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Sobre Filhos e Cães
Sobre Filhos e Cães
Normalmente sou levado a utilizar os textos de Marcos, por gostar mais dele e por ser
o primeiro escrito. Entretanto, acho interessante as adições feitas por Mateus nesse
episódio. A história é bem conhecida. Porém, muito já ouvi sobre essa narrativa e, por
conta de tudo que já ouvi, acho que convém dar meu parecer sobre o texto.
Primeiramente vamos nos ater ao contexto. Lembrando que, sobre o contexto, vale
ressaltar que existe o contexto literário (em que lugar da obra de Mateus está situado
o texto) e o contexto do autor (de que lugar e época provêm o texto e a quem é
dirigido). Isso nos coloca diante de alguns problemas que precisam ser resolvidos.
Mateus escreve em um período onde existe uma forte disputa com os fariseus. Isto
porque, depois da guerra judaica (64-70 dc), os dois "judaísmos" (cristãos e fariseus)
lutam para reorganizar a fé judaica abalada por conta da destruição do templo e de
Jerusalém. Uma tribulação que "enganou" alguns judeus-não-cristãos e judeu-cristãos.
O primeiro grupo esperava o momento messiânico e o segundo o retorno de Jesus. O
evangelho de Marcos resolveu o problema dos cristãos e os fariseus lutavam para
resolver o problema dos outros.
Jesus envia seus discípulos somente "às ovelhas perdidas de Israel". Para aqueles
que julgam que esse era um pensamento temporal e que Jesus já se imaginava indo
aos gentios, o episódio dessa reflexão diz outra coisa:
Para Jesus entender o amor do Pai foi preciso o amor de uma mãe. Uma mulher que
ama sua filha demonstra para Jesus o amor do Pai. Seus discípulos compartilham da
mesma opinião que Jesus, mas chegam a pedir que o Mestre, pelo menos, diga que
não irá atendê-la, pois Jesus nem respondia. Mas a mulher diz:
Sua dor não comove Jesus. Pelo contrário, em uma parábola ele deixa claro que,
diante da salvação oferecida, ela não fazia parte do povo eleito. Se o mundo todo
fosse uma família, ela seria um cão e os judeus os filhos. No momento (em que Jesus
estava) os filhos mereciam atenção e precisavam ser "alimentados".
Aquela mulher devia ter ouvido algo sobre Jesus. Alguma coisa lhe deu esperança,
mas, no lugar, recebeu uma palavra dura. O amor por sua filha faz com que devolva,
ao Mestre das parábolas, outra. Assumiu, no olhar de Jesus, seu papel de cão. E
suplicou comer das migalhas que os filhos deixavam cair da mesa. De tudo aquilo que
era oferecido aos judeus (e eles negavam), ela queria apenas as migalhas. O que
importava a ela não era ter a primazia ou a igualdade, apenas a libertação de sua filha.
"Sim, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da
mesa dos seus senhores.
Mateus 15:27"
"Então respondeu Jesus, e disse-lhe: O mulher, grande é a tua fé! Seja isso feito
para contigo como tu desejas. E desde aquela hora a sua filha ficou sã.
Mateus 15:28"
Aquela mulher ensinou algo a Jesus. O Mestre teve sua aula. Ele compreendeu que a
missão do Messias era Universal. E compreendeu bem, segundo Mateus que, na
definitiva missão dos apóstolos, faz seu Jesus declarar:
Por conta daquela mulher, Jesus passa a entender que Deus é o Deus de todos os
povos. Ensinamento esse que os profetas judeus já possuíam - que nos diga Amós!.
E que muitos judeus de ontem e hoje compreendem da mesma forma. Entretanto,
para o Messias, isso ainda não estava claro.