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Atividade física e doença cerebrovascular

Ricardo Jacó de Oliveira


Professor doutor, Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu
em Educação Física, Universidade Católica de Brasília

Os AVCs podem ser do tipo isquêmico ou


Introdução hemorrágico. Os isquêmicos ocorrem por obstrução das
principais artérias que levam sangue ao cérebro, as áreas
A doença cerebrovascular é uma das principais
irrigadas por essa artérias deixam de receber sangue oxige
causas de morte no Brasil (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
nado, 80 % dos AVCs são do tipo isquêmico. Os
1988), é a terceira causa de morte nos Estados Unidos da
hemorrágicos ocorrem por ruptura de uma dessas artérias
América (National Center for Health Statistics, 1995) e
levando ao sangramento intracerebral (CAVALHEIRO,
uma das maiores causas de disabilidades em Países
1993).
industriali zados (WANNAMETHEE & SHAPER, 1999),
sendo con siderada também uma das causas mais Os sintomas e os sinais apresentados pelo
frequentes de morte no mundo (BILLER & LOVE, 1991). paciente com AVC dependem, basicamente, se o mesmo
Os coeficientes de mortalidade encontram-se em declínio é do tipo isquêmico ou hemorrágico e da artéria
desde o ínicio do século nos Estados Unidos da América, comprometida, o quadro clínico tem relação direta com as
apresentando de créscimo de 2% ao ano no período de funções das áreas afetadas. Comumente, dentre os AVCs
1950-1972 e de 7% ao ano no período após 1973 (KLAG isquêmicos a arté ria mais afetada é a cerebral média. O
et al. 1989). Desde meados dos anos 70 na Europa, no quadro clínico com preende a perda de movimentos do
período compreendido entre 1970-1985, os coeficientes lado oposto do corpo (hemiplegia) com aumento dos
de mortalidade provoca dos por acidente cerebrovascular reflexos (hiperreflexia), podendo-se ainda observar
decresceram em torno de 45% (UEMURA & PIZA, problemas na fala (CAVALHEI RO, 1993).
1988). No Brasil foi detectado declínio dos coeficientes Em comparação com o que ocorre com outras do
no município de São Paulo e em outras capitais a partir do enças ou síndromes neurológicas, como a epilepsia e a do
final dos anos 70, apresentando índices de descréscimo na ença de Parkinson, as cerebrovasculares estão entre as
mortalidade por acidente vascular cerebral na ordem de mais importantes afecções cerebrais enfrentadas pelos
17%, para ambos os sexos entre os biênios 1970-1971 e neurolo gistas no âmbito clínico. As doenças
1980-1981 (LOLIO & LAURENTI, 1986), porém com cerebrovasculares isquêmicas e anóxicas permanecem
benefício restrito somente a algumas faixas etárias incluídas no grupo para o qual a conduta terapêutica é
(GOMES & BECKER, 1990). Apesar de apre sentar expectante, conservadora e pouco específica. Em face da
declínio, a mortalidade por doença cerebrovascular ainda ineficiência terapêutica dis ponível, um grande número de
se mantém em níveis elevados. Talvez o fator mais pacientes afetados veêm-se impossibilitados da
importante seja decorrente da alta prevalência da hiperten compreensão e/ou da expressão da lin guagem, de outras
são arterial em nosso meio e sua estreita relação com a do funções cognitivas, da motricidade, da visão e de outras
ença cerebrovascular (LESSA & BASTOS, 1983). A hi funções sensoriais, vindo eventualmente a apresentarem
pertensão arterial e o fumo claramente aumentam o risco um quadro tipo demencial. O acidente vascular cerebral
do indivíduo de ser acometido por um acidente vascular, recorrente é considerado a segunda causa mais comum de
mas outros fatores de risco potenciais incluem a inativida demência. A demência associada com a doença
de física, a obesidade, a intolerância à glicose, as cerebrovascular é comumente reconhecida como uma
dislipidemias, dietas e utilização de altas doses de consequência imediata do acidente cerebrovascular, em
contraceptivos (BRONNER, KANTER, MANSON, que ocorre um declínio intelectual mensurado após um ou
1995). mais eventos isquêmicos (TATEMICHI et al. 1994;
KOKMEN et al.1996). Recentemente, TATEMICHI e
col.(1994), ao acompanharem prospectivamente, ao longo
Doenças Cerebrovasculares de 52 meses, pacientes que apresentaram AVC, verifica
ram que esses pacientes, após um período inicial em que
O acidente vascular cerebral (AVC), popularmen não se detectou alterações cognitivas de caráter
te, conhecido como derrame, apresenta um dos quadros involutivo, desenvolveram um quadro de demência na
mais dramáticos que atingem o sistema nervoso central. ausência de novos episódios isquêmicos em uma
Quando não causa a morte, deixa sequelas devastadoras, proporção maior do
principal mente em relação à incapacitação física,
aproximadamente 30% dos pacientes permanecem com
problemas de marcha
e outros 15 % com problemas de fala (CAVALHEIRO, 65-78
1993).
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que individuos controles, pareados conforme a idade e mesma bagagem sócio-econômico-cultural. Em outros es
tudos foi estimada a incidência de demência após o mor te imediata ocorrerem antes que os eventos
primei ro infarto cerebral. Depois de decorridos um ano pertinentes à morte neuronal tardia possam atingir sua
ao insulto isquêmico o risco de apresentar um quadro tipo expressão com pleta (KIRINO & SANO, 1984b).
demencial foi nove vezes maior que o encontrado na Reforçando esse aspec to, um estudo utilizando o modelo
população, en tretanto, não foi observado em nenhum de 4 vasos para subme ter os ratos wistar a uma isquemia
paciente durante o primeiro ano qualquer tipo de cerebral bilateral transi tória de 60 minutos, sob
demência, mas esse estudo mostrou que a cada ano que se temperatura normal (37° C), se guida de 7 horas de
seguia ao insulto isquêmico o risco de apresentar um normotermia, demonstrou na avalia ção histológica morte
quadro tipo demencial encontra va-se aumentado em duas celular imediata na região CA1 do hipocampo dorsal,
vezes quando comparado com a população. Foi observado fenômeno diferente do que ocorre na morte neuronal
também depois do primeiro ano comparando-se com a tardia (COIMBRA et al. 1995).
população, um aumento de 50% no número de pacientes Várias hipóteses tentam explicar a morte
que apresentavam doença de Alzheimer (KOKMEN et al. neuronal tardia. Entre elas a mais aceita é a
1996). excitoxicidade (CHOI, 1988). A liberação de
neurotransmissores excitatórios na fenda sináptica, em
especial o glutamato e o aspartato, de sempenha papel
Mecanismos de lesão importante na fisiopatologia do dano neuronal que
Algumas reações metabólicas têm sido considera acomete determinadas populações de neurônios mais
das importantes por estarem envolvidas com o vulneráveis. As regiões mais vulneráveis são as da área
mecanismo fisiopatológico da lesão cerebral isquêmica. A CA1 do hipocampo, neocortex, estriado, tálamo,
depleção energética (DJURICIC et al. 1983), o distúrbio substância negra e colículo inferior (INOUE et al. 1992),
homeostático de Ca++ (SIESJÖ, 1981), a liberação de correspondem aos neurônios que recebem maior número
neurotransmissores excitatórios (GLOBUS et al. 1988), a de aferências glutamatérgicas e possuem maior
formação de radicais livres (AGARDH et al. 1991) e a concentração de receptores pós-sinápticos para o
degradação de fosfolipídeos (MEYER et al. 1986) são glutamato do tipo NMDA (MONAGHAN & COTMAN,
exemplos das rea ções iniciadas durante a isquemia. 1985; COTMAN et al. 1987), e NÃO-NMDA (MAYER
& MILLER, 1990). Têm sido propostas duas fases de
Em face dessas reações metabólicas, um impor libera ção de glutamato, por diferentes mecanismos.
tante fenômeno acomete as células neuronais após a ocor Antes da isquemia, o glutamato é liberado das vesículas
rência de um insulto isquêmico. Tal fenômeno é por um pro cesso de exocitose dependente de cálcio. Após
conhecido como morte neuronal tardia. Em 1982, alguns mi nutos de isquemia essa liberação vesicular
KIRINO demons trou a ocorrência de lesão neuronal encontra-se ini bida, mas as alterações no gradiente iônico
envolvendo as células piramidais da área CA1 do associado com a despolarização anóxica conduzem à
hipocampo de gerbilos mongolianos (Meriones liberação de glutamato por um processo conhecido como
unguiculatus), um processo veri ficado entre o decorrer “reversed uptake”. Após o término da isquemia o
do 2º e o 4º dia após breve período de isquemia cerebral gradiente iônico está restaurado, a concentração de ATP
transitória. Esse resultado tem sido confirmado em aumenta e a libera ção passa novamente a ser vesicular
modelos experimentais utilizando ratos e gerbilos (ITO et (SZATKOWSKI & ATTWELL, 1994).
al. 1975; PULSINELLI, BRIERLEY, PLUM, 1982;
KIRINO & SANO, 1984a,b; PETITO & PULSINELLI, Os neurotransmissores excitatórios liberados na
1984; CRAIN et al. 1988; ARAKI et al. 1989; FREUND fenda sináptica ativam receptores pós-sinápticos desenca
et al. 1990; DESPHANDE et al. 1992). Entretanto, deando o fenômeno excitotóxico. Na sequência, canais
neurônios não piramidais gabaérgicos do stratum iônicos altamente permeáveis aos cátions Na + e K+ são
piramidale estão preservados ( NITSCH, GOPING, aber tos quando estes receptores são ativados e, dentre
KLATZO, 1989; NITSCH et al, 1989; TORTOSA & estes re ceptores, os do tipo NMDA possuem alta
FERRER, 1994 ). Estudos similares em humanos são ra permeabilidade para o Ca++ (LODGE et al. 1987). Estudos
ros. Entretanto, uma relevante investigação clínico in vitro têm su gerido que a injúria dos neurônios corticais
neuropatológica realizada por PETITO e col.(1987) de induzidas por uma breve e intensa exposição ao glutamato
monstrou a ocorrência de morte neuronal em humanos, pode ser sepa rada em dois componentes distinguíveis. O
depois de decorridas 18 ou 24 horas, em pacientes acome primeiro marca um edema celular agudo dependente da
tidos por uma parada cárdio-respiratória. Mas, outro estu presença extracelular de Na+ e Cl-. Dessa forma, a
do demonstrou, entre as 12 horas e o 3º dia depois de de ativação de recep tores do tipo NMDA e de receptores de
corrida a parada cardíaca, a ocorrência de morte neuronal, Kainato em parti cular são responsáveis por um largo
com características similares à morte neuronal tardia veri influxo de Na+ extracelular, acompanhado por um influxo
ficada experimentalmente vindo a degeneração neuronal passivo de Cl- e água, resultando numa expansão do
acentuar-se com uma sobrevida entre 4 e 13 dias, confir volume celular (KOH, PETERS, CHOI, 1990). O
mado-se assim a presença de morte neuronal tardia em hu segundo componente, marcadamente responsável pela
manos (HORN & SCHLOTE, 1992). desintegração neuronal tar dia é dependente da
concentração intracelular de Ca++. O aumento intracelular
A morte celular isquêmica depende da magnitude de Ca++ é um fator importante no
do insulto isquêmico (grau de redução do fluxo sanguíneo
cerebral e duração). Portanto, é possível que o prolonga
mento da isquemia para 20 a 30 minutos, utilizando o mo
delo do gerbilo mongoliano, promova, nos neurônios pira
midais da área CA1 do hipocampo dorsal, degeneração 65-78
pre coce em decorrência dos mecanismos mediadores da
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desencadeamento da degeneração neuronal excitotóxica estudos demonstraram o acúmulo intracelular de cálcio.
(CHOI, 1988; SIESJO & BENGTSSON, 1989). Vários Este acúmulo tem como resultados a ativação de
proteases e outros processos degradativos. O aumento ção nos níveis de eicosanóides à mesma temperatura
intacelular iônico de cálcio altera o estado funcional de (PATEL et al. 1994). Mas, quando se utilizou uma
várias enzimas, re ceptores e canais iônicos de membrana hipotermia moderada (30ºC) foi verificada a atenuação do
que ajudam na ma nutenção da homeostase necessária aumento dos níveis de PGF2a, o que sugere especialmente
para manter a integri dade celular (KENNEDY, 1989). A que outros mecanismos, afora a liberação de glutamato,
inabilidade dos neurônios em removê-lo, pode ser o são importantes mediadores da produção de ácido
determinante da morte celular tardia (ARAKI, KATO, araquidônico (PATEL et al. 1994).
KOGURE, 1990; SALINSKA et al. 1991). Um outro mecanismo proposto para explicar a
Adicionalmente, a morte neuronal foi reduzida pela vul nerabilidade neuronal que se segue à anóxia é a
utilização de agentes redutores da con centração produção de óxido nítrico (NO). A liberação excessiva de
intracelular de cálcio (ASANO et al. 1991). glutamato pode levar à produção de NO, devido à
Acredita-se que o aumento na biossíntese de ativação da enzima óxido nítrico sintetase (NOS), que é
eicosanóides, em resposta aos mais diversos estímulos fí responsável pela pro dução de NO (BREDT & SNYDER.
sicos, químicos, e hormonais, envolva a ativação de acil 1989; KNOWLES et al. 1989; GARTHWAITE et al.
hidrolases, o que é determinado pelo aumento da concen 1989; DAWSON et al. 1993). Alguns estudos imuno-
tração intracelular de Ca++. Várias enzimas como as histoquímicos e de hibridização in situ demonstraram que
proteases, fosfolipases, e quinases têm sido postuladas formas da NOS de pendentes de cálcio, normalmente
como responsivas ao cálcio, mediando a morte neuronal. estão presentes nos neurônios da área CA1 do hipocampo,
Os múl tiplos efeitos do cálcio, incluindo a regulação e formas da NOS não dependentes de cálcio estão
dessas enzimas, são mediados pela associação desse presentes em astrócitos no hipocampo (CA1) após a
cátion com a calmodulina. Em estudos anteriores, foi isquemia (ENDOH et al. 1993). É possível que ambas as
demonstrado, após a isquemia, nas regiôes mais formas da NOS possam contribuir para a morte neuronal
vulneráveis, um decréscimo da atividade da Ca+ (MAIESE, WAGNER, BOCCONE, 1994).
+
/Calmodulina (PICONE et al. 1989). Nesse sentido, o Algumas evidências sugerem que o desequilíbrio
conceito predominante, é que a associa ção do cálcio com na homeostasia do cálcio pode levar à ativação da NOS e
a calmodulina seja importante na ativa ção dessas enzimas consequentemente à produção de NO (DAWSON et al.
e C ligadas à 1993). Mas não se encontram bem entendidos os mecanis
(Acil-hidrolases) e que as fosfolipases A 2
membrana provavelmente estejam envol mos da neurotoxicidade determinada pelo óxido nítrico.
vidas na formação Em modelos animais de isquemia cerebral o bloqueio do
de ácido araquidônico (BELL et al. 1979; SMITH, cálcio pode reduzir o volume de infarto (GINSBERG et
DANGELMAIER, MAUCO, 1985). O nível de ácido al. 1991; MORIKAWA, HUANG, MOSKOWITZ, 1992).
araquidônico, após o insulto isquêmico, encontra-se Utilizan do o inibidor de canais de cálcio (HA1077),
aumentado em decorrência da ativação de receptores pós observou-se um efeito neuroprotetivo em cultura de
sinápticos glutamatérgicos, do tipo NMDA e NÃO- neurônios durante anóxia, entretanto, o inibidor HA1077
NMDA, pelo agonista liberado durante o insulto não exerceu o mes mo efeito protetor durante exposição
isquêmico. Estu dos confirmaram que a ativação de da cultura de neurônios ao óxido nítrico. Dessa forma, o
fosfolipases leva a um aumento na formação de ácido cálcio pode ser um mensa geiro inicial na cascata
araquidônico (SIESJÖ & BENGTSSON, 1989). desencadeada pela isquemia, mas a consequente
Entretanto, não é somente o ácido araquidônico o degeneração neuronal é dependente do NO (MAIESE ET
responsável pela destruição da membrana fosfolipídica. AL. 1994).
Ao final dessa cascata bioquímica uma quan tidade Estudos recentes revelaram que um distúrbio na
excessiva de radicais livres é acumulada. Trata-se de expressão gênica mitocondrial pode ser a explicação para
moléculas que possuem um elétron não pareado no seu o fenômeno da morte neuronal tardia. Uma redução dos ní
orbital mais externo e são essencialmente lesivos e veis do RNA mitocondrial foi verificada exclusivamente
capazes de destruir as membranas biológicas e outras nos neurônios da área CA1 do hipocampo durante a
estruturas ce lulares. As membranas lípidicas são muito reperfusão, sendo posteriormente agravada com o
ricas em ácidos graxos poli-insaturados, como o ácido decorrer do tempo (ABE et al. 1995).
araquidônico, que são essencialmente sensíveis à
Várias proteínas são codificadas pelo DNA nucle
peroxidação induzida por essas moléculas
ar e sintetizadas nos ribossomos citoplasmáticos após o
(PELLEGRINI-GIAMPIETRO, 1994). Por sua vez, o
que são transportadas para dentro das mitocôndrias; no
metabolismo do ácido araquidônico pode dar origem a
entanto as mitocôndrias têm um sistema de DNA
ânions superóxido. Portanto, o cérebro é ex
específico (mtDNA). Algumas proteínas codificadas pelo
cepcionalmente vulnerável aos efeitos citotóxicos dos ra
mtDNA são sintetizadas nos ribossomas mitocondriais
dicais livres de oxigênio (DEMOPOULOS et al. 1980;
mas a sua ex pressão gênica é completamente controlada
KONTOS, 1989; HALLIWELL, 1992). Os radicais livres
pelo DNA nu clear. Os sistemas genéticos mitocondrial e
somente acumulam - se a partir da recirculação, com o
nuclear se inter relacionam para coordenar a formação
restabelecimento da oferta de oxigênio ao tecido
dos complexos enzimáticos de conversão de energia. A
isquêmico.
transcrição do mRNA do mtDNA é mediado pela RNA
PATEL (1994), utilizando como intervenção tera polimerase, uma enzima codificada pelo DNA nuclear
pêutica uma leve hipotermia (34ºC) em ratos, submetidos (WALLACE, 1992).
a um insulto isquêmico de 10 minutos induzido através do
modelo de oclusão de 2 vasos associada à hipotensão, en
controu como resultado uma redução dos níveis de
glutamato, não havendo, entretanto, observado diminui
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O sistema respiratório mitocondrial é vital para a 1988). Este sistema se constitui de complexos protéicos
produção de energia pela via oxidativa (WALLACE et al. codificados pelo mtDNA e DNA nuclear. A COX é uma
enzima mitocondrial que participa do sistema de hipotermia intra-isquêmica, COIMBRA &
transporte de elétrons e é composta por 13 subunidades, CAVALHEIRO (1990) iniciaram investigações
entre as quais apenas três (coxI, coxII, coxIII) são concernentes aos efeitos sobre a sobrevida neuronal,
codificadas pelo mtDNA. Uma diminuição na atividade determinados por períodos de rebaixamento da
de proteínas mitocondriais parcialmente codificadas pelo temperatura corporal iniciados após a recirculação. Os
mtDNA ocor reu exclusivamente nos neurônios da área primeiros resultados apresentaram um importante efeito
CA1, no estágio inicial da reperfusão após um insulto protetor sobre o hipocampo dorsal, de terminado por um
isquêmico. E, em con traste, a atividade do DNA nuclear, período de 5 horas de hipotermia mode rada (33° C),
que codificou enzimas mitocondriais e o mtDNA iniciadas nos primeiros minutos de recirculação após 5
permaneceram intactos durante o período que precedeu a minutos de isquemia utilizando o mo delo do gerbilo
morte celular na área CA1 (MITA et al. 1989). mongoliano.
As proteínas motoras como a cinesina e dineína Em estudos realizados na universidade de Miami
responsáveis pelo deslocamento da mitocôndria ao longo E.U.A, BUSTO e col. (1989) verificaram uma proteção
dos microtúbulos são estritamente dependentes de ATP parcial determinada pela aplicação de 3 horas de
para exercerem suas atividades (PASCHAL, SHPETNER, hipotermia moderada iniciadas ao longo dos primeiros
VALLEE, 1987; SCHNAPP & REESE, 1989). Estudos minutos após a recirculação, adicionalmente, utilizando o
imunohistoquímicos com dineína e cinesina citoplamática mesmo tratamen to, com início postergado por 30 minutos
marcadas mostraram decréscimo inicial da imuno após a reperfusão, não observou-se qualquer efeito
reatividade por volta de 1 hora, tornando se mais evidente protetor mantendo a sobrevida por um período de 7 dias.
3 horas após a isquemia cerebral na área CA1 do No entanto, à margem das evidências demonstradas nas
hipocampo ( ABE et al. 1995). Portanto, a disfunção do últimas décadas, a con duta geral adotada no âmbito
sistema motor mitocondrial provoca um distúrbio na clínico tem desconsiderado quaisquer manipulações da
expressão do mtDNA, o que posteriormente pode levar a temperatura corporal que ve nham a alterar a magnitude
uma progressiva falên cia na produção de energia nos final da lesão neurológica executadas após a ocorrência
neurônios da área CA1 e, eventualmente, resultar em de acidentes cerebrovasculares isquêmicos ou anóxicos.
morte celular. Essa atitude contrasta com o grande esforço dispendido
em testes clínicos, utilizando numero sos agentes
farmacológicos potencialmente dotados de efei tos
Mecanismos de Proteção hipotermiantes, inspirados em estudos experimentais em
que a variável temperatura não é criteriosamente controla
Na perspectiva de estabelecer uma terapêutica da (COIMBRA & CAVALHEIRO, 1995).
para minimizar os danos provocados por estas alterações Recentes estudos têm demonstrado que a tempera
que se seguem à isquemia cerebral e restabecer as tura corporal é o maior determinante da sobrevivência
condições de homeostasia recorre-se à hipotermia. neuronal na fase de recuperação que se segue ao insulto
Acredita-se que, em condições hipotérmicas, o tecido isquêmico, desde que a aplicação da hipotermia moderada
nervoso suporte as condi ções adversas geradas durante e ocorra por um período de longa duração (COIMBRA
após o insulto isquêmico. &WIELOCH, 1992; COIMBRA & WIELOCH, 1994).
Evidências acumularam-se nas últimas décadas, Dessa forma propiciando uma redução na morte neuronal
no sentido de caracterizar a hipotermia como protetora do tardia, principalmente quando induzida várias horas duran
te cido nervoso. A hipotermia pode ter recursos considerá te o período de recuperação. De uma forma geral, o
veis de proteção frente à morte neuronal isquêmica in melhor resultado protetor utilizando hipotermia foi
vivo (PARKINS, JENSEN, VARS, 1954; CONNOLLY, evidenciado com a manutenção por um período de 7
BOYD, CALVIN, 1962; NATALE & D’ALECY. 1989) e horas, embora uma tendência na diminuição dos efeitos
in vitro (OKADA, TANIMOTO,YONEDA, 1988). O protetores ocorresse quando essa hipotermia fosse
exato meca nismo para esta proteção ainda não está mantida durante um período de 10 horas (COIMBRA et
esclarecido. A hipotermia durante isquemia cerebral tem al. 1993; COIMBRA & WIELOCH. 1994b). Entretanto,
sido estabeleci da como um potente cerebroprotetor. A quando a temperatura uti lizada para induzir a hipotermia
maior parte dos modelos utilizados fundamenta-se na foi reduzida para 28°C e os parâmetros anteriores foram
oclusão permanente unilateral da artéria cerebral média mantidos, não observaram se melhores resultados quanto
(BAKER et al. 1991; ONESTI et al. 1991; BAKER, à extensão do efeito prote tor.
ONESTI, SOLOMON, 1992) e tentam, conceitualmente, Entre os dados que colaboraram para o estabeleci
avaliar os efeitos da hipotermia sobre a área de tecido mento dessa idéia, constam os inúmeros relatos de
nervoso ainda em sofri mento circulatório parcial. A paradas cardíacas prolongadas acidentalmente
redução da área de infarto demonstrada por estes acompanhadas de hipotermia e, em geral, decorrentes de
pesquisadores evidenciou que a hipotermia pode atuar afogamentos em água gelada. Numerosos pacientes, em
favoravelmente sobre os mecanis mos fisiopatológicos sua maioria crianças, têm sido resgatados dessa situação e
atuantes nessa zona. Outros estudos, utilizando modelos reanimados após períodos de parada cardíaca superiores a
de oclusão reversíveis (CHEN, ZHANG, GARCIA, 1992; uma hora, apresentando mesmo assim uma recuperação
MORIKAWA et al. 1992; neurológica satisfatória
ZHANG et al. 1993; KARIBE et al. 1994) obtiveram re
sultados igualmente favoráveis à redução da área de
infarto e atribuiram este efeito à hipotermia.
Estimulados pelos relatos positivos, relativos à 65-78
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(KVITTINGEN & NESS. 1963, SIEBKE et al. 1975, Os efeitos da temperatura induzidos nos períodos
YOUNG, ZALNEIRATIS, DOOLING, 1980; KELLY et pós-isquêmicos têm sido objeto de relatos controversos
al. 1990). nos últimos anos. De acordo com as indicações
demonstradas em estudos de BUSTO e col. (1989a), uma (COLBOURNE & CORBETT, 1995).
limitada prote ção seria conferida à região CA1 do A hipertermia também é um fator importante a
hipocampo dorsal, unicamente quando hipotermia ser considerado como adjunto de agravamento do dano
moderada fosse utilizada nos primeiros minutos que se neuronal que se segue após isquemia cerebral. Quando a
seguem à recirculação, embora este efeito fosse ocorrência de um surto hipertérmico intra-isquêmico, ob
transitório, não sendo observado após uma sobrevida servou-se aumento na extensão do dano neuronal
prolongada (DIETRICH et al. 1993). Contribu indo a (MINAMISAWA, SMITH, SIESJÖ, 1990). No entanto,
estas controvérsias, um outro estudo afirmou que uma os efeitos da hipertermia pós-isquêmica não têm sido
hipotermia de média intensidade aplicada imediata mente obser vados experimentalmente em detalhes.
após a ocorrência de um evento isquêmico em ratos,
A hipertermia não tem sido considerada fator de
utilizando o modelo de 2 vasos associados a hipotensão
terminante na evolução do quadro neurológico, nem mes
com duração de 8 minutos, proporcionou melhora na
mo é especialmente considerada nos principais compêndi
sobrevida neuronal. Entretanto, quando este evento durou
os de neurologia. No entanto, em um estudo retrospectivo
12 minutos o mesmo efeito não foi demonstrado (CHOPP
realizado por HINDFELT (1976) demonstrou-se que um
et al. 1991).
surto febril mesmo em grau leve (37,5° C a 38° C )
Somente após uma série de estudos levados a efei durante a primeira semana após o acidente vascular
to por Coimbra e colaboradores (COIMBRA et al. 1993; cerebral isquêmico, correlaciona-se com uma piora na
COIMBRA & WIELOCH. 1994a,b) é que o papel crítico recuperação neurológica avaliada na fase aguda e,
da duração do período de hipotermia foi adequadamente posteriormente, ava liada dois meses após as
caracterizado e apontado como determinante primordial manifestações clínicas.
da controvérsia entre os conceitos anteriores. Em relação
Em dados experimentais recentes concernentes à
a esses estudos, observou-se que ao atingir-se uma
sobrevida neuronal no período pós-isquêmico, observou
duração mínima, por volta de 5 horas, a hipotermia
se que o prolongamento da anestesia inalatória evitava a
moderada (33°C) iniciada 2 horas após a recirculação
ocorrência de um surto hipertérmico ao longo dos primei
conferia ampla mas, geralmente incompleta proteção,
ros noventa minutos que se seguiam à restauração do
frente ao dano neuronal. Depois deste período de 2 horas
fluxo sanguíneo no gerbilo mongoliano submetido à
pós-isquemia, cada atraso no início da aplicação da
oclusão bi lateral das artérias carótidas comuns
hipotermia era considerado por diminuir a magnitude da
(KURIOWA, BONNEKOH, HOSSMANN, 1990) e,
proteção (COIMBRA et al. 1993). De uma forma geral,
paralelamente, ocor ria redução da morte neuronal no
no entanto, o melhor resultado prote tor foi evidenciado
hipocampo dorsal. Estu dos mais recentes demonstraram
com uma duração da hipotermia por volta de 7 horas
a ocorrência de um surto hipertérmico tardio e prolongado
iniciadas 2 horas após insulto isquêmico, tendendo a
em ratos wistar, submeti dos à oclusão carotídea bilateral
desaparecer quando a hipotermia fosse prolon gada por
associada à hipotensão. A morte neuronal foi reduzida em
um período de 10 horas (COIMBRA et al. 1993;
50% no hipocampo dorsal através da aplicação de
COIMBRA & WIELOCH. 1994b).
antipiréticos ou de resfriamento avaliada após uma
Em estudos mais recentes, COLBOURNE (1994) semana de sobrevida (COIMBRA et al. 1993; COIMBRA
acrescentou resultados contrastantes às evidências existen et al. 1994). Portanto, as evidências su gerem a adoção de
tes. Utilizando o modelo experimental de oclusão bilateral medidas que possam efetivamente im pedir o
das artérias carótidas em gerbilos mongolianos, encontrou aparecimento ou a sustentação de surtos febris em
resultados que podem dirimir as controvérsias entre o pacientes acometidos de acidente vascular cerebral
grau de proteção neuronal aferido quando se utiliza isquêmico ou anóxico (COIMBRA & CAVALHEIRO,
hipotermia intra-isquêmica ou hipotermia pós-isquêmica. 1995) o que, opostamente, poderia aumentar a perda
Depois de submeter os animais a 5 minutos de oclusão neuronal e piorar o quadro neurológico.
isquêmica se guido de 12 horas de hipotermia moderada
Durante anos achou-se que os efeitos protetores
(32°C), inicia das 1 hora após o evento isquêmico e com
da hipotermia atuavam somente quando esta era aplicada
os gerbilos man tidos com uma sobrevida de 10 e 30 dias
no período intra-isquêmico, sendo atribuído como
respectivamente, mostrou-se na análise histológica, que a
hipótese explicativa do mecanismo determinante do efeito
perda neuronal foi muito menor nos animais com
protetor, a teoria da depressão metabólica. Verificou-se
sobrevida de 10 dias, quan do comparados aos de 30 dias.
que, para uma redução de 10° C, obtém-se uma demanda
Este fato foi colocado como sugestivo, no sentido em que
por oxigênio de até 3 vezes inferior, assumindo-se um
demonstra uma provável pro gressão da perda neuronal
aumento proporcio nal no período de tolerância do tecido
após o décimo dia de sobrevi vência. Na sequência,
nervoso ao insulto isquêmico (MICHENFELDER &
quando foi elevado o período de apli cação da hipotermia
THEYE,1968).
para uma duração de 24 horas, o efeito protetivo
encontrado situou-se em níveis de 90% após o trigésimo Tendo como fonte inspiradora a hipótese supra ci
dia de sobrevida quando comparado aos animais tada, inúmeros pesquisadores dedicaram seus esforços no
submetidos a apenas 12 horas de hipotermia pós- sentido de testar agentes farmacológicos que pudessem
isquêmica. contrabalançar os efeitos da hipóxia/isquemia pela
Mais recentemente repetindo o experimento, mas utilizan redução do consumo de oxigênio. Os anestésicos gerais,
do tratamento hipotérmico por um período de 24 horas e devido à
estendendo a sobrevida para 6 meses, obteve como resulta
dos uma redução no dano neuronal em torno de 70% e
esta proteção persistia por pelo menos 6 meses
65-78
Rev. Bras. Ciên. e Mov. Brasília v. 9 n. 3 p. julho 2001 75
sua capacidade de depressão do metabolismo do sistema por uma hipotermia leve (35°C) quando comparadas aos
nervoso, constituiram alvo preferencial (COIMBRA & anes tésicos, na análise histológica, supera largamente os
CAVALHEIRO, 1995). O efeito protetor proporcionado efeitos dos anestésicos capazes de imprimirem uma
depressão metabólica superior (TODD & WARNER, longo (cerca de 5 a 7 horas, no caso da hipotermia).
1992). Conforme a área estuda da encontrou-se uma proteção
A proteção atribuída à hipotermia depende da se neuronal em cerca de 50 a 90% (COIMBRA et al. 1990;
veridade da isquemia e do período de sobrevida após o in COIMBRA & WIELOCH. 1992; COIMBRA et al. 1993).
sulto isquêmico. A hipotermia, provavelmente, deve prote No entanto, apesar de algu ma proteção ainda ser
ger somente contra os efeitos deletérios de um insulto verificada, o nível de sobrevivência neuronal observado
isquêmico moderado, embora um longo período de sub após a sobrevida de uma semana não se mantém depois
missão à hipotermia possa estender esta janela terapêutica de decorridos 60 dias.
(COLBOURNE et al. 1994). Assim, para uma dada dura
ção da isquemia, observa-se que o efeito propiciado pela
redução de temperatura de 39° C para 36° C sobre o núme Isquemia cerebral e
ro de neurônios remanescentes é apenas discreto, verifi
cando-se quase completa proteção quando se atinge níveis atividade física
próximos de 34° C (TODD & WARNER, 1992).
Na perspectiva de acrescentar alternativas terapêu
Os mecanismos envolvidos com o efeito ticas no tratamento e prevenção contra o AVC, vários estu
protetivo promovido pelo tratamento com hipotermia dos têm demonstrado o efeito protetivo da atividade física
após um insul to isquêmico não são bem conhecidos. Por contra as doenças coronarianas (BURKE & MANOLIO,
exemplo, os neurônios da área CA1 mostraram um 1993). No entanto, poucos estudos têm examinado os efei
aumento na sensitividade sináptica após o insulto tos protetivos da atividade física contra as doenças
isquêmico cerebral (ANDINÉ, JACOBSON, HAGBERG, cerebrovasculares. GILLUM & INGRAM (1996) relacio
1992) e a despolarização causou um aumento no influxo naram a taxa de risco de ser acometido por acidente
de cálcio para a célula, maior do que quando a hipotermia cerebrovascular com a não participação em programas de
é aplicada antes da isquemia ser provocada atividade física. Nesse estudo, mulheres brancas na faixa
(COLBOURNE & CORBETT, 1994). É possível que um etária de 45 e 74 anos e homens brancos na faixa etária de
dos mecanismos protetivos desencadeados com a 65 a 74 anos apresentaram taxa de risco associada ao
hipotermia esteja relacio nado com a redução sináptica sedentarismo. Em contraste, em negros essa taxa de risco
em CA1 derivada da via perforante e CA3, isto pode ser não foi observada. Por outro lado, dos acometidos por aci
resultante da diminuição da liberação de glutamato. Numa dente cerebrovascular, os que vieram a falecer, tanto na
isquemia realizada em con dições hipotérmicas, a amostra feminina como masculina, essa associação com o
liberação de glutamato e dopamina foi dramaticamente sedentarismo não foi observada. GILLUM & INGRAM
reduzida quando comparada com a isquemia provocada (1996) ainda procuraram associar a taxa de pulso com o
em condições normotérmicas (BUS TO et al. 1989). risco de sofrer um AVC (acidente cerebrovascular) e,
Outros estudos mostraram também inibi ção na liberação nesse caso, não foi observada uma associação
de glutamato quando o tratamento utiliza do foi a significativa em homens e mulheres brancas mas, ao
hipotermia (ILLIEVICH et al. 1994 a,b). Um outro contrário, em negros essa associação foi significativa.
mecanismo provável de proteção neuronal induzido pela
hipotermia talvez envolva a recuperação pós-isquêmica Em outras palavras, o comportamento sedentário
da síntese protéica (WIDMANN, MIYAZAWA, está associado com o aumento do risco de ser acometido
HOSSMANN, 1993). por AVC. Os mesmos mecanismos de proteção
postulados pela atividade física contra as doenças
Adicionalmente, a temperatura influencia coronarianas podem ser aplicados contra o AVC,
marcadamente os parâmetros fisiológicos da circulação principalmente os efeitos fa voráveis, tais como: a
cerebral. O rebaixamento da temperatura deprime redução da pressão arterial sangüínea, aumento do Col-
vigorosamente a pressão de perfusão do fluxo sanguíneo HDL, melhora da aptidão cardiovascular e redução do
cerebral (ROSOMOFF & HOLADAY, 1954). A stress (WARD, 1992). Os mecanismos de pro teção
formação do edema é profundamente afetada pela pressão propiciados pela atividade física sobre a isquemia não
de perfusão (CLASEN et al. 1968; KLATZO et al. 1967; estão esclarecidos. O exercício aumenta os níveis de
FENSTERMACHER. 1984) e pela temperatura (BAKER HDL, abaixa a pressão arterial sangüínea e reduz o peso
et al. 1991). Portanto, ao impedir, por exemplo, que a pro corporal (THE ROYAL COLLEGE OF PHYSICIANS
gressão do edema e o aumento da pressão intracraniana OF LONDON, 1991). O exercício aeróbio produz
venham a comprimir a microvasculatura da zona de pe adaptações fisiológicas no sistema cardiovascular e no
numbra, o controle da temperatura poderia contribuir para sistema múscu lo esquelético (NEUFER, 1989).
a restrição da área infartada. Finalmente, como a demanda MOREOVER, ADIPUTRA E COL (1992) demonstraram
metabólica da zona de penumbra deve ser dependente da que o exercício aeróbico produziu efeitos benéficos nos
temperatura, a modulação desta pode ser útil para níveis séricos de lipídios. Entretanto, é muito pouco
minimizar o grau de isquemia relativa (HINDFELT, conhecido os efeitos do exercício aeróbio sobre o sistema
1976). cerebrovascular.
Subjacente aos aspectos descritos anteriormente,
estudos demonstraram que, tanto a hipotermia como a
hipertermia, mesmo iniciadas várias horas após o insulto
isquêmico, determinaram efeitos opostos sobre a
sobrevida neuronal, avaliada após o decurso de uma
semana, desde que perdurem por tempo suficientemente 65-78
76 Rev. Bras. Ciên. e Mov. Brasília v. 9 n. 3 p. julho 2001
Nesse sentido, WOLF (1998) em seu artigo publi são, deixar de fumar, aumento dos níveis de atividade físi
cado no The Lancet nos mostra que a incidência de AVC ca e utilização de anti-coagulantes podem prevenir e
pode ser prevenida e reduzida se algumas atitudes forem minimizar os efeitos deletérios provocados pelo AVC. A
tomadas. Medidas preventivas como: controle da hiperten atividade física pode ser benéfica para a isquemia, muitos
estudos indicam em contraste que a atividade física é 1400, 1995
inefetiva em relação aos fatores de riscos relacionados à
isquemia. No entanto, não se sabe que níveis de atividade 4. CAVALHEIRO, E. A. As doenças do cérebro. Rev
física requeridas são suficientes para promover benefícios Ciência Hoje. 16:26-33, 1993
e prevenir o AVC isquêmico. PAFFEMBARGER &
WING (1967) relataram que a pratica esportiva na escola 5. NEUFER, P.D. The effect of detraining and reduced
estava associada a uma redução de 60% no risco de sofrer training on the physiological adaptations to aerobic
um ata que isquêmico. Entretanto, não se sabe que tipo de exercise training. Sport Med. 8:302, 1989.
ativida de física é essencial na prevenção da isquemia.
Dados do Bristish Regional Heart Study sugerem que 6. COIMBRA, C. G. & WIELOCH, T. - Hypothermia
esportes vigo rosos não são essenciais para produzir ameliorates neuronal survival when induced 2 hours after
benefícios. ischemia in the rat. Acta Physiol. Scand., 146: 543-544,
Vários mecanismos biológicos têm sido 1992.
propostos para explicar os efeitos protetivos contra
doença coronariana. Entre esses efeitos estão: a função 7. COIMBRA, C. G. & WIELOCH, T. - Moderate
hemostática, decréscimo na agregação plaquetária e hypothermia mitigates neuronal damage when initiated
coagulação, melho ra na sensibilidade à insulina e several hours following transient cerebral ischemia. Acta
melhora na aptidão cardiovascular (HARDMAN, 1995, Neuropathol., 87: 325-331, 1994.
SHAPER et al, 1991). Talvez esses mesmos efeitos
possam ser aplicados à isquemia, no entanto, a precisão 8. COIMBRA, C. G.; BORIS-MOLLER, F.; DRAKE,
desses efeitos na isquemia precisa ser melhor esclarecido M.; WIELOCH, T. - Diminished Neuronal Damage in the
(WANNAMETHEE & SHAPER, 1999). HATA et al, rat brain late treatment with the antipyretic dipyrone or
(1998) sugeriram que o exer cício aeróbio regular induz cooling following cerebral ischemia. Acta neuropathol.,
um decréscimo no tonus cerebrovascular em mulheres 1996 (in press).
jovens e promove adaptações favoráveis para a prevenção
de doenças cerebrovasculares. 9. COIMBRA, C. G.; BORIS-MÖLLER, F.; DRAKE,
SACCO et al (1998) observaram as relações M.; WIELOCH, T. - Hypo and hypothermia affect the
neuronal Survival several hours after brain ischemia in
entre os benefícios e o tempo de prática de atividade
rats. Soc neurosc. abstr. 19 (Part 2) : 683-686, 1993.
física. A caminhada foi a prática de atividade física mais
observada e desde que praticada moderadamente,
benefícios foram observados. 10. COIMBRA, C. G.; CARVALHO, A. C.; OLIVEI
RA, R. J.; SINIGAGLIA, R. C.; SANTOS, G.;
Em conclusão, alguns estudos demonstraram a CAVALHEI RO, E. A. - Effects of reperfusion under
importância de aderir e permanecer realizando atividade moderate hypothermia on ischemic brain damage. Ciência
física. Os exercícios recomendados são aeróbios e modera e Cultura, 47(4):266-268, 1995.
dos, os mais extremos podem acelerar os efeitos
deletérios, caso o indivíduo seja acometido por um AVC. 11. COIMBRA, C.G. & CAVALHEIRO, E.A. - A Tem
Dessa for ma, a população, principalmente, a mais idosa, peratura corporal após a isquemia cerebral: um potente fa
faixa de grande risco, deveria ser informada das possíveis tor modulador da neurotoxicidade de grande importãncia
possibili dades de prevenção. A atividade física deveria na clínica neurológica. Rev.Neurociências, 2(2):71-76,
integrar os programas de políticas públicas de saúde a fim 1994.
de reduzir a incidência de AVC. Por outro lado, mais
pesquisas preci sam ser realizadas para melhorar e 12. COIMBRA, C.G.; SINIGAGLIA, R. ;
ampliar o conhecimento sobre a relação atividade física e MAZZACORATTI, M.G.N.; CAVALHEIRO, E.A. -
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