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História da Fotografia

por Maurício Falavigna

Introdução

Daguerreótipo - 1843

Daguerreótipo de 1843.
De autor desconhecido, vemos Hogg fotografando no estúdio de Richard Beard.
Apenas quatro anos depois da novidade de Daguerre, os estúdios já adquiriam muita
importância nas maiores capitais européias.

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Ambição burguesa

O desejo de expressar em imagens aquilo que os olhos percebem certamente acompanhou o


homem desde os primórdios de sua existência. Mas o desejo de representar a realidade
visível de uma maneira específica - sonhando em reproduzir com perfeição a visão humana
(como veremos, uma determinada visão humana) - é uma ambição localizada. Uma
ambição ocidental, de uma civilização urbana e burguesa.
A fotografia nasceu de conhecimentos esparsos, que abrangem várias áreas do saber e
foram adquiridos em diversos pontos do planeta, em diferentes épocas. Mas foi na parte
mais urbana e industrializada da Europa do século XIX que eles se agruparam em torno de
um meio mecânico de registrar a imagem. Um feito que, visto com mais de um século e
meio de distância, parece-nos natural e inevitável.
Tão natural que, por vezes, nos faz esquecer os anseios dos homens sob a deslumbrante
história da técnica.
O sonho da ciência e da arte capturarem a realidade com a maior objetividade possível
começou a se formar na mente dos homens da Renascença. Foi no mundo urbano do século
XIV que o ser humano começou a transformar seus sentidos, a maneira de abarcar a
realidade.
O domínio crescente das leis da natureza, proporcionado pelos homens de ciência,
lentamente foi se correspondendo com os desejos dos artistas. Nasciam assim o homem e o
olhar modernos, que passariam mais cinco séculos em busca de uma representação objetiva
e verdadeira.
Em 1839, quando surgiram as máquinas de Talbot e Daguerre, a notícia espalhada aos
quatro ventos soou fantástica para os ouvidos de então, a ponto de muitos ficarem
incrédulos. Dizia-se que a natureza reproduzia-se a si mesma, eliminando o papel do
homem como intérprete e reduzindo-o ao intermediário que apenas acionava a máquina.
Outros, mais afoitos, proclamavam o fim da pintura. Mas logo se percebeu que o invento
não prescindiria da subjetividade, do olho de cada ser humano.
E uma nova maneira de expressar o mundo começava a construir sua história.

O Renascimento

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Virgem dos rochedos

Leonardo da Vinci

A virgem dos rochedos, 1506-08.

Na Alta Renascença, as regras de proporção e perspectiva sugerem volume e profundidade,


aproximando-se da ilusão tridimensional.

O olhar medieval
Para se ter uma idéia do que era a representação nas artes visuais no início dos Trecento,
basta lembrarmos alguns postulados da arte medieval: o hieratismo (tamanho e disposição
das figuras no espaço obedecendo a uma ordem decrescente, do mais para o menos
sagrado), figuras estáticas, frontalidade (rostos retratados de frente), isocefalia (o mesmo
tamanho de todas as cabeças presentes na cena) e isodactilia (dedos da mão sempre com o
mesmo tamanho), o fundo chapado e quase sempre dourado, as expressões invariáveis,
volumes e dimensões uniformes... Para o nosso olhar contemporâneo, sentimos uma
espécie de falta de consideração com a realidade visível...

No entanto, até o século XIV, não consta que algum contemporâneo dos mosaicos
bizantinos, das iluminuras medievais ou das pinturas chinesas tenha levantado a voz para
afirmar que não compreendia a representação que se desenhava ante os seus olhos.
Tomemos como exemplo as regras de pintura medieval acima descritas - a vida daquele
tempo também era dominada pelos mesmos simbolismos, pelo mesmo hieratismo, e essa
vida estava presente na comunicação visual, na arte daquele tempo. Isso é um código
cultural: essa era a maneira de se comunicar visualmente com sucesso. Se viajássemos no
tempo e mostrássemos ao homem daquela época uma fotografia de sua própria família, ele
certamente não “leria” aquela imagem com clareza, sendo ele um camponês analfabeto ou
um cardeal ilustrado. Principalmente, não reconheceria qualquer mérito estético. Não havia

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a necessidade de uma imagem tão naturalista - não fazia parte de seu código cultural, não
era assim que aquele homem via o mundo e, o que é importante: ele não consideraria
aquela imagem como uma representação realista da sua família.

Arte gótica

Milagre de São Bento

Mestre Consolus, Um milagre de São Bento (detalhe), segunda metade do século XIII. A
única sensação de profundidade, inovadora para a época, é dada pela caverna ao fundo.
As estilizações são tradicionais da arte gótica.

A Perspectiva
A maneira de ver e compreender o mundo era, até então, simbólica e hierática. A
veracidade alcançada pela arte também era simbólica. Foi essa postura que começou a ser
profundamente alterada pelo homem do Renascimento. A natureza, a figura humana e toda
a realidade sensível começou a ser vista de um novo modo - a partir de uma certa fidelidade
ao olho humano, conseguida através de um artifício: a racionalização do espaço de acordo
com as leis matemáticas.

Não basta pensar que havia o desejo de se capturar a realidade tal como ela se mostra. Na
verdade, as artes visuais sempre fizeram isso. Tratava-se de compreender essa realidade de
outra maneira, à qual resolveu se dar o estatuto de veracidade e o nome de naturalismo,
realismo ou objetividade, pois acreditava-se, desta forma, estar se removendo toda a magia
do olhar, desnudando a natureza através do entendimento de suas leis. O mundo deixava
aos poucos de ser observado com olhos reverentes, impregnados de crenças, religião,
superstições e explicações mágicas.

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Estudo de perspectiva do século XV.

Na arte ocidental, regras de proporção e perspectiva para a representação do homem e do


espaço eram elaboradas e reelaboradas desde os gregos. Foi utilizando as regras
geométricas de Euclides que os homens da Renascença refinaram a sugestão de
profundidade em suas pinturas, criando as regras da perspectiva e um novo código cultural
para interpretar o mundo, apreendendo o espaço tridimensional numa tela bidimensional. A
solução era matemática: o cenário e as figuras retratadas eram reduzidos
proporcionalmente, de acordo com suas medidas reais. O ponto de vista do pintor gerou um
olhar fixo, que comandava a feitura do quadro e o olhar do espectador - escolhia-se o
motivo principal, sua posição no quadro e reorganizava-se os outros objetos com dimensões
proporcionais à sua distância em relação à figura principal, dando a ilusão de profundidade
numa tela plana. Por isso a palavra perspectiva: “ver através”.

Esse foi o ponto de partida. Ainda faltava conquistar (além do espaço) a forma, o
movimento, a cor, a expressão dos sentimentos humanos... Mais do que nunca, a
objetividade da representação passou a ser o grande desejo da arte visual.

A câmera escura
A busca dessa objetividade incentivou o uso da câmera escura, artefato baseado num
fenômeno conhecido desde os gregos. Aristóteles descreveu seu mecanismo intuitivamente,
ao observar um eclipse solar refletido no solo através de um minúsculo furo de uma folha.
Esse mecanismo foi seguidamente utilizado e readaptado até a Idade Moderna, quando o
grande interesse pelas leis ópticas iria gerar um sem número de câmeras escuras, de
diversas formas e tamanhos. As descrições mais antigas mostram o seguinte método: num
quarto escuro, a luz atravessa um pequeno orifício na parede frontal e projeta uma imagem
invertida da vista exterior numa parede ou numa tela ao fundo do quarto. A antiga técnica
utilizada para observar os eclipses solares passou a ser utilizada, com constância cada vez
maior, como um auxílio ao desenho e à pintura. Giovanni della Porta, artista e cientista
napolitano, foi o primeiro a recomendar seu uso para o desenho, lançando em 1558 um

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livro que descrevia a montagem e o funcionamento da câmera escura (ver abaixo). Numa
segunda edição do livro, mais tarde, o artista recomendava seu uso inclusive para os
retratos, posicionando os modelos em frente ao orifício da parede frontal.

câmera escura

"Se não sabes pintar, com este procedimento pode desenhar o contorno das imagens com
um lápis. (...) Isto se consegue projetando uma imagem sobre uma mesa de desenho com
um papel".
Giovanni della Porta

Aos poucos, melhoramentos foram feitos para tornar a imagem mais nítida, com lentes ou
diafragmas. Apenas dez anos após o lançamento do livro de Giovanni della Porta, o
veneziano Bárbaro instalou um espelho côncavo, “endireitando” a imagem invertida,
facilitando o trabalho dos artistas. No século seguinte, vários incrementos tornaram a
câmera escura menor, móvel e portátil. Todo nobre, clérigo ou burguês culto mantinha a
sua própria câmera, um instrumento básico de sua educação: através dela ele podia se
dedicar à observação da natureza e ao desenho, tendo como finalidade a pesquisa científica
ou as belas-artes. No século XVIII, seu uso foi extremamente difundido, e havia até mesmo
artefatos de bolso que auxiliavam o desenho.

Livro? Não...

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Câmera escura com formato de escrivaninha

Duas curiosas câmeras escuras, em formatos de livro e de escrivaninha, bastante usadas por
artistas plásticos do século XVIII.

A imagem efêmera
.

Lanterna Mágica

Charles Amédée Philippe Van Loo.

A Lanterna Mágica.

Óleo do século XVIII.

A câmera escura já era usual

entre os artistas, mas a fixação de suas

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imagens ainda era um sonho.

Os sais de prata

Até então, o auxílio da câmera escura limitava-se à cópia da realidade. Ela era apreendida,
assimilada e reproduzida pelo desenho. Faltava descobrir como aprisioná-la. E foi no século
XVIII que se realizaram as primeiras tentativas de fixação da imagem produzida na câmera
escura. A primeira grande contribuição foi dada por um homem que buscava tudo, menos
uma solução para a questão da fixação da imagem refletida.

Há séculos que se conhecia o escurecimento progressivo da prata. Mas é em 1725 que se


constatou o porquê do enegrecimento dos sais de prata. Johann Heinrich Shulze, um
professor de anatomia que vivia perto de Nuremberg, pesquisava um meio de obter fósforo
(“pedras luminosas”, como as chamava) artificialmente. Numa de suas experiências, ele
encharcou uma porção de cal com nitrato de prata e colocou-a dentro de uma garrafa.
Exposta à luz solar, a massa adquiriu uma tonalidade escura. O seu espírito investigativo
fez com que repetisse a experiência até o ponto de verificar, primeiro, que o que enegrecia
era uma base de grada e nitrato de prata, enquanto o resto da massa permanecia claro. Em
seguida, expondo essa base ao calor e à luz, alternadamente, concluiu que a alteração se
dava em função dos raios solares, e não devido à temperatura ou a outros efeitos da
atmosfera.

Em 1727 ele publicou sua tese com um título bem-humorado: De como descobri o portador
da escuridão ao tentar descobrir o portador da luz. Chamou aquela pasta com sais de prata
de Scotophorus, o anti-fósforo, o que traz a escuridão. Mas ele acreditava que suas
experiências poderiam “revelar ainda outras utilidades de aplicação aos naturalistas”.
Acabaria sendo o pai da fotoquímica: até os nossos dias, o elemento básico fotossensível
utilizado pela indústria fotográfica é o Bromureto de Prata, obtido através da reação
química entre o Nitrato de Prata e um Bromureto de Sódio ou Potássio.

Jean Senebier, um bibliotecário de Genebra, continuou as experiências de Schulze e


publicou em 1782 o resultado de seus experimentos: ele pesquisou a velocidade com que as
cores do espectro atuavam sobre o cloreto de prata, do violeta ao vermelho, e empreendeu
outros experimentos sobre a atuação da luz solar em resinas. Outra descoberta química que

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teria importância futura passou quase desapercebida: o químico sueco Carl Scheele
demonstrou que os sais de prata afetados pela luz se tornavam insolúveis após um banho de
amoníaco. O estágio do conhecimento humano já permitia a solução fotográfica.

Mas ela teria de esperar até o século seguinte para se tornar uma realidade.

De volta à câmera escura

Um cientista amador, filho de um afamado ceramista inglês, utilizava-se da câmera escura


para desenhar grandes casas de campo, com as quais decorava aparelhos de chá e vasilhas
elaboradas na cerâmica de seu pai. Seu nome era Thomas Wedgwood, e ele havia tomado
conhecimento do livro de Schulze. Junto com seu amigo Humphry Davy, tentou fixar as
imagens da câmera escura, fazendo com que a luz incidisse sobre um couro branco
revestido de nitrato de prata.

Em junho de 1802, a dupla anunciou que conseguira fixar as imagens, mas elas só podiam
ser vistas, infelizmente, por um “tempo muito moderado”. Conseguiram ainda algumas
reproduções por contato, registros de objetos transparentes por contato: asas de insetos,
folhas e pinturas sobre vidro. Mas as imagens só podiam ser observadas à luz de velas, em
local escuro, e mesmo assim iam enegrecendo. Faltou pouco para que Wedgwood e Davy
conseguissem as primeiras fotografias permanentes.

Niépce

Joseph Nicéphore Niépce

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Retrato a óleo de Niépce, pintado no final de sua vida por Léonard-François Berger.

Mais uma vez, o conhecimento da natureza originado da investigação científica viria


somar-se aos anseios artísticos. Joseph Nicéphore Niépce, um oficial do exército francês,
desde o final do século XVIII empreendeu tentativas de fixar a imagem da câmera escura.
Começou em 1793 a realizar alguns experimentos químicos com materiais sensíveis à luz,
mas somente após sua aposentadoria empenhou-se nessa tarefa.

Mas por que Niépce insistia em fixar aquelas imagens? Seu interesse era artístico: ele
demonstrava grande interesse por litografias, muito populares na França do início do século
XIX. Muitos artistas medianos chegavam a ganhar um bom dinheiro com isso. Embora essa
não fosse a preocupação de Niépce, homem ilustrado e de bom cabedal, o seu espírito de
investigação uni-se a um frustrado desejo artístico alimentado durante a mocidade: ele
nunca demonstrou habilidade para o desenho. A solução que encontrava para essa inaptidão
era a câmera escura. E, se ele conseguisse fixar a imagem sobre a pedra litográfica
sensibilizada, poderia transpô-la como uma gravura, obtendo bons resultados (perfeitos, sob
o ponto de vista estético da época) sem saber desenhar.

Em 1816, conseguiu fixar parcialmente a imagem do pátio de sua casa sobre um papel
sensibilizado com cloreto de prata, usando como fixador o ácido nítrico. Mas, para sua
decepção, observou que as partes que deveriam ser claras apareciam escuras. Eram
negativos e, embora isso abrisse uma senda clara para a fotografia, Niépce passou a
experimentar novos materiais. Ele queria um positivo.

Em julho de 1822 conseguiu sua primeira fotocópia - uma gravação em chapa de cobre
exposta ao sol e, em seguida, colocada sobre uma chapa de cristal recoberta com betume da
Judéia (que era usado em gravações por causa de sua resistência à corrosão). Nos anos
seguintes, ele substituiu a chapa de vidro por zinco, e batizou o processo de heliografia.

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Cardeal D'Amboise

Heliografia do Cardeal D'Amboise, feita por Niépce em 1826 e impressa sobre uma placa
de zinco pelo gravador parisiense Lemaître.

A Primeira Fotografia

Vista do quarto de Niépce

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Esta é a primeira fotografia realizada com êxito por Niépce, em 1826.
É uma vista da janela de seu quarto. Note que ambos os lados do pátio estão iluminados
pelo sol: resultado de uma exposição de oito horas num dia de verão.

Mas vale lembrar que o objetivo de Niépce continuava sendo o de elaborar uma placa de
impressão para litografia. Ele abandonou o peltre por esse motivo: era um material muito
brando para se transformar numa placa de impressão. Passou a utilizar lâminas de cobre
prateadas, e alcançou uma sensível melhoria de contrastes enegrecendo com vapor de iodo
as partes que não sofreram impressão. Mas o tempo de exposição continuava sendo muito
longo.

Niépce queria aperfeiçoar esse método e, por isso, em 1829, procurou um homem chamado
Louis Jacques Mandé Daguerre, pintor, inventor e empresário do ramo de espetáculos.
Firmaram um convênio com um único objetivo: aperfeiçoar a heliografia.
Ela seria aperfeiçoada, mas o tempo de Niépce chegava ao fim. Ele morreu em 1833, aos
68 anos.

Século XIX

Boulevard du Temple

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Boulevard du Temple, Paris, 1838.
Um dos primeiros testes de Daguerre antes de anunciar seu sucesso. Significativamente,
uma cena urbana, de uma avenida alargada e remodelada pouco tempo antes dessa imagem
ser captada. Provavelmente este é o primeiro registro de um anônimo (na esquina), pois os
tempos de exposição eram muito longos e movimentos não eram registrados.

1839, ano I

No ano de 1839, Fox Talbot e Daguerre anunciavam a fixação de imagens captadas pela
câmera escura. Os dois sistemas envolviam os princípios químicos e ópticos descritos no
capítulo anterior, e conhecidos há tempos. No entanto, o inglês e o francês chegaram a
resultados um tanto diferentes. Como sublinha Naomi Rosemblum, o invento de Talbot
seria mais importante para o desenvolvimento da fotografia nos anos seguintes: uma
imagem monocromática fixada em papel, invertida em sua posição e em seus tons - um
negativo, tratado depois quimicamente para ser revertido.
Mas foi Daguerre, com sua única e não-duplicável imagem invertida sobre uma placa de
metal, o daguerreótipo, que alcançou grande popularidade em seu tempo.

Mas, se todas as condições necessárias já eram conhecidas, por que só em 1839 estes
métodos alcançaram um desenvolvimento reconhecido?

Como ressalta novamente Naomi Rosemblum e outros historiadores, a sociedade industrial


européia estava pronta cultural e economicamente para isso. Na verdade, essa resposta
inverte, de certa forma, a ordem dos fatos. Mais uma vez, vale ressaltar que a inovação
técnica não nasceu por si própria, como um fato inevitável, previsto pelo destino. Em
meados do século XIX, os homens de engenho e arte viviam mais do que nunca o anseio de
reproduzir "fielmente" a natureza, o sonho que teve início no Renascimento.

A secularização da sociedade industrial era definitiva, e a fixação das imagens tornava-se


uma questão de conhecimento - por exemplo, em construções, topografias, arquitetura.
Proporções corretas - e isso é importante - eram o complemento ideal de uma nova forma
de ver o mundo, liberta do jugo das superstições, da religião, dos preconceitos arraigados
no vulgo, que via com olhos mágicos a realidade e, assim, não permitia a absorção
completa dessa realidade, o progresso através do conhecimento e transformação da
natureza. O novo sentido do olhar tornava-se adulto - e nada podia nublar a imagem
"correta", objetiva, nem mesmo a imaginação ou as limitações do artista.

Vivia-se então o período realista (o naturalismo artístico) e o otimismo provocado pelos


progressos científicos da Revolução Industrial. John Constable, pintor inglês, afirmava que
"a pintura é uma ciência e deve ser apreendida através de um inquérito junto às leis da

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natureza". Gustave Courbet, grande pintor realista francês, sintetizava as mudanças na
pintura: rejeição de temas históricos e antigos, captação de momentos não formais da
expressão humana, busca da iluminação própria de cada estação, cada clima ou cada hora...
Agora, o homem contemporâneo, o seu tempo e sua maravilhosa capacidade de
compreender e transformar a natureza eram os principais objetos da arte.

Entre o público das grandes cidades, surgia uma enorme audiência para as imagens
pictóricas. A classe média era cada vez mais influente após a crescente perda de poder da
igreja e da nobreza. Menos instruídos que os aristocratas, os burgueses preferiam
expressões mais simples, de fácil entendimento - gravuras e litografias com cenas
anedóticas, paisagens idílicas, cenas e retratos familiares... Não foi difícil para a fotografia
nascente ocupar esse espaço de preferências.

Daguerre

Louis Jacques Mandé Daguerre

Daguerre, retratado em daguerreótipo tirado por Jean Baptiste Sabatier-Blot em 1844.

Quando da sociedade firmada com Niépce, Daguerre era mais famoso como um empresário
do ramo de entretenimento. Era o co-inventor e o proprietário do Diorama, uma atração
que reunia grande público nas ruas de Paris e das cidades por onde passava em exibição.

Quando da sociedade firmada com Niépce, Daguerre era mais famoso como um empresário
do ramo de entretenimento. Era o co-inventor e o proprietário do Diorama, uma atração que
reunia grande público nas ruas de Paris e das cidades por onde passava em exibição.

Niépce era um investigador insaciável e discreto, mas Daguerre daria uma nova dimensão
ao invento: ele entendia de promoção, marketing e do gosto popular, e certamente deu um

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rumo diferente do que Niépce imaginou para a o seu invento.

Dois anos depois da morte de Niepce, Daguerre descobriu que uma imagem latente poderia
ser revelada com vapor de mercúrio, reduzindo o tempo de exposição para 20 ou 30
minutos. Mas só em 1837 encontrou o fixador necessário: uma solução de sal comum. No
ano seguinte, com a proteção do astrônomo e deputado Arago, e do cientista e também
deputado Gay-Lussac, conseguiu que o governo francês comprasse o invento.
Não perdeu tempo: batizou-o de Daguerreotipia.

Leipziger Stadtanzeiger

O anúncio do governo francês sobre a nova máquina causou uma ebulição pública. Arago,
em discursos e entrevistas, afirmava que o método não requeria nenhum conhecimento de
desenho ou habilidade manual: "qualquer um poderia obter sucesso e manejá-lo tão bem
como o inventor" (Arago).
A natureza se reproduziria por si mesma, dizia o burburinho geral. "A partir de hoje a
pintura está morta!", proclamou o pintor Paul Delaroche.
Reações bem menos entusiastas surgiram, como a do jornal alemão Leipziger
Stadtanzeiger.

Daguerre conseguiu, com seus métodos publicitários, eletrizar o ambiente. Surgiu mais uma
forma de promover e popularizar seu invento (além de mais uma fonte de renda): lançou
um manual em que descrevia seu método: Historique et description des procédés du
Daguerreótype et du Diorama.

Manual de Daguerre

À esquerda, o primeiro manual fotográfico do


mundo, lançado na Alemanha em julho de
1839, provavelmente por Karl von Frankstein
em Graz.
À direita, a primeira edição do manual de
Daguerre, publicado logo no mês seguinte.

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O Daguerreótipo

Vamos a um resumo do método daguerreótipo: uma lâmina de cobre prateada, comprada


pronta, era sensibilizada com vapor de iodo, formando iodeto de prata sobre a lâmina.
Expondo por cerca de 20 a 30 minutos essa lâmina na câmera escura, obtinha-se uma
imagem latente que podia ser revelada pelo vapor de mercúrio. O mercúrio aderia às partes
do iodeto de prata afetadas pela luz. O fixador era uma solução de hipossulfito de sódio e,
após sua aplicação, a lâmina era lavada. O resultado era um positivo ricamente detalhado, e
sua superfície era tão delicada que tinha de ser protegida com um cristal e hermeticamente
fechada, evitando o contato com o ar.

Vários escritores reclamaram em juízo já ter alcançado a fixação das imagens em suas
investigações, protestando contra a proeminência dada a Daguerre: o que só vem
comprovar o anseio pelo fato, além da capacidade de promoção de Daguerre, um homem
apaixonado pelo entretenimento e capaz de transformar uma inovação técnica em um
evento urbano. Em menos de um ano, seu manual teve quarenta edições publicadas em
vários idiomas (nove mil exemplares vendidos nos três primeiros meses). Uma exibição do
processo fotográfico, executada por Daguerre, percorreu cidades da França e atravessou o
canal, encantando a platéia londrina. Músicas e vaudevilles tendo a daguerreotipia como
tema eram executados nos teatros de Paris e Londres. A imprensa européia só falava na
"daguerreotipomania", a nova febre dos franceses.

Cartaz de teatro

A canção da daguerreotipia, espetáculo teatral de


1839.

A novidade era cantada em prosa e verso,


provocando uma verdadeira febre coletiva.

Vários escritores reclamaram em juízo já ter


alcançado a fixação das imagens em suas
investigações, protestando contra a proeminência
dada a Daguerre: o que só vem comprovar o anseio
pelo fato, além da capacidade de promoção de
Daguerre, um homem apaixonado pelo
entretenimento e capaz de transformar uma
inovação técnica em um evento urbano. Em menos
de um ano, seu manual teve quarenta edições publicadas em vários idiomas (nove mil
exemplares vendidos nos três primeiros meses). Uma exibição do processo fotográfico,

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executada por Daguerre, percorreu cidades da França e atravessou o canal, encantando a
platéia londrina. Músicas e vaudevilles tendo a daguerreotipia como tema eram executados
nos teatros de Paris e Londres. A imprensa européia só falava na "daguerreotipomania", a
nova febre dos franceses.

A expansão e primeiros usos

As primeiras câmeras eram fabricadas por Alphonse Giroux em Paris. Logo as lentes
necessárias, acromáticas e não-distorsivas, começaram a ser manufaturadas na Inglaterra,
Alemanha, Áustria e Estados Unidos. O material era caro (isso não era dito pelo manual),
mas atraiu admiradores de primeira hora, na França e noutras partes do mundo, e os usos do
novo invento foram de descobrindo aos poucos. O primeiro a ultrapassar os limites das
cenas urbanas ou campestres foi o Barão Louis Gros, que tirou daguerreótipos do Parthenon
numa missão diplomática, em 1840. Começava a se perceber o valor documental e
memorial do invento. Anton Martin, bibliotecário do Instituto Politécnico de Viena,
começou a organizar seus daguerreótipos de Viena como um verdadeiro documentário da
cidade. Insering, um gravador suíço, registrou vistas de várias cidades e coloriu
daguerreótipos a mão, iniciando um gênero temático que iria ser dominante entre 1850 e
1880, o paisagismo.

Ponte e barcos no Tâmisa

Paisagem de inverno

À esquerda: Ponte e barcos no Tâmisa, daguerreótipo


de Jean Baptiste Louis Gros, de 1851. À direita: de
Anton Martins, Paisagem de inverno, daguerreótipo
de 1841.

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Estados Unidos
Na América, a daguerreotipia também iria causar um frenesi, já em 1840. Enquanto na
Europa o progresso do invento era associado ao retrato, ainda impossível devido ao longo
tempo de exposição, o paisagismo era o grande tema americano. Era a época de Emerson, e
os americanos proclamavam sua diferença e sua juventude valorizando a "divina mão da
natureza", como dizia o filósofo. Mostrar aquela paisagem bruta a ser desbravada era a
grande ambição norte-americana. Mas não ficaram só nisso. Vários artistas e cientistas
também buscaram maneiras de aperfeiçoar o invento. Samuel B. Morse, o pintor e cientista
que inventou o telégrafo, foi um dos principais entusiastas da novidade. John Wipple, um
cientista e empresário de Boston, por exemplo, tentou expor os daguerreótipos à luz
artificial, e pesquisou outras emulsões para a chapa, como a albumina, que seria importante
em desenvolvimentos fotográficos posteriores.
Na América, a daguerreotipia também causou um frenesi, já em 1840. Enquanto na Europa
o progresso do invento era associado ao retrato, ainda impossível devido ao longo tempo de
exposição, o paisagismo era o grande tema americano. Era a época de Emerson, e os
americanos proclamavam sua diferença e sua juventude valorizando a "divina mão da
natureza", como dizia o filósofo. Mostrar aquela paisagem bruta a ser desbravada era a
grande ambição norte-americana. Mas não ficaram só nisso. Vários artistas e cientistas
também buscaram maneiras de aperfeiçoar o invento. Samuel B. Morse, o pintor e cientista
que inventou o telégrafo, foi um dos principais entusiastas da novidade.
John Wipple, um cientista e empresário de Boston, por exemplo, tentou expor os
daguerreótipos à luz artificial, e pesquisou outras emulsões para a chapa, como a albumina,
que seria importante para os desenvolvimentos fotográficos posteriores.

Fotógrafo de paisagem

Gravura em madeira,
O fotógrafo de paisagem,
de 1865, autor desconhecido.
Vista na primeira história da fotografia,
editada já em 1877 por J. Thompson.
A gravura é européia, mas é um retrato
fiel da tendência americana de partir
em busca da conquista da sua
"paisagem nacional".

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Fox Talbot

Fox Talbot

Daguerreótipo de William Henry Fox Talbot tirado por


Antoine Claudet em 1844.
William Henry Fox Talbot era um homem bem mais discreto e recolhido que Daguerre. Ele
vinha pesquisando a fixação da imagem da câmera escura há tempos. Extremamente
erudito, com múltiplos interesses investigativos, seus conhecimentos se estendiam da
matemática, área em que era especialista, às línguas orientais, passando pela física e pela
química. Logo após o governo francês ter anunciado o invento de Daguerre, Talbot
reclamou a prioridade de seu invento num informe à Royal Society, chamado "Alguns
informes sobre a arte do Desenho Fotogênico, o processo mediante o qual pode-se
conseguir que os objetos naturais reproduzam-se por si só". Ao contrário de Daguerre, a
publicação desse informe foi privada e limitadíssima, restringida aos colegas cientistas da
Academia.

Fotogênicos

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Fotogênicos

Os desenhos fotogênicos de Talbot,plumas e rendas obtidas com a superposição dos objetos


sobre papel sensibilizado.

Talbot começou seus experimentos fazendo contatos fotográficos (plantas, plumas, rendas e
bordados) diretamente sobre papel recoberto por nitrato de prata e cloreto de prata. Eram
fixadas (não muito bem) com amoníaco e, às vezes, com iodeto de potássio. Em 1835
construiu câmeras de 6,3 x 6,3cm e, com exposição de meia hora, tirou fotos de 2,5cm
quadrados, fixadas com sal comum. Eram negativos ou contatos que não atraíram o
público, ainda mais em comparação com os brilhantes daguerreótipos.

Em 1840, descobriu como revelar uma imagem latente, com uma exposição muito mais
curta, utilizando galo-nitrato de prata. Embora Talbot preferisse o nome "Desenho
Fotogênico", sua invenção seria mais conhecida como Calótipo ou Talbotipo. O processo
de Talbot consistia no seguinte: um papel de boa qualidade era recoberto sucessivamente
com soluções de nitrato de prata e iodeto de potássio, formando assim iodeto de prata. Em
seguida era sensibilizado com soluções de ácido gálico e nitrato de prata. Após a exposição,
a imagem latente era revelada com nova aplicação de galo-nitrato de prata, e esquentava-se
o papel perto do fogo por 1 ou 2 minutos. O negativo era fixado com bromureto ou
hipossulfito de potássio, e lavado com água. A cópia positiva era feita em novo papel de
"desenho fotogênico" por sobreposição, como uma gravura, e não era revelada.

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A porta aberta, calótipo de Talbot, 1843

As dificuldades que Talbot enfrentou para difundir o seu processo fotográfico chegou a
decepcioná-lo: ao contrário de Daguerre, ele não teve o apoio governamental esperado.
Talbot não esperava remunerações altas ou pensões vitalícias, como o francês. Queria
apenas o reconhecimento da comunidade científica - afinal de contas, ele percebia as
vantagens de seu processo, que iriam impulsionar esse novo meio de expressão: o suporte
(papel) e a capacidade de reprodução (negativo).

O calótipo poderia ser inserido em livros, álbuns, ser colado em documentos, enviado por
carta e, talvez Talbot nem tenha imaginado, mas abria caminho para as imagens serem
futuramente impressas em livros e jornais. Mas o gosto popular (categoria estética que
jamais entraria sob a cartola de Talbot) preferia a facilidade da cópia única e brilhante de
Daguerre. E o dom para a comunicação de massa que o francês possuía estava há anos-luz
de distância do comportamento circunspecto de Talbot.

O inglês continuou se inteirando dos avanços feitos por outros investigadores. Tentou
patentear o invento e ver seus direitos reconhecidos e apoiados pelo governo inglês. Porém,
ao não conseguir maiores resultados, acabou transferindo sua dedicação à ciência para
outro campo: foi estudar a escrita cuneiforme assíria, tentando traduzi-la pela primeira vez.

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