livre de sólidos suspensos, mas o efluente
pesquisas publicadas nesta série de artigos e que
tratado nas lagoas tem de 100 a 150 mg/L de SS,
foram realizadas em Campina Grande. Na Fig. 11
principalmente na forma de algas. A clarificação
estão plotados em função da profundidade das
(coagulação + floculação + sedimentação + filtra-
lagoas de polimento em regime de bateladas se-
ção) pode ser usada para remover os SS. O coagu-
quenciais, a área necessária para as quatro tare-
lante usado nesses processos também precipita
fas principais de lagoas de polimento: redução da
o fosfato, de maneira que o aumento do pH por
concentração de (1) MO; (2) patógenos; (3) nitro-
fotossíntese precisa somente atingir o valor para
gênio; e (4) fósforo. Pode-se observar que a área
remoção de nitrogênio, que é 8,5-9,0. A remo-
é relativamente pequena para a remoção de MO
ção de fósforo em lagoas é quase completa a um
e patógenos, independentemente da profundi-
pH de 9,5 a 9,7 em águas moderadamente duras
dade. A área para remoção dos nutrientes é bem
(Ca2+ ≈ 1 mmol/L), mas o tempo necessário para
maior porque só ocorre quando o pH é elevado
atingir é o dobro do tempo para atingir um pH de
e o aumento do pH é um processo lento. Para
8,5-9 necessário para remoção de nitrogênio.
remoção de MO e patógenos, a área é de 0,6 a
Na Fig. 10b pressupõe-se que o fósforo será re- 0,7 m2/habitante, um fator de 4 a 5 vezes maior
movido por clarificação. Geralmente o tratamento do que em lagoas convencionais de estabiliza-
avançado como clarificação somente será aplica- ção. A remoção de nitrogênio requer uma área
do quando se prevê reúso industrial. A clarificação cerca de duas vezes maior do que a área para re-
representa um investimento considerável (pra- moção de somente CTT e MO, enquanto a área
ticamente se constrói uma ETA), mas para reúso de remoção de fósforo é o dobro da área para re-
industrial a qualidade do efluente final é primor- moção de nitrogênio.
N<1 mg/L
1.5 1.50
N<1 mg/L
1 1.00
CTT<103/100 mL
CTT< 103/100 mL
0.5 0.50
DBO<20 mg/L
DBO<20 mg/L
0 0.00
0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1
profundidade (m) profundidade (m)
Figura 11 - Área per capita das LPBS em função da profundidade para remoção da DBO, dos CTT, de nitrogênio
amoniacal e de fosfato, para as condições de verão e de inverno (per capita contribuição de 100 L.hab.d-1).
188 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 173-191 | Ed. Esp. Mar. 2021
Aplicação do sistema UASB-lagoas de polimento para o tratamento de esgoto visando ao reúso agrícola ou industrial
ou à proteção de recursos hídricos
Lagoa de estabilização
3 m2/EH
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 173-191 | Ed. Esp. Mar. 2021 189
Haandel A, Santos SL, Paiva FV
Outros fatores de grande importância são as- para sistemas sem como para sistemas com re-
pectos financeiros, simplicidade de construção moção de nutrientes.
e operação, bem como a estabilidade operacio-
(4) A área do sistema UASB-LPBS (0,7 m2/EH) sem
nal. Ainda que o custo anual de construção do
remoção de nutrientes é de 1,3 m2/EH com remo-
sistema mais caro (provavelmente o sistema de
ção de N e P, o que pode inviabilizar sua aplicação,
lodo ativado) seja menor do que o custo médio
especialmente em grandes centros urbanos.
que o brasileiro (gasta com produtos cosméticos,
por exemplo) consome (por equivalente de habi- (5) Sistemas de lodo ativado podem produzir um
tante), é importante que se reduzam os custos ao efluente de excelente qualidade, mas sua imple-
mínimo possível sem que se comprometa a qua- mentação pode esbarrar em problemas sérios de
lidade da água produzida. Quanto à simplicidade ordem financeira e de complexidade de constru-
de construção e de operação, os sistemas com ção e de operação.
pré-tratamento anaeróbio são preferíveis. Na
(6) O sistema de lagoas de estabilização é
construção se usa preferencialmente materiais
inferior em vários aspectos quando compara-
locais e a operação é tão simples que pode ser
do com o sistema UASB-LPBS, e sua aplicação é
realizada por pessoal não muito qualificado.
desaconselhável.
O sistema de lagoas de estabilização (LE) é ul-
(7) O reator UASB sem pós-tratamento é inca-
trapassado por razões tecnológicas, ambientais,
paz de produzir um efluente que possa ser usado
econômicas, sociais e estéticas. Comparado com
para qualquer forma de reúso.
o sistema UASB-LPBS, o sistema de Lagoas de es-
tabilização ocupa uma área desnecessariamente
grande, tem a maior produção de gases de efeito
6 AGRADECIMENTOS
estufa de todas as alternativas de tratamento e
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de
prejudica a população com maus odores. Portan-
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
to, sua aplicação deve ser evitada.
pelo incentivo financeiro às pesquisas.
5 CONCLUSÕES
7 CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
(1) Idealmente sistemas de tratamento de esgoto
Todos os autores contribuíram de forma igualitária.
devem ser projetados para reúso. Sistemas que
preservem os nutrientes podem ser usados para
aplicações agrícolas. Sistemas com remoção de
8 REFERÊNCIAS
nutrientes podem ser usados para qualquer for-
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12.209:
ma de reúso. Elaboração de projetos hidráulico-sanitários de estações de tra-
tamento de esgotos sanitários. Rio de Janeiro, 2011. 53p.
(2) Em termos de desempenho, o sistema UAS-
BATISTA, M. M.; LAMBAIS, G. R.; SANTOS, S. L.; VAN HAANDEL, A.
B-LPBS é superior aos outros sistemas de trata-
Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando efluen-
mento de esgoto apresentados quanto aos crité- te de reator UASB. Revista DAE: Edição especial, São Paulo, n.
rios analisados. 229, março 2021.
190 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 173-191 | Ed. Esp. Mar. 2021
Aplicação do sistema UASB-lagoas de polimento para o tratamento de esgoto visando ao reúso agrícola ou industrial
ou à proteção de recursos hídricos
de efluentes, e dá outras providências. Diário Oficial da União, fluidized bed reactor: FEMS. Microbiology letters, 16, pp. 177-
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Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 173-191 | Ed. Esp. Mar. 2021 191
ARTIGO ORIGINAL
Adrianus van Haandel1* | Silvânia Lucas dos Santos2 | Francisco Vieira Paiva3 DOI: https://doi.org/10.36659/dae.2021.028
Resumo
A região Nordeste do Brasil sofre com déficit crônico de recursos hídricos, especialmente para abastecer as
indústrias em cidades grandes. Como consequência, seu desenvolvimento industrial é restrito quando com-
parado com outras regiões do Brasil. Uma possibilidade para minorar esse problema é transformar o esgoto de
regiões urbanas em água com utilidade para a indústria. Todavia, as lagoas de estabilização que já estão em
operação não podem produzir um efluente que seja aceitável para uso industrial. Contudo, é possível transfor-
mar lagoas de estabilização existentes em sistemas com pré-tratamento eficiente, por exemplo, em reatores
UASB e tratamento complementar em lagoas de polimento em regime de bateladas sequenciais (LPBS), po-
dendo haver uma lagoa de transbordo intermediária. Nessa transformação, pode-se aproveitar a infraestru-
tura do sistema já existente. No presente trabalho, analisa-se um caso hipotético de um sistema de lagoas de
estabilização sendo transformado num sistema UASB-LPBS. No exemplo, o sistema recebe uma vazão afluente
de 45.000 m3/d de água residuária mista, de origem doméstica e industrial. O sistema convencional de lagoas
de estabilização opera com um tempo de permanência de 28 d e ocupa uma área de 73 ha. Deseja-se obter um
efluente com baixas concentrações dos constituintes indesejáveis: sólidos em suspensão, material orgânico,
patógenos, nitrogênio, fósforo e sulfato. Para tanto, propõem-se as seguintes transformações: (1) reatores
UASB serão construídos na lagoa anaeróbia existente; (2) a lagoa facultativa existente passará a funcionar
como uma lagoa de transbordo e (3) as lagoas de maturação serão transformadas em lagoas de polimento.
Palavras-chave: Tratamento de esgoto. Reúso industrial. Remoção de nutrientes. Reator UASB. Lagoa de polimento.
Abstract
The Northeast region suffers from a chronic deficit in water resources, especially to supply industries in large cities.
As a consequence, industrial development is weak compared to other regions of Brazil. One possibility to solve this
problem is to transform the sewage of urban regions into water that is useful for industry. However, the stabilization
ponds that are already in operation cannot produce an effluent that is acceptable for industrial use. It is possible
to transform existing stabilization ponds into a system with efficient pretreatment, for example, in UASB reactors
1
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Paraíba - Brasil.
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil.
3
Universidade de Fortaleza - Unifor - Fortaleza - Ceará - Brasil.
* Autor correspondente: adrianusvh@gmail.com.
192 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 192-212 | Ed. Esp. Mar. 2021
Transformação de um sistema de lagoas de estabilização, visando à produção de água para a indústria
and complementary treatment in polishing ponds in a sequential batch regime (LPBS), with the possibility of an
intermediate transfer pond. The infrastructure of existing stabilization ponds can be used for this transformation.
This paper analyzes a hypothetical case of a stabilization pond being transformed into a UASB-LPBS system. In
the example, the system receives an affluent flow of 45,000 m3/d of wastewater of mixed domestic and industrial
origin. The conventional stabilization pond system operates with a residence time of 28 d and occupies an area of
73 ha. It is desired to obtain an effluent with low concentrations of undesirable constituents: suspended solids,
organic material, pathogens, nitrogen, phosphorus and sulfate. Therefore, the following transformations are pro-
posed: (1) UASB reactors will be built in the existing anaerobic pond; (2) the existing facultative pond will start to
function as a transfer pond and (3) maturation ponds will be transformed into polishing ponds.
Keywords: Sewage treatment. Industrial reuse. Nutrient removal. UASB reactor. Polishing ponds.
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 192-212 | Ed. Esp. Mar. 2021 193
Haandel A, Santos SL, Paiva FV
dessorção de amônia e de um pH de 9,5 a 9,7 para goa facultativa em uma lagoa de transbordo; e
a precipitação de fosfato. (3) transformação das lagoas de maturação em
lagoas de polimento com regime de bateladas
A fotossíntese que induz o aumento do pH tem
sequenciais. Para produzir uma alta qualidade
outro resultado: estabelece-se na lagoa de po-
de água industrial é necessário remover as algas
limento uma população de algas que reflete um
que se formam nas lagoas de transbordo e de po-
aumento da concentração de sólidos em sus-
limento por clarificação ou flotação.
pensão. Esses sólidos devem ser removidos para
que a água possa ser usada pelas indústrias. Essa
remoção se realiza pela aplicação de processos
2 CARACTERÍSTICAS DA ÁGUA RESIDUÁRIA E
físico-químicos (clarificação ou flotação) que
DIMENSÕES DAS LAGOAS EXISTENTES
transformam os sólidos em uma suspensão se-
Na Tabela 1 observam-se as características adota-
dimentável. Os processos usam coagulantes de
das de uma água residuária mista composta de es-
íons trivalentes (Al3+ ou Fe3+), que funcionam
goto doméstico e efluente industrial, bem como do
simultaneamente para precipitar fosfato eficien-
efluente do sistema de lagoas de estabilização. Na
temente. Essa é uma alternativa de remoção de
Tabela 2 resumem-se as dimensões básicas adota-
fosfato se não se deseja aumentar o pH da lagoa das para o sistema de lagoas de estabilização.
de polimento até um valor de 9,5 a 9,7 para pre-
cipitar o fosfato como hidroxiapatita. Quanto às características da água residuária a
ser tratada, observa-se que comparado com es-
Pode ser conveniente a operação de uma lagoa goto doméstico típico há duas diferenças prin-
de transbordo entre o reator UASB e as lagoas de cipais: (1) a concentração de material orgânico
polimento. Essa lagoa de transbordo não somente é bem mais alta, principalmente a DBO e (2) a
funciona como tanque de equalização mas tam- proporção N/DQO e P/DQO é baixa e (3) a con-
bém como decantador de lodo que, eventualmen- centração de sulfato é muito elevada. Essas di-
te escapa do reator UASB. Um aspecto interes- ferenças devem-se ao componente industrial na
sante é que pode haver possibilidade de remoção mistura, que geralmente tem poucos nutrientes
de sulfato, que muitas vezes aparece com uma e alta concentração de sulfato. Adotou-se uma
concentração relativamente elevada no afluente, população equivalente de 450.000, e uma con-
especialmente se há contribuição significativa de tribuição per capita de 100 L/d.
efluentes industriais. No reator UASB, o sulfato
pode ser reduzido para sulfeto e esse sulfeto, por Na Tabela 2 pode-se observar que o sistema de la-
sua vez, pode ser oxidado para enxofre na lagoa de goas existente tem a composição típica de lagoas
transbordo, aproveitando o oxigênio que ali é ge- de estabilização, com uma lagoa anaeróbia com
rado pela fotossíntese (Janssen et al., 1999). um tempo de permanência de 2,8 d, uma lagoa fa-
cultativa com tempo de permanência de 8,9 d e três
Assim, neste trabalho avalia-se a transforma- lagoas de maturação com tempo de permanência
ção de um sistema de lagoas de estabilização de 5,5 d, perfazendo um tempo de permanência
convencional em um sistema combinado que total de 28,3 d, se não for levado em considera-
pode produzir água de boa qualidade para reú- ção a evaporação de água. Na realidade, a perda
so industrial. Nessa transformação discute-se: é pequena: mesmo para uma taxa de evaporação
(a) substituição da lagoa anaeróbia por reatores elevada de 5 mm/d, a evaporação (3.600 m3/d) cor-
UASB para aumentar da eficiência do pré-tra- responde a 8% da vazão afluente e poderá haver
tamento anaeróbio; (b) transformação da la- chuva para compensar parcialmente essa perda.
194 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 192-212 | Ed. Esp. Mar. 2021
Transformação de um sistema de lagoas de estabilização, visando à produção de água para a indústria
Tabela 2 - Valores adotados das dimensões principais do sistema existente de lagoas de estabilização
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 192-212 | Ed. Esp. Mar. 2021 195
Haandel A, Santos SL, Paiva FV
Lagoa facultativa
Lagoa de transbordo = atual lagoa facultativa
1055*190 m2
Tempo de permanência = 8,9 d
Volmax = 400.000 m3; Area = 200.000 m2, Prof. = 2 m
Volmax=42.000 m3; Area = 84.000 m2,Prof. = 0,5 m Volmax= 42.000 m3; Area = 84.000 m2, Prof. = 0,5 m
Lagoas de maturação
3*(1055*158) m2
Lagoa de polimento de bateladas sequenciais Lagoa de polimento de bateladas sequenciais
Tempo de permanência = 5,5 d Tempo de permanência = 5,5 d
Volmax=42.000 m3; Area = 84.000 m2, Prof. = 0,5 m Volmax=42.000 m3; Area = 84.000 m2, Prof. = 0,5 m
1055 m
Figura 1 - Layout do sistema de lagoas de estabilização existente (preto) e de tratamento com reatores UASB
e lagoas de polimento (em vermelho).
Flare Gerador
Lagoa de
polimento
Armaz. gás Lagoa de
Biogás polimento
Lagoa de
Aflu- Reator Lagoa de polimento Clarifi- Adensa-
ente UASB transbordo Lagoa de cação mento
Lodoo polimento
Lagoa de
Leitos de polimento PAC
secagem Lagoa de
polimento
Suspensão de algas
Lodo seco
≈ 4 tSTS/d
Figura 2 - Elementos do sistema de tratamento que se propõe para produzir água para indústrias.
196 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 192-212 | Ed. Esp. Mar. 2021
Transformação de um sistema de lagoas de estabilização, visando à produção de água para a indústria
Tabela 3 - Remoção prevista para os constituintes indesejáveis nas diferentes fases de tratamento.
Constituinte Lagoa de Lagoas de
UASB Clarificação Gerador de energia Remoção total
indesejável transbordo polimento
Material orgânico 70% - - 15% - 95 %-
Redução de Sulfato 90%
90 % 10 % - - 90 %
Oxidação de Sulfeto (sulfeto)
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 192-212 | Ed. Esp. Mar. 2021 197
Haandel A, Santos SL, Paiva FV
198 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 192-212 | Ed. Esp. Mar. 2021
Transformação de um sistema de lagoas de estabilização, visando à produção de água para a indústria
Na prática não se constrói um reator tão gran- (5) Geometria do separador e do defletor
de; normalmente reatores não são maiores que A parte superior do reator UASB é composta de
2000 m3, aproximadamente (CHERNICHARO, duas partes: o separador trifásico e o defletor.
2007), de modo que serão utilizados 6 reatores O separador trifásico tem como função separar
de 2100 m3. O tempo de permanência nos rea- as fases líquida, sólida e gasosa. Existem vários
tores é TDH = 12600/45000 = 0,28 d ou 6,7 h, projetos de separadores de fases, contudo o mais
estando, portanto, dentro dos padrões de TDH comum é a forma representada na Fig. 5. O se-
indicados pela NBR 12209/2011, para as con- parador tem dois componentes: a parte superior
é um retângulo e funciona como um coletor de
dições de temperatura da região (ABNT, 2011).
biogás que deixa o reator por uma saída no topo.
A carga orgânica volumétrica é calculada
A parte inferior é um trapézio e coleta as bolhas
como a razão entre a DQO aplicada e o volume:
de gás que sobem a partir da zona de digestão
COV = 0,88*45000/12.600 = 3,1 kgDQO/m3/d. e as dirige para o coletor de gás. Os dois com-
ponentes não são necessariamente feitos do
Reatores UASB com volume da ordem de 2000 m3
mesmo material. Como a parte superior tem uma
invariavelmente são construídos em concreto na
pressão maior do que a atmosférica, tem que ser
forma de paralelepípedo, de modo que se tem de
rígido e é feito de fibra de vidro ou concreto. A
definir comprimento, largura e profundidade. Es- vantagem do concreto é que é mais barato, mas a
ses reatores normalmente são construídos como parede não pode ser fina (mínimo de 0,15 m), de
unidades individuais, de maneira que cada reator modo que a área aumenta, diminuindo o espaço
pode ser retirado da operação para manutenção, entre os separadores e aumentando a velocida-
dividindo-se o afluente entre os outros reatores. de ascendente no nível de descarga do efluente.
A parte inferior do separador de fases pode ser
Para reduzir os custos de construção, usa-se a feito de concreto, mas muitas vezes usa-se lona
forma quadrada, uma vez que nessa configu- flexível, uma vez que nessa parte do separador
ração o perímetro e, portanto, o custo de cons- não há pressão positiva.
trução das paredes verticais é mínimo. Quanto à
Entre os elementos separadores há um espaço
profundidade, esta é definida por considerações que funciona como um decantador: os flocos de
das alturas das zonas de digestão, de transição lodo que porventura entrem nesta área se depo-
e de sedimentação do reator. Esses aspectos são sitam sobre a superfície do elemento separador
tratados na próxima secção. quando a velocidade de sedimentação de um
floco se torna maior que a velocidade ascenden-
No reator UASB se estabelece uma manta de
te do líquido, o que diminui na medida em que
lodo de concentração elevada na parte inferior se aproxima do nível de descarga do efluente.
da zona de digestão. A altura desta camada de Quando a massa depositada é suficiente, esta
lodo concentrada normalmente não é mais do desliza para a zona de digestão. Assim, tem-se
que 2 m no caso de tratamento de esgoto. Assim, um mecanismo de retenção de lodo. Van Haan-
deixando uma reserva de 0,5 m para sobrecargas del e van der Lubbe (2019) mostraram que essa
eventuais, não há necessidade de ter uma zona retenção de lodo está longe de ser perfeita: de 30
a 50% do lodo produzido é perdido no efluente.
de digestão com uma altura superior a 2,5 m. A
camada acima de 2,5 m pouco contribuiria para A função do defletor é evitar que bolhas de
a capacidade de tratamento do reator. biogás entrem na zona de sedimentação, onde
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Haandel A, Santos SL, Paiva FV
Saída biogás
Topo parede
Borda
livre NA
Pressão Tubos de
do selo Distância descarga do
mínima efluente
0,5 m Deslizamento de
Distância lodo depostitado
Separador mínima 0,5 m 45-60 o 45-60 o
Espaçõ entre
separador e defletor
Overlap
Defletor 45-60 o
A declividade dos elementos separadores e dos (b) Adotando uma altura do coletor de gás (no
defletores é no mínimo 45 para evitar grande
o caso 0,3 m), determina-se a altura do elemento
acúmulo de sólidos sobre as partes inclinadas. separador (coluna 3), que deve ser no mínimo
A declividade pode ser maior que a mínima, mas 0,8 m, sendo 0,5 m da câmara de gás e 0,3 m da
isso causa um aumento da zona de sedimenta- camada líquida abaixo da câmara de gás como
ção e de transição, e consequentemente uma indica a Fig. 5.
redução da zona de digestão que pode ser preju- (c) Especifica-se a declividade dos elementos se-
dicial para o desempenho do digestor. paradores, sabendo que a mínima é 45 o.
Na Tabela 3 pode-se observar o cálculo do (d) A partir da largura das aberturas entre os se-
número de separadores e defletores pelo seguin- paradores calcula-se a largura do defletor, le-
te roteiro. vando em consideração o overlap. Definindo a
declividade, calcula-se sua altura (coluna 4).
(a) Para vários valores da parte inclinada do s
eparador (Coluna 1) e especificando-se a incli- (e) Calcula-se o número de separadores como a
nação, determina-se a largura dos elementos razão entre a largura do reator UASB e a largura de
do separador. um separador + uma abertura entre separadores
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Transformação de um sistema de lagoas de estabilização, visando à produção de água para a indústria
1 2 3 4 5 6 7 8
Parte inclinada Largura Altura Altura zona de Profundidade Número
Altura defletor Borda livre
do separador separador separador digestão total separadores
(m) (m)
(m) (m) (m) (m) (m) (-)
0,45 0,9 0,6 0,66 2,5 0,25 4,01 11
0,55 1,1 0,7 0,81 2,5 0,25 4,26 9
0,65 1,26 0,8 0,95 2,5 0,25 4,5 8
0,742 1,43 0,89 1,09 2,5 0,25 4,73 7
0,835 1,67 0,99 1,22 2,5 0,25 4,96 6
1 2 1,15 1,47 2,5 0,25 5,37 5
Profundidade Zona de
N Zona de transição Zona de sedimentação
(m) digestão
11 4,01 0,7 0,13 0,17
9 4,26 0,67 0,15 0,19
8 4,5 0,63 0,16 0,2
7 4,73 0,6 0,18 0,22
6 4,96 0,58 0,19 0,23
5 5,37 0,54 0,22 0,25
Portanto, ao analisar as Tabelas 3 e 4 chega-se à 0,8 m (Tabela 3). Para um número de separado-
conclusão de que somente o reator com 8 sepa- res menor do que 8, a fração da zona de diges-
radores e defletores é aceitável. Reatores com tão é insuficiente. Para 8 separadores, a profun-
um número maior não são aceitáveis porque didade calculada é 4,5 m e, portanto, a área é
os separadores têm uma altura de menos que 466 m2 e o comprimento e largura são 21,6 m.
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Haandel A, Santos SL, Paiva FV
Zona de transição
0,63 m (16 %)
Zona de digestão
2,37 m (59 %)
20,4 m
Figura 6 - Esboço de um dos reatores UASB
(6) Dispositivos de distribuição do afluente e zão afluente em várias partes iguais. O projeto
coleta do efluente do dispositivo de distribuição do afluente deve
O objetivo do dispositivo de distribuição é divi- ser tal que: (l) seja verificável que a vazão para
dir a vazão afluente tão uniformemente quanto cada ponto de descarga seja a fração certa da
possível sobre o fundo do reator UASB, colocan- vazão total; (2) eventuais entupimentos no dis-
do-o em contato com o lodo ali presente. Na positivo de entrada do afluente sejam facilmen-
prática se adota um ponto de alimentação por 2 te detectáveis e consertáveis e (3) os obstáculos
a 3 m2 de área de fundo do reator, de modo que que causam os entupimentos possam ser remo-
se faz necessário um dispositivo que divida a va- vidos facilmente.
Poços de distribuição
Há duas alternativas para distribuir o afluente: pressão, com tubos perfurados no fundo do rea-
(1) por gravidade ou com tubos conduzindo o es- tor. No caso de tratamento de esgoto, os sólidos
goto pra cada ponto de alimentação; ou (2) por nele presentes tendem a entupir os orifícios do
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Transformação de um sistema de lagoas de estabilização, visando à produção de água para a indústria
tubo rapidamente de modo que a alimentação quando são feitas de algum material metálico,
uniforme se torna impossível. Por essa razão, no mesmo quando se usam materiais nobres como
tratamento de esgoto quase sempre se usa a ali- aço inoxidável. Preferencialmente deve-se usar
mentação por gravidade como indicado na Fig. fibra de vidro ou material semelhante. Às vezes
7: o esgoto chega por gravidade ou recalcado na as calhas do efluente estão providas de reten-
parte central de poços de distribuição circulares tores de escuma (vide Fig. 8a). A função desses
de onde o esgoto passa para caixas de distribui- retentores é evitar que o lodo flutuante bloqueie
ção por vertedores triangulares. Em cada caixa parte dos vertedores tornando a descarga uni-
há um tubo que conecta a caixa com um ponto forme impossível.
fixo no fundo do reator. Como a pressão nas cai-
xas é atmosférica, estas podem ser abertas para Um projeto alternativo de baixo custo para o dis-
inspeção visual. Se houver entupimento na tubu- positivo de coleta do efluente está representado
lação de uma das caixas, então o seu nível será na Fig. 8b. Nesse caso, não há calhas: o dispositi-
igual ao do canal de entrada e mais alto do que vo de coleta do efluente se compõe de tubos per-
nas outras caixas, de modo que esse entupimen- furados de PVC que descarregam o efluente sub
to é facilmente detectável. Eventualmente pode- superficialmente em um canal do efluente, cujo
se colocar uma cobertura solta sobre as caixas nível é determinado por um vertedor no final do
para evitar maus odores e moscas. canal. Indiretamente, o nível do canal determina
O objetivo do dispositivo de coleta do efluente é o nível d’água no reator. O canal do efluente pode
coletar uniformemente a água residuária trata- ser limpo periodicamente mediante a retirada
da na parte superior do reator UASB. Alguns rea- do vertedor que regula seu nível: o abaixamen-
tores UASB têm um dispositivo de coleta similar to súbito do nível de água no canal do efluente
àquele usado em decantadores: calhas horizon- também fará com que haja uma grande vazão de
tais com vertedores triangulares a distâncias efluente passando pelos tubos de descarga que
regulares como indicado na Fig. 8a. O uso des- assim também serão limpos. Depois da limpeza,
sas calhas causa muitos problemas de corrosão o vertedor é recolocado no seu lugar.
Figura 8a - Calhas com vertedores triangulares para descarga do efluente na parte superior do reator UASB.
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Coletor
de gás
Defleto
r
Figura 8b - Dispositivo de coleta do efluente sub superficialmente garantindo coleta uniforme.
(7) Dispositivos especiais: coleta do biogás e ator, então o gás deve passar por um selo hidráu-
descarga de lodo lico, que determina a pressão do biogás acumula-
Coleta do biogás do. Um ponto de muita importância é que se deve
diminuir a possibilidade de criar um vácuo parcial
A Fig. 9 mostra o princípio de um selo hidráulico na câmara de gás. Esse vácuo pode se estabelecer
em uma unidade instalada para uma produção de como resultado de operação errônea, por exem-
10.000 m3/d de biogás. O dispositivo de coleta de plo, durante a remoção de lodo de excesso: se a
gás deve remover o biogás produzido no reator e vazão de descarga de lodo for maior que a vazão
manter um nível constante na interface líquido- afluente, então o nível de água no reator baixará e
gás. Embora a produção de gás não seja grande consequentemente a pressão nas câmaras de gás
no caso de tratamento de esgoto (muitas vezes diminuirá. A fim de evitar danos ao separador de
menor que 200 L de biogás por m3 de esgoto), o fases, é uma boa providência construir uma válvula
diâmetro da tubulação de gás não pode ser muito quebra-vácuo. Em muitos casos, o dispositivo para
pequeno, porque há partículas de sólidos (escuma) amostragem e para descarga do lodo de excesso
no gás que causariam entupimento. Se a interface pode ser usado também como dispositivo para
líquido-gás estiver abaixo do nível de água no re- quebrar vácuo, como mostra a Fig. 10.
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Transformação de um sistema de lagoas de estabilização, visando à produção de água para a indústria
Determinação do perfil de lodo e descarga de lodo Há dois métodos para descarga do lodo: (a)
de excesso descarga direta do nível desejado de abstração
para um leito de secagem ou outra unidade de
A qualidade do efluente melhora na medida em
tratamento de lodo (Fig. 10a) ou (b) bombea-
que a massa de lodo no reator aumenta. Entre-
mento do lodo pelas aberturas do separador
tanto, a capacidade de retenção de sólidos no
UASB é limitada, e quando ela se esgota, qualquer de fases (normalmente essas mesmas aber-
quantidade de lodo produzido a mais no reator turas serão usadas também para amostragem
fatalmente leva a uma descarga equivalente de do lodo, Fig. 10). É importante descarregar o
lodo junto com efluente. A presença desse lodo lodo de baixa atividade e manter o lodo mais
de excesso tende a causar um efluente de qua- ativo no reator. No caso de tratamento de es-
lidade relativamente baixa: a presença de partí- goto tipicamente se desenvolverá um lodo não
culas de lodo resulta em altas concentrações de granulado, composto de uma camada de lodo
DBO, DQO e STS. Por essa razão, o lodo pode ser espesso e relativamente ativo no fundo do
descarregado periodicamente quando a massa digestor e um lodo menos concentrado e de
de lodo atinge um determinado valor pré-fixado. menor atividade nas camadas superiores. Um
A massa máxima de lodo no reator UASB deve nível adequado para a descarga de lodo de ex-
ser determinada experimentalmente, porque as cesso poderá ser o da parte superior do leito
características do lodo irão depender de vários de lodo no reator, onde se acumulam os sólidos
fatores, como a composição do afluente, que por floculados com uma atividade biológica relati-
sua vez varia de uma localidade para outra. vamente baixa.
(a) (b)
Figura 10 - Estruturas para a obtenção de amostras de lodo e para descarga de lodo de excesso a várias profundidades.
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3.2 Dimensionamento das lagoas de polimento. maior do que a capacidade necessária para a va-
zão de 45.000 m3/d. Assim, existe a possibilidade
Quando as lagoas de polimento são usadas para
de aumentar o tempo da batelada assegurando o
produção de água para reúso nas indústrias, elas
desempenho máximo. No caso o tempo de perma-
têm três funções: redução da concentração de
nência máximo, seria: 54.000/45.000*4,6 = 5,5 d.
material orgânico, de patógenos e de nitrogênio.
Remoção de fósforo também é necessária, mas Num trabalho anterior, Batista et al. (2021) esta-
ela pode se realizar convenientemente no pro- beleceram que o decaimento dos coliformes ter-
cesso de clarificação. O tempo de permanência motolerantes é um processo de primeira ordem e
para a remoção de nitrogênio é muito maior do que a constante de decaimento é dada por:
que o tempo de remoção do material orgânico e
dos coliformes termotolerantes. Nas condições kbT = (1,14/H)1,07(T-20)(9)
de Campina Grande, o tempo de remoção de ni-
Para a profundidade de 0,5 m e uma tempera-
trogênio é 8 dias para uma temperatura de 25 oC
tura de 31 oC, calcula-se um valor de kb = 4,8 /d.
e uma profundidade de 0,5 m. Para a temperatu-
Assim, o tempo de permanência para uma re-
ra mais elevada da água residuária em questão,
moção de 99,99 % das bactérias se calcula
o tempo de dessorção será mais curto. Sabe-se
T = (ln(0,0001))/4,8 = 1,9 d. Portanto, o tempo de
que a constante de dessorção de amônia pode
permanência para remoção de 99,99 % das bac-
ser expressa como:
térias é muito mais curto do que o tempo neces-
knt = 0,2/H*1,095(T-20) sário para remover nitrogênio.
Com essa expressão calculam-se valores de Quanto ao tempo de permanência de material or-
0,63 /d para a temperatura de 25 oC de Campi- gânico, tem-se que a DBO e a DQO passam por um
na Grande e 1,09 /d para uma temperatura de mínimo de DBOmin < 20 mg/L e DQOmin < 50 mg/L
31 oC. Como a taxa de dessorção é proporcional em amostras brutas sem filtração, num tempo de
à constante de dessorção, estima-se que o tem- permanência mais curto do que o tempo para re-
po de dessorção a 31 oC é 8*0.63/1,09 = 4,6 d, moção de nitrogênio. Depois de passar pelo míni-
sem levar em consideração que a taxa de fotos- mo, os valores da DBO e DQO aumentam devido
síntese também será maior a 31 oC. Como o pH à produção de algas. Todavia, essas algas serão
aumentará mais rapidamente a 31 oC do que a removidas no processo de clarificação, de modo
25oC, o tempo de dessorção será menor que 4,6 que se produz um efluente com teor de material
d. Por outro lado, ao se dividir as atuais lagoas de orgânico muito baixo.
maturação em duas partes, cada uma terá um
volume de 250.000/2 = 125.000 m3 para uma
3.3 Dimensionamento da lagoa de transbordo
profundidade de 1,5 m. O volume será menor
para a profundidade ideal de 0,5 m para lagoas Nos cálculos acima, só se usou o volume das três
de polimento em regime de bateladas sequen- lagoas de maturação para criar 6 lagoas de po-
ciais: 0,5*125000/1,5 = 42.000 m3. A capacidade limento, de modo que a atual lagoa facultativa
de tratamento de uma lagoa de 42.000 m3 para fica disponível como lagoa de transbordo. Nor-
um tempo de dessorção necessária de 4,6 d é malmente as funções principais de lagoas de
42.000/4,6 = 9.000 m3/d. Portanto, nas 6 lagoas transbordo são as de um tanque de equalização e
de 42.000 m3 que se formaram depois da divisão de um decantador. O funcionamento da lagoa de
das três lagoas de maturação, a capacidade de transbordo como tanque de equalização permite
tratamento será de 9.000*6 = 54000 m3/d, bem que as lagoas de polimento operem em regime
206 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 192-212 | Ed. Esp. Mar. 2021
Transformação de um sistema de lagoas de estabilização, visando à produção de água para a indústria
Devido ao longo tempo de permanência nesta Portanto, na lagoa com volume de 400.000 m3, a
lagoa de transbordo, as algas vão se estabele- massa absorvida por dia será:
cer e haverá oxigênio dissolvido. Outra fonte de
Mo = 1.5*10-4*400.000 = 60 kgO2/d(14)
oxigênio da lagoa de transbordo é a absorção de
oxigênio atmosférico. Esse oxigênio poderá ser Esse valor é insuficiente para oxidar o sulfeto, mas
usado em parte para oxidar para enxofre o sulfe- a fotossíntese poderá aumentar a disponibili-
to que deverá se formar no reator UASB. dade de oxigênio. A massa de oxigênio fotossin-
tética necessária é a diferença entre a demanda
H2S + 1/2O2 → H2O + S↓ (10) e a absorção: Mf = 675-60 = 615 kgO2/d. Portan-
to, a produção da fotossíntese é 615/400.000 =
Pela estequiometria, a demanda de oxigênio para
0,0015 kgO2/m3/d ou 1,5 mg/L/d. Esse valor é mui-
oxidar sulfeto para sulfato é de 0,5 gO2/gS. Se há
to baixo e as algas devem produzir mais que isso.
formação de cerca de 30 mgS/L ou 1350 kgS/d
de sulfeto nos reatores UASB, a demanda de oxi-
gênio será 1350/2 = 675 kgO2/d. 3.4 Dimensionamento do leito de secagem.
Pode-se estimar a massa de oxigênio transferida Para a idade de lodo anaeróbia de 100 d, a pro-
na absorção de oxigênio atmosférico. Pela lei de dução de lodo volátil é a mínima possível e tem
um valor de aproximadamente 0,075 gSVS/
Fick, a absorção pode ser expressa como:
gDQO (Van Haandel e Van der Lubbe, 2019).
rab = kao(ODs-ODl) (11) Portanto, para a carga orgânica calculada de
39.600 kgDQO/d, a produção de lodo volátil
Em que:
será ~3.000 kgSVS/d ou ~4.500 kgSTS/d (fração
rab = taxa de absorção (kg/m3/d) volátil = 0,67). Esse lodo pode secar sem trata-
kao = constante de absorção (/d) mento adicional. Num trabalho anterior (Santos
ODs = concentração de saturação de oxigênio (kg/m3) e van Haandel, 2021), desenvolveu-se o concei-
ODl = concentração de OD na fase líquida(kg/m3) to de produtividade de leito de secagem, que é a
massa de sólidos que pode ser seca por unidade
Em um artigo anterior desta série (Morais et al.,
de área e por unidade de tempo. A produtivida-
2021), estabeleceu-se uma expressão empírica
de depende principalmente da umidade residual
para a constante de absorção:
que se deseja e da taxa de evaporação de água.
kao = (0,4/H)1,001(t-20)(12) Experimentalmente observou-se uma faixa de
produtividade de 0,5 a 1 kgSTS/m2/d. Admitin-
Em que: do uma produtividade do leito de 0,75 kg/m2/d
H = profundidade da fase líquida para uma umidade final de 50%, então a área de
T = temperatura (oC) leitos necessários seria 4500/0,75 = 6000 m2 ou
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Haandel A, Santos SL, Paiva FV
0,6 ha. Calcula-se então que a área dos leitos de efluente das lagoas de polimento será necessá-
secagem é aproximadamente duas vezes maior ria. Dois processos que são muito aplicados na
do que a área dos reatores UASB (2800 m2, mas prática são a clarificação e a flotação. Em am-
somente uma fração da área da lagoa de trans- bos os casos usa-se um coagulante para formar
bordo e de polimento (0,6/73 = 0,8 %). Se a área flocos que então podem ser separados por gra-
necessária não estiver disponível no terreno da vidade da fase líquida, produzindo um efluente
ETE, em princípio há duas soluções: (1) em vez de límpido, praticamente sem sólidos em suspen-
leitos de secagem pode-se usar equipamento para são. Os coagulantes mais usados (policlore-
desidratação mecânica como uma centrífuga ou to de alumínio e sulfato de alumínio) precipi-
filtro de esteira, deixando uma umidade residual de tam o fósforo muito eficientemente, deixando
aproximadamente 80%, ou (2) o lodo a ser desidra- uma concentração residual de menos que
tado ainda é fluido e pode ser bombeado para um
0,5 mgP/L. Portanto, não há necessidade de
lugar onde a área esteja disponível para a constru-
usar as lagoas de polimento para remoção de
ção de leitos. Para a destinação final do lodo após
fosfato, e isso é uma grande vantagem porque
secagem há basicamente duas alternativas: aterro
a área necessária das lagoas de polimento para
ou uso como adubo orgânico, após mistura com cal
remover o fosfato é em torno do dobro da área
para eliminar patógenos (pH > 12).
para a remoção de nitrogênio.
208 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 192-212 | Ed. Esp. Mar. 2021
Transformação de um sistema de lagoas de estabilização, visando à produção de água para a indústria
Efluente
clarificado Biogás
Figura 11 - Fluxograma da fábrica de água, aplicando clarificação do efluente das lagoas de polimento.
Para reduzir a vazão da suspensão de algas po- me seria, portanto, 5*15 = 75 mL/L ou 0,075 L/L.
de-se aplicar adensamento. Na Fig. 11 se exem- Para a vazão de 45.000 m3/d, precisar-se-ia de
plifica o processo de clarificação para uma vazão 0,075*45.000 = 3.500 m3, aproximadamente.
de 1 m3/d. Testes no laboratório indicam que se
pode esperar a geração de 200 mg/L de sólidos
3.7 Resumo das dimensões das unidades
sedimentáveis nos processos de coagulação, flo-
de tratamento
culação e sedimentação, obtendo-se uma sus-
pensão de 50 mL/L com uma concentração de 4 Na Tabela 5 resumem-se as dimensões das uni-
g/L, que podem ser adensados para uma suspen- dades de tratamento do sistema transformado
são com volume de 5 mL/L e uma concentração bem como o número de reatores. Chama a aten-
de 40 g/L, porque a suspensão terá boa sedimen- ção que as unidades de clarificação são grandes
tabilidade. Se for usado um digestor de lodo para e, portanto, representam um custo de constru-
digerir essa suspensão, o tempo de permanência ção elevado. Todavia, esse custo é necessário
será menor do que 15 d a 31 oC (Van Haandel e quando se prevê se o reúso da água na indústria.
Marais, 1999: TDHdi = 20*1,07(20-T) + 5) e o volu-
Tabela 5 - Dimensões das unidades de tratamento depois da transformação do sistema de lagoas de estabilização de
Tabela 2 para um sistema UASB-LPBS com lagoa de transbordo intermediário.
Unidade Número Volume total (m3) Altura (m) Comprimento (m) Largura (m)
UASB 6 12.600 4,5 21,6 21,6
Lagoa de transbordo 1 400.000 2 1055 190
Lagoa de polimento 6 42.000 0.5 1055 158
Leitos de secagem 20 9000 1,5 25 12
Clarificação 1
Floculação 2 950 4 Diâmetro = 6.2
Sedimentação 2 4500 4 Diâmetro = 13,5
Adensamento 2 560 4 Diâmetro = 4.7
Digestor 2 3500 4 Diâmetro = 10,5
Gerador de energia 1
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Transformação de um sistema de lagoas de estabilização, visando à produção de água para a indústria
Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 192-212 | Ed. Esp. Mar. 2021 211
Haandel A, Santos SL, Paiva FV
7 CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES MORAIS C. E. P.; SANTOS S.L; VAN HAANDEL A. Determinação de
Todos os autores contribuíram de forma igualitária. constantes de transferência de compostos voláteis em lagoas de
tratamento de esgoto. Revista DAE: Edição especial, São Paulo,
n. 229, março 2021.
Elaboração de projetos hidráulico-sanitários de estações de tra- VAN HAANDEL, A.; SANTOS, S. L. Transformação de lagoas de
tamento de esgotos sanitários. Rio de Janeiro, 2011. 53p. estabilização: reengenharia de um sistema obsoleto de trata-
mento de águas residuárias. Revista DAE: Edição especial, São
BATISTA, M. M.; LAMBAIS, G. R.; SANTOS, S. L.; VAN HAANDEL, Paulo, n. 229, março 2021.
A. Decaimento bacteriano em lagoas de polimento tratando
VAN HAANDEL, A.C.; VAN DER LUBBE, J. Anaerobic sewage di-
efluente de reator UASB. Revista DAE: Edição especial, São Pau- gestion: Theory and applications. International Water Associa-
lo, n. 229, março 2021. tion Londres RU, 2019.
212 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 192-212 | Ed. Esp. Mar. 2021
SABESP
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214 Revista DAE | São Paulo | v. 69, n 229 / pp 01-20 | Ed. Esp. Mar. 2021