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Referência:
LACERDA, Yara. A contribuição de Piaget nos jogos do período sensório-motor para o
desenvolvimento da criança. In: FERREIRA, C. A. de M.; HENSIUS, A. M.; BARROS, D.
do R. Psicomotricidade Escolar. Rio de Janeiro: Wak, 2008, p. 169-179.
INTRODUÇÃO
Piaget (1967, apud LA TAILLE et al, 1992, p. 11), afirma que “a inteligência
humana somente se desenvolve no indivíduo em função de interações sociais que são, em
geral, demasiadamente negligenciadas”. Tal afirmação atesta a preocupação de Piaget em
relação aos aspectos sociais, além da cognição.
A idéia da construção do eu em Piaget (1978), relaciona-se com as idéias dos seus
contemporâneos pelas duas principais óticas: a cognitiva e a social. As relações e
concordâncias que se estabelecem com pesquisadores como Vygotsky (1989) e Wallon
(1973), atestam a presença desses dois pólos nas suas abordagens. Entretanto, a partir da
sua formação biológica, o ponto fulcral de sua obra apóia-se na questão que pretende
decodificar, em relação a como se estabelece e se desenvolve a capacidade humana de
aprendizagem. Como o ser humano aprende é a principal indagação de Piaget. Mesmo
considerando a importância do meio na construção da inteligência e da própria pessoa,
Piaget revelou maior interesse nesse indivíduo constructo sui, em cujo interior constroem-
se os processos cognitivos, a inteligência e as relações com o mundo.
Na verdade não houve negligência por parte dos estudos de Piaget, entretanto se
comparados com os enfoques de Vygotsky é possível achá-los secundarizados pelo fato de
apenas identificarem, sem enfatizar, as influências no processo de desenvolvimento da
inteligência. É certo dizer-se que a construção do ser humano em Piaget destaca o aspecto
cognitivo que, por sua vez, envolve inúmeras variáveis. Inclui a forma como a
aprendizagem se processa e os mecanismos que permitem isto acontecer. Não apenas
constata a presença da aprendizagem, mas como ela ocorreu. Inclui também, a forma como
o indivíduo simboliza o mundo, a maneira como brinca, a imagem que faz de si mesmo,
como constrói o esquema corporal, a consciência de si, entre outras coisas.
A concepção de Piaget (1967, apud LA TAILLE et al, 1992), sobre o ser humano
abrange o desenvolvimento de um indivíduo cognoscente, autônomo, capaz de estabelecer
juízo de valor e moralidade. A partir da ótica cognitiva, a obra de Jean Piaget aponta a
possibilidade de identificar-se um ser humano completo.
Pode-se afirmar que a construção do ser humano envolve todas as experiências e
contatos com os outros seres ao longo da vida. Entretanto, nas primeiras fases até a
adolescência talvez essas marcas e influências apareçam, com maior destaque e
importância, nas formações da personalidade e do desenvolvimento intelectual.
Ferreiro e Teberosky (1999, p.29), afirmam
O jogo em Piaget
As identificações dos sub períodos, feitas por Piaget (1978) são intituladas de:
primeira fase, preparação reflexa; segunda fase, imitação esporádica; terceira fase, imitação
sistemática de sons já pertinentes à fonação da criança e de movimentos executados
anteriormente pelos adultos de maneira visível para ela; quarta fase, com dois momentos: a)
imitação dos movimentos executados anteriormente por outras pessoas, mas invisíveis para
a criança no momento que ela própria executa e b) início da imitação dos modelos sonoros
ou visuais novos; quinta fase, imitação sistemática dos novos modelos, incluindo os que
correspondem aos movimentos invisíveis do próprio corpo; e a sexta fase, imitação
diferida.
Torna-se interessante a título de ilustração identificar a nomenclatura utilizada por
Flavell (1988), em relação às seis sub fases do período sensório-motor, por ele chamadas de
estágios. É possível verificar no estudo da psicologia do desenvolvimento feito por Flavell
sobre Piaget, apenas existirem pequenas diferenças de denominações. As fases ou estágios,
relembrados por Flavell, marcam a ênfase na principal característica: estágio 1 (0-1 mês; o
uso dos reflexos); estágio 2 (1-4 meses; as primeiras adaptações adquiridas e a reação
circular primária1); estágio 3 (4-8 meses; a reação circular secundária e os procedimentos
para prolongar espetáculos interessantes); estágio 4 (a coordenação de esquemas
secundários e sua aplicação a situações novas); estágio 5 (a reação circular terciária e a
descoberta de novos meios através da experimentação ativa); estágio 6 (18 meses em
diante; invenção de novos meios através de combinações mentais).
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FLAVELL, 1988, p.93. O autor explica a reação circular como “uma série de repetições de uma resposta
sensório-motora (ou a uma destas repetições). A resposta inicial da série é sempre nova para a criança, pois
seus resultados específicos não foram antecipados, não foram planejados antes da emissão da resposta. O
componente importante dessa reação –do qual deriva o termo circular- está naquilo que acontece depois que a
resposta, nova e inicial, foi emitida. Dada a existência da assimilação reprodutiva ou funcional, inerente à
atividade inteligente, a criança tende a repetir muito e muitas vezes esta adaptação nova e casual”.
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Na segunda fase, observam-se imitações esporádicas. Piaget (1978) afirma que “...o
processo de imitação é paralelo ao da construção dos esquemas de assimilação,
desenvolvendo-se ambos por diferenciação gradual, isto é, por acomodações correlativas
das coordenações” (p.59).
O jogo de exercícios apresenta diferenças em relação à primeira fase. Parece
reproduzir as adaptações, entretanto isto acontece de maneira tão contínua e indistinta que
torna-se muito difícil afirmar que já se registra a presença do lúdico. Ainda Piaget (1978,
p.118) expressa essa dificuldade. Para o autor
A fase quatro, entre oito e doze meses, apresenta várias realizações, que se somam
as desenvolvidas na fase três. A intencionalidade se faz mais clara e as reações aos objetos
novos passa por modificações sutis, porém significativas. Enquanto nas reações circulares
primárias, o interesse do bebê está depositado no próprio corpo, como uma ação
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Flavell, identifica que Piaget vê o estágio ou fase três como uma transição entre a não intencionalidade e a
intencionalidade. Efetivamente no quarto estágio aparecem os exemplos indiscutíveis de ação voluntária ou
intencional.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível que a dimensão lúdica acompanhe os gestos e jogos funcionais, após
terem sido apreendidos, vivenciados e transformados em esquemas motores. Identificar a
presença do lúdico, depois de ter sido estabelecida a equilibração é quase uma constatação
inevitável. O momento de aquisição da aprendizagem pode ser entendido como sério em
oposição à idéia da brincadeira surgida posteriormente
Entretanto apresenta-se de forma clara a dificuldade de delimitar exatamente o
início da presença da ludicidade no desenvolvimento do bebê. As constantes modificações
as quais a criança é submetida, não ocorrem por meio de rupturas bruscas. As
transformações vão suavemente acontecendo ao longo do processo. Os obstáculos na
construção do aprendizado vão sendo superados aos poucos. As fases características das
diversas idades apresentam diferentes graus de domínio e desenvoltura que a aproximam
mais ou menos da fase seguinte.
A observação e os registros dos jogos de exercício ou funcionais de Piaget servem
de base para posteriores entendimentos da presença dos aspectos ora lúdico ora funcional
percebidos nas atividades, jogos e brincadeiras que permeiam a infância e a adolescência.
O desenvolvimento harmonioso do ser humano depende dos elementos imitação,
brinquedo e ludicidade, entre muitos outros aspectos. Entretanto, em relação aos
profissionais que atuam com educação, no sentido amplo e com a educação psicomotora no
sentido estrito, observar esses elementos faz enorme diferença. E mais importante do que
identificar exatamente quando o lúdico começa a ser vivido, é compreender e respeitar o
ritmo natural da vida infantil. É entender que as experimentações e repetições fazem parte
de um panorama maior de vivências, descobertas e aprendizados, que levarão a criança ao
desenvolvimento integrado e pleno.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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JÚNIOR, Alfredo et al. (orgs.). Introdução à educação física. Niterói: Corpus, 1999, 486
p.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1980, 243 p.
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LA TAILLE, Yves de; OLIVEIRA, Martha Kohl; DANTAS, Heloysa. Piaget, Vygotisky,
Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992, 115 p.
MELLO, Alexandre Moraes de. Psicomotricidade, educação física e jogos infantis. São
Paulo: Ibrasa, 1989, 95 p.
VYGOTSKY, Lev Semyonovich. A formação social da mente. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1989, 168 p.