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Autor: Márcia Tait

Data depublicação: 10/03/2005

Viagem no tempo: teoricamente possível, tecnicamente inviável

Divulgação : Waner Home


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Filme "The Time Machine"


produzido em 1960. Baseado
na obra de H.G.Wells

“Imagine o espaço como...” Um texto que começa com essa frase leva a pensar
que em seguida virá a explicação de alguma teoria complicada que por meio de
analogias se torna mais compreensível. A teoria da relatividade, elaborada pelo
famoso físico Albert Einstein entre os anos de 1905 e 1916, é um dos modelos
científicos que mais sofre com esse tipo de simplificação. “Na minha opinião a
maioria das tentativas de divulgação da teoria da relatividade geral, feitas até
hoje, foram mal sucedidas”, desabafa o físico da Universidade Federal
Fluminense, José Antônio e Souza. A chance de cometer erros, segundo ele,
aumenta quando se tenta aproximar os conceitos da teoria da relatividade a
aplicações tecnológicas, alimentando o imaginário humano com possibilidades
tais como a de viajar no tempo (leia mais sobre este assunto).

Não, nem tudo é relativo

A popularização da teoria da relatividade fez com que o conceito de que tudo é


relativo também se tornasse um jargão. Mas atribuir a expressão “tudo é
relativo” a Einstein e anunciá-la como um dos pressupostos da teoria da
relatividade é outra história. Para ele, TODO MOVIMENTO é relativo. Aliás, a
teoria da relatividade foi chamada por seu autor de Teoria dos Invariantes e
não há nada menos relativo do que algo “invariante”. “Para Einstein, um
modelo só merecia confiança quando não dependia do referencial”, salienta
Souza.

Sendo coerente com esse pensamento, quando propôs entre os anos de 1905 e
1907 a teoria da relatividade restrita ou especial, Einstein se baseou em dois
postulados fundamentais. O primeiro coloca a velocidade da luz como única
invariante e como conseqüência disso, nenhum tipo de matéria ou unidade
portadora de informação consegue ultrapassar a velocidade de
aproximadamente 300 mil quilômetros por segundo. Este postulado tem
resistido a vários testes feitos com a utilização de aceleradores de partículas. O
segundo é justamente o de que as leis que descrevem fenômenos físicos não
podem depender do movimento do observador, ou seja, de que o
comportamento da natureza (fenômenos) acontece da mesma forma em todo o
universo.
Dilatação do tempo

A teoria da relatividade prevê que os objetos em movimento sofram o efeito de


dilatação do tempo que pode ser maior ou menor de acordo com a velocidade.
Assim, o tempo para um objeto ou para uma pessoa dentro de outro objeto em
alta velocidade passa mais lentamente do que para objetos que se
movimentam a baixas velocidades. Esse efeito já foi observado em testes com
relógios de alta precisão colocados em aeronaves muito velozes e poderia, em
tese, ser utilizado para fazer uma “viagem de sentido único para o futuro”.

Para um astronauta que viajasse a uma velocidade de 98% da velocidade da


luz, cada ano percorrido por ele corresponderia a cinco anos passados no tempo
da Terra. Caso essa viagem durasse 20 anos, ele teria viajado 20 anos em
direção ao futuro, envelhecendo apenas quatro anos. “A dilatação do tempo, na
teoria da relatividade restrita, é um efeito puramente cinemático. O atraso nos
relógios dos observadores deve-se única e exclusivamente ao seu estado de
movimento”, enfatiza o físico Carlos Romero Filho, da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB).

Mas, antes de entender como ocorre o efeito de dilatação do tempo é


importante entender o conceito de espaço-tempo que é fundamental para a
teoria da relatividade geral. A junção de espaço e tempo em um único conceito
foi proposta por um ex-professor de Einstein, o matemático Herman Minkowski,
em 1908. Por meio desse novo modelo os objetos e eventos tinham que ser
pensados de forma quadridimensional (4D) descritos através de três
coordenadas de espaço (comprimento, largura e altura) e o tempo. “A
representação do mundo por coordenadas cartesianas, através de um modelo
bidimensional foi alternado a partir daí”, acrescenta Souza.

Segundo Romero, a dilatação do tempo acontece pelo simples fato de que no


espaço-tempo de Minkowski, partículas não aceleradas seguem curvas
geodésicas que, ao contrário do que se passa no espaço euclidiano, podem ser
definidas como curvas que maximizam a distância entre dois pontos. “Quero
dizer aqui que o campo gravitacional não entra em jogo, e que o atraso nos
relógios dos observadores deve-se única e exclusivamente ao seu estado de
movimento acelerado”, esclarece Romero.

Na verdade, foi Minkowski e não Einstein quem expôs a idéia de que o espaço e
o tempo dependem crucialmente do observador e são, portanto, relativos. “A
distância espacial entre dois eventos não é a mesma para dois observadores em
estado de movimento diferente. O tempo também não flui igualmente para
esses observadores”, exemplificou o físico.

Distorções no espaço-tempo e viagens no tempo

Foi com base nesse conceito de espaço-tempo que Einstein formulou sua
proposta de geometrizar a gravitação na teoria da relatividade geral. Para ele a
geometria do universo é curva e não plana. “Olhando em retrospectiva, vemos
que seria impossível realizar essa tarefa mantendo espaço e tempo como
grandezas independentes e separadas”, analisa Romero.

Para Einstein, o espaço-tempo envolve todos os objetos maciços (planetas,


estrelas...) através de seu encurvamento. E esse encurvamento é o que se
chama de “força da gravidade”, que não é na verdade uma força, mas sim a
curvatura do espaço-tempo sobre a matéria. Em campos gravitacionais fortes,
próximos a objetos de grande massa, também ocorre o fenômeno de dilatação
do tempo, mas nesse caso, devido à aceleração. “Quando se trata de gravidade
o único fato é que todos os corpos caem, todas as outras explicações são
modelos. Einstein propôs um outro modelo, diferente do newtoniano para o
qual a gravidade era uma força de atração”, sintetiza Souza.

E, em maio de 1919, uma expedição de cientistas feita à cidade de Sobral, no


Ceará, conseguiu, por meio de imagens feitas durante o eclipse solar, fortes
evidências sobre essa curvatura no espaço-tempo. As fotos mostraram que a
luz das estrelas localizadas próximas ao sol realmente sofriam pequenos
desvios. Esta foi a primeira comprovação empírica de uma previsão da teoria da
relatividade geral.

Segundo Romero, a entrada em cena do campo gravitacional, agora como uma


geometria do espaço-tempo, revolucionou completamente a maneira de encarar
o espaço e o tempo. Isso porque essa geometria não é, como na teoria
newtoniana e euclidiana, estática. “Em termos cosmológicos, a geometria do
espaço-tempo assume um caráter dinâmico, e é assim que procuramos
descrever hoje a evolução do universo”, conta o físico da UFPB.

Curvas fechadas de caráter temporal

Em 1949, o matemático austríaco Kurt Gödel encontrou uma solução para as


equações da relatividade geral que demonstrava a existência das chamadas
curvas fechadas do tipo-tempo que existiriam graças às deformações do
espaço-tempo provocadas pela gravitação.

Essa formulação foi possível porque, segundo a teoria da relatividade, qualquer


partícula material possui uma linha de universo do tipo-tempo que está sempre
confinada no chamado cone de luz local. Essa idéia expressa matematicamente
o fato de que nada pode viajar mais rápido do que a luz. No entanto, Gödel
demonstrou que a gravitação pode 'entortar' esses cones de luz e fazer com
que as curvas do tipo-tempo fechem-se sobre si mesmas provocando um
retorno ao passado. “Saindo da linguagem dos físicos, o que isso quer dizer é
que é possível um viajante, sem violar o princípio relativista de que a
velocidade da luz é a maior velocidade possível, voltar para o seu passado,
descrevendo uma linha de universo fechada”, explicou Romero.

Simulação de buraco negro: Poderiam


ser usados como 'máquinas do tempo' ?
Existem ainda, outras situações diferentes do universo de Gödel, tais como nas
proximidades de um buraco negro ou dos chamados "buracos de minhoca" , em
que essa volta ao passado seria teoricamente possível. “A grande dificuldade
em se aceitar que uma partícula material possa ter uma linha de universo que
permita uma volta ao passado é o problema da aparente violação da
causalidade que provoca paradoxos relacionados à mudança do passado”,
acredita Romero. A série “De volta para o futuro ”, de Robert Zemeckis oferece
exemplos de paradoxos temporais que poderiam acontecer caso as viagens no
tempo fossem possíveis. “Mas é claro que uma viagem no tempo nunca seria
possível em um carro como aquele”, ironiza Souza.

Apesar da possibilidade teórica de se viajar no tempo, quem espera poder


participar de uma viagem desse tipo não tem muitos motivos para se animar.
Segundo a opinião dos dois físicos especialistas em relatividade, as dificuldades
tecnológicas de tal empreitada tornam a possibilidade muito remota. “Por mais
que avance nossa tecnologia, não acredito que seja possível algum dia
empreendermos uma viagem ao passado na forma como essa possibilidade se
apresenta teoricamente na relatividade geral”, acredita Romero. “Apesar de
haver a possibilidade teórica, com as tecnologias que dispomos hoje, seria
necessário uma quantidade de energia superior a que dispomos em todo
planeta”, acrescenta Souza.

Também para ambos seria pouco desejável o investimento hoje em pesquisas


com a finalidade de descobrir tecnologias que possibilitem viagens no tempo.
“Não acredito que existam grupos de pesquisa trabalhando hoje na construção
de máquinas do tempo ou coisas do tipo. Na minha opinião, se as viagens no
tempo se tornarem possíveis algum dia, isso será fruto de idéias simples e não
de pesquisas e tecnologias caras e complexas”, finaliza Souza.

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